Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
343/05.7TAVFN.P1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA MENDES
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
PRINCÍPIO DA ADESÃO
ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
DUPLA CONFORME
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE DIREITO
MATÉRIA DE FACTO
ACORDÃO DA RELAÇÃO
LIMITAÇÃO DO RECURSO
NULIDADE
EXCESSO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 09/29/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Área Temática: DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS
Doutrina: - Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado (17ª edição – 2009), ao referir a fls. 913, em anotação ao artigo 400º.
- Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal (207), nota 18 ao artigo 400º, fls.1008.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 721.º, N.º3, 721.º-A
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 71.º, 379.º, N.º1, ALÍNEA C), 400.º, N.º3, 410.º, NºS 2 E 3, 420.º, N.º 1, ALÍNEA B),
LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS (LEI N.º 52/08, DE 28 DE AGOSTO): - ARTIGO 33.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 05.02.17, RECURSO N.º 58/05,
-DE 06.02.02, RECURSO N.º 4409/05;
-DE 06.07.20, RECURSO N.º 2316/06.
Sumário : I - O legislador penal, em 2007, entendeu alterar o regime recursório em matéria de decisões proferidas sobre o pedido de indemnização civil, pondo em causa o princípio da adesão consagrado no art. 71.º do CPP, e estabelecendo posição contrária à assumida pelo STJ no Ac. n.º 1/2002, publicado no DR., I Série-A, de 02-05-2002. Com a introdução do n.º 3 daquele preceito o legislador subtraiu ao regime de recursos da lei adjectiva penal as decisões relativas à indemnização civil, submetendo-as integralmente ao regime da lei adjectiva civil, o que fez conforme afirmação consignada na motivação da Proposta de Lei 109/X, a bem da “igualdade” entre todos os recorrentes em matéria civil, dentro e fora do processo penal.
II - Daqui resulta, necessariamente, que o n.º 3 do art. 400.º veio submeter a impugnação de todas as decisões civis proferidas em processo penal ao regime previsto na lei adjectiva civil, no sentido de que às decisões (finais) relativas à indemnização civil proferidas em processo penal é integralmente aplicável o regime dos recursos estabelecido no CPC.
III - De acordo com o n.º 3 do art. 721.º do CPC, não é admitida a revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida em 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte. No caso vertente, verificamos que o acórdão recorrido, no segmento que apreciou o pedido de indemnização civil deduzido, confirmou a decisão sobre ele proferida em 1.ª instância, sem voto de vencido. Por outro lado, não se verifica qualquer das situações de excepção previstas no art. 721.º-A do CPC. Assim sendo, não é admissível o recurso interposto pelos demandados.
IV - Estabelece o art. 33.º da LOFTJ (Lei 52/08, de 28-08), que o STJ, fora dos casos previstos na lei, apenas conhece de matéria de direito, sendo certo que a lei adjectiva penal, em matéria de recursos, circunscreve os poderes de cognição do STJ ao reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410.º, n.ºs 2 e 3 (art. 434.º). Daqui resulta estar vedado ao STJ o reexame da matéria de facto, ou seja, a sindicação da decisão de facto proferida pelo Tribunal da Relação, decisão que, aliás, já transitou em julgado.
V - O tribunal de recurso só pode conhecer as questões inseridas pelo recorrente nas conclusões da motivação de recurso e desde que as mesmas hajam sido apreciadas na decisão recorrida, razão pela qual lhe está vedado pronunciar-se sobre questões que, muito embora hajam sido decididas no processo, não tenham sido objecto de conhecimento na decisão impugnada, sendo que a fazê-lo incorre em nulidade por excesso de pronúncia – al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP.
VI - O julgamento em recurso não é o da causa, mas sim o do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, pelo que o STJ, em recurso de decisão do Tribunal da Relação, não pode conhecer de questões que, embora resolvidas ou surgidas na sequência da decisão do tribunal de 1.ª instância, não hajam sido submetidas à apreciação e julgamento do tribunal de 2.ª instância.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal singular n.º 343/05.7TAVFN, do 2º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão, AA, BB e CC, Lda. foram condenados pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social.
