Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1445/20.5YRLSB.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
DESPORTO
DECISÃO ARBITRAL
IMPUGNAÇÃO
JOGADOR DE FUTEBOL
CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL
PRINCÍPIOS DE ORDEM PÚBLICA PORTUGUESA
CONCEITO INDETERMINADO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES
NOMEAÇÃO DE ÁRBITROS
IMPARCIALIDADE
Data do Acordão: 05/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - O conteúdo a atribuir à “ordem pública internacional” prevista no art. 46.º, n.º 3, al. b), ii), da LAV “não é da exceção ou reserva de ordem pública internacional”.
II - Trata-se de um conceito indeterminado, que, como os demais, em qualquer ordem jurídica, terá de ser concretizado pelo juiz no momento da sua aplicação, tomando em conta as circunstâncias particulares do caso concreto.

III - Nas arbitragens internas, em que, por regra, é aplicado o direito português, o sentido da norma parece claro: restringir a intervenção do conceito de ordem pública como fundamento de anulação das sentenças arbitrais.

IV - Um dos princípios que integram a “ordem pública internacional do Estado Português”, nos termos e para os efeitos previstos no art. 46.º, n.º 3, al. b), ii), da LAV, é o princípio da proporcionalidade, no sentido de corrigir composições de interesses muito desequilibradas, feitas no exercício da liberdade contratual, de modo a evitar que a liberdade de conformação de um contrato venha a traduzir-se em vantagens excessivas (desmedidas) para uma parte, em detrimento da outra.

V - A articulação do disposto nos arts. 46.º, n.º 3, al. a), subalínea iv), 14.º da LAV e 26.º da Lei do TAD conduz-nos à conclusão alcançada no acórdão recorrido de que apenas será possível lançar mão de um pedido de anulação de decisão arbitral com fundamento na falta de independência e imparcialidade de um ou mais árbitros que componham o tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no art. 46.º, n.º 3, al. a), parágrafo iv), nos casos em que a parte não tenha podido suscitar um incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, em virtude da superveniência objetiva ou subjetiva das circunstâncias fundamentadoras de tal pedido.

Decisão Texto Integral:

Acórdão


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. AA instaurou ação de anulação de acórdão arbitral, contra Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD, peticionando a anulação dos acórdãos arbitrais proferidos pelo Tribunal Arbitral do Desporto ("TAD") em 18 de março de 2020 e 6 de julho de 2020.

Alega, para tanto e em síntese, que:

- em 7/08/2018, intentou ação arbitral contra a Requerida, a qual correu termos no Tribunal Arbitral do Desporto sob o número 6.../2018, em que peticionou o reconhecimento da justa causa de resolução de contrato de trabalho desportivo e a condenação da Requerida a pagar ao Requerente (i) €290 000,00 a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho nos termos do n.o 1 do artigo 24.° da Lei n.º 54/2017 de 14 de julho e (ii) €100.000,00 a título de indemnização pela prática de assédio moral contra o Requerente nos termos do n.º 4 do artigo 29.° do Código do Trabalho.

2. A Requerida deduziu pedido reconvencional em que peticionou a condenação do Requerente a pagar à Requerida uma indemnização de €45 292.516 acrescida de juros desde

a citação pelos prejuízos causados com a cessação ilícita do contrato de trabalho desportivo.

3. Em 18/03/2020, o Requerente foi notificado do Acórdão Arbitral, proferido nessa data, nos termos do qual a Requerida foi condenada a pagar ao Requerente uma indemnização pela prática de assédio moral no valor de €40 000,00 e o Requerente foi condenado a pagar à Requerida uma indemnização pela alegada cessação ilícita do Contrato de Trabalho Desportivo no valor de €16 500.000,00.

4. Em 3/04/2020, o Requerente apresentou ação de anulação do Acórdão Arbitral de 18/03/2020, que correu termos neste Tribunal sob o número de processo 960/20.5...

5. A Requerida solicitou, em 24/04/2020, no processo arbitral a prolação de sentença adicional, tendo em vista a condenação do Requerente no pagamento de juros, e, em 28/04/2020, o Requerente constituiu novos mandatários no processo arbitral, através dos quais tomou conhecimento de circunstâncias que desconhecia relativamente à imparcialidade e independência do árbitro nomeado pela Requerida e com base nos quais o Requerente então deduziu, em 5/06/2020, incidente de recusa do árbitro no processo arbitral.

6. Em 5/06/2020, foi apresentado um requerimento de arguição de nulidade do Acórdão Arbitral.

7. O Requerente, em 29/05/2020, desistiu da instância em relação à ação de anulação intentada em 18/03/2020, tendo a desistência sido homologada por sentença proferida em 24/06/2020.

8. Tendo sido o incidente de recusa indeferido pelo Presidente do Tribunal Arbitral do Desporto em 6/07/2020, o Tribunal Arbitral proferiu na mesma data Decisão Adicional condenando o Requerente no pagamento de juros e, simultaneamente, decisão indeferindo as nulidades arguidas pelo Requerente e confirmando integralmente o Acórdão Arbitral de 18/03/2020.

9. O Requerente veio apresentar a presente ação de anulação do Acórdão Arbitral de 18/03/2020, alterado por Decisão Adicional de 6/07/2020, nos termos e para os efeitos do artigo 48.° da Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro (Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, doravante “Lei do TAD”), do artigo 33.° do Regulamento de Processo e de Custas Processuais no âmbito da Arbitragem Voluntária do Tribunal Arbitral do Desporto (doravante “Regulamento de Arbitragem Voluntária”) e do artigo 46.° da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária, doravante “LAV”).

Requerendo a anulação das duas decisões com fundamento em falta de fundamentação, conhecimento de questões de que o Tribunal Arbitral não podia tomar conhecimento, ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português e violação da independência e imparcialidade dos árbitros.

10. Citada, a requerida deduziu oposição, propugnando pela improcedência da presente ação.

11. O Requerente respondeu, propugnando pela improcedência das exceções que entendeu deduzidas na oposição.

12. O Tribunal da Relação de Lisboa veio a proferir Acórdão, sendo o dispositivo do seguinte teor: “Pelo exposto, os Juízes da 6.a Secção da Relação de Lisboa acordam em, na improcedência da apelação, manter as decisões arbitrais proferidas pelo Tribunal Arbitral do Desporto em 18 de Março de 2020 e 6 de Julho de 2020”.

13. Inconformado, o Requerente veio interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª Este recurso de revista é admissível, por força do disposto no n.º 1, g), e no n.º 8 do art. 59.º da LAV e no n.º 1 do art. 671.º, do CPC, conforme a jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça, na seguimento do acórdão proferido em 10.11.2016, no processo 1052/14.1...

2.ª Pelo recurso de revista, vem o Recorrente pedir ao Venerando Supremo Tribunal de Justiça que revogue (i) a decisão contida no acórdão recorrido que negou provimento ao pedido de anulação da sentença arbitral deduzido pelo Requerente, ora Recorrente, com fundamento em falta de imparcialidade e independência do árbitro indicado pela Sporting SAD e (ii) a decisão contida no mesmo acórdão que negou provimento ao pedido de anulação deduzido com fundamento em ofensa dos princípios da ‘ordem pública internacional do Estado português’, mais precisamente, por ofensa do princípio da proporcionalidade.

3.ª Este recurso de revista não abrange os segmentos decisórios do acórdão recorrido, em que se negou provimento ao pedido de anulação da sentença arbitral deduzido com fundamento em falta fundamentação e em fundamentação contraditória ou ininteligível, em ter o Tribunal Arbitral conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento e em ter esse acórdão ofendido outros princípios da ordem pública internacional do Estado português, não reconduzíveis ao princípio da proporcionalidade.

4.ª Relativamente ao segmento decisório do acórdão recorrido que negou provimento ao pedido de anulação da sentença arbitral deduzido com fundamento em ‘falta de imparcialidade e independência do árbitro indicado pela Sporting SAD’, pede a Recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça casse tal decisão ao abrigo do disposto nos arts. 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1 e (se for caso disso) n.º 2, do CPC, reenviando o processo para o Tribunal a quo, a fim de que este amplie a matéria de facto que, de modo muito deficiente e incorreto, selecionou para decisão, por tal se afigurar necessário para constituir base suficiente para a correta decisão de direito pedida pelo Recorrente.

5.ª Logicamente, esse reenvio do processo para o Tribunal a quo deixará de ser necessário, caso o Supremo Tribunal de Justiça dê provimento ao segundo fundamento deste recurso de revista e, consequentemente, determine a anulação da sentença arbitral impugnada.

6.ª Quanto ao segmento decisório do acórdão recorrido que negou provimento ao pedido de anulação da sentença arbitral deduzido com fundamento em ‘ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado português’, mais precisamente, por ofensa do ‘princípio da proporcionalidade’, pede o Recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 682.º n.º 1, do CPC, revogue aquela decisão, por ter desaplicado o estabelecido no art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV, substituindo-a por outra que, aplicando corretamente as normas e princípios jurídicos pertinentes ao caso em apreço, determine a anulação da sentença arbitral impugnada.

7.ª Os factos que o Tribunal a quo considerou como provados no acórdão que proferiu, foram unicamente os que constavam da sentença arbitral, omitindo esse Tribunal, na factualidade elencada para efeito da decisão a proferir, quase tudo o se passou no processo arbitral, desde a notificação às partes da sentença arbitral até ao encerramento do processo.

8.ª Omitiu, portanto, o Tribunal a quo, na factualidade elencada para efeito da decisão a proferir, nomeadamente, os seguintes factos que haviam sido alegados e provados documentalmente pelo Recorrente, ora Recorrente, na ação de anulação proposta perante aquele tribunal:

a) Em 29.04.2020 ‒ depois da notificação da sentença arbitral principal, mas ainda com o processo arbitral a decorrer ‒ o Requerente, submeteu ao Tribunal Arbitral requerimento em que pediu esclarecimentos ao árbitro BB, como veio a alegar no art. 59.º da Petição da ação de anulação, juntando cópia de tal pedido como Doc.14 anexo a tal Petição.

Nesse contexto, o Requerente solicitou ao Dr. BBque esclarecesse, designadamente, o seguinte: (i) em que datas foi indicado como árbitro pela Sporting SAD no âmbito dos processos no TAD com os números 49/2018, 51/2018 e 64/2018, com o mesmo objeto que o processo que opôs AA à Sporting SAD; (ii) em que datas aceitou desempenhar as funções de árbitro nos processo referidos em (i); e (iii) se é ou foi mandatário do Dr. CC, da H..., S.A. ou de alguma outra empresa em que o Dr. CC tenha ou tenha tido participação (direta ou indireta) ou seja/fosse membro de órgão social ou funcionário, em outros processos, para além do processo identificado na Declaração de Independência e Imparcialidade, que correram termos ou estão ainda em curso nos seis anos anteriores.

b) Em 05.06.2020, o Requerente, deduziu incidente de recusa contra o árbitro designado pela Sporting SAD, Dr. BB, como alegou nos arts. 60.º e 61.º da Petição da ação de anulação, constituindo a cópia desse incidente o Doc. 7 anexo a tal Petição.

O incidente de recusa teve como fundamento a circunstância de o Dr. BB não ter revelado na sua Declaração de Independência e Imparcialidade informações que suscitam fundadas dúvidas aos olhos do Requerente (ora Recorrente) e de um terceiro razoável, sobre a imparcialidade e independência do Dr. BB: por um lado, a circunstância de ter sido designado pela Sporting SAD como árbitro noutros processos pendentes no TAD com o mesmo objeto que o processo que opôs AA à Sporting SAD; por outro lado, a circunstância de ser um dos advogados de referência do Dr. CC, frequentemente assessorando e representando quer o próprio, quer as suas empresas.

c) Em 08.06.2020, o árbitro Dr. BBveio ao processo arbitral prestar alguns dos esclarecimentos pedidos pelo Requerente, como se alegou no arts. 62.º a 68.º da Petição da ação arbitral, tendo a cópia desses esclarecimentos sido junta como Doc. 15 anexo a tal Petição.

Nesse contexto, o Dr. BB reconheceu, por um lado, ter sido indicado como árbitro pela Sporting SAD nos processos 49/2018, 51/2018 e 64/2018 e indicou as datas em que foi notificado das nomeações e as datas em que aceitou as nomeações (donde é possível inferir que quando apresentou a respetiva Declaração de Independência e Imparcialidade já havia sido nomeado pela Sporting SAD nos processos 49/2018 e 51/2018 e, inclusivamente, já tinha aceitado a nomeação no processo 51/2018) e reconheceu, por outro lado, que é desde 20.11.2017 mandatário da sociedade M..., S.A., numa arbitragem em ..., confirmando a ligação desta sociedade ao Dr. CC.

d) Em 18.06.2020, o árbitro Dr. BBpronunciou-se no processo arbitral sobre o incidente de recusa deduzido pelo Requerente, pugnando pelo seu indeferimento, como alegou no art. 78.º da Petição da ação de anulação e provou através do Doc. 20 anexo a tal Petição.

No contexto desta pronúncia, o Dr. BB alegou, em suma, que na sua Declaração de Independência e Imparcialidade indicou ter sido nomeado noutras arbitragens no TAD em que era parte a Sporting SAD e, além disso, que não é nem foi mandatário do Dr. CC, da H..., S.A., ou de alguma empresa em que o Dr. CC tenha ou tenha tido participação.

e) Em 18.06.2020, o Requerente, ora Recorrente, complementou o incidente de recusa do referido árbitro, que havia deduzido em 05.06.2020, com base em informações entretanto reveladas pelo Dr. BB no requerimento descrito em c), ou seja, que o Dr. BB foi nomeado pela Sporting SAD em outros processos com objeto idêntico ao que opôs AA e a Sporting SAD e que o Dr. BB representa a sociedade M..., S.A., que pertence à família do Dr. CC, numa arbitragem em ..., como alegou nos arts. 29.º e 80.º da Petição da ação de anulação e provou pelo Doc. 10 anexo a essa Petição.

f) Em 06.07.2020, o Presidente do Tribunal Arbitral do Desporto proferiu despacho, como se alegou no arts. 30.º e 85.º e se provou através do Doc. 11 anexo à Petição da ação de anulação.

Neste despacho, o Presidente do TAD sustentou a não verificação de circunstâncias que colocassem em causa a independência e imparcialidade do Dr. BB, relevando, para esse efeito, por reputar como “decisiva”, a avaliação da conduta do árbitro no processo, tendo em consideração o exposto pelo árbitro Presidente do colégio arbitral e pelo árbitro indicado por AA, os quais não confirmaram a existência de qualquer circunstância suscetível de ser considerada índice de dependência ou falta de imparcialidade.

g) Em 06.07.2020, o Tribunal Arbitral proferiu a sentença adicional que lhe fora pedido pela Requerida, ora Recorrida, condenando AA a pagar à Sporting SAD, a título de indemnização pela cessação ilícita do contrato de trabalho, a quantia indicada no acórdão arbitral, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal desde a citação, como se alegou no art. 31.º, tendo a cópia dessa sentença sido junta como Doc. 3 anexo à Petição da ação de anulação.

9.ª Ora, ao ler-se o acórdão recorrido, constata-se que a grande maioria dos factos acima mencionados foram aí omitidos pelo Tribunal a quo.

10.ª Esse Tribunal deveria não só ter incluído os referidos factos no elenco epigrafado de “Factos”, inscrito no acórdão recorrido, mas também deveria dar como adquiridos para a decisão da ação de anulação proposta pelo Requerente, aqueles de entre esses factos que tivessem ficado suficientemente provados por documentos ou por haverem sido admitidos pelas pessoas visadas.

11.ª Relativamente às alegações produzidas pelo Requerente no processo arbitral, particularmente, no incidente de recusa de árbitro aí deduzido, posteriormente desenvolvidas nos arts. 39.º a 162.º da ação de anulação proposta pelo Requerente, que não pudessem dar-se como provadas, o Tribunal a quo deveria ter permitido que sobre elas se pudesse produzir a prova cuja produção que o Requerente, ora Recorrente, ofereceu no final da Petição da ação de anulação.

12.ª Ao delimitar a factualidade controvertida na ação de anulação, da maneira tão deficiente e truncada como ficou vertida no acórdão recorrido, esse Tribunal não deu correto cumprimento ao preceituado no art. 607.º, n.º 4, do CPC.

13.ª No acórdão recorrido, o Tribunal a quo reconheceu que a alegação da falta de independência e de imparcialidade do árbitro designado pela Requerida, que o Requerente explanou na ação de anulação, já fora por este feita no incidente de recusa daquele árbitro que o Requerente deduzira em anterior momento em que o processo arbitral ainda decorria, donde se segue que não considerou que a dita alegação tivesse sido feita fora de tempo pelo Requerente, num ou noutro daqueles momentos.

14.ª Mas o Tribunal a quo considerou que a questão da alegada falta de independência e de imparcialidade árbitro designado pela Sporting SAD, “foi definitivamente decidida pelo órgão competente” ‒ o presidente do TAD, segundo o mesmo acórdão ‒ concluindo daí que tal questão, enquanto estribada nos mesmos factos, não poderia ser depois invocada como fundamento de pedido de anulação da sentença arbitral.

15.ª Com isso, o Tribunal a quo cometeu um erro de direito de enorme gravidade, violando frontalmente o disposto no art. 46.º, n.º 3, a) iv) da LAV, que não faz qualquer distinção atinente à circunstância de a falta de independência de imparcialidade do árbitro em causa já ter sido suscitada, com base nos mesmos factos, durante o processo arbitral antecedente.

16.ª Devendo o Tribunal a quo ter observado fielmente o disposto na al. a) iv) do n.º 3 do art. 46.º da LAV, deveria também ter reconhecido que a apontada irregularidade na designação de um membro do Tribunal Arbitral que proferiu a sentença impugnada teve necessariamente “influência decisiva na resolução do litígio” vertida nessa sentença.

17.ª A “restrição” que nas págs. 103 e 105 no acórdão recorrido se tentou fazer, e referida na Conclusão 14) supra, sem se explicar com que base e em homenagem a que superiores valores ou princípios se fez tal restrição, não passa de uma flagrante violação da lei do art. 46.º, n.º 3, a) iv) da LAV, sendo de notar que

18.ª Aos tribunais estaduais não compete fazer ou alterar leis e, no exercício da sua função jurisdicional, devem obedecer à lei (art. 203.º da Constituição da República Portuguesa e art. 8.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

19.ª A exigência de independência e de imparcialidade dos árbitros é uma decorrência do ‘direito a processo equitativo’ estabelecido no art. 20.º, n.º 4, da Constituição, exigência que vale também para a arbitragem voluntária, porque esta representa constitucionalmente um modo de exercício do direito de acesso aos tribunais consagrado na CRP, e que

20.ª A exigência da independência e de imparcialidade do julgador constitui, ademais, um elemento essencial do ‘direito a um processo equitativo’ consignado no Artigo 6 (1) da Convenção Europeia do Direitos de Homem, que os tribunais portugueses estão obrigados a cumprir e fazer cumprir (art. 8.º, n.º 2, da Constituição da República).

21.ª Não é, de todo, concebível que os Estados possam aceitar “validar cegamente” os desfechos das arbitragens realizadas nos seus territórios, quaisquer que estes fossem e qualquer que fosse a forma por que foram atingidos.

22.ª Por isso, todas a leis de arbitragem preveem um controlo de anulação das sentenças arbitrais por parte dos tribunais estaduais, traduzido na possibilidade de impugnação dessas sentenças tendente à sua anulação com os fundamentos legalmente previstos, em ordem a assegurar-se que nas arbitragens sediadas nos respetivos países são respeitados os princípios e valores fundamentais dessas ordens jurídicas.

23.ª As opiniões publicadas dos três comentadores citados no acórdão recorrido não suportam minimamente ilegal entendimento adotado pelo Tribunal a quo ‒ antes depõem no sentido precisamente oposto ‒, para desconsiderar quase toda a factualidade alegada pelo Requerente, que em grande medida ficou provada nos autos.

24.ª Merece total rejeição a ideia ínsita no acórdão recorrido, de que a questão da apontada falta de independência e de imparcialidade do árbitro designado pela Requerida foi, completa e definitivamente, “resolvida” pela decisão proferida pelo Presidente do TAD proferiu sobre o assunto, porquanto

25.ª Este é um mero órgão administrativo que nessa estrita perspetiva superintende nas arbitragens realizadas no âmbito do TAD, do mesmo modo que o fazem os presidentes dos centros de arbitragem nacionais e estrangeiros.

26.ª A natureza puramente administrativa das funções exercidas pelo Presidente do TAD não é prejudicada pelo facto de a Lei que criou o TAD e definiu o seu estatuto, ter disposto no seu art. 26.º, n.º 3, que a decisão do presidente do TAD sobre uma recusa deduzida contra um árbitro “é insuscetível de recurso”, porque isso não implica esta decisão administrativa, tomada no decurso da arbitragem, não possa ser reapreciada e contrariada pelos tribunais estaduais competentes, em sede em ação de anulação da sentença arbitral proferida.

27.ª O Tribunal a quo errou gravemente, ao pronunciar-se como fez sobre a apontada falta de independência e de imparcialidade do árbitro designado pela Requerida e, em grande medida por essa razão, delimitou a matéria de facto relevante para decisão de maneira tão truncada e deficiente, que não permitirá ao Supremo Tribunal de Justiça, se entender dar provimento ao presente recurso, com este fundamento, proferir uma decisão substitutiva deste segmento decisório do acórdão recorrido,

28.ª Por essa razão, deverá o Supremo Tribunal de Justiça cassar tal decisão, ao abrigo do disposto nos arts. 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1 e (se for caso disso) n.º 2, do CPC, reenviando o processo para o Tribunal a quo, a fim de que este amplie a matéria de facto que selecionou para decisão, por isso se afigurar como indispensável para constituir base suficiente de uma correta decisão sobre a questão submetida, como o Recorrente atrás pediu e aqui respeitosamente reitera.

29.ª Logicamente, esse reenvio do processo para o Tribunal a quo deixará de ser necessário, caso o Supremo Tribunal de Justiça dê provimento ao segundo fundamento do presente recurso de revista e, consequentemente, determine a anulação da sentença arbitral impugnada.

30.ª O Tribunal a quo cometeu outro grave erro de direito, ao atribuir à noção de ‘ordem pública internacional do Estado português” constante do art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV o significado que carateriza a “reserva ordem pública internacional” que é específica do direito internacional privado (d.i.p.).

31.ª O Tribunal a quo extraiu tal significado de um manual de direito internacional privado, sem atender a que este ramo do direito e os seus institutos nenhuma aplicação podem ter em casos como o discutido nestes autos, que respeita a um litígio puramente interno, em que ambas as partes têm nacionalidade portuguesa, em que a obrigação cujo incumprimento se discutiu na arbitragem antecedente foi constituída em Portugal e aqui inexecutada e em que o litígio daí resultante foi dirimido por um tribunal arbitral sediado em Portugal, aplicando direito substantivo e normas processuais portuguesas.

32.ª A ‘reserva de ordem pública internacional’ ‒ instituto específico do d.i.p. previsto no art. 22.o do C.C bem como no art. 980.º, f) do CPC e no art. 56.º. n.º 1, b) ii) da LAV ‒ é um limite à aplicação do Direito estrangeiro ou transnacional competente segundo o Direito de Conflitos o ao reconhecimento de uma decisão estrangeira.

33.ª Distinta dela é a ‘ordem pública internacional do Estado Português’ prevista na al. b) ii) do n.º 3 do art. 46 da LAV, que é uma noção de direito material e que funciona como bitola de determinação da tolerabilidade pela nossa ordem jurídica do resultado produzido por sentenças arbitrais que versam sobre situações regidas quer pelo direito português quer por direito estrangeiro, proferidas por tribunais arbitrais sediados no nosso país.

34.ª Na grave confusão em que, neste ponto, caiu o Tribunal a quo, não incorreu a grande maioria das decisões dos nossos tribunais superiores que decidiram sobre a aplicação da norma do art. 46.º, n.º 3, b) ii, da LAV.

35.ª A noção de ‘ordem pública de direito material’ pode definir-se como sendo o conjunto de princípios de um sistema jurídico, estabelecidos em função da proteção de interesses públicos fundamentais, sendo, portanto, contrários à ordem pública os factos ou situações intoleráveis perante princípios determinados por interesses sentidos pela comunidade como fundamentais.

36.ª É pacífico, na doutrina da especialidade, que a ‘ordem pública’ que intervém em sede de controlo de anulação das sentenças é composta não só por princípios, mas também por regras jurídicas, dotadas de maior ou menor precisão.

37.ª O conjunto de princípios e regras que integram a ‘ordem pública’ de uma dada ordem jurídica tem, porém, um âmbito muito mais restrito do que o universo das normas imperativas dessa ordem jurídica.

38.ª O conceito de ‘ordem pública’ que é operativo em sede de controlo de anulação das sentenças arbitrais, funciona como bitola ou padrão para se se determinar a legitimidade/validade da sentença arbitral, correspondente à reconhecibilidade ou tolerabilidade pelo sistema jurídico no âmbito do qual aquela foi proferida, cuja falta gerará a sua anulabilidade com efeitos erga omnes.