Na procedência do pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social foram os arguidos e demandados condenados a pagar, solidariamente, a título de indemnização a importância de € 59.264,52, acrescida de juros de mora.
O Tribunal da Relação do Porto, após recurso interposto pelos arguidos, julgou extinto o procedimento criminal, por descriminalização, tendo mantido a condenação no pedido de indemnização civil.
Interposto novo recurso pelos arguidos AA e BB para este Supremo Tribunal de Justiça, circunscrito à vertente civil da decisão, foi anulado o acórdão impugnado no que respeita à falta de apreciação de certas e determinadas questões, tendo-se ordenado a sanação do respectivo vício.
Prolatado novo acórdão pelo Tribunal da Relação (no qual foram conhecidas as questões que este Supremo Tribunal entendeu não haverem sido objecto de pronúncia), foi integralmente mantida a decisão inicialmente proferida.
Inconformados, os demandados AA e BB impugnam novamente a decisão do Tribunal da Relação, tendo extraído da motivação apresentada as seguintes conclusões:
1. Importa desde logo dizer que a Segurança Social, como de resto o Fisco, podem interpor contra os seus devedores as respectivas execuções fiscais, podendo ainda, no âmbito de qualquer execução fiscal movida contra pessoa colectiva, requerer a sua reversão contra os respectivos representantes legais uma vez comprovados os requisitos de tal reversão e após o exercício do direito de audição prévia pelos visados.
2. Assim, é manifesto que a Segurança Social já tem título executivo contra a sociedade (a certidão de dívida cuja emissão compete à própria Segurança Social) e contra os restantes recorrentes, uma vez cumpridos os requisitos formais e materiais da reversão correspondente, pelo que o pedido de indemnização cível dos autos é um acto inútil e desnecessário, pelo que a demandante deve (como já deveria) ser condenada nas custas do mesmo pedido de indemnização cível (art. 449, n.º 1 do CPC).
3. Este Alto Tribunal afirmou, no Douto Acórdão que ordenou a baixa à Veneranda Relação para a apreciação das questões que não o tinham sido (objecto de apreciação), que os recorrentes não podem ser condenados sem previamente se aferir do preenchimento dos requisitos de que depende a reversão e a sua responsabilização.
4. Nunca os recorrentes admitiram que procederam a qualquer desconto ou retenção nos salários pagos aos trabalhadores da sociedade arguida, nem muito menos admitiram a obtenção de qualquer benefício para a sua representada, conforme se pode constatar da prova produzida nos autos, em que apenas e só é reconhecido que o valor da dívida da sociedade arguida à Segurança Social corresponde ao montante invocado no douto despacho de acusação, mas Nada Mais do que isso.
5. Compulsado o depoimento da testemunha de acusação DD, Inspector da Segurança Social, apenas afirmou o teor das folhas de férias, nada podendo comprovar quanto à aludida apropriação ilícita, conforme também consta do respectivo depoimento.
6 - Conforme resulta da prova produzida nos autos, todos disseram que a sociedade arguida não dispunha dos meios financeiros para efectuar o pagamento dos impostos em falta, apenas tendo meios para efectuar o pagamento dos salários líquidos (ou seja sem qualquer retenção), tanto mais que os próprios recorrentes não conseguem receber da empresa a respectiva remuneração (vd n.º 8 dos factos provados).
7 - Não havendo dinheiro, não pode haver as consequentes retenção e apropriação, com as inevitáveis implicações no sentido da absolvição dos recorrentes.
8 - A instauração e prosseguimento do presente procedimento criminal são manifestamente inconstitucionais.
9 - 0 pseudo-fundamento dos presentes autos configura uma prisão por dividas, há muito afastada do nosso ordenamento jurídico e também ela claramente inconstitucional, uma vez que, está implicitamente consignada nos artigos 27 e 28 da Constituição de 1976, a proibição da prisão por dívidas.
10 - Concluem os recorrentes pela inconstitucionalidade quer das disposições legais ao abrigo das quais se pretende punir os recorrentes quer da actuação do Estado e da Segurança Social no âmbito dos presentes autos e sempre pela sua absolvição.
11 - Os recorrentes não podem subscrever o entendimento constante da douta decisão recorrida que se limita a transcrever, quase na íntegra, a douta acusação, que parte de elementos meramente formais, para, sem proceder à sua confirmação e comprovação efectivas com a realidade dos factos, fazer imputações aos recorrentes que não têm qualquer correspondência com a realidade e não resultam da prova efectuada nos autos.
12 - A afirmação feita no Douto Acórdão recorrido (de que os recorrentes procederam a descontos nos salários dos trabalhadores que se encontravam ao seu serviço) não encontra qualquer reflexo na realidade factual.
13 - 0 que sucedeu efectivamente e resulta da prova efectuada nos autos foi a CC, Lda. não ter meios financeiros disponíveis para cumprir todas as suas obrigações (inclusive para as retribuições dos próprios recorrentes - vd. nº 8 dos factos provados), tendo optado, considerando as circunstancias concretas, por efectuar o pagamento atempado e integral dos salários dos seus trabalhadores, em detrimento da retenção dos valores correspondentes as contribuições respectivas, para a qual (retenção) não tinha disponível o correspondente meio de pagamento.
14 - A retenção aparentemente operada foi meramente contabilística, constante das folhas de férias entregues nos serviços da Segurança Social, não tendo havido, ab initio, qualquer redução/retenção efectiva dos montantes das contribuições devidas, pelo que falta, desta forma, urn elemento essencial constitutivo do tipo legal do crime imputado aos recorrentes – a dedução do valor em causa e a sua subsequente e consequente apropriação.
15 - Ora, não tendo deduzido efectivamente tais montantes, a sociedade não os cobrou, e consequentemente não puderam os recorrentes apropriar-se de uma coisa, in casu dinheiro, que NUNCA chegou a entrar na sua esfera jurídica, e que, por esse facto, NUNCA puderam dispor de tal numerário, o que se mostra, além de tudo o mais, decisivo para que aos recorrentes não possam ser imputados os crimes dos autos.
16 - Resulta da prova efectuada nos autos que NUNCA os recorrentes se apropriaram do que quer que seja quanto as contribuições devidas a Segurança Social, nem tal suposta apropriação teria sido possível, em face da inexistência de meios de pagamento suficientes para que os recorrentes tivessem operado de modo efectivo (e não meramente formal e contabilístico) as retenções que lhe eram impostas por Lei.
17 - Não tendo havido essa retenção efectiva nem a subsequente apropriação, impõe-se concluir que os recorrentes estão a ser indevidamente sancionados.
18 - Assim, não está verificada a apropriação supostamente ilícita imputada aos recorrentes.
19 - Impõe-se também concluir também pela inexistência de outro elemento essencial para que o ilícito imputado aos recorrentes se verifique: o dolo.
20 - Em momento algum, os recorrentes tiveram intenção de se apropriar, nem efectivamente se apropriaram, do numerário correspondente aos valores das contribuições que deveria ter sido deduzidas nos salários dos trabalhadores.
21 - Resulta também comprovado nos autos que NUNCA os recorrentes quiseram apropriar-se de tal numerário, sendo que, mesmo se admitisse que este existia na disponibilidade financeira da empresa (o que não se concede, nem concebe), o mesmo teria sido aplicado na satisfação de muitas necessidades de tesouraria que a empresa, desde há largos anos, experimenta, quer no pagamento dos salários subsequentes dos trabalhadores (evitando, assim, a aplicabilidade da Lei nº 17/86), quer no pagamento de créditos cujo incumprimento implicaria, de per si e automaticamente, a paralisação e subsequente encerramento da empresa fornecedores de matéria-prima, electricidade, água, etc.