39.ª Trata-se nesta sede de verificar se a sentença arbitral preenche as condições elementares de justiça material que justificam que o Estado disponibilize o seu aparelho coercitivo para fazer impor o que na sentença se determina aos seus destinatários.

40.ª Dentro do reduto normativo constituído pelas regras ou princípios da ordem pública de direito material, há que circunscrever um núcleo menos compreensivo designado por “ordem pública internacional”, que tem um conteúdo mais restrito (menos abrangente) do que a ‘ordem pública interna’.

41.ª É ao reduto normativo mais restrito e menos compreensivo ou abrangente geralmente designado por à ‘ordem pública internacional (de direito material)’ que se refere o art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV.

42.ª O facto de o legislador português se ter reportado no art. 46.º, n.o 3, b), ii) da LAV à noção de ‘ordem pública internacional’, suscitou fortes críticas de boa parte da doutrina portuguesa, tendo sido essa opção legislativa provavelmente devida ao receio de que os tribunais estaduais portugueses pudessem vir a anular, com excessiva largueza, sentenças arbitrais impugnadas com este fundamento.

43.ª Ao procurar identificar os princípios jurídicos que devem considera-se como abrangidos pela noção “ordem pública internacional”, a doutrina portuguesa têm acompanhado o entendimento seguido neste domínio pelas doutrinas alemãs, suíças e francesas e pelas jurisprudências dessas ordens jurídicas.

44.ª De acordo com esse entendimento, é de considerar como princípios ou regras integrantes da “ordem pública internacional”, além dos consagrados nas respetivas Constituições, as respeitantes ao combate às práticas corruptivas, aos tráficos criminosos e ao branqueamento de capitais, bem como o princípio pacta sunt servanda (compreendendo a fidelidade ao contratado e a lealdade contratual), o princípio da boa fé, o princípio da proporcionalidade, a proibição do abuso de direito, a proibição de vinculações perpétuas, a proibição de indemnizações punitivas em matéria cível e de medidas espoliadoras, as normas destinadas a proteger os civilmente incapazes ou os contratantes mais fracos e as destinadas a proteger os credores, no domínio dos regimes de falência ou insolvência.

45.ª Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça respeitante a esta matéria, seguiram este entendimento, nomeadamente, os acórdãos proferidos em 26.09.2017 (proc. 1008/14.4YRLSB.L1.S1), em 01.10.2019 (proc. 1254/17.9YRLB.S1) e em 07.09.2020 (proc. 1714/18.4YRLSB.S1).

46.ª No âmbito do direito civil, o ‘princípio da proporcionalidade’, enquanto veículo do controlo judicial do conteúdo dos contratos e fonte de critérios normativos para tal controlo seja exercido pelo julgador em conformidade com os valores fundamentais do sistema jurídico, remete para a ideia de correção de composições de interesses muito desequilibradas, feitas no exercício da liberdade contratual.

47.ª A aplicação deste princípio permite evitar que a liberdade de conformação de um contrato em que, apesar de livremente celebrado, uma das partes teve papel predominante na conformação do seu conteúdo, venha a traduzir-se em vantagens excessivas (desmedidas) para essa parte, em detrimento da outra.

48.ª Conforme têm realçado civilistas muito autorizados, é com esse sentido ou finalidade que o princípio da proporcionalidade pode intervir em sede de controlo judicial de cláusulas contatuais gerais, nomeadamente à luz do disposto nos arts. 15.º e 16.º do Regime Legal das Cláusulas Contratuais Gerais.

49.ª É igualmente o objetivo de evitar que uma das partes do contrato obtenha, num concreto caso de inexecução contratual, um ganho excessivo ou desmedido, à custa da outra parte, que está na base da possibilidade de redução equitativa da cláusula penal pelos tribunais, prevista no art. 812.º do C. Civil.

50.ª A sentença proferida pelo Tribunal Arbitral julgou como parcialmente procedente a reconvenção reduzida pela Requerida contra o Requerente, formulada com base na cláusula 11 do contrato celebrado entre as partes, condenando o demandante a pagar à demandada, a título de indemnização por resolução indevida do contrato de trabalho desportivo, de acordo com a equidade, a quantia de € 16.500.000,00.

51.ª É algo obscuro e muito incongruente raciocínio explanado pelo Tribunal Arbitral, na sentença que proferiu, para fundamentar, no plano do Direito, essa condenação.

52.ª O Tribunal Arbitral começou por concluir que lhe estava vedado aplicar neste litígio a cláusula 11 do contrato que fora celebrado entre o Requerente e a Requerida (doravante “o Contrato”), por ser inválida, em virtude de violar o disposto n.º 1 do art. 24.º da Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo disposição considerada como imperativa.

53.ª E daí deduziu que um pedido de danos de valor mais elevado do que o valor das retribuições que seriam devidas ao praticante até ao termo do contrato, teria de assentar em efetiva prova de danos de montante mais elevado do que aquele valor, sendo inválida a cláusula penal que pretendesse dispensar aquela proava fixando a quantia a pagar em tal eventualidade.

54.ª Aí chegado, o Tribunal Arbitral, em vez de negar provimento ao pedido reconvencional da Requerida formulado com base em cláusula contratual declarada inválida, permitiu-se operar uma espécie de transfiguração mística (ou mágica) daquele pedido, noutro pedido assente em suposta disposição contratual que combinasse a previsão da cláusula 11 (mas não a respetiva estatuição) do Contrato com a estatuição da sua cláusula 8 (mas não a sua previsão).

55.ª Se porventura da sentença arbitral coubesse recurso ordinário segundo as normas aplicáveis do CPC, este mirabolante raciocínio do Tribunal Arbitral ruiria estrepitosamente, quando fosse submetido ao atento escrutínio do competente tribunal superior.

56.ª Mas se da sentença arbitral não cabe recurso ordinário, isso não significa que o resultado que produziu não possa ser escrutinado, no âmbito da presente tendente à sua anulação.

57.ª É patentemente errada a asserção frequentemente usada, quase como um slogan, de que “ao juiz competente para anular a sentença arbitral é vedado o reexame do mérito da sentença”.

58.ª Isto, por ser por demais evidente que, para poder decidir se a sentença arbitral impugnada deve ser anulada, o tribunal estadual competente tem de examinar o mérito do caso decidido por tal sentença.

59.ª Sendo a parte dispositiva da sentença arbitral (tal como a parte dispositiva da sentença de um tribunal estadual), na maioria das vezes, neutra relativamente à substância da decisão, só um atento exame das circunstâncias do caso e de toda a fundamentação apresentada pelo tribunal arbitral para a decisão proferida, permite ao tribunal estadual supervisor determinar o real significado e alcance dessa decisão.

60.ª Além disso, importa ter presente que, segundo o art. 46.º, n.º 3, a) v) da LAV, a sentença arbitral pode ser anulada, se for alegado e provado que o tribunal arbitral ordenou a uma parte que pagasse um montante que excedia o que fora pedido ou decidisse questões não lhe haviam sido submetidas (decisão ultra petitum), ou ordenou algo diferente do que fora pedido (decisão sobre aliud), ou omitiu decisão sobre pedidos apresentados ou questões importantes suscitadas pelas partes (decisão infra petitum).

61.ª Em todos esses casos, é evidente que o tribunal estadual supervisor não pode verificar se aquelas alegações são bem fundadas, sem ter examinado a totalidade da sentença arbitral e sem haver comparado o âmbito da decisão dos tribunais arbitral com o conteúdo das peças escritas apresentadas pelas partes.

62.ª A suposta ‘proibição de exame do mérito da decisão dos árbitros’ afirmada por alguns, seria ainda mais absurda no caso de o fundamento com que a sentença arbitral foi impugnada não ter natureza processual, respeitando antes à sua substância,

63.ª É o que acontece quando a impugnação é baseada em alegada violação da ‘ordem pública’ do foro (i.e., do Estado a que pertence o tribunal estadual supervisor) pelo resultado da sentença; em tal caso, a reavaliação do conteúdo substantivo da decisão dos árbitros é forçosa, implicando a reapreciação do mérito dessa decisão.

64.ª Por essas razões, é muito mais correto afirmar que ‘ao tribunal estadual é vedado proceder à revisão do mérito’ decidido pela sentença arbitral, que é a proposição que, como muito maior frequência, se encontra na literatura da especialidade e em documentos internacionais de referência, a este propósito, e é também a expressão utilizada pela LAV, no seu art. 28.º n.º 2.

65.ª Quando decide sobre um recurso de apelação, o tribunal de recurso tem o dever (intelectual) de julgar novamente o litígio, em ordem a verificar se chega ao mesmo resultado quer foi atingido pela decisão recorrida; por outras palavras, o tribunal de recurso deve efetuar as mesmas operações intelectuais que deveria ter realizado se fosse o primeiro julgador do litígio submetido ao tribunal.

66.ª Ao fazer isso, o tribunal de recurso substitui pela sua decisão a decisão proferida pelo tribunal inferior, que é revogada ou anulada, sendo a resolução do litígio é reescrita pelo tribunal de recurso; pode, por isso, dizer-se que a essência da missão do tribunal de recurso é efetuar a ‘revisão do mérito’ do litígio decidido pelo tribunal inferior.

67.ª Bem diferente é a tarefa a efetuar pelo tribunal estadual que tem de decidir sobre um pedido de anulação de uma sentença arbitral, porquanto, neste caso, o tribunal estadual de controlo não exprime a sua opinião sobre o modo como o litígio foi decidido, quanto aos factos ou ao direito, pelo tribunal arbitral, não efetuando, portanto, a revisão do mérito decidido por essa sentença.

68.ª A exercer esta missão, o tribunal estadual de controlo apenas verifica (i) se o tribunal arbitral tinha poder jurisdicional para dirimir o litígio, (ii) se o processo arbitral conducente à decisão decorreu de acordo com os padrões de correção e justiça processual prescritos pela lei do foro (i.e., a lei da sede da arbitragem ou do lugar de execução da sentença), (iii) se a fundamentação da sentença é suficiente para a tornar inteligível, (iv) se as) decisão(ões) contida(s) na sentença está(ão) em conformidade com as peças escritas apresentadas pelas partes, e (v) se o resultado material da decisão proferida pelo tribunal arbitral é contrário às regras e princípios jurídicos que constituem a ‘ordem pública’ do Estado a que pertence o tribunal supervisor.

69.ª Em vez de verificar se o tribunal arbitral esteve certo ou errado relativamente aos factos considerados como provados ou à lei aplicada, o tribunal estadual de controlo verificará apenas se a sentença arbitral, atendendo à sua forma, ao processo através do qual foi proferida e ao resultado produzido, preenche as condições de regularidade e de validade que justificam que o Estado disponibilize os seus meios coercivos para fazer executar aquilo que os árbitros decidiram.

70.ª É apenas a verificação da existência destas condições que constitui o objeto da análise do tribunal estadual de controlo.

71.ª Quando o tribunal estadual é chamado a apreciar se a sentença arbitral impugnada é contrária a ‘ordem pública internacional do Estado português’, não relevam os erros de facto ou de direito que essa sentença possa conter, na sua fundamentação ou na parte dispositiva, devendo aquele tribunal apenas verificar se o concreto resultado material por essa sentença produzido ofende o inderrogável reduto axiológico-normativo formado pela ‘ordem pública’ (que, no âmbito da LAV, é a ‘ordem pública internacional’).

72.ª O conteúdo da sentença arbitral tem de ser controlado, mas é em função do seu concreto resultado que ela deverá ser sancionada; embora todo o raciocínio do árbitro deva poder ser examinado pelo juiz, o controlo deste deve incidir, não sobre esse raciocínio, mas sobre a solução dada ao litígio.

73.ª Ora, o concreto resultado material produzido pela sentença arbitral que condenou o Requerente, ora Recorrente, é claramente ofensivo do ‘princípio da proporcionalidade’, atrás mencionado.

74.ª Como salienta a melhor doutrina da especialidade, a fixação e aplicação, em concreto, das “cláusulas de rescisão”, com grande frequência incluídas nos contratos de trabalho dos jogadores de futebol, implica uma cuidada e atenta ponderação dos contrapostos interesses do clube e do jogador, o que significa que, na determinação em concreto do montante da cláusula de rescisão que deve ser paga ao clube que veja um seu jogador desvincular-se unilateralmente e ante tempus, há que observar, plenamente, o ‘princípio da proporcionalidade’.

75.ª A este princípio deve necessariamente atender-se, na composição de interesses feita através da estipulação e na subsequente aplicação, em concreto, do montante da cláusula de rescisão incluída num contrato de trabalho desportivo, devido ao clube cujo jogador faça cessar unilateralmente o vínculo contratual que o ligava a ele,

76.ª O que implica que tal montante corresponda ao estritamente o necessário para ressarcir o clube dos prejuízos financeiros e desportivos que tal desvinculação lhe acarrete, sem que, por outro lado, cause ao jogador em causa uma incomportável opressão, sob ponto de vista financeiro, e uma barreira asfixiante, sob o ponto de vista da sua realização pessoal.

77.ª “Salta aos olhos” de qualquer pessoa razoável e de equilibrado juízo que o montante de 45.000.000 Euros previsto nas cláusulas 8, b) e 11 do Contrato constituía uma verdadeira ‘barbaridade’, que ninguém conseguiria justificar, em relação a um praticante desportivo colocado nas circunstâncias em que o Requerente estava, na data da cessação do Contrato.

78.ª Mas o montante que resultou da redução, efetuado pelo Tribunal Arbitral, da multa penitencial, constante da cláusula 8, b) do Contrato ou da cláusula penal, ou da cláusula penal, contida na cláusula 11, 2.ª parte do mesmo, continua a ser uma “enormidade” que ofende clamorosamente o princípio da proporcionalidade que integra a ordem pública internacional do Estado português.

79.ª A decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, mesmo após haver efetuado uma redução do valor incluído na dita cláusula prevista no Contrato, condenou o Requerente num valor que ele demoraria 275 anos a pagar, atendendo à remuneração global ilíquida (€ 60.000,00) estipulada no Contrato referente à época de 2017/2018 – época da cessação do Contrato de Trabalho Desportivo.

80.ª Não tendo sido equitativa a redução da pena ou multa estipulada no Contrato, que o Tribunal Arbitral efetuou, a sentença por este proferida acabou por gerar um resultado intolerável.

81.ª Para o efeito da redução equitativa que o Tribunal Arbitral devia efetuar (mas não fez, na necessária medida), não pode também deixar de se ter em consideração o facto de esse Tribunal ter considerado que a Requerida efetivamente incumpriu o contrato, violando normas de segurança dos seus jogadores (incluindo o Requente), a que estava adstrita, e incorrendo em grave prática de assédio moral contra o Requerente.

82.ª Fica demonstrado, por tudo o que se deixa exposto, que a sentença arbitral produziu um resultado material que ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português, o que justifica que seja anulada ao abrigo do art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV.

E conclui: “vem o Recorrente pedir que:

a) Relativamente ao segmento decisório do acórdão recorrido que negou provimento ao pedido de anulação da sentença arbitral, com fundamento em ‘falta de imparcialidade e independência do árbitro indicado pela Sporting SAD’, casse o Supremo Tribunal de Justiça tal decisão, ao abrigo do disposto nos arts. 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1 e (se for caso disso) n.º 2, do CPC, reenviando o processo para o Tribunal a quo, a fim de que este amplie a matéria de facto que, com incumprimento do preceituado no art. 607.º, n.º 4, do CPC, e desconsideração do disposto no art. 46.º, n.º 3, a) iv) da LAV, selecionou para decisão, por isso se afigurar necessário para constituir base suficiente para a correta decisão de direito pedida pelo Recorrente.

Logicamente, esse reenvio do processo para o Tribunal a quo deixará de ser necessário, caso o Supremo Tribunal de Justiça dê provimento ao segundo fundamento deste recurso de revista e, consequentemente, determine a anulação da sentença arbitral impugnada.

b) Quanto ao segmento decisório do acórdão recorrido que negou provimento ao pedido de anulação da sentença arbitral deduzido com fundamento em ‘ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado português’, mais precisamente, por ofensa do ‘princípio da proporcionalidade’, pede o Recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art. 682.º n.º 1, do CPC, revogue aquela decisão, por ter violado o estabelecido no art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV substituindo-a por outra que, aplicando corretamente as normas e princípios jurídicos pertinentes ao caso em apreço, determine a anulação da sentença arbitral impugnada”.

14. A Requerida contra-alegou, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

A) O presente recurso, interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que julgou improcedente a ação de anulação proposta e determinou a manutenção das decisões arbitrais proferidas pelo Tribunal Arbitral do Desporto em 18/03/2020 e 06/07/2020, mais não é do que a derradeira tentativa de o Recorrente escapar ao cumprimento da decisão arbitral que sabe ser justa e que é, no que releva para a presente ação, uma decisão formal e materialmente irrepreensível, isenta de qualquer mácula.

B) A conduta ilícita do Recorrente – reconhecida pelas decisões arbitrais anulandas – foi recentemente reconhecida também pelo COURT OF ARBITRATION FOR SPORT (“CAS”), em decisão datada de 21/02/2022, ora junta como DOCUMENTO N.º 1.

C) E, analisando-se os fundamentos aduzidos nas alegações de recurso ora sob resposta, é fácil constatar que os mesmos não têm qualquer cabimento, antes revelando (mais uma) tentativa flagrante de obter a reapreciação do mérito das questões decididas pelo TAD, à revelia do disposto no artigo 46.º, n.º 9, da Lei da Arbitragem Voluntária (“LAV”).

— DA ALEGADA FALTA DE IMPARCIALIDADE E INDEPENDÊNCIA DO ÁRBITRO

INDICADO PELA SPORTING, SAD

D) Os factos que o Recorrente entende terem sido omitidos da decisão do Tribunal a quo mais não são do que, por um lado, a mera descrição dos acontecimentos processuais prévios à ação de anulação e, por outro lado, a identificação de parte do objeto da mesma.

E) Nem as incidências processuais nem a identificação do objeto do litígio devem ser incluídas no elenco formal de factos provados, precisamente porque não integram a causa de pedir da ação. É manifesto que os fundamentos fácticos da ação de anulação apresentada pelo Recorrente não são o pedido de esclarecimentos por si apresentado, nem o incidente de recusa deduzido, nem a respetiva decisão, nem tão-pouco a decisão adicional proferida pelo Tribunal Arbitral e igualmente impugnada pelo Recorrente.

F) Consequentemente, tanto as incidências processuais descritas nos factos a) a f), como a identificação do objeto do litígio inserta no facto g) apenas deveriam ser incluídas – como foram – no Relatório da decisão (e, eventualmente, como também foram, na apreciação das questões submetidas ao Tribunal) e já não no elenco de matéria de facto provada.

G) Em todo o caso, é evidentemente falso que o Tribunal a quo tenha desconsiderado as incidências processuais descritas nos factos a) a f). Pelo contrário, as mesmas foram fundamentais para a decisão do Tribunal a quo, na medida em que foi precisamente por ter já existido um incidente de recusa de árbitro, em que o Recorrente aduziu exatamente os mesmos argumentos, que se concluiu que “a alegada falta de independência e imparcialidade do árbitro indicado pela Requerida não constitui fundamento de anulação das decisões arbitrais proferidas em 18.03.2020 e 06.07.2020”.

H) Não assiste, pois, qualquer razão ao Recorrente, sendo forçoso concluir que o Tribunal a quo deu cabal cumprimento ao dever estatuído no artigo 607.º, n.º4, do CPC.

Ademais,

I) O mecanismo processual adequado para suscitar a ausência de independência e imparcialidade dos árbitros é o incidente de recusa, devendo esse incidente ser suscitado durante a pendência do processo arbitral, antes da prolação da sentença final, uma vez que, de acordo com o estatuído no artigo 44.º, n.ºs 1 e 3 da LAV, com a sua prolação extingue-se o poder jurisdicional dos árbitros, sem prejuízo do estatuído nos artigos. 45.º, 46.º, n. 8 e 47.º, n.º 2 desse diploma.

J) No âmbito da LTAD, o incidente de recusa está regulado no artigo 26.º, preceituando o seu n.º 3 que “A decisão do presidente do TAD prevista no número anterior [sobre a recusa] é insuscetível de recurso”.

K) A ratio subjacente ao n.º 3 do artigo 26.º da LTAD – e similarmente ao n.º 3 do artigo 14.º da LAV – é a de estabilizar o quanto antes o processo, pretendendo o legislador evitar motivos de entorpecimento do processo arbitral ou esquemas contra arbitratorem que mais não são do que manobras dilatórias utilizadas pelas partes de forma abusiva, como o presente caso bem evidencia.

L) A doutrina nacional tem vindo a entender que a ausência de independência e imparcialidade dos árbitros pode naturalmente fundamentar um pedido de anulação de decisão arbitral, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iv), da LAV. Isso (e tão-só isso) é aquilo que sustentam os citados autores ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA.

M) Este entendimento não pode, porém, deixar de ser lido à luz da lei, designadamente do disposto no n.º 3 do artigo 26.º da LTAD, o qual determina a insusceptibilidade de recurso da decisão do Presidente do TAD sobre o pedido de recusa de árbitro.

N) Assim, só é possível lançar mão de um pedido de anulação de decisão arbitral com fundamento no disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), parágrafo iv), da LAV nos casos em que a parte não tenha podido suscitar um incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, por ter tido conhecimento de circunstâncias suscetíveis de afetar a imparcialidade ou independência dos árbitros apenas após a prolação do acórdão arbitral.

O) Esse é o único entendimento compatível com o disposto no n.º 3 do artigo 26.º da LTAD – e com o n.º 3 do artigo 14.º da LAV –, sendo igualmente esse o entendimento perfilhado, a título exemplificativo, por LUÍS CORTES MARTINS57 e MANUEL PEREIRA BARROCAS58.

P) E tal entendimento tem perfeita aplicação ao caso concreto: tal como sucede ao abrigo do artigo 14.º, n.º 3, da LAV, nos termos do qual o tribunal estadual decide de forma irrecorrível sobre o incidente de recusa, também o Presidente do TAD decide o incidente de forma irrecorrível, nos termos do disposto no artigo 26.º, n.º 3, da LTAD.

Q) Por outro lado, é inquestionável que o Presidente do TAD não é um mero órgão administrativo, antes sendo uma entidade dotada pelo legislador de poderes jurisdicionais, semelhantes aos poderes dos tribunais estaduais, no que à matéria em apreço diz respeito.

R) O Presidente do TAD, eleito de entre os 40 árbitros que compõem o tribunal, é, assim, um órgão institucional que, na matéria em apreço, funciona como órgão jurisdicional, sendo os poderes que lhe são atribuídos nos termos do artigo 26.º verdadeiros e próprios poderes jurisdicionais.

S) O Tribunal da Relação de Guimarães, em recente Acórdão de 13/01/2022 (Processo n.º 177/21.1YRGMR; Relatora: Maria Cristina Cerdeira)59, reconheceu isso mesmo, atestando expressamente que as decisões do Presidente do TAD no processo arbitral têm caráter jurisdicional.

T) Da mesma forma que a decisão do tribunal estadual competente proferida nos termos do artigo 14.º da LAV é insuscetível de impugnação, não podendo ser repristinada em sede de ação de anulação, não poderá igualmente olvidar-se o efeito de caso julgado produzido pela decisão do Presidente do Tribunal Arbitral do Desporto, que tem cariz jurisdicional, como se viu, e cuja irrecorribilidade o Recorrente aceitou ao aceitar submeter o litígio à jurisdição do TAD.

U) In casu, as circunstâncias que o Recorrente apontou como suscetíveis de fazerem inquinar a independência e imparcialidade do Ex.mo Senhor Árbitro BB de modo algum constituem circunstâncias supervenientes ao momento de prolação das decisões arbitrais ora impugnadas, tendo, pelo contrário, sido tempestivamente suscitadas pelo Recorrente em sede de incidente de recusa, definitivamente decidido pelo órgão legalmente competente.

V) Pelo exposto, não pode o Recorrente lançar mão da ação de anulação, como se de um verdadeiro recurso se tratasse, tendo andado bem o Tribunal a quo ao concluir que a alegada falta de independência e imparcialidade do árbitro indicado pela Recorrida não constitui fundamento de anulação das decisões arbitrais proferidas em 18.03.2020 e 06.07.2020.

Sem prejuízo,

W) A invocação pelo Recorrente da alegada falta de independência e imparcialidade do Árbitro designado pela Recorrida é manifestamente abusiva.

X) A dedução do incidente de recusa pelo Recorrente teve lugar, no processo arbitral, apenas depois da prolação do acórdão final, e, aliás, inclusivamente depois da instauração de uma primeira ação de anulação perante o Tribunal da Relação de Lisboa (cfr. Docs. 1, 2 e 7 da P.I.)

Y) Antes disso, porém, ao longo de quase dois anos de lide arbitral, nunca o Recorrente se incomodou em indagar ou questionar quaisquer dos factos que depois apresentou, como fundamento de recusa, em suposto desfavor da idoneidade e da independência do árbitro Dr. BB.

Z) Acresce que o Recorrente em momento algum alega, e muito menos demonstra, quando e como supostamente adquiriu conhecimento “de circunstâncias não reveladas [...] que suscitam fundadas dúvidas sobre a imparcialidade e independência do Dr. BB”.

AA) Mais: os factos nesta sede indicados pelo Recorrente, além de inidóneos para o desiderato pretendido, são factos que sempre foram do seu conhecimento, sendo que, mesmo que por absurdo se concebesse que não o haviam sido, não deixaram os mesmos de estar sempre ao seu alcance – como, aliás, estiveram depois, alegadamente apenas após o conhecimento da decisão desfavorável proferida.

BB) Na declaração de independência e imparcialidade subscrita em 17.09.2018 (cfr. Doc. 12 da P.I.), o Ex.mo Senhor Árbitro revelou expressamente que (i) era mandatário constituído do Dr. CC num outro processo; e que (ii) teve intervenção como Árbitro noutros processos em que havia sido parte a Recorrida, conforme listagem pública acessível no website do tribunal. A referida declaração não suscitou, nessa altura, qualquer reparou ou objeção por parte do Recorrente.

CC) Além disso, o Recorrente conhecia a intervenção do Dr. BB, como Árbitro, especificamente nos Processos n.ºs 51/2018 e 64/2018, que lidavam também com o tema das rescisões laborais promovidas por jogadores da SPORTING, SAD. É que, como inclusivamente vem referido na decisão proferida pelo Presidente do TAD (cfr. Doc. 11 da P.I.), a realidade é que nesses processos “não só os árbitros eram comuns aos dois Colégios Arbitrais, como as Partes tinham pleno conhecimento da designação por os mandatários serem os mesmos nos dois processos”.

DD) Tanto assim que, no seu requerimento inicial de arbitragem, que se juntou como DOC. N.º 2 da Oposição, o ora Recorrente havia igualmente manifestado a sua intenção de designar como árbitro o Ex.mo Senhor Dr. DD, que foi justamente o Árbitro designado pelos jogadores demandantes (EE e FF) nos referidos processos n.ºs 51/2018 e 64/2018 (cfr. arts. 51.º e 53.º da P.I.).

EE) Ou seja, o Recorrente adotou o mesmo procedimento, que agora imputa em jeito de crítica à Recorrida, de nomear o mesmo Árbitro para intervir em três arbitragens incidentes sobre a mesma matéria, todas elas iniciadas entre julho e agosto de 2018.

FF) Foi apenas a posteriori que o Recorrente veio requerer a substituição do referido Árbitro, “por impossibilidade deste”, pelo Ex.mo Senhor Dr. GG (cfr. DOC.N.º 4, junto à Oposição).

GG) O Recorrente concordou, ao longo de todo o processo, com a identidade do árbitro nomeado pela Recorrida e com a respetiva atuação processual, que nenhuma reserva lhe motivou até ao momento do conhecimento da decisão final.

HH) Ademais, prevê-se no artigo 46.º, n.º 4 da LAV que “4 - Se uma parte, sabendo que não foi respeitada uma das disposições da presente lei que as partes podem derrogar ou uma qualquer condição enunciada na convenção de arbitragem, prosseguir apesar disso a arbitragem sem deduzir oposição de imediato ou, se houver prazo para este efeito, nesse prazo, considera-se que renunciou ao direito de impugnar, com tal fundamento, a sentença arbitral”.

II) Dúvidas não restam de que o Recorrente teve cabal conhecimento das circunstâncias que alega como afetando a independência do árbitro visado, e que o teve muito antes de 18.03.2020, data da prolação do Acórdão Arbitral, pelo que a situação sub judice enquadra-se na previsão do artigo 46.º, n.º 4 da LAV, devendo considerar-se que se encontra precludida a faculdade de o Recorrente impugnar, com estes fundamentos, o Acórdão Arbitral.

JJ) O Recorrente teve a possibilidade de suscitar as suas reservas quanto à independência e imparcialidade dos árbitros muito antes da data em que o fez, mas preferiu, ao invés, aguardar pela prolação do Acórdão Arbitral para suscitar a questão, o que configura um claro caso de abuso de direito, na modalidade de supressio.

KK) Face ao exposto, conclui-se pela existência de abuso do direito de pedir a anulação do Acórdão Arbitral com fundamento na falta de independência e imparcialidade do Árbitro BB, devendo aplicar-se a respetiva consequência, isto é, a impossibilidade de exercício do direito do Recorrente, com o consequente indeferimento do pedido de anulação do Acórdão com tal fundamento.

— DA ALEGADA OFENSA DE PRINCÍPIOS INTEGRANTES DA ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL DO ESTADO PORTUGUÊS

LL) O Recorrente discorda da decisão do Tribunal a quo que negou provimento ao pedido de anulação da sentença arbitral deduzido com fundamento em ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado português, mais precisamente, por ofensa ao princípio da proporcionalidade.

MM) Sucede que, além da alegação do Recorrente a este propósito mais não ser do que um evidente copy paste de uma monografia já publicada, a leitura da mesma põe em evidência que o que o Recorrente verdadeiramente aborda é o mérito das decisões arbitrais proferidas e que aquilo que pretende obter por via da presente ação não é outra coisa que não a sua reapreciação.

NN) Tal pretensão não poderá proceder, sendo vedado ao Tribunal ad quem – como era vedado ao Tribunal a quo – o conhecimento do mérito das questões decididas pelo Tribunal Arbitral.

OO) Entende o Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao decidir pela inexistência de qualquer ofensa à ordem pública internacional do Estado português, porquanto “atribu[iu] à noção de ‘ordem pública internacional do Estado português” constante do art. 46.º, n.º 3, b), ii) da LAV o significado que caracteriza a “reserva ordem pública internacional”, que é específica do direito internacional privado” e que se encontra “prevista no artigo 56.º, n. 1, b), ii) da LAV”.

PP) Desconsidera, pois, o Recorrente que a decisão do Tribunal a quo não só aplicou efetivamente o conceito subjacente ao artigo 46.º, n.º 3, alínea b), subalínea ii), da LAV, como considerou que da aplicação do mesmo resultava que a alegação do Recorrente se traduzia num pedido de reapreciação do mérito.

QQ) O Tribunal a quo identificou corretamente que “[n]os termos do disposto no artigo 46.°, n.° 3, alínea b), parágrafo ii) da LAV, uma sentença arbitral é efetivamente suscetível de anulação quando o seu conteúdo ofenda os princípios da ordem pública internacional do Estado português”, e propôs-se avaliar se, in casu, o conteúdo da sentença arbitral era suscetível de ofender esses princípios – que, como reconhece o próprio Recorrente, são comuns aos princípios que integram o conceito de reserva de ordem pública internacional.

RR) No entanto, verificou o Tribunal a quo – e, reitera-se, bem – que à luz da alegação do Recorrente na petição inicial, não existia fundamento para determinar a anulação da decisão arbitral, porquanto “[a]o longo de toda a sua exposição na petição inicial, o que o requerente verdadeiramente aborda na sua alegação a este respeito é o mérito das decisões arbitrais proferidas e o mesmo pretende obter por via da presente ação não é outra coisa que não a sua reapreciação, por alegado desrespeito dos princípios jurídicos invocados”60.

SS) Na sua decisão, o Tribunal a quo teve em consideração que (i) o conceito de ordem pública internacional tem um conteúdo mais restrito (i.e., menos abrangente) do que a ordem pública interna; e que (ii) a incompatibilidade de determinada decisão (arbitral) com a ordem pública internacional de um Estado apenas em concreto pode ser determinada.

TT) Além disso, teve o Tribunal a quo presente que, para uma anulação de um acórdão arbitral possa proceder, sempre teremos de estar perante uma situação que, tendo em conta os precisos contornos do caso concreto, crie uma situação de ofensa intolerável, na expressão consagrada pelo Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 09.10.2003, aos “princípios fundamentais estruturantes da presença de Portugal no concerto das nações”61.

UU) Estando o Tribunal impossibilitado de operar uma revisão material do acórdão arbitral (cfr. artigo 46.º, n.º 9 da LAV), as hipotéticas ofensas aos princípios da ordem pública internacional devem ser gritantes para que, sem mergulhar numa revisão de mérito, o Tribunal possa atingir essa conclusão.

VV) Lógica que é reforçada pelo facto de o fundamento de anulação em apreço, plasmado no artigo 46.º, n.º 3, alínea b), parágrafo ii) da LAV, ser, também, um fundamento de conhecimento oficioso, pois que a situação de excecionalidade deve saltar aos olhos do Tribunal aquando da análise do acórdão arbitral.

WW) In casu, o Tribunal a quo simplesmente entendeu não ter sido alegada pelo Recorrente qualquer violação patente de princípios da ordem pública internacional, tendo concluído que o que o Recorrente verdadeiramente abordava na sua alegação era o mérito das decisões arbitrais proferidas, e que aquilo que o mesmo pretendia obter por via da ação não era outra coisa que não a sua reapreciação – entendimento que não merece qualquer censura ou reparo.

XX) Sem prejuízo, presumir-se-ia, à luz da alegação do Recorrente, que no seu entendimento o conteúdo normativo da ordem pública internacional do Estado português fosse distinto do conteúdo normativo da reserva de ordem pública internacional, de tal sorte que a análise a empregar pelo Tribunal a quo fosse substancialmente distinta consoante estivesse em causa um ou outro instituto.

Mas não é esse o caso.

YY) O Recorrente entende que “sob o ponto de vista normativo, a reserva de ordem pública internacional oponível ao reconhecimento de decisões jurisdicionais estrangeiras não difere muito significativamente da ordem pública internacional de direito material, que constitui um núcleo mais restrito dentro da “ordem pública de direito material” e é a noção que opera em sede de controlo de anulação de sentenças arbitrais”.

ZZ) Esse é também o entendimento, a título exemplificativo, de A. SAMPAIO CARAMELO62, MANUEL P. BARROCAS63, AFONSO PATRÃO64 E LUÍS DE LIMA PINHEIRO65.

AAA) Ora, na medida em que, como bem reconhece o Recorrente, o conceito de ordem pública internacional do Estado português e o conceito de reserva de ordem pública internacional partilham o mesmo conteúdo normativo, não se compreendem as razões da sua discórdia com a decisão recorrida.

BBB) Se para o Recorrente, a única diferença entre a ordem pública internacional do Estado português e a reserva de ordem pública internacional “concerne à relatividade que caracteriza a atuação da exceção ou reserva de ordem pública internacional, devido ao facto de a sua atuação limitadora ou condicionadora do reconhecimento da sentença estrangeira depender da intensidade dos laços que a situação por esta contemplada apresenta com o Estado do reconhecimento (pois será aí que irá produzir efeitos)”66, então o argumento aduzido nas alegações sob resposta apenas faria sentido se o Tribunal a quo tivesse concluído pela inexistência de qualquer violação de princípios da ordem pública em virtude da intensidade do nexo entre a situação e o Estado português.

CCC) Sucede que não foi esse o entendimento do Tribunal a quo, não existindo qualquer confusão no Acórdão recorrido acerca dos conceitos convocados pelo Recorrente.

DDD) O Recorrente simplesmente não se conforma quer com as decisões arbitrais anulandas, quer com a decisão recorrida, capeando o seu argumento com um suposto erro conceptológico do Tribunal a quo, o qual, acaba por reconhecer, nenhum relevo prático tem para a decisão da causa.

EEE) Pelo que nenhum reparo merece a decisão do Tribunal a quo também neste particular, tendo este andado bem ao concluir pela inexistência de qualquer ofensa à ordem pública internacional do Estado português.

Sem prejuízo,

FFF) Contrariamente ao que alega o Recorrente, o resultado alcançado pelo Tribunal Arbitral não se materializa em qualquer ofensa à ordem pública internacional do Estado Português, em concreto, ao princípio da proporcionalidade.

GGG) Desde logo, desconsidera o Recorrente, nas suas alegações, que o Tribunal Arbitral operou efetivamente uma redução equitativa do valor da compensação por liquidar por banda do Recorrente, pelo que o que o Recorrente sindica não é já o valor de uma concreta penalidade ou sanção contratual – cujo excesso poderia efetivamente, em tese, se não reduzido, admitir-se poder afrontar a ordem pública –, mas o valor de uma decisão judicial.

HHH) É do juízo equitativo levado a cabo pelo tribunal que o Recorrente verdadeiramente discorda. Tal juízo, porém, não pode implicar uma violação da ordem pública internacional do Estado português, desde logo pela razão de que não existe nenhuma norma ou princípio vigente no direito português que vede ou proíba, per se, a aplicação de indemnizações elevadas.

III) Pelo contrário, pelas razões que clara e desenvolvidamente se retiram das decisões arbitrais proferidas, tal valor revela-se totalmente adequado às especificidades do caso decidido, pecando apenas por defeito, tendo em conta as coordenadas fácticas específicas do caso, em face da prova produzida e, em especial, da prova pericial que analisou o valor de mercado do Recorrente à data da rescisão.

JJJ) Sendo certo que, ainda que assim não fosse, um eventual erro de julgamento por parte do Tribunal na aferição equitativa do valor correto a fixar jamais seria sindicável, ou revisível, em sede de instância de anulação.

KKK) A válvula de escape que o ordenamento jurídico português prevê para fazer face a estipulações contratuais excessivas é a possibilidade da sua redução em função da equidade (artigos 812.º do Código Civil e 25.º, n.º 2, da Lei n.º 54/2017, de 14 de julho), sendo que a eventual má aplicação do juízo segundo a equidade não é questão de ordem pública, e muito menos de ordem pública internacional.

Ademais,

LLL) Como resulta dos factos provados 1. e 3. do acórdão arbitral, o valor de €45.000.000,00 acordado pelas partes na Cláusula 8.º do contrato de trabalho desportivo (cláusula de rescisão) e, igualmente, na sua Cláusula 11.º, embora aí condicionado à posterior inscrição do jogador num terceiro clube (cláusula penal), corresponde a um valor que tem em conta a realidade do futebol profissional, e, mais concretamente a inflação galopante na valorização dos direitos de participação desportiva dos jogadores de elite, refletida nos preços cada vez mais elevados pagos pelos clubes com vista à sua transferência entre equipas, particularmente no caso dos avançados.

MMM) É crucial ter-se presente o mercado concreto em que o Recorrente e a Recorrida se enquadravam, designadamente através da comparação do referido valor de € 45.000.000,00 com os valores das cláusulas de rescisão praticadas pelos clubes rivais S... e F... (cfr. DOC. N.º 5, junto à oposição à ação de anulação).

NNN) Nesse sentido, o valor clausulado pelas partes no contrato de trabalho desportivo considerava-se já perfeitamente enquadrado e em linha com o mercado, de mais a mais tendo em conta o investimento realizado pela Recorrida na formação desportiva do Recorrente e o seu potencial desportivo, que se vem confirmando a cada jogo.

OOO) Desconsiderar as cláusulas de rescisão livremente acordadas entre jogadores e clubes, condenando os infratores apenas no pagamento dos salários vincendos quando os mesmos vêm a ingressar em seguida num novo clube, seria ir em sentido frontalmente inverso àquela que tem vindo a ser a orientação da FIFA e daquela que é a mais alta instância desportiva a nível mundial, o CAS, com sede em ....

PPP) Donde, é manifesto que aderir ao iter argumentativo apresentado pelo Recorrente teria como resultado, além do mais, uma desvirtuação completa da concorrência – cujos princípios basilares integram, aqui sim, a ordem pública internacional do Estado português68 - e tornaria o mercado anárquico, totalmente permeável aos impulsos e desvarios de agentes e clubes.

QQQ) O resultado seria evidentemente catastrófico, e a situação agrava-se quando se equacione que estes jogadores, saindo a qualquer momento e a custo zero dos respetivos clubes, poderiam ser inscritos por terceiros clubes que beneficiariam do seu contributo desportivo, bem como lucrariam numa futura venda dos respetivos direitos desportivos, sem nada pagar aos clubes com quem os jogadores ilicitamente teriam rescindido (!).

RRR) E é precisamente o caso dos autos, em que o L..., da primeira liga francesa, contratou o Recorrente a custo zero, escassas semanas após este ter resolvido sem justa causa o seu contrato com a Recorrida, tendo beneficiado do seu contributo desportivo numa época em que alcançou o segundo lugar no campeonato francês e o inerente acesso à Liga dos Campeões, e tendo posteriormente lucrado, com a sua venda, por €35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros) ao A..., clube da liga italiana em que o Recorrente presentemente se integra.

SSS) Acresce, ainda, que a alegação apresentada nestes autos pelo Recorrente ignora um outro ponto que se mostra, também ele, decisivo na apreciação da questão sub judice, e que integra, também ele, a especificidade do desporto e do presente caso concreto. É que, como o Recorrente bem sabe, a verdade é que não é o Recorrente quem, na prática, terá de suportar o pagamento da compensação reconhecida à SPORTING, SAD, no valor de €16.500.000,00.

TTT) Pelo contrário, quem irá suportar esse valor será o L..., o clube ... para o qual o jogador se “transferiu” na sequência da rescisão com a Recorrida, a custo zero, e que foi recentemente condenado, em decisão do Court of Arbitration for Sport de 21/02/2022 (ora junta como DOC. N.º 1), no pagamento solidário de indemnização à Recorrida em virtude da cessação contratual ilícita do Recorrente.

UUU) Mas, independentemente da referida decisão, sempre seria o L... a suportar o pagamento da compensação reconhecida à Recorrida no processo arbitral, porquanto esse clube se responsabilizou perante o jogador a fazer face a quaisquer encargos ou responsabilidades em que o jogador viesse a ser condenado em decorrência do presente litígio.

VVV) Isso mesmo foi o que resultou da prova produzida em sede de processo arbitral, que vale igualmente para os efeitos dos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 421.º do CPC, que estabelece o regime do aproveitamento extraprocessual das provas.

WWW) Essa prova extrai-se justamente das transcrições de julgamento juntas pelo Recorrente (cfr. Doc. 23 da P.I.), das quais resulta, desde logo, a referida confissão dessa realidade pelo Recorrente, em sede de declarações de parte no dia ........2019 (03:53:57–03:54:56), tendo essa factualidade sido confirmada pela testemunha HH, colaborador da I..., empresa do seu agente II (sessão de ........2019: 01:35:21 e 02:35:01–02:35:07), e pela testemunha JJ, pai do Recorrente, que, à data, atuava igualmente como seu representante – (sessão do dia ........2019: 00:58:29-00:59:30 e 01:02:06-01:02:42).

XXX) Por detrás de tal assunção não está um qualquer ato de altruísmo ou especial benevolência por parte do L..., mas sim a consequência do regime de responsabilidade solidária passiva estatuído no artigo 17.º, n.º 2, das RSTP, bem como no artigo 26.º, n.º 1 e 2, do RJCTPD.

YYY) Daqui resulta, pois, por demais evidente que as alegações apresentadas pelo Recorrente nos presentes autos se mostram, também sob este ponto de vista, totalmente deslocadas da realidade do caso concreto.

ZZZ) Pois que, como se vê, não só existem mecanismos legais que permitem que não seja o Recorrente a liquidar o valor da sua condenação, como o próprio clube contratante do jogador na janela de transferências de 2018 foi já condenado enquanto responsável solidário, tendo inclusive assumido perante si essa responsabilidade.

AAAA) E a verdade é que assumiu essa responsabilidade porque terá antevisto na contratação do Recorrente, desde logo, uma possibilidade de ganho não só desportivo, mas fundamentalmente financeiro, que se veio a concretizar, apenas um ano mais tarde, na transferência milionária do jogador – naturalmente com o seu acordo e consentimento – para o A..., clube da primeira liga italiana, e reconhecidamente uma das mais importantes do mundo, pelo valor de € 35.000.000,00 (trinta e cinco milhões de euros)69.

BBBB) Por aqui se comprova não só que o Recorrente e o L... já lucraram, e muito, com a situação que dá azo aos presentes autos, como, por outro lado, que o valor de €16.500.000,00 fixado pelo TAD se revela modesto por comparação com o que resulta do valor de mercado do Recorrente, concretizado na aludida transferência para o A..., apenas um ano depois da resolução do contrato com a SPORTING, SAD!

CCCC) A isto acresce, por fim, que a alegação do Recorrente de que o valor em que se viu condenado lhe demandaria 275 anos a liquidar, não corresponde senão a uma alegação deliberada e conscientemente falsa, falaciosa e enganadora.

DDDD) Desde logo, porque para chegar a tão brilhante conclusão, os dados que o Recorrente toma em consideração são unicamente os resultantes daquela que havia sido acordada como a remuneração – referente a salários (portanto, excluindo prémios) – na primeira época do primeiro contrato de trabalho desportivo da sua carreira! Naturalmente, esse valor sempre seria ascendente, aumentando a cada ano até ao final do contrato.

EEEE) Por outro lado, terá de se ter em consideração as condições acordadas entre o Recorrente e o L... no contrato de trabalho desportivo então assinado: pelo simples facto de assinar contrato com o L... na sequência da rescisão promovida com a Recorrida, o Recorrente auferiu uma módica quantia de €1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil euros).

FFFF) No que respeita à remuneração acordada para o primeiro ano de contrato, o valor auferido pelo Recorrente foi de, pelo menos, € 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil euros), ao qual acresceram prémios de desempenho, coletivos e individuais.

GGGG) Mesmo estes valores se encontram já desatualizados, uma vez que, como se referiu, o jogador transferiu-se no final dessa época, portanto, no verão de 2019, para o referido A..., por um estrondoso valor de € 35.000.000,00 (trinta e cinco mil euros).

HHHH) A Recorrida desconhece qual seja o valor de remuneração que o Recorrente aufere atualmente ao serviço do A..., mas seguramente será superior, em muito, ao estabelecido no anterior contrato com o L..., sendo certo que o Recorrente já vai na terceira época ao serviço do A..., onde se destaca como um dos jogadores mais proeminentes da equipa.

IIII) Mais: de acordo com a informação veiculada na imprensa, o Recorrente está a negociar uma renovação de contrato com o A..., por mais quatro épocas, até 2026, passando a receber anualmente € 4.000.000,00, tudo perfazendo o total de... € 16.000.000,00 (dezasseis milhões de euros).

JJJJ) A isto acresce que a tese do Recorrente ignora aquela que é uma das fatias mais significativas dos rendimentos dos jogadores profissionais de futebol: as receitas resultantes da gestão dos seus direitos de imagem.

KKKK) No caso, os direitos do Recorrente são geridos pela P..., a qual vem naturalmente garantindo ao Recorrente, inter alia, a celebração de contratos publicitários e de patrocínio, de que poderá referir-se, a título de exemplo, a relação comercial mantida entre o Recorrente e a conhecida marca de produtos desportivos Ad (cfr. DOCS.N.º 8e 9, juntos à oposição à ação de anulação).

LLLL) Em face de tudo o que se deixa exposto, mostra-se inquestionável que o resultado alcançado pelo Tribunal Arbitral não se materializa em qualquer ofensa à ordem pública internacional do Estado Português, tendo andado bem o Tribunal a quo ao julgar improcedente a pretensão do Recorrente.

MMMM) O Tribunal Arbitral não violou quaisquer princípios de proporcionalidade, uma vez que teve em consideração todas as circunstâncias do caso concreto e, com base nelas, fixou a indemnização que considerou justa e adequada, que apenas peca por defeito.

NNNN) Em face do exposto, improcede em toda a linha a pretensão da Recorrente, devendo ser mantido o Acórdão recorrido.

E conclui: “... deve ser negado provimento ao presente recurso de revista, mantendo-se na íntegra o Acórdão recorrido.”

15. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo A. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

a) Ofensa dos princípios da ‘ordem pública internacional do Estado português’, mais precisamente, a ofensa do princípio da proporcionalidade, nos termos previstos no art. 46.º, n.º 3, alínea b), subalínea ii) da LAV, pedindo o recorrente que o STJ revogue a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, aplicando corretamente as normas e princípios jurídicos pertinentes ao caso em apreço, determine a anulação da sentença arbitral impugnada;

b) Caso não proceda esse fundamento de recurso, pede o Recorrente que seja ordenada a baixa do processo ao tribunal da Relação para que este amplie a matéria de facto que, “de modo muito deficiente e incorreto”, selecionou para decisão, por tal se afigurar necessário para constituir base suficiente para a correta decisão de direito quanto à apreciação do fundamento de impugnação da decisão arbitral consistente na falta de imparcialidade e independência do árbitro indicado pela Sporting SAD.

III. Fundamentação

1. Foram dados provados os seguintes factos:

1.1. O Demandante e a Demandada celebraram, no dia 14 de setembro de 2017, contrato de trabalho desportivo para a prática da atividade de futebol profissional, na categoria sénior, para as épocas desportivas de 2017/2018, 2018/2019, 2019/2020, 2020/2021e2021/2022;

1.2. O Contrato de Trabalho Desportivo encontrava-se registado junto da Federação Portuguesa de Futebol (adiante "FPF") e da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (adiante "LIGA").