22 - Assim, e ponderadas as circunstancias do caso concreto, parece, aos recorrentes, que a conduta que lhes é imputada nos presentes autos, nada tem de censurável, uma vez que os recorrentes sempre actuaram com o objectivo de manter a empresa viável e operacional, contribuindo, desta forma, para o sustento das famílias que dependem do vencimento do trabalhador da empresa arguida e evitando (embora não lhes seja imputável) mais uma crise social com trabalhadores lançados no desemprego.
23 - De resto, compulsado o Douto Acórdão recorrido, verifica-se que não é feita qualquer referência concreta e sustentada factualmente no que diz respeito ao necessário dolo para que a condenação dos recorrentes se possa fazer, tanto mais que a atitude dos recorrentes não integra qualquer comportamento culposo, mas, mesmo que, por mera hipótese, o integrasse, tal atitude é mais característica de uma negligência ainda que grosseira do que de dolo ainda que eventual.
24 - Por outro lado, verifica-se, no caso vertente, falta de consciência da ilicitude, uma vez que os recorrentes, ao não disporem de dinheiro suficiente para efectuar de modo efectivo as deduções legalmente exigíveis para pagamento das contribuições à Segurança Social, não podiam saber que a sua omissiva actuação era ainda assim censurável, tanto mais que ao efectuar o pagamento dos salários líquidos aos trabalhadores e ao satisfazer o pagamento de créditos imprescindíveis a sua laboraração em detrimento do pagamento das contribuições à segurança social, os recorrentes estão a agir em manifesto estado de necessidade, também ele factor de exclusão da ilicitude.
25 - Conforme resulta também da prova gravada, nomeadamente dos depoimentos dos recorrentes, a sociedade tem intenção de pagar o que estivesse em débito, ou, se se adoptar o entendimento constante da acusação, de restituir o que eventualmente tivesse sido retido.
26 - Tal propósito da parte dos recorrentes resulta decisivo para que o ilícito não se verifique, dado que constitui um elemento de exclusão do dolo.
27 - A apropriação de que depende a prática do crime de abuso de confiança consubstancia-se na inversão do título de posse ou detenção.
28 - Mas, NUNCA os recorrentes se comportaram relativamente ao numerário em causa como os seus proprietários ou possuidores, NUNCA tendo praticado qualquer acto objectiva ou mesmo subjectivamente considerado para que se sentissem os proprietários ou possuidores de tal numerário ou para que quem quer que seja lhes pudesse atribuir a titularidade ou a posse do dinheiro em questão, pelo que, também por aqui, falece a posição vertida na acusação, face nomeadamente à prova produzida nos autos (de que resulta a comprovação da inexistência de qualquer meio financeiro, retenção ou apropriação), não estando reunidos nos recorrentes os caracteres da posse enquanto forma de aquisição da titularidade – pública, pacifica, titulada e de boa-fé.
29 - Resulta, pois, evidente que a prova produzida nos autos leva a conclusão de que os recorrentes não se apropriaram dos valores em causa, podendo falar-se, quando muito e por mera hipótese académica, em utilização do numerário em questão para outros fins ­ o pagamento dos salários líquidos dos trabalhadores e dos créditos de fornecedores essenciais a manutenção da laboração.
30 - O Douto Acórdão recorrido viola o disposto nomeadamente nos arts. 6, 7, 105 e 107 da Lei 15/2001 e nos arts. 30 e 79 do Código Penal, no art. 3 do DL 73/99, no art. 474 CPC, nos arts. 78 e 79 do CSC e nos arts. 12, 13, 27, 28, 32 CRP.
Não foi apresentada resposta.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, atenta a limitação do recurso à matéria cível, apenas se pronunciou sobre a sua validade e efeito que lhe foi atribuído.
No exame preliminar deixou-se consignado que o recurso deve ser rejeitado, decisão que se relegou para conferência.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
O legislador penal em 2007 entendeu alterar o regime recursório em matéria de decisões proferidas sobre o pedido de indemnização civil, pondo em causa o princípio da adesão consagrado no artigo 71º, do Código de Processo Penal, e estabelecendo posição contrária à assumida por este Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º 1/02, publicado no DR I-A, de 02.05.21, que fixou jurisprudência no sentido de que: «No regime do Código de Processo Penal vigente – n.º 2 do artigo 400º, na versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto – não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal da Relação, relativa à indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal».