1.3. O contrato de trabalho era regido pelas seguintes cláusulas:

1. «O JOGADOR obriga-se a continuar a prestar com regularidade a actividade de futebolista da SPORTING, SAD, em representação e sob autoridade e direcção desta, com início no dia 1 de Julho de 2017 e termo no dia 30 de Junho de 2022.

2. A SPORTING, SAD obriga-se a pagar ao JOGADOR, durante a vigência do contrato, as seguintes remunerações globais ilíquidas:

a) Época 2017/18: €60,000,00 (sessenta mil euros) que serão pagos através de 12 prestações mensais, sucessivas e iguais de 5.000,00 (cinco mil euros) cada, sendo que juntamente com a remuneração do mês de Setembro de 2017 será pago o montante ilíquido de 1.666,00 (mil, seiscentos e sessenta e seis euros) relativo ao diferencial entre as remunerações de Julho e Agosto de 2017 já liquidadas ao JOGADOR, ao abrigo do contrato de trabalho desportivo ora revogado e as ora acordadas, as quais incluem os proporcionais correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, e se vencem no dia 11 do mês seguinte àquele a que disserem respeito;

b) Época 2018/2019: € 65.004,00 (sessenta e cinco mi/ e quatro euros) que serão pagos através de 12 prestações mensais, sucessivas e iguais de €5.417,0 (cinco mil, quatrocentos e dezassete euros) cada, as quais incluem os proporcionais correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, e se vencem no dia 11 do mês seguinte àquele a que disserem respeito;

c) Época 2019/20: € 70.008,00 (setenta mil e oito euros) que serão pagos através de 12 prestações mensais, sucessivas e iguais de 5.834,00 (cinco mil, oitocentos e trinta e quatro euros) cada, as quais incluem os proporcionais correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, e se vencem no dia 11 do mês seguinte àquele a que disserem respeito;

d) Época 2020/21: €75.000,00 (setenta e cinco mil euros) que serão pagos através de 12 prestações mensais, sucessivas e iguais de €6.250,00 (seis mil duzentos e cinquenta euros) cada, as quais incluem os proporcionais correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, e se vencem no dia 11 do mês seguinte àquele a que disserem respeito.

e) Época 2021/22: € 80.004,00 (oitenta mil e quatro euros) que serão pagos através de 12 prestações mensais, sucessivas e iguais de 6.667,00 (seis mil, seiscentas e sessenta e sete euros) cada, as quais incluem os proporcionais correspondentes aos subsídios de férias e de Natal, e se vencem no dia 11 do mês seguinte àquele a que disserem respeito.

3. Ao JOGADOR é conferido o direito a receber prémios de performance, caso venha a participar, no mínimo de 45 (quarenta e cinco) minutos por jogo, a contar para a liga NOS e competições europeias, na equipa principal sénior da SPORTING, SAD, na mesma época desportiva, cujo valor é determinado em função do número mínimo de jogos oficiais em que participe, nos seguintes termos:

a) 5 (cinco) jogos: € 20.000,00 (vinte mil euros), ou,

b) 10 (dez) jogos: € 40.000,00 (quarenta mil euros), ou,

c) 20 (vinte) jogos: € 60.000,00 (sessenta mil euros), ou,

d) 25 (vinte e cinco) jogos: € 80.000,00 (oitenta mil euros), ou,

e) 35 (trinta e cinco) jogos: € 100.00,00 (cem mil euros).

§ Todos os prémios aferem-se dentro da mesma época desportiva, não são cumulativos entre si, são ilíquidos e serão pagos juntamente com a remuneração que se vence no mês seguinte ao da concretização de cada objectivo.

4. A SPORTING, SAD poderá, ainda, pagar ao JOGADOR prémios de classificação que sejam por si estabelecidos para a equipa principal/sénior, se nela se encontrar efectivamente integrado, em função dos resultados por aquela obtidos, sendo a definição dos critérios de atribuição e pagamento desses prémios feita pela SPORTING, SAD no início de cada época ou jogo a jogo.

5. Ao JOGADOR é assegurado o período de férias previsto no CCT aplicável

6. Ao JOGADOR fica vedado, no período de duração do contrato, a prática de qualquer actividade desportiva, não previamente autorizada pela SPORTING, SAD bem como o exercício de qualquer actividade laborai ou empresarial, salvo se para tal obtiver o consentimento escrito desta Sociedade.

7. 0 JOGADOR obriga-se a usar nos jogos, treinos, estágios e deslocações o vestuário, equipamento e calçado da marca que a SPORTING, SAD lhe fornecer, com exceção das chuteiras, cuja cor fica sujeita à aprovação da SPORTING, SAD, e a respeitar os contratos de publicidade celebrados pela mesma ou qualquer sociedade detida directa ou indirectamente por si ou pelo Sporting Clube de Portugal, cedendo, ainda, à SPORTING, SAD, quer durante a vigência, quer após a cessação do mesmo, desde que referentes a acções realizadas durante a vigência do contrato, o direito de explorar comercialmente os seus direitos de imagem, som e voz, seja individualmente, seja em conjunto com os restantes jogadores, podendo a exploração dos direitos cedidos ser feita através da SPORTING, SAD ou através de qualquer sociedade detida directa ou indirectamente por si, ou pelo SPORTING CLUBE DE PORTUGAL. 0 JOGADOR obriga-se a prestar toda a colaboração e participar nas ações promocionais e publicitárias que lhe sejam solicitadas no âmbito da exploração comercial dos direitos ora cedidos.

8. Ao JOGADOR é conferido o direito de rescindir unilateralmente o presente contrato sem necessidade de invocação de justa causa, ficando imediatamente desvinculado laborai e desportivamente da SPORTING, SAD nas seguintes condições:

a) A rescisão só poderá ter lugar nos períodos compreendidos entre os dias 15 de Maio e 15 de Junho de cada época desportiva, devendo ser enviada comunicação à SPORTING, SAD com 15 dias de antecedência à data em que a mesma deva operar os seus efeitos;

b) Cumulativamente com a comunicação referida na alínea anterior, deverá ser efectuado à SPORTING, SAD um pagamento imediato no montante de € 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de euros);

c) Feita a comunicação com o aviso prévio e nos prazos previstos na alínea a) e paga a verba mencionada na alínea b) antecedente, a SPORTING, SAD obriga-se a desvincular laborai e desportivamente o JOGADOR e, ainda, caso para tal seja solicitada, a autorizar a F.P.F. a proceder ao envio do respectivo Certificado Internacional para qualquer Clube estrangeiro que o tenha requerido.

9. As partes obrigam-se mútua e reciprocamente, face a qualquer situação de litígio, incumprimento ou divergência relativamente aos termos, condições e execução do presente contrato, e previamente a qualquer outra iniciativa de natureza contenciosa, a interpelar a outra parte tendo em vista uma solução consensual do diferendo no prazo de trinta dias contados dessa interpelação, sem que o incumprimento ou divergência seja invocável como motivo de ruptura do contrato por qualquer das partes, aceitando ambos as outorgantes que esta cláusula foi essencial para a celebração do presente contrato, nos exactos termos e condições ora exarados.

10. Sem prejuízo do disposto no número 9 antecedente, as Partes acordam conferir competência exclusiva e definitiva para dirimir todo e qualquer litígio emergente deste Contrato ou com ele relacionado ao Tribunal Arbitrai do Desporto (TAD), de acordo com o disposto na Lei do TAD, aprovada pela Lei n.° 74/2013, de 6 de Setembro, e no Regulamento de Processo e de Custas Processuais no âmbito da Arbitragem Voluntária do TAD.

11.No caso de uma das partes rescindir o presente contrato alegando para tal justa causa e a Tribunal Arbitrai da Desporto, de acordo com o estabelecido no número 10 antecedente, não reconhecer a sua existência, ficará constituída na obrigação de indemnizar a contraparte pelos prejuízos causados pela conduta ilícita, fixando-se, desde já, a título de cláusula penal, o montante indemnizatório a pagar e que será o seguinte:

- na hipótese de ser a SPORTING, SAD a rescindir ilicitamente, fica obrigada a pagar ao JOGADOR uma indemnização correspondente ao valor das remunerações vincendas até final do contrato, podendo, no entanto, proceder à dedução na indemnização dos valores que o JOGADOR venha a receber pela prestação da mesma actividade a outra entidade desportiva durante o período correspondente ao prazo do contrato rescindido;

- na hipótese de ser o JOGADOR a rescindir ilicitamente fica obrigado, no âmbito jurídico-laboral, a pagar à SPORTING, SAD uma indemnização correspondente ao valor das remunerações que haveria de receber até final do contrato rescindido, ficando a sua inscrição por parte de um terceiro Clube dependente, no âmbito jurídico-desportivo, do pagamento do montante de 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de euros), correspondente à valorização dos direitos de participação desportiva do JOGADOR feita pelas partes no presente contrato.

12. A SPORTING, SAD obriga-se a ter a ficha médica do JOGADOR devidamente actualizada, a qual será remetida para apreciação das entidades competentes sempre que para tanto seja solicitada e, ainda, que o JOGADOR está vacinado contra o tétano, frequenta com assiduidade e aproveitamento o curso de ginástica, reúne as condições necessárias para a prática do futebol e tem capacidade para a celebração do presente contrato.

13. Em tudo o que não estiver previsto no presente contrato aplicar-se-á o CCT outorgado entre o Sindicato Nacional dos Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional.

14. A SPORTING, SAD obriga-se a subscrever, bem como a suportar os respectivos custos dos seguros obrigatórios, ou seja, o Seguro Desportivo, bem como o Seguro de Acidentes de Trabalho, cujo beneficiário é o próprio Jogador ou a sua família. 0 JOGADOR habilita, desde já, a SPORTING, SAD a subscrever outras apólices de seguro que entenda por convenientes, ficando esta Sociedade responsável pelo pagamento dos respectivos custos, bem como a única e exclusiva Beneficiária.

15. Para efeitos do presente contrato, as partes declaram que não se fizeram representar por intermediários.

16. O JOGADOR obriga-se, directamente ou por interposta pessoa, a não fazer apostas ou de qualquer modo participar em jogos de azar referentes às competições em que as equipas da SPORTING, SAD participem ou previsivelmente venham a participar, nomeadamente, apostas online, casas de jogos, casas de apostas e afins.

17. O JOGADOR obriga-se a manter sigilo sobre os assuntos e informações do foro interno da SPORTING, SAD, seu clube fundador e sociedades do Grupo Sporting, que venha a ter conhecimento ou acesso no exercício das suas funções, na vigência do contrato e depois da sua cessação.

18. O JOGADOR obriga-se, ainda, a cumprir e respeitar o estipulado no Regulamento Interno da SPORTING, SAD, bem como as normas de conduta na Academia Sporting, e os procedimentos e determinações por esta emanados, de que tem conhecimento.

19. O JOGADOR declara aceitar, integralmente e sem reservas, os compromissos arbitrais previstos no Regulamento das Competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional e no Regulamento Disciplinar das Competições organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional relativamente a todos os litígios emergentes da aplicação dos referidos Regulamentos.

20. As partes acordam, desde já, que todas as disposições relativas ao contrato de trabalho desportivo, celebrado no dia 23 de Outubro de 2015 e eventuais contratos-promessa e aditamentos celebrados nessa mesma data, se encontram expressamente revogadas devido à celebração do presente Contrato.». - Cfr. o Doc. n-1 junto com a petição inicial.

1.4. Na mesma data, 14 de setembro de 2017, foi celebrado, entre as mesmas partes, um aditamento ao contrato de trabalho desportivo, com a seguinte cláusula única: " A título de contrapartida pela celebração do Contrato de Trabalho Desportivo até ao dia 30 de Junho de 2022, a SPORT1NG, SAD atribui ao JOGADOR a título de prémio de assinatura, o montante ilíquido de € 180.000,00 (cento e oitenta mil euros), a liquidar em 50% juntamente com a remuneração de Setembro de 2017 e 50% juntamente com a remuneração de Dezembro de 2017."

1.5. Por carta registada com aviso de receção, datada de 14 de junho de 2018, o Demandante comunicou à Demandada a resolução com justa causa do Contrato de Trabalho Desportivo celebrado entre as partes em 14 de setembro de 2017 e em vigor para as épocas de 2017/2018 a 2021/2022, carta com o seguinte teor:

"I – Introito

Tendo o signatário celebrado com a Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD um contrato de trabalho desportivo em 17 de Setembro de 2017 ■ cuja cópia se junta e se dá por integralmente reproduzida ■ considera que um conjunto de factos aos quais é completamente alheio, ocorridos nos últimos meses de vigência do referido contrato, e que só à entidade patronal podem ser imputados (infra melhor descritos), são gravemente violadores dos seus direitos laborais, nomeadamente no que concerne à sua dignidade profissional e enquanto pessoa, colocando em causa a sua integridade física e segurança, e tomando praticamente impossível a subsistência da relação laborai desportiva com V. Exas.

II— nota prévia

O signatário, oriundo de uma família humilde e pobre, integrou desde criança o centro de formação do Sporting Clube de Portugal, usualmente conhecido por ..., onde residiu praticamente até aos dias de hoje e ali fez toda a sua formação pessoal e profissional.

Reconhecimento e gratidão que apenas considera abalados pelo desequilíbrio comportamental de alguns dirigentes da Sporting SAD, a que a grande instituição Sporting Clube de Portugal é alheia.

O signatário foi crescendo e evoluindo enquanto profissional e pessoa, tomando como referência os seus ídolos que entretanto se vieram a tornar colegas de trabalho, nomeadamente aqueles que foram os ... da equipa sénior.

Tomando por referência os mais virtuosos valores da centenária instituição, bem como de todos aqueles que para si sempre foram ídolos, julgou nela poder continuar a crescer pessoal e profissionalmente com a necessária segurança e estabilidade.

Valores que nos últimos meses viu ruir, com a certeza que com o estado atual das coisas o seu temor, medo e insegurança são irreversíveis.

O que, muito a contragosto e com uma infinita mágoa, obriga o signatário a decidir-se pela desvinculação contratual com esta SAD.

Os adeptos, simpatizantes e sócios da instituição não podem ser nem inflamados, nem "arremessados" pelos dirigentes contra aqueles que diariamente trabalham em prol do engrandecimento da mesma, unicamente para gáudio e ego (desses dirigentes).

Assim, num ápice, os atuais dirigentes da SAD do Sporting Clube de Portugal conseguiram destruir um sonho que o signatário veio alimentando e construindo até aos 19 anos de idade.

III

Dos factos

O Sporting Clube de Portugal foi, é, e será uma grandiosa e respeitosa Instituição. Bem o sabe o signatário, e atesta pessoalmente.

Do ponto de vista estritamente profissional, porém, e como é publicamente sabido, os atos dos Órgãos que representam a entidade patronal do signatário têm afetado em muito a sua dignidade profissional e pessoal, a sua confiança, o seu bom nome, e até, infelizmente, a sua segurança.

é público que o signatário, e plantei em geral, nunca beneficiaram do apoio do P..., mesmo em momentos cruciais para o decorrer da época desportiva. Ao invés, sente o signatário que o seu bom nome, honra, e lealdade foram ofendidas quando de forma reiterada o P... da Sporting Clube de Portugal ■ Futebol SAD atribuiu a culpa de maus resultados à sua falta de profissionalismo e dos seus colegas de trabalho.

Como é compreensível, a crítica pública - sempre severa - de uma entidade patronal com o alcance nacional e internacional que tem a SAD do Sporting coloca uma pressão profissional e pessoal altamente adversa aos atletas. Adversa até ao livre exercício de uma vida pessoal e familiar normal. Especialmente nos atletas profissionais de futebol, atenta a sua maior exposição pública. Essa mesma entidade patronal, que ao não assegurar segurança no local de trabalho, permitiu que o signatário, e seus colegas de equipa, tenham vivenciado um episódio de verdadeiro horror, declarou publicamente que foi "chato''. Entende o signatário, enquanto jogador da Sporting SAD, que os factos que vivenciou tornam impossível manter a relação de trabalho.

É público que o P..., deforma reiterada, interpelava toda a equipa, acusando os jogadores - sem fundamento, diga-se - de não aplicarem esforço no exercício do seu trabalho. É público que o P... interpelava toda a equipa (diretamente ou através dos ...], insinuando e frequentemente afirmando que o grupo não tinha atitude e compromisso. Sempre ameaçando que não toleraria menos do que a vitória em todas as competições. Cada competição não ganha, nas palavras dirigidas ao grupo de trabalho pelo P..., constituiria algo "totalmente imperdoável". Noutras ocasiões, apelidou o grupo de "convencidos que não respeitam nada nem ninguém". É público que o P... exercia autoridade, afirmando que os jogadores teriam de aprender regras rapidamente.

Acusou o signatário e os seus companheiros de equipa de ignorar ações de solidariedade, de não ter sentido de respeito pelos adeptos e pelo clube. Tais afirmações ofendem o signatário na sua honra, bom nome, e zelo enquanto jogador do Sporting - e são falsas!

O signatário não se conforma com o facto de exercer a sua profissão num contexto em que sente, individualmente e em todo o grupo que integra, uma culpabilização constante, injusta, e até algo instigadora. 0 contexto de crítica, pública e cerrada, sob o qual o signatário e os seus colegas foram colocados pelo P... afetou o seu desempenho, pois deixou de poder exercer a sua profissão de forma livre, realizada, e focada.

Veja-se, a título de exemplo, as mensagens enviadas aos ... de equipa na sequência de uma vitória sobre o ... (2-0):

"... DE MARÇO DE 2018

Boa noite. E depois dizem-me que eu não defendo o grupo. Vocês são uns convencidos que não nada nem ninguém. Agora podem ir mostrar isto ao grupo, ficarem amuados mas realmente é uma decepção as vossas atitudes.

Quanto ao jogo, feliz pela exibição, plena de Atitude e Compromisso, Um dia importante dedicado aos pais (com os jogadores a entrarem com os filhos), e ao enorme KK (pontapé de saída pelo seu filho, camisolas e inauguração da ...). Que melhor forma de fazer estas duas homenagens do que ganhar e proporcionar um sorriso e uma alegria a todos os que vivem este Clube.

Mas hoje também era o início de uma acção de solidariedade que os jogadores decidiram ignorar. Aqui não existem toupeiras, emails estranhos, jogos pagos para perder, vouchers, frutas ou seja lá o que for, mas temos de ter sentido de respeito pelos adeptos e pelo Clube. Ganhar jogos é bom, mas faz parte de servir este Clube. Mas isso não esconde tudo, nem servirá de desculpa para este tipo de atitudes.».

«O Sporting CP é um Clube com princípios, valores e regras, e quem não souber o que são regras vai ter de as aprender rapidamente.

Um dia que tinha tudo para ser um grande dia, mas que fica manchado e não existe razão para isto. Eu vivo 24h para este Clube. Amo-o com todas as minhas forças. Não posso assistir deforma impávida e irresponsável a estes actos de vedetismo

Para mim, as vedetas do Sporting CP sempre foram e sempre serão aqueles que lhe juraram ser fiel e amor eterno! Os Adeptos e, sobretudo, os Sócios!

São estas atitudes que me deixam cada vez mais intrigado, pois nas restantes modalidades nunca se assistiu a coisas destas. Quererá isto dizer que o dinheiro que se ganha é proporcionalmente inverso ao respeito que acham que têm de dar pelos pedidos do clube?

E qual é o papel dos capitães no seio dos grupos?».

«Vocês são uns felizardos numa sociedade cada vez mais pobre e com carências...

O que vocês fazem, provam o que é pobreza de espírito.

Que merda andar sempre a sentir isto de vocês.

É um desalento que já não existe paciência.

Não tinha custado nada e eu escusava de me sentir assim.

Ficou devidamente anotado.».

Repare-se que nesta altura da época desportiva o Sporting tinha vencido a Taça ..., e disputava a vitória na Liga ..., na Taça ... e na Liga.... Nesta fase - e com razão - o signatário sentia já que a equipa (perdendo ou ganhando) não tinha o apoio do P.... Pelo contrário, qualquer facto servia para que o signatário e os seus colegas de trabalho fossem severamente criticados, de forma pública.

Com as suas constantes intervenções públicas, a Sporting Clube de Portugal -Futebol SAD (através do seu P...) provocou um constante afastamento dos adeptos face aos elementos da equipa, criando a imagem que os jogadores não eram profissionais, e que essa atitude afastava as hipóteses de conquistas desportivas. Salvo o devido respeito por opinião diversa, é importante que nas relações jurídico-desportivas haja lealdade, o que neste caso não existia.

O subscritor trabalha, e vive, em .... À semelhança, aliás, da sua família, são pessoas conhecidas e integradas nos meios em que se inserem, e que prezam boas relações sociais, em especial a sua intimidade e segurança. Foi comum que o subscritor fosse interpelado na rua acerca da prestação da equipa, abordado por adeptos insatisfeitos e que repetiam as palavras que o P..., publicamente, proferia. Passou o subscritor a ter dificuldade em levar uma vida normal, por ser alvo de animosidade na rua, em restaurantes, e até nos meios de comunicação social. A crítica sobre os jogadores passou a ser objecto permanente de tópicos de conversa nas diversas redes sociais, inclusivamente, pelo menos desde Março de 2018, o signatário passou a recear deslocar-se em locais públicos, pois fosse onde fosse era abordado por adeptos. Ou seja, a pressão e temor que o P... incutiu internamente passou a manifestar-se também externamente, provocando angústia, indignação, e sentimento de desrespeito profissional ao signatário, e a toda a equipa em geral.

Tal crispação teve o apogeu no jogo que se realizou em ..., na primeira mão dos ... da Liga ..., em que a equipa viria a perder par 2 a 0.

Infelizmente, o signatário lesionou-se no dia ... de Março de 2018, ao serviço da Seleção ..., o que afastou a possibilidade de representar o SCP numa das competições mais emblemáticas do mundo do futebol.

Acalentava fortes expectativas de poder atuar num dos mais reconhecidos palcos Europeus, mas, acima de tudo, poder ajudar a equipa na conquista de um troféu tão prestigiado como aquele - o que, nessa fase da época, significava que o trabalho feito até então estava no caminho correto, com provas já dadas, aliás, mediante a vitória no primeiro título nacional em disputa no ano civil de 2018 - título esse que foi o primeiro da história do clube nessa competição.

Por isso, foi com enorme desilusão que o subscritor se viu impedido de participar no referido jogo, não deixando contudo de se sentir envolvido no grupo que ia jogar, e no trabalho coletivamente realizado para atingir mais um objetivo.

Pese embora se compreenda a frustração de uma derrota - nós, jogadores, somos os primeiros a sofrê-la - nada prepara um grupo coletivo de trabalho para o que se viria a seguir por parte do P... da Sporting Futebol Clube - Futebol SAD, que publicou o seguinte nas redes sociais:

"LIGA ...: QUE FUTURO? TEMOS DE ENCHER ...!

O que queria ter visto:

Uma equipa concentrada, com atitude e compromisso, defensivamente irrepreensível e com faro de golo. De 11 superarem-se e tornarem-se 22.

O que vi:

Uma equipa com atitude mas com uma defesa que não esteve concentrada.

LL e MM afazerem o que os avançados do ... não conseguiam. E o 2-0 a surgir sem nada terem feito para isso, a não ser (e não é pouco) marcarem.

FF aos ...m isolado frente a NN, em vez de fuzilar" para a esquerda, tenta colocar em jeito, mas sem força, para o lado direito perdendo um golo que já quase se gritava.

De 11, em vez de 22 como queria, fomos 9, muitas vezes, e isso paga-se caro...

OO e PP? "não quiseram jogar" em ..., com faltas para amarelo que nunca poderiam ter feito.

QQ a ser "intocável", sendo que "pediu" amarelo várias vezes mas não conseguiu, apesar de o merecer pelo esforço constante.

Um livre não assinalado encostado à grande área por falta devido a corte com a mão do jogador do ... aos ...m. As mãos e a cara continuam a confundir os russos.

Uma falta aos ...m pelas costas que devia ter dado cartão amarelo ao jogador do ..., sendo que isso evidenciou critérios disciplinares diferentes.

LL fica isolado e, sem foco e não estando concentrado, em vez de rematar faz um passe para NN.

E, para terminar, RR aos ...m desperdiçou um golo feito com um remate para o céu quando só se pedia um simples encosto.

O ... não dominou mas venceu por 2-0.

O Sporting CP demonstrou que tem equipa para fazer mais, mas não o fez.

Agora, em vez de podermos resolver mais fácil em ..., resta-nos sonhar com a reviravolta. É possível? É! Era necessário este resultado de hoje? Não!

Viver um jogo de longe custa muito mais, mas ver erros grosseiros de jogadores internacionais e experientes ainda acrescenta mais ao sofrimento.

Obrigado aos cerca de 4.000 Sportinguistas que se deslocaram a ...! Vocês são únicos!'

Como já supra mencionado, enquanto atleta, profissional e dedicado, o signatário não pôde deixar de se sentir vexado e indignado, como o ficaram também os seus colegas de equipa, jamais imaginaria o grupo que o responsável máximo do SCP-SAD, ao invés de tentar agregar jogadores, direção e adeptos para os desafios que se avizinhavam: optasse por assumir uma atitude crítica, severa, e que em nada ajuda os atletas a manter uma postura emocional adequada em alta competição.

Em resultado dessa mesma publicação, os jogadores solicitaram ao T... SS, uma reunião com o P... para o dia ... de Abril de 2018, ficando a mesma adiada para o dia ..., ou seja, após o jogo frente ao ....

Assim sendo, os jogadores reuniram-se em ..., nesse mesmo dia, para discutir as ações a tomar para poder restabelecer o bom nome e honra dos mesmos.

Em resultado dessa mesma reunião, foi elaborado um texto com o seguinte teor:

"Somos Sporting Clube de Portugal, em nome do plantel, somos a informar o seguinte... Suamos, lutamos e honramos sempre a camisola que vestimos.

Não somos perfeitos e não acreditamos em jogadores perfeitos, porque queremos sempre evoluir!

Não existem jogadores nem equipas perfeitas, mas quando as coisas não correm como queremos, sabemos assumir as nossas responsabilidades. Todos nós temos de o fazer!

Quando vencemos, empatamos ou perdemos... sim... porque no Futebol estes são os resultados possíveis, a responsabilidade é sempre de todos!

Somos uma equipa! Somos um grupo unido de um Grande Clube onde o respeito é uma das bases necessárias a essa união. Não podemos pensar apenas no "Eu”, mas sim "Nós" e sempre na equipa, porque só assim poderemos vencer.

No nosso Clube, nas seleções nacionais que representamos, sempre damos e continuaremos a dar o nosso melhor, porque o querer é uma constante.

Somos profissionais, somos humanos! A nossa integridade e o nosso compromisso são sagrados! Esforço, dedicação, devoção e glória sempre!

Damos o máximo pelo Sporting Clube de Portugal, damos o máximo por nós próprios enquanto equipa, individualmente enquanto atletas. Lutamos pelo nosso Clube, pelos nossos adeptos e por nós, sempre!

Não há outra forma séria de estar no Futebol Profissional que não seja esta...

Por esta razão, em nome de todo o plantei do SCP, espelhamos neste texto o nosso desagrado, por vir a publico as declarações do nosso P..., após o jogo de ontem, no qual obtivemos um resultado que não queríamos... a ausência de apoio, neste momento..., daquele que deveria ser o nosso líder. Apontar o dedo para culpabilizar o desempenho dos atletas publicamente, quando a união de um grupo se rege pelo esforço conjunto, seja qual for a situação que estejamos a passar, todos os assuntos resolvem-se dentro do grupo.

Saibamos ver que, por maiores que sejam as dificuldades, ainda há muito para disputar.

Temos uma recta final em várias competições e vamos, haja o que houver, unidos e coesos, dar o máximo pelo Sporting Clube de Portugal.

Somos Sporting Clube de Portugal."

Também o subscritor assumiu esta mensagem no dia ... de Abril de 2018, através da conta do Instagram (...).

Minutos antes da referida publicação, os capitães receberam uma mensagem do P... com o seguinte teor:

"Boa tarde. Após o jogo do ... vamos ter a conversa mais séria que vocês tiveram na vossa vida. Tenho 4 filhas e não tenho paciência para amuos ou falsos profetas. Vão perceber de vez, o vosso lugar. Crianças amuadas não pertencem ao Sporting a não ser o da .... Abr".

Com o supra mencionado comunicado, os atletas tentaram apenas repor a sua honra e bom nome, manifestando o seu desagrado pelo facto de o P... ter colunado na praça pública algo que, salvo o devido respeito, deveria ter sido dirigido apenas ao plantei. Nenhuma expressão vexatória foi usada, nem foi ofendida a honra ou o bom nome de ninguém.

No mesmo dia e apesar de se recusar a reunir com os jogadores, o presidente de pronto respondeu ao comunicado dos jogadores, com o seguinte texto:

"MENINOS AMUADOS, ENTÃO VAMOS RESOLVER...

No Sporting CP não se vive na república das Bananas.

Todos os atletas que escreveram o que em baixo descrevo, estão imediatamente suspensos, tendo de enfrentar a disciplina do clube.

já estou farto de atitudes de miúdos mimados que não respeitam nada nem ninguém, como por exemplo os adeptos relativos aos quais já ouvi comentários mais baixo possível.

Estas crianças mimadas julgam que vão longe, mas desta vez a minha paciência esgotou-se para quem acha que está acima do clube e de qualquer crítica. Começam com Somos Sporting e que não existe um EU mas um Nós, sendo que isso não passa de uma mera fantasia pois na realidade não o são. São profissionais rotativos e que o que lhes interessa não é o Eu ou o Nós. Só lhes interessa o Eles."

Foi assim, novamente, o signatário afetado na sua honra, bom nome, e dignidade profissional. Pior, aparentemente havia sido sujeito a uma medida disciplinar, comunicada, pasme-se, pelas redes sociais. Passou o subscritor a temer, naturalmente, pela manutenção do vínculo contratual com a SCP - SAD, porquanto aquilo que se tratou de uma defesa ao bom nome e honra originou, de imediato, uma decisão de suspensão.

A situação ficou deveras pior, quando o pai do subscritor recebeu um telefonema do P..., afirmando e ameaçando: "o puto que tire o comentário, senão vai haver problemas".

Assim sendo, o signatário ficou, também, com a sua liberdade coartada. Não só a liberdade de expressão, mas também de vida privada, porquanto como se poderá imaginar a contestação pública aos jogadores, especialmente após um mau resultado, tornou praticamente impossível circular na via pública sem sentir receio, justificado, de represálias dos adeptos.

Nesse mesmo fatídico dia ... de Abril de 2018, o subscritor recebeu no email uma nota de culpa de abertura de procedimento disciplinar em que, no seu essencial, era imputado o facto de o post supra mencionado constituir "clara afronta e desrespeito dirigidos à mais alta figura da Sporting SAD, o seu P..., que foi publicamente criticado (...)

Nesse preciso momento, o subscritor temeu, intensamente, pela carreira profissional, e nessa noite não dormiu, sequer, um minuto - relembre-se, a vida era praticamente vivida ..., ....

Apenas no dia seguinte, ... de Abril, véspera do supra mencionado jogo com o ... para a Liga ..., foram os jogadores informados que não seriam suspensos. Contudo, foram igualmente advertidos, mesmo em véspera de um jogo importante, que os procedimentos disciplinares iriam prosseguir.

No supra referido dia ... de Abril à tarde, decorreu uma reunião no estádio de ... em que esteve presente o plantei, ..., Team Manager e o P... do SCP, que se encontrava visivelmente alterado - acusou os capitães de organizarem o protesto, demonstrando por diversas vezes reações agressivas. Sempre argumentou o P... que "eu sou ..., eu faço o que quiser e escrevo o que quiser, onde quiser", abandonando mesmo a referida reunião.

Só com a intervenção do..., que acalmou o grupo, foi decidido seguir para a ... para poder treinar, desconhecendo se seriam deduzidas, ou não, efetivamente, as mencionadas notas de culpa.

Depois do treino, foram informados que existiria nova reunião com o P... no ..., o que efetivamente ocorreu, mas sem qualquer resultado prático, concluindo o P... que "Vou tirar a suspensão, o ... pode convocar quem quiser, é o Rei do Clube, mas os processos vão continuar".

Após a viagem da ... e já em ..., os jogadores tinham adeptos à espera, quer no aeroporto, quer no próprio estádio de ..., em zona interdita, que gritavam palavras de ordem, quer, de apoio ao P... TT, quer de impropérios, e insultos aos jogadores, nomeadamente aos ... e jogadores UU e VV.

Reafirma-se que estes factos são públicos e notórios e, em circunstância alguma, especialmente acautelados ou reprimidos pela Direção do Sporting Clube de Portugal, deixando os jogadores à sua sorte e à mercê dos acontecimentos, premeditadamente à espera do lamentável desfecho que se tornou inevitável.

Vivia-se um ambiente de enorme crispação e "guerrilha", em relação a toda a equipa de futebol profissional do SCP.

Na segunda feira, dia ... de Maio de 2018, para as ...horas, foi marcada uma reunião, entre os jogadores e a direção do Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD, onde estiveram presentes o seu P..., acompanhado por 3 membros da direção e o T..., SS, bem como todos os jogadores.

Logo de início foram os jogadores surpreendidos com a antecipação do treino de quarta para terça feira.

E como quem adivinha engulhos e maus presságios, o ... lá foi dizendo: "aconteça o que acontecer... estão todos preparados para jogar no fim de semana?...

"VV porque fizeste aquilo ao chefe da claque? Logo a ele., tenho um problema tremendo... ou tentar resolver a situação”.

Terminou a reunião dizendo:"... amanhã vão treinar ...e preparar bem o jogo para ganhar a taça"; referindo, também que nessa semana lá passaria, só não saberia quando.

Na terça feira, dia ..., não compareceu o T... SS contrariando o que sagradamente fazia em todos os treinos anteriores.

Antes desta reunião, tiveram os jogadores conhecimento da notícia de que a direção do Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD deixava de contar com a equipa técnica de futebol profissional.

No seio dos jogadores e no próprio signatário, gerou-se um clima de desconforto, estupefação e desamparo. Estávamos a 6 dias do clube disputar a final da taça ... que tanto significado tinha para os jogadores e adeptos.

Nessa terça feira, ... de maio de 2018, WW informou alguns jogadores que tinha sido suspenso na reunião do dia anterior e que ia comunicar isso mesmo a todos os jogadores no treino, mas como não havia nota de culpa, manter-se-ia em exercício de funções.

Vejamos os factos ocorridos nesse dia ... de Maio de 2018, terça feira:

- O treino de campo estava marcado para as 18horas;

- O... WW estava no seu gabinete a preparar o treino;

- Pelas ... horas os jogadores foram para o ginásio;

- Quando acabaram o trabalho específico de ginásio, dirigiram-se ao balneário para se equiparem para o treino;

- De repente, rebentando tudo quanto lhes aparecia pela frente, começou a entrar um grupo de cerca de 40/50 indivíduos encapuzados no balneário, agredindo jogadores, elementos da equipa técnica, médica e funcionários.

- Vinham munidos de cintos e bastões, utilizando-os para perpetraras agressões, lançando petardos e tochas;

- Ao mesmo tempo gritavam: "VOCÊS SÃO UNS FILHOS DA PUTA CABRÕES; VOCÊS SÃO UM MONTE DE MERDA, VAMO-VOS MATAR, VOCÊS ESTÃO FODIDOS, VAMO-VOS ARRENBENTAR A BOCA TODA, NÃO GANHEM NO DOMINGO QUE VOCÊS VÃO VER"

- Nesse momento, encontrando-se o signatário já no balneário com os seus colegas, aterrorizado com o que se lhe deparava, foi abordado por um invasor que o fitou deforma trespassante que, apesar de encapuzado, reconheceu como um seu colega da escola secundária de ..., referenciado como muito problemático. Intimado para permanecer quieto, não foi agredido. Provavelmente devido a essa circunstância.

- Indivíduo que, horas mais tarde, foi identificado pelo signatário na esquadra da polícia.

- O signatário permaneceu imóvel e gélido, observando as cenas de horror que ocorriam no balneário, não lhe saindo da memória o sangue, os gritos de aflição e dor dos seus colegas e o sofrimento por nada poder fazer.

- Os agressores agarraram e bateram no XX e ordenaram-lhe que tirasse a camisola por não ser digno dela.

- Deforma impiedosa, foram ainda agredidos, a soco, pontapés, bastonadas, em qualquer parte do corpo, entre outros, jogadores como PP, VV, UU, YY, ZZ, RR, AAA e o próprio treinador que acorrera ao balneário.

- O signatário, tal como todos os presentes no balneário, temeu pela vida.

- A partir de certo momento o descontrolo e a sede de vingança por parte dos agressores era tal que julgou não conseguir sair dali vivo.

Para memória futura e dada a sua importância, anexam-se recortes da revista "V..." e jornal "E...", bem elucidativos do que acaba de se expor.

Nos 3 dias seguintes em que o signatário permaneceu na ... em ... não conseguiu sequer dormir ou reagir.

As cenas do dia ... atormentavam-no a cada Instante.

Decidiu sair e refugiar-se em casa do pai JJ.

Por ter identificado um dos agressores, o temor adensa-se em cada dia que passa e a verdade é que, nos dias de hoje, acorda em sobressalto e teme sair à rua.

Por muito que tente convencer-se da possibilidade, a verdade é que não vai conseguir mais voltar ao local onde passou 8 anos da sua vida, que apesar de ter sido a casa que o acolheu, foi onde passou pela experiência mais traumática que alguma vez possa ter memória.

Nem nos dias em que a fome tanto o atormentou.

Não suporta ver partir os seus ídolos ou viver na incerteza de que, se amanhã, o jogo ou jogos lhe corram menos bem, como reagirão aqueles dirigentes que não o apoiaram quando mais precisou e que foram os autores de toda esta instabilidade

De notar, que no final da taça de Portugal, apesar de não ter jogado, foi apupado, ameaçado e insultado. Após essa final e a conselho de alguns amigos refugiou-se no ... do país onde passou alguns dias. Ainda assim, as terríveis memórias não desapareciam.

Regressou a ... a casa do pai, de onde só sai, para procurar manter a forma física, sem que não haja um instante sequer que não olhe para o seu futuro com enorme desconfiança no Sporting Clube de Portugal

Sentimentos que o percorrem até ao dia de hoje, até porque continua a receber mensagens ameaçadoras no seu telemóvel.

Todas as condutas acima descritas do P... do Sporting Clube de Portugal e da sua SAD, reforçadas pelo que resulta do magistrado de Instrução Criminal, titular do processo, são suficientes para destruir irremediavelmente a relação de trabalho existente, bem como a segurança e confiança que o signatário neles deveria depositar.

A forma como o ataque a ... ocorreu não pode deixar de configurar negligência grosseira que confere justa causa de resolução do contrato de trabalho, nos termos do disposto no artigo 394, n.o92, al. b) e d) do Código de Trabalho.

Veja-se a título de exemplo:

- A facilidade com que os agressores entraram na ...;

■ O conhecimento que tinham e que as levaram aquilo que habitualmente e na gíria se intitula do 'santuário sagrado" do futebol - o BALNEÁRIO;

■ Que o que aconteceu foi uma coisa "chata”;

- A falta de imagens e controle na segurança da ...;

- A forma como alguns agressores e co - autores entraram e saíram da ...;

- As críticas publicamente feitas à equipa de futebol

Não é indiferente o facto de alguns dos responsáveis pelo ataque de ... terem fugido com a agravante de o signatário ter identificado um agressor que está detido.

O signatário foi e continua a ser alvo de violência psicológica, o que não pode deixar de constituir justa causa, para que, preservando a sua dignidade pessoal e profissional, o libere do contrato que o liga ao Sporting de Portugal – Futebol SAD.

Não pode o signatário hipotecar a sua carreira que agora começa. Tem o direito de exercer a sua profissão em condições de certeza, dignidade que lhe não estão a ser proporcionadas.

Cresceu no Sporting com o objetivo de se tornar homem, um futebolista de referência na história do clube, mas cujo projeto deixou de existir e de que já não acredita.

Pelo exposto, e pese embora o grande respeito que lhe merecem os muitos sportinguistas de todo o mundo, declara o signatário resolvido o seu contrato 'de trabalho desportivo que celebrou com o Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD, nos termos do disposto no artigo 23B, n° 1, alínea d)e B3 do RJCTD.

Em consequência, aguarda que lhe sejam liquidados todos os créditos laborais a que tem direito, assim como a indemnização a que alude o disposto no artigo 24- do RJCTD, reservando-se-lhe o direito de peticionar o ressarcimento dos danos de natureza não patrimonial que sofreu.

Com os meus melhores cumprimentos

(AA)"

1.6. O contrato de trabalho desportivo celebrado entre o Demandante e a Demandada esteve em vigor entre 14 de setembro de 2017 e 15 de junho de 2018;

1.7. Em 28 de junho de 2018, o Demandante remeteu, por meio de carta registada com aviso de receção, cópia da carta de rescisão às seguintes entidades: LIGA, FPF e SJPF;

1.8. Em 1 de agosto de 2018 a Comissão Arbitral Paritária (adiante "CAP") proferiu no âmbito do Processo 12-CAP/2018 a seguinte decisão:

"Tudo visto e ponderado, acordam os membros desta Comissão Arbitrai Paritária do CCT dos Jogadores Profissionais de Futebol, em julgar válida, para efeitos meramente desportivos, a rescisão do contrato operada pelo Jogador AA, e, em conformidade, reconhecer o direito do mesmo à desvinculação desportiva.

1.9. O Demandante começou a jogar futebol com seis anos de idade no ..., tendo transitado para as escolas do ... e não tendo aí permanecido por falta de condições;

1.10. Com cerca de doze ou treze anos de idade o Demandante foi viver para a ..., onde passou a ter formação e onde viveu até aos dezoito anos de idade, sendo que era na ... que pernoitava, onde comia as suas refeições e de onde saia e para onde regressava da escola;

1.11. O Autor fez praticamente toda a sua carreira de futebolista no Sporting, tendo ingressado nos escalões de formação da Ré aos 9 anos de idade, na época desportiva de 2008/2009.

1.12. Toda a evolução desportiva do Demandante foi ao serviço da Demandada, tendo começado a sua carreira no escalão de juvenis, passando a júnior, até que começou a jogar na equipa de futebol profissional B da Demandada, tendo sido treinado, desde 2011, por BBB;

1.13. Ao longo dos anos em que representou o Sporting, o Autor integrou, por diversas vezes, o plantel das equipas de escalões superiores ao seu, tal tendo sucedido também aquando da sua chamada à principal equipa Sénior,

1.14. O Autor era uma clara aposta desportiva para integrar o plantel da equipa principal do Sporting;

1.15. O Autor era e é um atleta jovem e promissor, relativamente ao qual a Ré perspetivou uma valorização económica e desportiva exponencial;

1.16. Na época desportiva 2017-2018, o Demandante foi chamado pelo ... WW para a equipa profissional A da Demandada;

1.17. Em ... de março de 2018, ao serviço da equipa A da Demandada, o Demandante sofreu uma lesão muscular no jogo diante o F..., a contar para a Liga ..., posteriormente agravada ao serviço da ..., em jogo disputado na ..., em... de março de 2018, do qual saiu lesionado aos ... minutos;

1.18. Tal lesão incapacitou o Autor até ao final da época 2017/2018, tendo reiniciado os trabalhos na última semana de treinos da equipa, em maio de 2018, e de forma condicionada;

1.19. Durante todo o período referido, de... de março até ao final da época, o Autor continuou integrado na equipa de futebol profissional ... da Demandada, mas não integrou qualquer convocatória relativa aos jogos do Sporting.

1.20. Durante o período, o Autor realizou trabalho específico de reabilitação, submetendo-se aos respetivos tratamentos.

1.21. Durante tal período a Ré envidou esforços no sentido da plena reabilitação do Autor, tendo-lhe proporcionado as condições que estavam ao seu alcance para uma célere e eficaz recuperação.

1.22. Durante o período da lesão, o Autor não acompanhou a equipa nas deslocações fora de casa e não acompanhou os seus colegas nos respetivos estágios de preparação para os jogos;

1.23. Durante o período da lesão o Autor equipou-se no mesmo balneário dos restantes colegas e compareceu nos jogos que se realizavam no ..., apesar de não treinar com a equipa;

1.24. Até à sua lesão, o Autor disputou, na época desportiva de 2017/2018, pelo menos um total de 24 partidas oficiais, em jogos a contar para diversas competições internas e internacionais;

1.25. O Demandante, na época desportiva 2017/2018 jogou dois jogos ao serviço da equipa... da Demandada;

1.26. O Autor não foi convocado para o jogo com o ..., disputado a ... de março de 2018;

1.27. O Autor não foi convocado para o jogo com o ..., disputado em ... de abril de 2018, pelo que não se deslocou à capital ...;

1.28. O Autor não foi convocado para o jogo com o ..., disputado a ... de maio de 2018, no ...;

1.29. O Autor não foi convocado para o jogo com o ..., disputado a ... de maio de 2018, no ...;

1.30. Durante a época desportiva 2017/18 a gestão do futebol profissional do Sporting estava sob o controlo direto do P... da Demandada, TT;

1.31. O P... mantinha contacto direto com a equipa profissional de futebol da Demandada, utilizando como meio de comunicação o instrumento "sms's” e "whatsapp", por intermédio dos ..., YY e XX;

1.32. Os ..., que eram os porta-voz do plantei, transmitiam o teor das mensagens do P... da Demandada à restante equipa;

1.33. Em ... de Março de 2018, após o jogo do Sporting vs. ..., no qual o Sporting ganhou por 2-0, o P... TT enviou, via whatsapp, aos ... as seguintes mensagens:

«Boa noite. E depois dizem-me que eu não defendo o grupo. Vocês são uns convencidos que não respeitam nada nem ninguém. Agora podem ir mostrar isto ao grupo, ficarem amuados mas realmente é uma deceção as vossas atitudes.

Quanto ao jogo, feliz pela exibição, plena de Atitude e Compromisso, Um dia importante dedicado aos pais (com os jogadores a entrarem com os filhos), e ao enorme KK (pontapé de saída pelo seu filho, camisolas e inauguração da ...). Que melhor forma de fazer estas duas homenagens do que ganhar e proporcionar um sorriso e uma alegria a todos os que vivem este Clube.

Mas hoje também era o início de uma acção de solidariedade que os jogadores decidiram ignorar. Aqui não existem toupeiras, emails estranhos, jogos pagos para perder, vouchers, frutas ou seja lá o que for, mas temos de ter sentido de respeito pelos adeptos e pelo Clube. Ganhar jogos é bom, mas faz parte de servir este Clube.

Mas isso não esconde tudo, nem servirá de desculpa para este tipo de atitudes.».

«O Sporting CP é um Clube com princípios, valores e regras, e quem não souber o que são regras vai ter de as aprender rapidamente.

Um dia que tinha tudo para ser um grande dia, mas que fica manchado e não existe razão para isto. Eu vivo 24h para este Clube. Amo-o com todas as minhas forças. Não posso assistir deforma impávida e irresponsável a estes actos de vedetismo Para mim, as vedetas do Sporting CP sempre foram e sempre serão aqueles que lhe juraram ser fiel e amor eterno! Os Adeptos e, sobretudo, os Sócios!

São estas atitudes que me deixam cada vez mais intrigado, pois nas restantes modalidades nunca se assistiu a coisas destas. Quererá isto dizer que o dinheiro que se ganha é proporcionalmente inverso ao respeito que acham que têm de dar pelos pedidos do clube?

E qual é o papel dos ... no seio dos grupos?».

«Vocês são uns felizardos numa sociedade cada vez mais pobre e com carências...

O que vocês fazem, provam o que é pobreza de espírito.

Que merda andar sempre a sentir isto de vocês.

É um desalento que já não existe paciência.

Não tinha custado nada e eu escusava de me sentir assim.

Ficou devidamente anotado.».

1.34. No dia ... de abril de 2018, a equipa ... da Demandada perdeu por 2-0 com o ..., na primeira mão ... da Liga ..., não tendo o então P... TT acompanhado a equipa;

1.35. Nesse mesmo, ... de abril de 2018, o P... da Ré, TT, publicou na sua página da rede social Facebook o texto com o seguinte teor:

«LIGA ...: QUE FUTURO? TEMOS DE ENCHER ...!

O que queria ter visto:

Uma equipa concentrada, com atitude e compromisso, defensivamente irrepreensível e com faro de golo. De 11 superarem-se e tornarem-se 22.

O que vi:

Uma equipa com atitude mas com uma defesa que não esteve concentrada. LL e MM afazerem o que os avançados do ... não conseguiam. E o 2-0 a surgir sem nada terem feito para isso, a não ser (e não ó pouco) marcarem.

FF aos ...m isolado frente a NN, em vez de "fuzilar" para a esquerda, tenta colocar em jeito, mas sem força, para o lado direito perdendo um golo que já quase se gritava.

De 11, em vez de 22 como queria, fomos 9, muitas vezes, e isso paga-se caro...

OO e PP “não quiseram jogar" em ..., com faltas para amarelo que nunca poderiam ter feito.

QQ a ser "intocável", sendo que "pediu" amarelo várias vezes mas não conseguiu, apesar de o merecer pelo esforço constante.

Um livre não assinalado encostado a grande área por falta devido a corte com a mão do jogador do ... aos ...m. As mãos e a cara continuam a confundir os russos.

Uma falta aos...m pelas costas que devia ter dado cartão amarelo ao jogador do ..., sendo que isso evidenciou critérios disciplinares diferentes.