Com efeito, de acordo com o n.º 3 do artigo 400º, dispositivo introduzido pela Lei n.º 48/07, de 29 de Agosto: «Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil».
Com tal alteração o legislador subtraiu ao regime de recursos da lei adjectiva penal as decisões relativas à indemnização civil, submetendo-as integralmente ao regime da lei adjectiva civil, o que fez, conforme afirmação consignada na motivação da proposta de lei n.º 109/X, a bem da “igualdade” entre todos os recorrentes em matéria civil, dentro e fora do processo penal.
À alteração introduzida subjaz, pois, o propósito de colocar em pé de igualdade todos aqueles que pretendam impugnar decisão civil proferida, dentro ou fora do processo penal, ou seja, quer a respectiva causa ou pleito se desenvolva em processo penal ou em processo civil.
Daqui resulta, necessariamente, que o n.º 3 do artigo 400º veio submeter a impugnação de todas as decisões civis proferidas em processo penal ao regime previsto na lei adjectiva civil, no sentido de que às decisões (finais) relativas à indemnização civil proferidas em processo penal é integralmente aplicável o regime dos recursos estabelecido no Código de Processo Civil.
É este o único entendimento possível face à ratio do preceito em causa (1) .
De acordo com o n.º 3 do artigo 721º do Código de Processo Civil:
«Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte» (2)
No caso vertente verificamos que o acórdão recorrido, no segmento em que apreciou o pedido de indemnização civil deduzido, confirmou a decisão sobre ele proferida em 1ª instância, sem voto de vencido. Por outro lado, não se verifica qualquer das situações de excepção previstas no artigo 721º-A, do Código de Processo Civil.
Assim sendo, certo é não ser admissível o recurso interposto pelos demandados AA e BB– artigo 420º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
*
Em todo o caso, ainda se dirá.
Do exame do extenso segmento conclusivo da motivação de recurso e conclusões dela extraídas resulta que os demandados AA e BB centram a sua censura sobre o acórdão do Tribunal da Relação do Porto na decisão proferida sobre a matéria de facto, sob a alegação de que a prova foi incorrectamente apreciada, conduzindo a que tivessem sido considerados provados pelas instâncias factos que efectivamente o não foram e, por outro lado, não tivessem sido considerados provados factos relevantes que efectivamente o foram. A seu ver não se provou tenham os recorrentes procedido a qualquer desconto ou retenção nos salários pagos aos trabalhadores da sociedade arguida e demandada ou hajam admitido a obtenção de qualquer benefício para aquela sociedade, nem que tenham praticado qualquer acto de onde se possa concluir se sentissem proprietários ou possuidores do numerário em dívida à segurança social, tendo-se provado, no entanto, que a sociedade arguida e demandante e os recorrentes sempre tiveram (e têm) a intenção de pagar o que estiver em débito à segurança social ou de restituir o eventualmente retido.
Com tais fundamentos entendem não se haver provado qualquer apropriação ilícita e, portanto, a existência de dolo ou de qualquer outro comportamento intencional censurável, razão pela qual pugnam pela sua absolvição.
Impugnam, também, a decisão de direito na parte atinente à condenação em custas relativamente ao pedido de indemnização civil, invocando que a demandante segurança social é que as deverá suportar, atento o disposto no n.º 1 do artigo 449º do Código de Processo Civil, posto que já possui título executivo contra a demandada sociedade CC, Lda., o que torna a instauração ou dedução daquele pedido um acto inútil.
Estabelece o artigo 33º, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 52/08, de 28 de Agosto), que o Supremo Tribunal de Justiça, fora dos casos previstos na lei, apenas conhece de matéria de direito, sendo certo que a lei adjectiva penal, em matéria de recursos, circunscreve os poderes de cognição deste Supremo Tribunal ao reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410º, n.ºs 2 e 3 (artigo 434º).