LL fica isolado e, sem foco e não estando concentrado, em vez de rematar faz um passe para NN.

E, para terminar, RR aos ... m desperdiçou um golo feito com um remate para o céu quando só se pedia um simples encosto.

O ... não dominou mas venceu por 2-0.

O Sporting CP demonstrou que tem equipa para fazer mais, mas não o fez.

Agora, em vez de podermos resolver mais fácil em ..., resta-nos sonhar com a reviravolta. E possível? É! Era necessário este resultado de hoje? Não! Viver um jogo de longe custa muito mais, mas ver erros grosseiros de jogadores internacionais e experientes ainda acrescenta mais ao sofrimento.

Obrigado aos cerca de 4.000 Sportinguistas que se deslocaram a ...! Vocês são únicos!'».

1.36. Os ... do Sporting transmitiram o conteúdo da mensagem e das afirmações do P... TT aos restantes jogadores do plantei, que reuniram de imediato no quarto do hotel em que se encontravam hospedados em ..., para discutir a ação do P..., tendo ficado decidido que seria solicitada uma reunião ao P... do Sporting;

1.37. No seguimento da decisão tomada pelos jogadores no hotel em ..., estes reuniram com o T..., SS, por forma a que este contactasse TT a solicitar, em nome dos jogadores, a realização de tal reunião no dia seguinte ao jogo.

1.38. Em resposta, TT informou que a reunião não poderia realizar-se no dia ... de abril de 2018, em virtude de compromissos previamente agendados, nomeadamente, a presença numa audiência realizada no presente Tribunal Arbitral do Desporto, no âmbito do Processo n.o 62/2017, e, por outro lado, uma reunião na Procuradoria-Geral da República, na sequência de pedido de audiência endereçado àquela entidade em ... de março de 2018.

1.39. já em ... os jogadores, incluindo o Demandante, reuniram-se em ..., nesse mesmo dia ... de abril, para discutir as ações a tomar para poder restabelecer o bom nome e honra dos mesmos.

1.40. Entretanto, os ... receberam uma mensagem do então P... cio Sporting mostrando-se disponível para reunir com os atletas após o jogo com o ... pela qual demonstrou não ler paciência para amuos.

1.41. No dia... de abril de 2018, um grupo de jogadores do Sporting, entre os quais o Autor, partilhou nas respetivas páginas da rede social instagram um texto com o seguinte teor:

«Somos Sporting Clube de Portugal, em nome do plantei, somos a informar o seguinte... Suamos, lutamos e honramos sempre a camisola que vestimos. Não somos perfeitos e não acreditamos em jogadores perfeitos, porque queremos sempre evoluir! Não existem jogadores nem equipas perfeitas, mas quando as coisas não correm como queremos, sabemos assumir as nossas responsabilidades. Todos nós temos de o fazer!

Quando vencemos, empatamos ou perdemos... sim... porque no Futebol estes são os resultados possíveis, a responsabilidade é sempre de todos! Somos uma equipa! Somos um grupo unido de um Grande Clube onde o respeito e uma das bases necessárias a essa união. Não podemos pensar apenas no "Eu", mas sim "Nós" e sempre na equipa, porque só assim poderemos vencer.

No nosso Clube, nas seleções nacionais que representamos, sempre damos e continuaremos a dar o nosso melhor, porque o querer é uma constante.

Somos profissionais, somos humanos! A nossa integridade e o nosso compromisso são sagrados! Esforço, dedicação, devoção e glória sempre!

Damos o máximo pelo Sporting Clube de Portugal, damos o máximo por nós próprios enquanto equipa, individualmente enquanto atletas. Lutamos pelo nosso Clube, pelos nossos adeptos e por nós, sempre!

Não há outra forma séria de estar no Futebol Profissional que não seja esta...

Por esta razão, em nome de todo o plantei do SCP, espelhamos neste texto o nosso desagrado, por vir a público as declarações do nosso P..., apos o jogo de ontem, no qual obtivemos um resultado que não queríamos... a ausência de apoio, neste momento..., daquele que deveria ser o nosso líder. Apontar o dedo para culpabilizar o desempenho dos atletas publicamente, quando a união de um grupo se rege peio esforço conjunto, seja qual for a situação que estejamos a passar, todos os assuntos resolvem-se dentro do grupo.

Saibamos ver que, por maiores que sejam as dificuldades, ainda há muito para disputar.

Temos uma recta final em várias competições e vamos, haja o que houver, unidos e coesos, dar o máximo peio Sporting Clube de Portugal!

Somos Sporting Clube de Portugal.»

1.42. O pai do Demandante recebeu um telefonema do P... TT a exigir a retirada do comentário do instagram.

1.43. No mesmo dia ... de abril de 2018, o então P... a Ré, TT publicou na sua página da rede social Facebook um outro post, com o seguinte teor:

«MENINOS AMUADOS, ENTÃO VAMOS RESOLVER... No Sporting CP não se vive na república das Bananas. Todos os atletas que escreveram o que em baixo descrevo, estão imediatamente suspensos, tendo de enfrentar a disciplina do clube. Já estou farto de atitudes de miúdos mimados que não respeitam nada nem ninguém, como por exemplo os adeptos relativos aos quais já ouvi comentários mais baixo possível. Estas crianças mimadas julgam que vão longe, mas desta vez a minha paciência esgotou-se para quem acha que está acima do clube e de qualquer crítica. Começam com Somos Sporting e que não existe um EU mas um Nós, sendo que isso não passa de uma mera fantasia pois na realidade não o são.

São profissionais rotativos e que o que lhes interessa não é o Eu ou o Nós. Só lhes interessa o Eles.»

1.44. No dia ... de abril de 2018, a Ré moveu um processo disciplinar ao Autor, mediante o envio da respetiva nota de culpa nos seguintes termos:

No seguimento da deliberação do Conselho de Administração da Sporting Clube de Portugal — Futebol, SAD, de ... de Abril de 2018, foi intentado na mesma data contra AA (doravante "JOGADOR", ■TRABALHADOR ARGUIDO" ou simplesmente, TRABALHADOR"), processo disciplinar.

Assim, nos termos previstos no Contrato Colectivo de Trabalho entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, na Lei 54/2017 de 14 de julho e no Código do Trabalho, foi elaborada a Nota de Culpa anexa que aqui se entrega.

Ademais, nos termos do Contrato Coletivo de Trabalho outorgado entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato de jogadores Profissionais de Futebol no seu artigo 16 n.°4 "com a notificação cia nota cie culpa, pode a entidade patronal suspender preventivamente o trabalhador, sem perda de retribuição, se a presença se mostrar inconveniente".

Nesta medida, e por tudo o exposto na nota de culpa, o TRABALHADOR deverá considerar-se suspenso sem perda de retribuição a partir do dia 6 de Abril de 2018 uma vez que a sua presença criará instabilidade revestindo um inconveniente ao normal desenvolvimento da atividade.

A resposta à nota de culpa deverá ser enviada ao cuidado dos instrutores atualmente nomeados no processo, a saber, Dr. CCC, Dr. DDD e Dra. EEE.

Por fim, resta salientar que o processo se encontra à disposição para consulta na sede da Instaurante Sporting Clube de Portugal — Futebol SAD, nos dias úteis, das 15:00 às 18:00, mediante marcação prévia.».

1.45. Em anexo à carta referida no número anterior foi remetida ao Demandante uma Nota de Culpa, pela qual se imputam os seguintes factos:

«1. No dia 05 de Abri) de 20113, a equipa da Sporting SAD defrontou o ..., em ..., em jogo a contar para os quartos de final da Liga ..., tendo sido derrotada por 2-0.

2. Após o fim do encontro, o P... da Sporting SAD publicou na sua página pessoal da rede social Facebook a seguinte publicação:

LIGA ...: QUE FUTURO? TEMOS DE ENCHER ...!

O que queria ter visto:

Uma equipa concentrada, com atitude e compromisso, defensivamente irrepreensível e com faro de golo. De 11 superarem-se e tornarem-se 22.

O que vi:

Uma equipa com atitude mas com uma defesa que não esteve concentrada.

LL e MM a fazerem o que os avançados do ... não conseguiam. E o 2-0 a surgir sem nada terem feito para isso, a não ser (e não é pouco) marcarem.

FF aos ...m isolado frente a NN, em vez de "fuzilar" para a esquerda, tenta colocar em jeito, mas sem força, para o lado direito perdendo um golo que já quase se gritava.

De 11, em vez de 22 como queria, fomos 9, muitas vezes, e isso paga-se caro...

OO e PP "não quiseram jogar" em ..., com faltas para amarelo que nunca poderiam ter feito,

QQ a ser "intocável", sendo que "pediu” amarelo várias vezes mas não conseguiu, apesar de o merecer pelo esforço constante.

Um livre não assinalado encostado a grande área por falta devido a corte com a mão do jogador do ... aos ...m. As mãos e a cara continuam a confundir os russos.

Uma falta aos ...m pelas costas que devia ter dado cartão amarelo ao jogador do ..., sendo que isso evidenciou critérios disciplinares diferentes.

LL fica isolado e, sem foco e não estando concentrado, em vez de rematar faz um passe para NN,

E, para terminar, RR aos ...m desperdiçou um golo feito com um remate para o céu quando só se pedia um simples encosto.

O ... não dominou mas venceu por 2-0.

O Sporting CP demonstrou que tem equipa para fazer mais, mas não o fez.

Agora, em vez de podermos resolver mais fácil em ..., resta-nos sonhar com a reviravolta. E possível? E! Era necessário este resultado de hoje? Não! Viver um jogo de longe custa muito mais, mas ver erros grosseiros de jogadores internacionais e experientes ainda acrescenta mais ao sofrimento.

Obrigado aos cerca de 4.000 Sportinguistas que se deslocaram a ...! Vocês são únicos!'

3. Ainda na noite do mesmo dia... de Abril, o Presidente da Sporting SAD tomou a iniciativa de, por via telefónica, intervir em directo num programa televisivo do debate desportivo, na ..., por entender que a sua publicação — que ali era objecto de discussão — estava a ser mal interpretada, procurando de viva voz esclarecer que na mesma se tinha limitado a fazer uma apreciação da prestação da equipa e que nela não podia ser lida qualquer tipo de critica dirigida aos jogadores.

4. Na madrugada do dia... de Abril, por volta das 2:00 horas, no hotel em que a equipa se encontrava alojada em ..., o team manager SS foi informado pelos capitães de equipa que o plantei pretendia reunir com o Presidente da Sporting SAD.

5. Após indagar junto do P... da Sporting SAD da sua disponibilidade para a pretendida reunião, e ter apurado que o mesmo sugeria que eia tivesse lugar no ... após o jogo seguinte da equipa — no Domingo seguinte, dia ... de Abril —, o T... SS transmitiu essa informação ao ... de equipa, YY, telefonicamente, peias ... do dia ... de Abril.

6. No mesmo dia ...de Abril de 2018, algumas horas após aquele contacto, o JOGADOR publicou no seu perfil pessoal da rede social Instagram uma fotografia com o símbolo do Sporting Clube de Portugal, acompanhado do seguinte texto: «Somos Sporting Clube de Portugal, em nome do plantei, somos a informar o seguinte... Suamos, lutamos e honramos sempre a camisola que vestimos. Não somos perfeitos e não acreditamos em jogadores perfeitos, porque queremos sempre evoluir! Não existem jogadores nem equipas perfeitas, mas quando as coisas não correm como queremos, sabemos assumiras nossas responsabilidades. Todos nós temos de o fazer! Quando vencemos, empatamos ou perdemos... sim... porque no Futebol estes são os resultados possíveis, a responsabilidade é sempre de todos! Somos uma equipa! Somos um grupo unido de um Grande Clube onde o respeito e uma das bases necessárias a essa união. Não podemos pensar apenas no "Eu", mas sim "Nós” e sempre na equipa, porque só assim poderemos vencer.

No nosso Clube, nas seleções nacionais que representamos, sempre damos e continuaremos a dar o nosso melhor, porque o querer é uma constante.

Somos profissionais, somos humanos! A nossa integridade e o nosso compromisso são sagrados! Esforço, dedicação, devoção e gloria sempre!

Damos o máximo pelo Sporting Clube de Portugal, damos o máximo por nós próprios enquanto equipa, individualmente enquanto atletas. Lutamos pelo nosso Clube, pelos nossos adeptos e por nós, sempre!

Não há outra forma séria de estar no Futebol Profissional que não seja esta...

Por esta razão, em nome de todo o plantei do SCP, espelhamos neste texto o nosso desagrado, por vir a público as declarações do nosso P... apos o jogo de ontem, no qual obtivemos um resultado que não queríamos... a ausência de apoio, neste momento..., daquele que deveria ser o nosso líder. Apontar o dedo para culpabilizar o desempenho dos atletas publicamente, quando a união de um grupo se rege peio esforço conjunto, seja qual for a situação que estejamos a passar, todos os assuntos resolvem-se dentro do grupo.

Saibamos ver que, por maiores que sejam as dificuldades, ainda há muito para disputar.

Temos uma recta final em várias competições e vamos, haja o que houver, unidos e coesos, dar o máximo pelo Sporting Clube de Portugal! Somos Sporting Clube de Portugal.»

7. A publicação realizada pelo JOGADOR é demonstrativa de uma clara afronta e desrespeito dirigidos diretamente à mais alta figura da Sporting SAD, o seu P..., que foi publicamente criticado pelo jogador.

8. A conduta assume-se como tanto mais grave quanto, por um lado, o P... da Sporting SAD tinha já na véspera assumido espontaneamente a pública defesa dos jogadores e, por outro, umas horas antes consentido na marcação de uma reunião para esclarecer eventuais questões de toda a equipa.

9. A conduta do JOGADOR é assim reveladora de profunda deslealdade para com a Sporting SAD e o seu P..., o que consubstancia inequívoca infração dos deveres que àquele se impõem em virtude da relação laborai que o une à Sporting SAD.»

1.46. Logo no dia seguinte, ... de abril de 2018, véspera do jogo com o ... para a Liga ..., o Demandante recebeu uma comunicação da Demandada com o seguinte teor: «No seguimento da comunicação de instauração de Processo Disciplinar ontem remetida por esta via, vimos pelo presente, em nome e a pedido do Conselho de Administração da Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD informar que o mesmo deliberou fazer cessar a suspensão preventiva a que estava sujeito.»

147. No dia... de abril de 2018, realizaram-se duas reuniões entre o então P... da SPORTING, SAD e os jogadores, uma primeira no ... e a segunda na ..., nas quais o Autor esteve presente;

1.48. O objetivo das reuniões foi o de abordar o conflito criado entre o plantel e o P... da Ré, na tentativa de procurar soluções para o mesmo, tendo aquele explicitado os motivos por que publicou o post na sua conta de Facebook após o jogo com o ...;

1.49. Na primeira das reuniões havidas, ocorrida no..., o ambiente era de alguma tensão, em especial entre os ..., YY e XX, e o P... da Ré;

1.50. Nessa reunião ouviram-se os pontapés e os gritos do então P... TT no corredor enquanto os jogadores se encontravam à espera que ele entrasse no auditório.

1.51. Nesta reunião, o capitão XX acusou o P... TT de dar ordens ao FFF, líder da ..., para bater nos jogadores ou destruir os carros.

1.52. Ainda nessa reunião e na presença dos jogadores o P... telefonou, em alta voz, ao FFF, ... da claque ..., tendo este dito que não era verdade, que tal era mentira.

1.53. Na segunda reunião ocorrida no dia... de abril de 2018, na ..., o então P... da Ré informou os jogadores de que a suspensão seria levantada, embora os processos disciplinares fossem continuar;

1.54. Com as publicações nas redes sociais, com o telefonema para o pai de AA, com o instauração e subsequente arquivamento de processo disciplinar e com a aplicação e subsequente levantamento da pena de suspensão, a demandada, por via do então P... TT, colocou em causa o bom nome, honra e consideração do autor AA, causando-lhe angústia e vergonha.

1.55. A ... de abril de 2018 realizou-se em ... o jogo com o ..., tendo os jogadores sido aplaudidos pelos adeptos, inclusivamente aquando de uma "volta olímpica” ao estádio;

1.56. No princípio e no final do jogo disputado entre o Sporting e o ..., no dia... de abril de 2018, no estádio ..., o então P... da Ré foi vaiado pelos adeptos do Sporting;

1.57. No dia ... de Abril de 2018, o Demandante recebeu em mão uma comunicação da Demandada, datada do dia 12 de Abril com o seguinte conteúdo:

«No seguimento da comunicação de instauração de Processo Disciplinar ontem remetida por esta via, vimos peio presente, em nome e a pedido do Conselho de Administração da Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD informar que o mesmo deliberou arquivar o processo disciplinar a que estava sujeito.»

1.58. Nos jogos seguintes, a equipa teve uma série vitoriosa de cinco partidas consecutivas;

1.59. Depois do dia 7 de abril de 2018 deixou de haver contactos entre o plantel do Sporting e a ... da Ré;

1.60. Em... de abril de 2018, o Sporting venceu o ... por 2 - 0;

1.61. Em ... de abril de 2018, o Sporting venceu o ... por 1-0;

1.62. Em ... de abril de 2018, o Sporting venceu o ... por 1-0;

1.63. Em ... de abril de 2018, o Sporting venceu o ... por 1-0;

1.64. Em ... de abril de 2018, o Sporting venceu o ... por 2-1;

1.65. Apesar de após o jogo com o ... ter existido uma degradação do ambiente e das relações entre o então P... e o plantel, bem como entre as claques e o plantei, a... de maio de 2018, o ambiente entre a equipa e os adeptos estava a restabelecer-se;

1.66. No jogo disputado contra o ..., em ... de maio de 2018 os adeptos atiraram tochas para o relvado, mais concretamente para a ...do YY, mesmo após este YY se ter afastado;

1.67. Antes do jogo disputado na ..., a ... de maio de 2018, contra o ..., o ambiente entre a equipa e os adeptos era bom, tanto que bastava apenas que o Sporting vencesse esse jogo para assegurar o segundo lugar na Liga e, bem assim, ter acesso direito ao playoff da Liga dos...na época seguinte;

1.68. Em ... de maio de 2018, o Sporting é derrotado por 2-1 no estádio do ..., na última jornada da I liga, e perde o segundo lugar para o ... e a possibilidade de disputar a Liga dos ...;

1.69. Ao perder por 2-1 o jogo disputado contra o ..., o Sporting terminou em terceiro lugar na tabela classificativa da Liga ..., criando-se, em consequência, um clima de descontentamento no seio dos adeptos;

1.70. Ainda o jogo não tinha terminado, já os jogadores estavam a ser alvo de insultos por partes dos adeptos;

1.71. No final do jogo, o jogador VV dirigiu-se às bancadas onde estavam os adeptos do Sporting, tendo respondido e bracejado de forma exaltada;

1.72. Após o jogo, ainda no aeroporto da ..., alguns adeptos aproximaram-se dos jogadores e proferiram várias palavras de ordem, visando, em particular, VV;

1.7. Em face do sucedido, o jogador UU decidiu intervir e respondeu de forma agressiva ao ex-líder da claque ..., GGG;

1.74. O voo de regresso da equipa a ... ocorreu sem incidentes;

1.75. À chegada a ..., ainda no dia ... de maio de 2018, as provocações por parte de adeptos repetiram-se, quer no aeroporto de ..., quer na entrada da garagem do ...;

1.76. A responsabilidade pela gestão do espaço de estacionamento existente na garagem do estágio ... pertence a uma entidade terceira, a S..., S.A., no âmbito de um contrato de concessão celebrado com a Ré;

1.77. O Autor não vivenciou nenhum dos acontecimentos ocorridos no aeroporto da ..., no aeroporto de ... ou na garagem do ...;

1.78. HHH é ... da equipa ... de futebol profissional da Demandada efetuando a comunicação entre a equipa técnica e os jogadores;

1.79. A comunicação é feita pessoalmente, por telemóvel ou via whatsapp pelo próprio HHH;

1.80. Os jogadores têm conhecimento dos horários dos treinos através da afixação de um mapa semanal afixado no balneário no início da semana de acordo com as instruções dadas pelo treinador WW, com exceção do primeiro treino após o último jogo da semana;

1.81. A marcação do primeiro treino após um jogo é dado a conhecer aos jogadores através de mensagem enviada para os respetivos telemóveis,

1.82. A final da Taça de Portugal estava agendada para o domingo dia... de maio de 2018, a qual iria ser disputada pela equipa ... de futebol profissional da Demandada.

1.83. Antes do jogo da final da ... é obrigatório as equipas fazerem um treino oficial, um treino de adaptação no ..., o qual permite o acesso da comunicação social durante quinze minutos.

1.84. Por esse motivo, a data da realização do treino oficial no ... já se encontrava definida com antecedência pelo ... WW e por HHH, treino que iria ocorrer na terça-feira dia ... de maio de 2018, da parte da tarde.

1.85. No entanto, aquando do regresso da ... a ..., no dia ... e ainda no avião, WW comunicou ao então ... da equipa, HHH, vários planos quanto ao horário e localização do treino que se encontrava previsto para o dia ...de maio de 2018;

1.86. Assim, durante a viagem de regresso a ... após o jogo com a ..., o... WW decidiu alterar o locai do treino do ... para a ...;

1.87. Ainda durante essa mesma viagem, o ... WW informou HHH que terça-feira dia ... de maio seria dia de folga e que o primeiro treino após o jogo com o ... ocorreria na quarta feira dia ... de maio, da parte ..., tendo, logo de seguida pedido a HHH para não dar qualquer informação aos jogadores pois iria pensar qual seria o dia e hora do treino;

1.88. Acontece que, na tarde do dia ... de maio de 2018, o então P... da Ré reuniu, separadamente, com jogadores, equipa técnica e respetivo staff, no ...;

1.89. Nessas reuniões, o então P... da Ré procurou preparar a equipa para um cenário de despedimento do então..., WW;

1.90. Após as referidas reuniões, WW solicitou a HHH para informar os atletas para estarem na ... às 16 horas do dia ... de maio;

1.91. Pelas ...m do dia ...de maio, HHH comunicou aos jogadores, ao staff de apoio (refeitório e tratamento de relva) e à ADoP (Autoridade Antidopagem de Portugal) para estarem na ... às 16 horas;

1.92. A mensagem SMS enviada a todos os jogadores tinha o seguinte teor: «treino amanhã, para estar na academia às quatro»;

1.93. P... e administração da Demandada, presentes na reunião, sabiam que o treino se iria realizar na parte da tarde do dia ... de maio;

1.94. Na terça-feira, dia ... Maio de 2018, todos os jogadores e equipa técnica da equipa profissional da Demandada encontravam-se nas instalações da Academia, local onde se realizam os treinos;

1.95. Ao contrário do que era habitual não se encontrava presente o T... SS;

1.96. O T... SS passou a prestar serviços nestas funções para a Demandada pelo P... da Demandada TT;

1.97. O T... da equipa, SS, não esteve presente à hora do treino agendado para dia ... de maio de 2018, por se encontrar em reunião por conta do processo designado por ...;

1.98. SS interrompeu essa reunião na sequência da notícia da invasão, tendo-se deslocado à Academia em seguida;

1.99. A equipa técnica e os elementos do staff que fazem a preparação e a marcação do terreno antes do início treino encontravam-se no campo de treinos;

1.100. O acesso à ...da Demandada em ... é efetuado através de um portão automático;

1.101. No dia ... de maio de 2018, aquando da invasão de adeptos à ..., pelas cerca das ...horas, encontrava-se um vigilante de serviço na portaria da..., III;

1.102. Nessa portaria, para além do controlo efetuado às entradas das viaturas e às pessoas que se deslocam à ..., é efetuado, vinte e quatro horas por dia, um controlo às instalações por sistema de videovigilância, através de um sistema de monitores e de uma consola que permite direcionar as câmaras nos diferentes complexos da ...;

1.103. No dia ... de maio de 2018, à hora dos acontecimentos, o sistema de videovigilância encontrava-se em funcionamento;

1.104. Após o portão automático encontra-se uma cancela a qual é operada por um segurança que se encontra no edifício da portaria situado do lado direito de quem transpõe o referido portão de acesso;

1.105. Escassos minutos antes das ...h, o ... de ... da Academia, JJJ encontrava-se nas instalações quando foi contactado pelo Oficial de... com os Adeptos, KKK, avisando-o de que um grupo de adeptos se encontraria a caminho da ...;

1.106. O KKK foi colocado nas funções de ... no mandato do P... da Demandada TT, pela mão do team manager SS.

1.107. Em face desse telefonema, o Diretor de ... JJJ contactou os Secretários ..., LLL e HHH, comunicando o teor da conversa tida com KKK, tendo ficado acordado que HHH contactaria SS, por forma a apurar se este estaria a par da vinda de adeptos à ..., e que JJJ contactaria de imediato a GNR, o que ambos fizeram;

1.108. MMM, encontrava-se na ..., era subordinado e reportava no diretor do departamento de ... da Demandada NNN;

1.109. NNN, diretor do departamento de... da Demandada, não se encontrava nas instalações da ..., mas sim no ..., não se tendo dirigido em nenhum momento à ..., nem posteriormente no posto da GNR;

1.110. JJJ contactou telefonicamente o comandante do posto da GNR do ..., OOO, requerendo a deslocação imediata da GNR ao local;

1.111. HHH e LLL fecharam as portas do edifício afeto à equipa principal que dão acesso ao exterior, sendo que este último contactou ainda PPP, ... da equipa, solicitando-lhe que trancasse igualmente as portas interiores;

1.112. Nesse dia, encontravam-se vários jornalistas no exterior da ..., em face da especulação existente em torno do eventual despedimento do de WW, e, ainda, motivados pela cobertura jornalística da operação policiar denominada de ...;

1.113. Aquando da chegada à ... do grupo, composto por cerca de ... adeptos, o ..., III, encontrava-se a identificar uma viatura, no espaço que intermedeia o portão e a cancela da ...;

1.114. Nesse momento, o portão da ... encontrava-se aberto, como habitualmente sucede no horário diurno;

1.115. A entrada dos indivíduos deu-se forma compacta pelo portão de entrada, tendo sido possível a captação integral das movimentações do grupo, através do sistema de videovigilância;

1.116. Aquando da chegada do grupo de adeptos à ..., III avisou de imediato JJJ, que se encontrava junto dos jogadores;

1.117. JJJ telefonou novamente à GNR avisando o Primeiro-sargento que os membros da claque haviam acabado de aceder às instalações da ...,

1.118. Entre o telefonema do ... KKK e a chegada dos adeptos encapuzados à entrada das instalações da ... decorreram dez a doze minutos.