Daqui resulta, obviamente, estar vedado a este Supremo Tribunal o reexame da matéria de facto, ou seja, a sindicação da decisão de facto proferida pelo Tribunal da Relação, decisão que, aliás, já transitou em julgado.
Deste modo, sempre haveria que rejeitar o recurso no segmento em que os recorrentes impugnam a decisão de facto proferida, com isso visando a sua absolvição no pedido de indemnização civil – artigo 420º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal.
E o mesmo sucede no que tange à questão que os recorrentes pretendem seja sindicada atinente à eventual responsabilidade do demandante Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pelo pagamento das custas do pedido de indemnização civil.
Vejamos.
Constitui princípio básico e elementar em matéria de recursos o de que a impugnação de decisão judicial visa a modificação da mesma, por via do reexame da matéria nela apreciada, e não a criação de decisões sobre matéria nova, estando o tribunal de recurso limitado nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido objecto da decisão recorrida, sejam submetidas à sua apreciação, isto é, constituam objecto da impugnação, o qual em processo penal se define e delimita através das conclusões formuladas na motivação de recurso.
Daqui decorre que o tribunal de recurso só pode conhecer as questões inseridas pelo recorrente nas conclusões da motivação de recurso e desde que as mesmas hajam sido apreciadas na decisão recorrida - (3), razão pela qual lhe está vedado pronunciar-se sobre questões que, muito embora hajam sido decididas no processo, não tenham sido objecto de conhecimento na decisão impugnada, sendo que a fazê-lo incorre em nulidade por excesso de pronúncia – alínea c) do n.º 1 do artigo 379º do Código de Processo Penal.
Como expressivamente se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 17 de Fevereiro de 2005, proferido no Recurso n.º 58/05, o julgamento em recurso não é o da causa, mas sim o do recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa, pelo que o Supremo Tribunal de Justiça, em recurso de decisão do Tribunal da Relação, não pode conhecer de questões que, embora resolvidas ou surgidas na sequência da decisão do tribunal de 1ª instância, não hajam sido submetidas à apreciação e julgamento do tribunal de 2ª instância.
Do exame dos autos resulta que os recorrentes só no recurso ora interposto para este Supremo Tribunal de Justiça colocam a questão da eventual responsabilidade do demandante pelo pagamento das custas relativas ao pedido de indemnização civil, pagamento em que foram condenados os demandados na decisão de 1ª instância, razão pela qual o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre aquela questão.
Destarte, certo é que o recurso sempre teria de ser rejeitado, também, nesta parte, consabido que o está em causa na questão suscitada são as custas devidas pelo julgamento do pedido de indemnização civil, ou seja, as custas devidas em 1ª instância, não as custas devidas pela interposição dos recursos, custas estas cujo pagamento, obviamente, é da responsabilidade dos recorrentes, posto que vencidos.

Termos em que se acorda rejeitar o recurso.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 29 de Setembro de 2010
Oliveira Mendes (Relator)
Maia Costa
_______________________
1)-Neste preciso sentido também se pronuncia o saudoso Conselheiro Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado (17ª edição – 2009), ao referir a fls. 913, em anotação ao artigo 400º:
«O n.º 3, introduzido pela supramencionada Lei na anot. 1, veio contrariar a jurisprudência fixada pelo STJ. Haja ou não lugar a recurso da matéria penal, pode haver lugar a recurso da parte relativa à indemnização civil, se o puder haver perante a lei civil, e conforme se estabelece no n.º 2.
No mesmo sentido parece inclinar-se Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal (207), nota 18 ao artigo 400º, fls.1008.
2)- É do seguinte teor o artigo 721º-A, do Código de Processo Civil:
«Excepcionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no n.º 3 do artigo anterior quando:
a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;
b) Estejam em causa interesses de particular relevância social;
c) O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme»
3)- Cf. entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 06.02.02 e de 06.07.20, proferidos nos Recursos n.ºs 4409/05 e 2316/06.