1.119. O portão principal de acesso à ... permaneceu aberto, não tendo sido dada nenhuma instrução para ser fechado.

1.120. As instalações da ... são cercadas por um muro de reduzida altura;

1.121. Após a entrada do grupo de adeptos, III permaneceu atento no seu posto, seguindo o grupo pelas câmaras de videovigilância, procurando registar todos os movimentos dos adeptos e recolhendo, ininterruptamente, imagens do ataque

1.122. Até à chegada do grupo de adeptos às instalações da ..., não era possível saber se se tratava de uma visita pacífica, como aconteceu por outras vezes no passado, ou, ao invés, de uma invasão como a que se veio a verificar;

1.123. A unidade de polícia comummente designadamente por "spotters" não tinha qualquer conhecimento da invasão à ... que estava prestes a acontecer.

1.124. Os invasores, correndo pela estrada de acesso junto à vedação, dirigiram-se à ala profissional, virando à direita na área da formação em direção aos campos de treino da formação e, contornando os edifícios, avançaram para os campos de treina da área profissional;

1.125. JJJ foi ao encontro dos primeiros elementos do grupo, tendo procurado demover o mesmo, embora sem sucesso;

1.126. Preocupado com a possível presença dos jogadores nos campos de treino, HHH contactou telefonicamente LLL, solicitando que este fosse para junto dos campos, uma vez que os indivíduos estavam a aproximar-se;

1.127. O grupo dirigiu-se primeiramente aos campos de treinos n.os 2 e 3, encontrando apenas LLL, QQQ, assessor de comunicação da Ré, e WW, a quem atiraram "tochas”;

1.128. Posteriormente, parte do grupo de invasores dirigiu-se para a ala profissional, onde estes tentaram arrombar as portas que encontravam, embora sem sucesso, uma vez que as mesmas já haviam sido previamente fechadas por funcionários da Ré;

1.129. JJJ continuou a tentar demover o grupo de indivíduos à medida da sua progressão no terreno ..., inclusivamente, com a ameaça de que os elementos da GNR estavam prestes a chegar ao local, sem, no entanto, lograr qualquer sucesso, tendo, inclusivamente, sido agarrado, empurrado e ameaçado com uma tocha aberta junto à sua cara;

1.130. Alguns indivíduos do grupo arremessaram "tochas", quer para a cobertura do edifício, quer para uma zona nas proximidades com vegetação, quer ainda para debaixo das viaturas que se encontravam estacionadas;

1.131. Alguns elementos do grupo, após verem jogadores empoleirados a tentar espreitar peias janelas do balneário, dirigiram-se para o interior do edifício;

1.132. Um grupo de invasores alcança a entrada principal do edifício da ala profissional, a qual tem portas de vidro de abertura automática por sensor de movimento, o qual não foi desativado, nem as portas trancadas, e que dá acesso ao átrio do edifício;

1.133. A chave que permite trancar esta porta de vidro está dentro de um chaveiro;

1.134. HHH fechou várias portas para exterior mas não a referida anteriormente;

1.135. Uma outra porta, já no interior do edifício, que dá acesso ao corredor que, por sua vez, dá acesso a gabinetes de trabalho e ao balneário, havia sido fechada por dentro, sendo apenas possível proceder à sua abertura pelo interior da mesma;

1.136. Porém, RRR e SSS, funcionários da Ré que se encontravam a trabalhar nos seus escritórios, saíram por essa porta, após sinalizarem o fumo das tochas atiradas, tendo deixado a mesma aberta;

1.137. Os invasores acederam ao corredor de acesso aos gabinetes e ao balneário pela referida porta.

1.138. A porta do balneário foi forçada pelos invasores

1.139. Ainda assim, HHH procurou fechar a porta de acesso ao balneário, tendo sido impedido pelo então ... da equipa, TTT, por temer as consequências que isso poderia acarretar para o ..., WW, que ainda se encontrava no exterior.

1.140. Dentro do vestuário do balneário encontravam-se, pelo menos, vinte jogadores mais dez elementos do staff.

1.141. O Demandante encontrava-se dentro da zona do balneário onde os jogadores se equipam;

1.142. O ambiente era de uma confusão generalizada;

1.143. Um dos indivíduos deflagrou uma tocha dentro da zona dos cacifos do balneário.

1.144. Com o arremesso de material pirotécnico, o alarme de incêndio da ... disparou;

1.145. No interior do balneário, o grupo ameaçou e agrediu alguns jogadores, em particular, VV, ZZ, UU, XX, YY e PP;

1.146. Ao lado do Demandante encontrava-se o jogador ZZ, que foi agredido com um cinto na cara;

1.147. O Demandante viu os seus colegas AAA, XX, VV e UU a serem agredidos;

1.148. O Autor não foi alvo de quaisquer agressões ou ameaças, tendo sido cumprimentado por um dos invasores e informado de que o que se estava a passar não lhe dizia respeito;

1.149. Após as agressões ocorridas no balneário da... o Demandante encontrava- se agastado, tal como os demais jogadores e membros do staff que ali estavam presentes, tendo-se deslocado ao posto da GNR do ... com os Colegas e demais membros do staff.

1.150. O grupo de adeptos esteve dentro dos balneários cerca de três minutos, após os quais saíram das instalações e puseram-se em fuga;

1.151. JJJ, avistando as forças da GNR a chegarem à..., alertou de imediato III para que este informasse os guardas da GNR de que no interior da ... já não se verificava qualquer invasão e que os membros do grupo se encontravam em fuga;

1.152. Disso informados, os guardas da GNR inverteram a marcha, tendo procedido à detenção de grande parte dos elementos do grupo;

1.153. Já na ..., os membros da GNR foram recebidos pelo Diretor de Segurança, que os encaminhou para uma sala onde se encontravam os jogadores e a equipa técnica;

1.154. Os funcionários da Ré, JJJ, HHH e LLL, juntamente com elementos da GNR, organizaram o transporte dos jogadores para o posto da GNR do ..., com vista à prestação de declarações e à identificação de alguns membros do grupo de invasores;

1.155. Elementos do Departamento jurídico ... da Ré, CCC e DDD, deslocaram-se igualmente ao posto da GNR no ... para acompanhar os jogadores e formalizar a competente participação criminal dos factos;

1.156. Os Secretários ... da Ré, HHH e LLL, bem como o ... e o Coordenador de..., JJJ e UUU, respetivamente, acompanharam nessa noite os jogadores, treinadores e demais funcionários da Ré, na deslocação destes ao posto da GNR;

1.157. A Ré emitiu um comunicado público a manifestar o seu repúdio face aos atos de violência perpetrados em ...;

1.158. A Ré colaborou com a PSP na colocação à disposição dos jogadores, através do PNIF ("Ponto Nacional de Informações do Futebol”], de um programa especial de proteção com acompanhamento próximo de agentes policiais no período subsequente à invasão da ...;

1.159. Nesse contexto, o Secretário ... HHH forneceu ao Autor um número de contacto direto da PSP, para o qual poderia ligar caso necessitasse de auxílio ou acompanhamento,

1.160. O Autor não chegou a fazer qualquer uso do contacto telefónico que lhe foi cedido;

1.161. Na noite da invasão à ..., o P... da Ré enviou uma mensagem ao Autor com o seguinte teor:

Em meu nome pessoal e do Sporting quero pedir desculpa por este acto criminoso que hoje sucedeu. Garanto que todos os envolvidos serão severamente punidos. Podemos não estar sempre de acordo mas somos família. Muita força pois tens sido um jogador muito profissional e que veste a camisola com orgulho e atitude. Um abraço solidário TT;

1.162. A Ré retirou o seu apoio à claque ...;

1.163. No dia seguinte à invasão, dia ... de maio, em reposta ao contacto de VVV, o Demandante fez saber, por referência ao ataque: "foi muito complicado, eles foram muito violentos, mas depois falo contigo

1.164. Após a sequência de eventos que culminaram com ataque à ... da Demandada, existia uma situação de indefinição quanto à permanência ou a saída do P... TT, último responsável pela área do futebol profissional, bem como de toda a estrutura diretiva da Demandada;

1.165. Após o ataque à ..., o Autor permaneceu na mesma durante três dias, até dela ser retirado para a cidade do ... por iniciativa e decisão do seu pai;

1.166. A final da taça de..., em que participaria a equipa profissional ... da Demandada, encontrava-se marcada para o domingo seguinte (... de maio de 2018) ao ataque à ...;

1.167. Após uma recusa inicial dos jogadores em participar neste último jogo da temporada, estes acederam, numa reunião com WWW, no Sindicato dos Jogadores, em realizar o jogo;

1.168. Para efetuar os treinos para a final da Taça, os jogadores não quiseram utilizar mais os espaços da Demandada, em particular as instalações da ...;

1.169. Os jogadores e o ... não regressaram nem à ... nem ao ... da Demandada porque não se sentiam bem;

1.170. A Demandada providenciou o Hotel ..., no qual os jogadores teriam um piso de estacionamento e de quartos para seu uso exclusivo, e onde os jogadores se concentraram e de onde saiam de autocarro para o treino e para onde regressavam;

1.171. Era um hotel que dava garantias de privacidade e segurança;

1.172. Na final da taça de Portugal, apesar de não ter jogado, o Demandante foi apupado e insultado, tendo sido chamado de "filho da puta", "cabrões", "traidores”;

1.173. No dia ... de junho de 2018, por ocasião do aniversário do Autor, este recebeu do então P... da Ré, TT, uma mensagem de parabéns com o seguinte conteúdo "Forte abraço de parabéns campeão! TT,

1.174. O Demandante respondeu ao então P... da seguinte forma:

"Obrigado

Estamos juntos Boss

1.175. O Autor, já de férias, regressou no seu dia de aniversário à ... juntamente com os seus amigos;

1.176. No período que mediou entre 15 de maio e 15 de junho, o Autor partilhou fotografias na sua conta da rede social ..., nas quais figura a disfrutar do seu tempo livre;

1.177. Ainda antes do seu aniversário, o Autor viajou para ... e para o ..., onde disfrutou de um período de férias;

1.178. No dia ... de junho de 2018, o Autor reuniu-se com o seu pai, com o seu empresário, II, e com o seu advogado, XXX, no escritório deste último, sito em ..., onde foi redigida a carta de rescisão do contrato;

1.179. A carta foi enviada após terem ponderado quais os clubes que o jogador tinha hipótese de vir a integrar;

1.180. Entre essas equipas que teriam referenciado ou manifestado interesse em contratar o Autor, surgem o ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., L..., ... e ...;

1.181. De entre as alternativas que então se perfilaram, a preferência do Autor era por integrar os quadros da equipa do ...;

1.182. Mais tarde, o ... comunicou que não teria interesse em contratar o Autor, por força do litígio que o opõe à ora Ré;

1.183. O Autor viajou pela ..., juntamente com o seu pai e o seu empresário, com o intuito de apresentar a sua disponibilidade para se juntar aos quadros de algumas equipas europeias de futebol, nomeadamente, o ... e o ..., avaliando as suas opções no mercado;

1.184. O Autor entrou em negociações com a equipa do L..., por intermédio do seu agente, II que conhecia YYY, Diretor Desportivo do L...;

1.185. O L... tinha já referenciado e demonstrado interesse em contratar o Autor para a sua equipa principal de futebol;

1.186. No início de agosto de 2018, o Autor assinou um contrato de trabalho com o L...;

1.187. Entre as condições do contrato assinado com o L... constou um prémio de assinatura para o jogador, no valor de €1.500.000,000 (um milhão e quinhentos mil euros);

1.188. Por via da assinatura desse contrato, foi acordado para a I..., empresa do seu agente II, o recebimento de uma comissão no valor € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros);

1.189. Para o pai do Autor, foi acordada entre este e II, uma quota-parte dessa comissão, no valor de €325.000,00 (trezentos e vinte e cinco mil euros), enquanto prémio a incidir sobre a comissão conferida àquele agente;

1.190. Foi acordado que o Autor auferiria, na sua primeira época (com aumentos anuais), uma remuneração ilíquida de €100.000,00 (cem mil euros) mensais, a cujo valor acrescem prémios em função dos resultados da equipa e do desempenho do jogador;

1.191. O contrato celebrado entre o Autor e o L... não prevê qualquer cláusula de rescisão até porque a legislação francesa não prevê tal possibilidade;

1.192. Após a assinatura do contrato com o L..., surgiram algumas dificuldades com o registo e homologação do contrato de trabalho desportivo do Autor, em função de medidas de controlo financeiro aplicadas ao L... pela ...;

1.193. Em agosto de 2018, já com a comissão de gestão instalada no Sporting, em face das dificuldades em obter o registo e respetiva homologação do seu contrato de trabalho desportivo, o Autor contactou a Ré, na pessoa do seu ..., VVV, manifestando o seu desejo em regressar à equipa do Sporting;

1.194. Na sequência do contacto do Autor, e após confirmar o interesse do então P... da Ré, ZZZ, e do então... da equipa, AAAA, VVV, juntamente com o advogado BBBB, deslocou-se a ..., para averiguar do efetivo interesse do Autor em reingressar ao serviço da Ré;

1.195. Já em ..., o Autor almoçou com o seu "tio” (amigo de família), CCCC, com VVV e com BBBB, tendo sido discutido nesse almoço o eventual regresso do Autor ao Sporting e as condições necessárias para esse efeito;

1.196. Nesse almoço, ficou acordado que, na sexta-feira seguinte, por ocasião de uma pausa nos campeonatos nacionais decorrente da disputa de jogos pelas Seleções Nacionais, o Autor se reuniria com o então P... da Ré, ZZZ;

1.197. O Autor em nenhum momento nesse almoço, ou nas demais conversas que teve com o seu anterior ..., abordou qualquer questão relativa às condições de segurança propiciadas pela Ré;

1.198. No final de agosto de 2018, o Demandante deslocou-se a Portugal para participar num jogo da seleção nacional, tendo sido contatado pelo P... ZZZ para agendar uma reunião.

1.199. No dia ...de setembro de 2018, o Autor, acompanhado do seu “..." CCCC e do seu advogado XXX, reuniu-se com ZZZ, no seu escritório sito em ..., e com o advogado BBBB e DDDD;

1.200. Em resultado dessa reunião, o Autor enviou ao L... uma carta de rescisão do seu contrato de trabalho desportivo;

1.201. Após a receção da carta referida no ponto anterior, o L... entrou em contacto com o agente do jogador, II, o qual, de imediato, contactou por telefone o pai do jogador, JJ, que de nada sabia, por tal lhe ter sido omitido pelo Autor;

1.202. Em seguida, JJ telefonou ao Autor, não tendo este atendido a chamada, e, em seguida, a CCCC, que lhe confirmou que o Autor se encontrava reunido em ..., indicando-lhe a morada em questão;

1.203. JJ dirigiu-se então ao escritório de ZZZ, não tendo o Autor permitido a sua entrada;

1.204. Momentos após, visivelmente alterado e contra a vontade do Autor, JJ veio a aproveitar a entrada de um estafeta de pizzas para se introduzir no interior das instalações do então P... da Ré;

1.205. O Autor encontrava-se diante de um novo contrato de trabalho desportivo com a Ré no momento em que JJ irrompeu pela sala, interrompendo a reunião e impedindo o seu filho de assinar tal contrato;

1.206. No dia seguinte, ou seja, no dia ... de setembro de 2018, pela parte da manhã, o Autor reuniu-se com o seu agente, II, e com o seu pai, no Hotel ..., em ...;

1.207. Nessa reunião, o Autor, o seu pai e os seus agentes redigiram uma nova carta a revogar a carta de resolução do contrato de trabalho com o L... enviada no dia anterior;

1.208. Por ocasião da carta de rescisão enviada pelo Autor ao L..., o prémio de assinatura do agente do Autor ainda não tinha sido pago pelo L... e, por conseguinte, o pai do Autor tão-pouco tinha recebido a sua respetiva comissão;

1.209. No dia... de setembro, o contrato de trabalho desportivo que vinculava o Demandante ao L... foi homologado pela Federação Francesa de Futebol

1.210. O Autor era e continua a ser um dos jogadores mais valiosos e prometedores da sua geração;

1.211. O valor de mercado do Autor, à data da rescisão contratual por si promovida, situava-se, pelo menos, entre os € 15.000.000,00 (quinze milhões de euros) e os €18.000.000,00 (dezoito milhões de euros);

1.212. A Ré investiu elevadas quantias na formação do Autor enquanto futebolista profissional;

1.213. O Autor era claramente encarado como um potencial contributo financeiro para equilibrar as contas da Ré;

1.214. Há muito que a Ré tem como estratégia financeira a formação de jogadores e a sua posterior venda por quantias significativas;

1.215. À data da sua fixação, os valores estabelecidos nas cláusulas de rescisão são sempre superiores ao valor de mercado dos jogadores;

1.216. Apesar de ser política da Ré a fixação de cláusulas de rescisão no valor €60.000.000,00 (sessenta milhões de euros) para jogadores que atuem na mesma posição do Autor (...), as partes negociaram e acordaram na fixação da cláusula de rescisão do Autor em € 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de euros);

1.217. Em agosto de 2019, o Autor foi transferido para o A..., tendo assinado um novo contrato de trabalho desportivo com esse clube a vigorar por 5 épocas desportivas.

2. Apreciação do recurso

Uma vez que a eventual ampliação da matéria de facto pedida pelo Recorrente apenas se tornará necessária caso se conclua não se verificar o fundamento de anulação da decisão arbitral relativo à ofensa dos princípios da ‘ordem pública internacional do Estado português’, importa começar por apreciar este último fundamento, apesar de não ter sido essa a ordem seguida pelo Recorrente nas suas alegações de recurso

2.1. A ofensa dos princípios da ‘ordem pública internacional do Estado português’

Sobre este tema, o recorrente formulou as seguintes conclusões:

30) O Tribunal a quo cometeu outro grave erro de direito, ao atribuir à noção de ‘ordem pública internacional do Estado português” constante do art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV o significado que carateriza a “reserva ordem pública internacional” que é específica do direito internacional privado (d.i.p.)

31) O Tribunal a quo extraiu tal significado de um manual de direito internacional privado, sem atender a que este ramo do direito e os seus institutos nenhuma aplicação podem ter em casos como o discutido nestes autos, que respeita a um litígio puramente interno, em que ambas as partes têm nacionalidade portuguesa, em que a obrigação cujo incumprimento se discutiu na arbitragem antecedente foi constituída em Portugal e aqui inexecutada e em que o litígio daí resultante foi dirimido por um tribunal arbitral sediado em Portugal, aplicando direito substantivo e normas processuais portuguesas.

32) A ‘reserva de ordem pública internacional’ ‒ instituto específico do d.i.p. previsto no art. 22.º do C.C bem como no art. 980.º, f) do CPC e no art. 56.º. n.º 1, b) ii) da LAV ‒ é um limite à aplicação do Direito estrangeiro ou transnacional competente segundo o Direito de Conflitos o ao reconhecimento de uma decisão estrangeira.

33) Distinta dela é a ‘ordem pública internacional do Estado Português’ prevista na al. b) ii) do n.º 3 do art. 46 da LAV, que é uma noção de direito material e que funciona como bitola de determinação da tolerabilidade pela nossa ordem jurídica do resultado produzido por sentenças arbitrais que versam sobre situações regidas quer pelo direito português quer por direito estrangeiro, proferidas por tribunais arbitrais sediados no nosso país.

34) Na grave confusão em que, neste ponto, caiu o Tribunal a quo, não incorreu a grande maioria das decisões dos nossos tribunais superiores que decidiram sobre a aplicação da norma do art. 46.º, n.º 3, b) ii, da LAV.

35) A noção de ‘ordem pública de direito material’ pode definir-se como sendo o conjunto de princípios de um sistema jurídico, estabelecidos em função da proteção de interesses públicos fundamentais, sendo, portanto, contrários à ordem pública os factos ou situações intoleráveis perante princípios determinados por interesses sentidos pela comunidade como fundamentais.

36) É pacífico, na doutrina da especialidade, que a ‘ordem pública’ que intervém em sede de controlo de anulação das sentenças é composta não só por princípios, mas também por regras jurídicas, dotadas de maior ou menor precisão.

37) O conjunto de princípios e regras que integram a ‘ordem pública’ de uma dada ordem jurídica tem, porém, um âmbito muito mais restrito do que o universo das normas imperativas dessa ordem jurídica.

38) O conceito de ‘ordem pública’ que é operativo em sede de controlo de anulação das sentenças arbitrais, funciona como bitola ou padrão para se se determinar a legitimidade/validade da sentença arbitral, correspondente à reconhecibilidade ou tolerabilidade pelo sistema jurídico no âmbito do qual aquela foi proferida, cuja falta gerará a sua anulabilidade com efeitos erga omnes.

39) Trata-se nesta sede de verificar se a sentença arbitral preenche as condições elementares de justiça material que justificam que o Estado disponibilize o seu aparelho coercitivo para fazer impor o que na sentença se determina aos seus destinatários.

40) Dentro do reduto normativo constituído pelas regras ou princípios da ordem pública de direito material, há que circunscrever um núcleo menos compreensivo designado por “ordem pública internacional”, que tem um conteúdo mais restrito (menos abrangente) do que a ‘ordem pública interna’.

41) É ao reduto normativo mais restrito e menos compreensivo ou abrangente geralmente designado por à ‘ordem pública internacional (de direito material)’ que se refere o art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV.

42) O facto de o legislador português se ter reportado no art. 46.º, n.º 3, b), ii) da LAV à noção de ‘ordem pública internacional’, suscitou fortes críticas de boa parte da doutrina portuguesa, tendo sido essa opção legislativa provavelmente devida ao receio de que os tribunais estaduais portugueses pudessem vir a anular, com excessiva largueza, sentenças arbitrais impugnadas com este fundamento.

43) Ao procurar identificar os princípios jurídicos que devem considera-se como abrangidos pela noção “ordem pública internacional”, a doutrina portuguesa têm acompanhado o entendimento seguido neste domínio pelas doutrinas alemãs, suíças e francesas e pelas jurisprudências dessas ordens jurídicas.

44) De acordo com esse entendimento, é de considerar como princípios ou regras integrantes da “ordem pública internacional”, além dos consagrados nas respetivas Constituições, as respeitantes ao combate às práticas corruptivas, aos tráficos criminosos e ao branqueamento de capitais, bem como o princípio pacta sunt servanda (compreendendo a fidelidade ao contratado e a lealdade contratual), o princípio da boa fé, o princípio da proporcionalidade, a proibição do abuso de direito, a proibição de vinculações perpétuas, a proibição de indemnizações punitivas em matéria cível e de medidas espoliadoras, as normas destinadas a proteger os civilmente incapazes ou os contratantes mais fracos e as destinadas a proteger os credores, no domínio dos regimes de falência ou insolvência.

45) Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça respeitante a esta matéria, seguiram este entendimento, nomeadamente, os acórdãos proferidos em 26.09.2017 (proc. 1008/14.4YRLSB.L1.S1), em 01.10.2019 (proc. 1254/17.9YRLB.S1) e em 07.09.2020 (proc. 1714/18.4YRLSB.S1).

46) No âmbito do direito civil, o ‘princípio da proporcionalidade’, enquanto veículo do controlo judicial do conteúdo dos contratos e fonte de critérios normativos para tal controlo seja exercido pelo julgador em conformidade com os valores fundamentais do sistema jurídico, remete para a ideia de correção de composições de interesses muito desequilibradas, feitas no exercício da liberdade contratual.

47) A aplicação deste princípio permite evitar que a liberdade de conformação de um contrato em que, apesar de livremente celebrado, uma das partes teve papel predominante na conformação do seu conteúdo, venha a traduzir-se em vantagens excessivas (desmedidas) para essa parte, em detrimento da outra.

48) Conforme têm realçado civilistas muito autorizados, é com esse sentido ou finalidade que o princípio da proporcionalidade pode intervir em sede de controlo judicial de cláusulas contatuais gerais, nomeadamente à luz do disposto nos arts. 15.º e 16.º do Regime Legal das Cláusulas Contratuais Gerais.

49) É igualmente o objetivo de evitar que uma das partes do contrato obtenha, num concreto caso de inexecução contratual, um ganho excessivo ou desmedido, à custa da outra parte, que está na base da possibilidade de redução equitativa da cláusula penal pelos tribunais, prevista no art. 812.º do C. Civil.

50) A sentença proferida pelo Tribunal Arbitral julgou como parcialmente procedente a reconvenção reduzida pela Requerida contra o Requerente, formulada com base na cláusula 11 do contrato celebrado entre as partes, condenando o demandante a pagar à demandada, a título de indemnização por resolução indevida do contrato de trabalho desportivo, de acordo com a equidade, a quantia de € 16.500.000,00.

51) É algo obscuro e muito incongruente raciocínio explanado pelo Tribunal Arbitral, na sentença que proferiu, para fundamentar, no plano do Direito, essa condenação.

52) O Tribunal Arbitral começou por concluir que lhe estava vedado aplicar neste litígio a cláusula 11 do contrato que fora celebrado entre o Requerente e a Requerida (doravante “o Contrato”), por ser inválida, em virtude de violar o disposto n.º 1 do art. 24.º da Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo disposição considerada como imperativa.

53) E daí deduziu que um pedido de danos de valor mais elevado do que o valor das retribuições que seriam devidas ao praticante até ao termo do contrato, teria de assentar em efetiva prova de danos de montante mais elevado do que aquele valor, sendo inválida a cláusula penal que pretendesse dispensar aquela proava fixando a quantia a pagar em tal eventualidade.

54) Aí chegado, o Tribunal Arbitral, em vez de negar provimento ao pedido reconvencional da Requerida formulado com base em cláusula contratual declarada inválida, permitiu-se operar uma espécie de transfiguração mística (ou mágica) daquele pedido, noutro pedido assente em suposta disposição contratual que combinasse a previsão da cláusula 11 (mas não a respetiva estatuição) do Contrato com a estatuição da sua cláusula 8 (mas não a sua previsão).

55) Se porventura da sentença arbitral coubesse recurso ordinário segundo as normas aplicáveis do CPC, este mirabolante raciocínio do Tribunal Arbitral ruiria estrepitosamente, quando fosse submetido ao atento escrutínio do competente tribunal superior.

56) Mas se da sentença arbitral não cabe recurso ordinário, isso não significa que o resultado que produziu não possa ser escrutinado, no âmbito da presente tendente à sua anulação.

57) É patentemente errada a asserção frequentemente usada, quase como um slogan, de que “ao juiz competente para anular a sentença arbitral é vedado o reexame do mérito da sentença”.

58) Isto, por ser por demais evidente que, para poder decidir se a sentença arbitral impugnada deve ser anulada, o tribunal estadual competente tem de examinar o mérito do caso decidido por tal sentença.

59) Sendo a parte dispositiva da sentença arbitral (tal como a parte dispositiva da sentença de um tribunal estadual), na maioria das vezes, neutra relativamente à substância da decisão, só um atento exame das circunstâncias do caso e de toda a fundamentação apresentada pelo tribunal arbitral para a decisão proferida, permite ao tribunal estadual supervisor determinar o real significado e alcance dessa decisão.

60) Além disso, importa ter presente que, segundo o art. 46.º, n.º 3, a) v) da LAV, a sentença arbitral pode ser anulada, se for alegado e provado que o tribunal arbitral ordenou a uma parte que pagasse um montante que excedia o que fora pedido ou decidisse questões não lhe haviam sido submetidas (decisão ultra petitum), ou ordenou algo diferente do que fora pedido (decisão sobre aliud), ou omitiu decisão sobre pedidos apresentados ou questões importantes suscitadas pelas partes (decisão infra petitum).

61) Em todos esses casos, é evidente que o tribunal estadual supervisor não pode verificar se aquelas alegações são bem fundadas, sem ter examinado a totalidade da sentença arbitral e sem haver comparado o âmbito da decisão dos tribunais arbitral com o conteúdo das peças escritas apresentadas pelas partes.

62) A suposta ‘proibição de exame do mérito da decisão dos árbitros’ afirmada por alguns, seria ainda mais absurda no caso de o fundamento com que a sentença arbitral foi impugnada não ter natureza processual, respeitando antes à sua substância,

63) É o que acontece quando a impugnação é baseada em alegada violação da ‘ordem pública’ do foro (i.e., do Estado a que pertence o tribunal estadual supervisor) pelo resultado da sentença; em tal caso, a reavaliação do conteúdo substantivo da decisão dos árbitros é forçosa, implicando a reapreciação do mérito dessa decisão.

64) Por essas razões, é muito mais correto afirmar que ‘ao tribunal estadual é vedado proceder à revisão do mérito’ decidido pela sentença arbitral, que é a proposição que, como muito maior frequência, se encontra na literatura da especialidade e em documentos internacionais de referência, a este propósito, e é também a expressão utilizada pela LAV, no seu art. 28.º n.º 2.

65) Quando decide sobre um recurso de apelação, o tribunal de recurso tem o dever (intelectual) de julgar novamente o litígio, em ordem a verificar se chega ao mesmo resultado quer foi atingido pela decisão recorrida; por outras palavras, o tribunal de recurso deve efetuar as mesmas operações intelectuais que deveria ter realizado se fosse o primeiro julgador do litígio submetido ao tribunal.

66) Ao fazer isso, o tribunal de recurso substitui pela sua decisão a decisão proferida pelo tribunal inferior, que é revogada ou anulada, sendo a resolução do litígio é reescrita pelo tribunal de recurso; pode, por isso, dizer-se que a essência da missão do tribunal de recurso é efetuar a ‘revisão do mérito’ do litígio decidido pelo tribunal inferior.

67) Bem diferente é a tarefa a efetuar pelo tribunal estadual que tem de decidir sobre um pedido de anulação de uma sentença arbitral, porquanto, neste caso, o tribunal estadual de controlo não exprime a sua opinião sobre o modo como o litígio foi decidido, quanto aos factos ou ao direito, pelo tribunal arbitral, não efetuando, portanto, a revisão do mérito decidido por essa sentença.

68) A exercer esta missão, o tribunal estadual de controlo apenas verifica (i) se o tribunal arbitral tinha poder jurisdicional para dirimir o litígio, (ii) se o processo arbitral conducente à decisão decorreu de acordo com os padrões de correção e justiça processual prescritos pela lei do foro (i.e., a lei da sede da arbitragem ou do lugar de execução da sentença), (iii) se a fundamentação da sentença é suficiente para a tornar inteligível, (iv) se as) decisão(ões) contida(s) na sentença está(ão) em conformidade com as peças escritas apresentadas pelas partes, e (v) se o resultado material da decisão proferida pelo tribunal arbitral é contrário às regras e princípios jurídicos que constituem a ‘ordem pública’ do Estado a que pertence o tribunal supervisor.

69) Em vez de verificar se o tribunal arbitral esteve certo ou errado relativamente aos factos considerados como provados ou à lei aplicada, o tribunal estadual de controlo verificará apenas se a sentença arbitral, atendendo à sua forma, ao processo através do qual foi proferida e ao resultado produzido, preenche as condições de regularidade e de validade que justificam que o Estado disponibilize os seus meios coercivos para fazer executar aquilo que os árbitros decidiram.

70) É apenas a verificação da existência destas condições que constitui o objeto da análise do tribunal estadual de controlo.

71) Quando o tribunal estadual é chamado a apreciar se a sentença arbitral impugnada é contrária a ‘ordem pública internacional do Estado português’, não relevam os erros de facto ou de direito que essa sentença possa conter, na sua fundamentação ou na parte dispositiva, devendo aquele tribunal apenas verificar se o concreto resultado material por essa sentença produzido ofende o inderrogável reduto axiológico normativo formado pela ‘ordem pública’ (que, no âmbito da LAV, é a ‘ordem pública internacional’).

72) O conteúdo da sentença arbitral tem de ser controlado, mas é em função do seu concreto resultado que ela deverá ser sancionada; embora todo o raciocínio do árbitro deva poder ser examinado pelo juiz, o controlo deste deve incidir, não sobre esse raciocínio, mas sobre a solução dada ao litígio.

73) Ora, o concreto resultado material produzido pela sentença arbitral que condenou o Requerente, ora Recorrente, é claramente ofensivo do ‘princípio da proporcionalidade’, atrás mencionado.

74) Como salienta a melhor doutrina da especialidade, a fixação e aplicação, em concreto, das “cláusulas de rescisão”, com grande frequência incluídas nos contratos de trabalho dos jogadores de futebol, implica uma cuidada e atenta ponderação dos contrapostos interesses do clube e do jogador, o que significa que, na determinação em concreto do montante da cláusula de rescisão que deve ser paga ao clube que veja um seu jogador desvincular-se unilateralmente e ante tempus, há que observar, plenamente, o ‘princípio da proporcionalidade’.

75) A este princípio deve necessariamente atender-se, na composição de interesses feita através da estipulação e na subsequente aplicação, em concreto, do montante da cláusula de rescisão incluída num contrato de trabalho desportivo, devido ao clube cujo jogador faça cessar unilateralmente o vínculo contratual que o ligava a ele,

76) O que implica que tal montante corresponda ao estritamente o necessário para ressarcir o clube dos prejuízos financeiros e desportivos que tal desvinculação lhe acarrete, sem que, por outro lado, cause ao jogador em causa uma incomportável opressão, sob ponto de vista financeiro, e uma barreira asfixiante, sob o ponto de vista da sua realização pessoal.

77) “Salta aos olhos” de qualquer pessoa razoável e de equilibrado juízo que o montante de 45.000.000 Euros previsto nas cláusulas 8, b) e 11 do Contrato constituía uma verdadeira ‘barbaridade’, que ninguém conseguiria justificar, em relação a um praticante desportivo colocado nas circunstâncias em que o Requerente estava, na data da cessação do Contrato.

78) Mas o montante que resultou da redução, efetuado pelo Tribunal Arbitral, da multa penitencial, constante da cláusula 8, b) do Contrato ou da cláusula penal, contida na cláusula 11, 2.ª parte do mesmo, continua a ser uma “enormidade” que ofende clamorosamente o princípio da proporcionalidade que integra a ordem pública internacional do Estado português.

79) A decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, mesmo após haver efetuado uma redução do valor incluído na dita cláusula prevista no Contrato, condenou o Requerente num valor que ele demoraria 275 anos a pagar, atendendo à remuneração global ilíquida (€ 60.000,00) estipulada no Contrato referente à época de 2017/2018 – época da cessação do Contrato de Trabalho Desportivo

80) Não tendo sido equitativa a redução da pena ou multa estipulada no Contrato, que o Tribunal Arbitral efetuou, a sentença por este proferida acabou por gerar um resultado intolerável.

81) Para o efeito da redução equitativa que o Tribunal Arbitral devia efetuar (mas não fez, na necessária medida), não pode também deixar de se ter em consideração o facto de esse Tribunal ter considerado que a Requerida efetivamente incumpriu o contrato, violando normas de segurança dos seus jogadores (incluindo o Requente), a que estava adstrita, e incorrendo em grave prática de assédio moral contra o Requerente.

82) Fica demonstrado, por tudo o que se deixa exposto, que a sentença arbitral produziu um resultado material que ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português, o que justifica que seja anulada ao abrigo do art. 46.º, n.º 3, b) ii) da LAV.”

No acórdão recorrido, citando-se o Professor Luís Lima Pinheiro, considerou-se que a referência contida na subalínea ii) da alínea b) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV aos princípios da ordem pública internacional do Estado português constitui “um limite à aplicação do Direito estrangeiro ou transnacional competente segundo o Direito de Conflitos ou ao reconhecimento de uma decisão estrangeira”, não estando em causa nos presentes autos a aplicação de lei estrangeira ou internacional ou estipulação contratual que vincule as partes e o seu conflito com os princípios da ordem pública do ordenamento jurídico nacional. Conclui o Tribunal da Relação que o Requerente pretende com a presente ação a reapreciação do mérito das decisões arbitrais proferidas, por alegado desrespeito dos princípios jurídicos invocados, motivo pelo qual improcede a sua pretensão.

De acordo com a referida subalínea ii) da alínea b) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV: “A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se: (...) b) O tribunal verificar que: (...) ii) O conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português.”

Assiste razão ao Recorrente quando afirma existir erro de direito no Acórdão recorrido quanto atribuiu à noção de “ordem pública internacional do Estado português” constante da referida norma, o significado que carateriza a “reserva ordem pública internacional” que é específica do direito internacional privado, o que conduziu o Tribunal da Relação a rejeitar a aplicação deste fundamento de anulação da decisão arbitral por não estar em causa nos presentes autos, a aplicação de lei estrangeira ou internacional ou estipulação contratual que vincule as partes e o seu conflito com os princípios da ordem pública do ordenamento jurídico nacional.

Com efeito, a generalidade da jurisprudência do STJ e a doutrina afirma que o conceito de ordem pública internacional do Estado português, previsto na subalínea ii) da alínea b) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV, não se reconduz apenas ao conceito de direito internacional privado nos termos considerados no Acórdão recorrido.

Aplicando o conceito previsto na subalínea ii) da alínea b) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV a arbitragens realizadas em Portugal e conexas com o nosso território, sendo aplicável a lei portuguesa, embora podendo estar em causa interesses do comércio internacional, vejam-se os Acórdãos do STJ, de 26/09/2017 (Revista n.º 1008/14.4YRLSB.L1.S1), de 21/03/2023 (Revista n.º 2863/21.7YRLSB.S1), de 1/10/2019 (Revista n.º 1254/17.9YRLSB.S1) e de 7/09/2020 (Revista n.º 1714/18.4YRLSB.S1).

De modo a delimitar o conceito aqui em apreciação, importa atender aos motivos que levaram o legislador português a consagrar como fundamento de anulação de decisões arbitrais internas a ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado português.

A Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL), adotou por Resolução da sua Assembleia Geral n.º 40/72, de 11 de dezembro de 1985, uma Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional, recomendando aos Estados que a tenham em consideração, tendo em vista a uniformização da lei sobre processos arbitrais e as necessidades específicas da prática da arbitragem comercial internacional.

Essa Lei Modelo, com as alterações introduzidas pela Resolução 61/33 de 4 de dezembro de 2006 da Assembleia Geral da mesma Comissão, prevê no seu artigo 34.º, n.º 2, al. b), subalínea ii) que “A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal referido no artigo 6.º se (...) (b) O tribunal constatar: (...) ii. Que a sentença contraria a ordem pública do presente Estado.”

A Lei Modelo adotada pela UNCITRAL prevê, assim, como fundamento de anulação da decisão arbitral a contrariedade à ordem pública interna, o que não foi seguido pela nossa lei. Segundo aponta o Prof. Menezes Cordeiro (Tratado da Arbitragem, reimp da 1.ª ed., Almedina, 2016, p. 443), esta indicação da Lei-Modelo foi acolhida pela generalidade das leis, apontando como exemplos, o § 1059/2, b) da ZPO alemã, o artigo 41.º/1, f), da Lei espanhola, a secção 68/2, (g), do Arbitration Act inglês, o artigo 1492.o /5.o, do CPC francês, o artigo 1065.o/1, (e), do CPC holandês, o § 611/2,8 da ZPO austríaca, a secção 37.º/3, (b) da Lei dinamarquesa da arbitragem, e a Secção 33.º/2 da Lei Sueca.

As razões que levaram o legislador português a afastar-se da recomendação da Lei Modelo podem ter a ver com a posição assumida pela maioria dos membros da Direção da Associação Portuguesa de Arbitragem (APA) que na fase de discussão prévia da atual LAV (ver Revista Internacional de Arbitragem e Conciliação, vol. III, 2010, p. 210) se opôs à invocação da violação de ordem pública como fundamento de anulação de sentença arbitral, alegando que a LAV de 1986 era omissa a esse respeito e argumentando com o risco de um abuso na invocação deste fundamento de anulabilidade, dada alguma indeterminação do próprio conceito de ordem pública, o que poderia conduzir os tribunais estaduais a sindicar o mérito das sentenças arbitrais por via da apreciação desse fundamento de anulação.

Apesar de na versão final da LAV não ter sido acolhida a posição defendida pela APA, o legislador português acabou por mitigar a previsão deste fundamento com a referência aos “princípios da ordem pública internacional do Estado português”, ao invés de referir apenas a ordem pública como consta da Lei Modelo. Sobre esta matéria, António Sampaio Caramelo refere que a solução legal vertida na al. b) ii) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV, constitui uma “defeituosa via de compromisso” perante a controvérsia instalada face à posição da maioria dos membros da Direção da APA acima referida (“A impugnação da Sentença Arbitral”, 4.ª ed., Almedina, 2023, pp. 145 e 146).

Porém, segundo o mesmo autor, em relação ao conteúdo a atribuir à “ordem pública internacional” prevista no artigo 46.º, n.º 3, al. b), ii) da LAV: “não é da exceção ou reserva de ordem pública internacional que se trata aqui, porque, tendo a maioria das sentenças arbitrais proferidas em Portugal e abrangidas por essa disposição aplicado direito português, falta nesses casos, por completo, o 'salto para o desconhecido' (segundo a conhecida expressão de Leo Raape) que é inerente à remissão para uma lei estrangeira e que também existe, de algum modo, quando uma ordem jurídica se dispõe a reconhecer efeitos a uma decisão jurisdicional estrangeira. Parece, pois, poder concluir-se que aquela disposição da LAV tem em a vista a ordem pública de direito material” (op. cit., p, 144).

Segundo o Prof. Menezes Cordeiro, a noção de ordem pública referida no artigo 46.º, n.º 3, al. b), ii) para sindicar o conteúdo de decisões internas não equivale à usada para ponderar o resultado de decisões internacionais, tendo um conteúdo próprio, designando a mesma como “ordem pública internacional-interna”.

Sustenta como fundamento de tal conclusão, razões sistemáticas, razões literais, razões jurídico-científicas e razões práticas.

Quanto às primeiras, afirma que “a interpretação dos preceitos legais deve considerá-los na íntegra e deve inseri-los no contexto a que pertençam: por isso existe uma hermenêutica jurídica, diversa da meramente vocabular e linguística. A essa luz, a ordem pública, inserida na lei para sindicar o conteúdo de decisões internas não equivale à usada para ponderar o resultado de decisões internacionais.”

Quanto às razões literais, refere que “o próprio legislador, na letra dos diplomas em causa, deu-nos as pistas para superar o problema. Com efeito, enquanto elemento sindicante interno, ela traduz-se em “o tribunal verificar” (...) que “o conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português”. Ora, no 54..º como no 56.º/1, b), ii), a decisão arbitral pode ser bloqueada (pela anulação ou pelo não-reconhecimento, respetivamente) se conduzir (...) a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional, acrescentando o último dos preceitos do Estado português. Ou seja, perante as decisões internas, basta que o conteúdo contrarie a o.p.; para as internacionais, é necessário que o resultado ofenda manifestamente a o.p, internacional. A o.p. requerida pelo 46.°/3, b), ii) é, mesmo literalmente, menos exigente do que a dos 54.º e 56.º/1, b), ii).”

Quanto às razões jurídico-científicas, afirma que “a o.p. internacional próprio sensu visa prevenir que, no espaço jurídico nacional, surjam elementos legitimados por ordenamentos estrangeiros, mas que contundam com dados estruturantes do sistema: respeito pela pessoa humana, pela igualdade, pela dignidade da mulher, pela segurança e bem-estar dos filhos e por dados básicos do património da pessoa. A o.p. “internacional-interna” pretende constatar se a decisão arbitral, assente no Direito e no ordenamento português, é reconhecida como axiologicamente jurídica. Além de todos os elementos que encontramos na internacional, a "internacional-interna" joga, ainda, com os princípios totalmente injuntivos, isto é: aqueles que se impõem e que não poderiam ser postergados pelo recurso a árbitros. O Estado não pode oferecer os seus Tribunais e as suas estruturas coercivas para fazer impor decisões contrárias a dados básicos do sistema. Digamos que a ordem pública internacional-interna fica próxima da ordem pública interna: dela só se distingue por ter, implícita, uma mensagem legislativa de só se recorrer a ela em casos substancialmente sérios.”

Por último, aponta razões práticas, referindo que “o juiz, confrontado com um pedido de anulação de uma decisão por grave contrariedade a valores básicos do sistema, nunca poderia ficar inerme. No limite, ele poderia sempre invocar o abuso do direito de executar semelhante decisão. Mas isso poderia remetê-lo para algum casuísmo, instilador de instabilidade na arbitragem. Deste modo, a remissão para um corpo de princípios permite uma aplicação mais generalizada e previsível.”

Sobre este fundamento de anulação da sentença arbitral, também Manuel Pereira Barrocas (Manual de Arbitragem, 2.ª ed., Almedina, 2013, pp. 528 e 529), define a “ordem pública internacional do Estado português” referida na subalínea ii) da alínea b) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV como “a ordem pública da lei portuguesa que não admite a validade de uma sentença arbitral em qualquer circunstância, ou seja, quer se trate quer não se trate de uma sentença arbitral proferida em arbitragem doméstica localizada em Portugal, quando confrontada com a ordem pública internacional do Estado português. O que significa que esta aceção de ordem pública é mais restrita do que a ordem pública interna do Estado português, que também inclui normas imperativas, e que, na grande maioria dos casos, não são consideradas como integrantes do conteúdo da ordem pública internacional do Estado português. Deste modo, apenas certas e limitadas normas e princípios e valores essenciais da ordem jurídica nacional integram o núcleo restrito da ordem pública internacional do Estado português.”

Podemos, assim, concluir que o conteúdo a atribuir à “ordem pública internacional” prevista no artigo 46.º, n.º 3, al. b), ii) da LAV “não é da exceção ou reserva de ordem pública internacional”, como se entendeu no Acórdão recorrido, pelo que importa definir o concreto conteúdo do conceito previsto na nossa lei.

Trata-se de um conceito indeterminado, que, como os demais, em qualquer ordem jurídica, terá de ser concretizado pelo juiz no momento da sua aplicação, tomando em conta as circunstâncias particulares do caso concreto - Acórdão do STJ, de 21/03/2023 (Revista n.º 2863/21.7YRLSB.S1)

Como se entendeu nos Acórdãos de 1/10/2019 (Revista n.º 1254/17.9YRLSB.S1) e de 7/09/2020 (Revista n.º 1714/18.4YRLSB.S1), a “ordem pública” pode ser definida, nas palavras de Baptista Machado citado nesses Acórdãos (Do princípio da liberdade contratual, em Obra Dispersa, Vol. I, pág. 642), como o “conjunto dos princípios fundamentais imanentes ao ordenamento jurídico e formando as traves-mestras em que se alicerça a ordem económica e social”. Prosseguem os Acórdãos, defendendo que estão em causa “normas e princípios inderrogáveis pela vontade individual, constituindo, pois, um limite à autonomia privada. Normas e princípios que, porém, não se identificam com o conjunto de normas imperativas da mesma ordem jurídica: têm um âmbito mais restrito, como é entendido pacificamente, integrando uma cláusula geral adicional, formulada em termos suficientemente amplos e elásticos, por forma a abarcar situações não identificadas previamente. Dentro do conjunto de regras e princípios que integram a ordem pública, é habitual circunscrever-se "um núcleo menos compreensivo", que constitui a ordem pública internacional. A ordem pública interna (cfr. arts 280º, nº 2 e 281º do CC) e a ordem pública internacional fazem parte de um dado ordenamento jurídico: "são ambas nacionais de um determinado Estado"(Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, 434). Esta distingue-se daquela por ter um "conteúdo mais restrito (menos abrangente)", integrando "princípios estabelecidos para protecção de interesses ou valores considerados absolutamente fundamentais e inderrogáveis" (Sampaio Caramelo, A Impugnação da Sentença Arbitral, 2ª ed., 97)”.

António Sampaio Caramelo (A impugnação da Sentença Arbitral, 4.ª ed., Almedina, 2023, págs. 119/122), defende a este respeito que “o conjunto de princípios e regras que integram a ordem pública tem um âmbito bastante mais restrito do que o universo das normas positivas imperativas de uma ordem jurídica. O conjunto das normas legais imperativas e a ordem pública acha-se muito claramente feita nos n.ºs 1 e 2 do art. 280.º do nosso Código Civil.”

Por outro lado, salienta o mesmo autor, que “quando intervém em sede de controlo de anulação de uma sentença arbitral, esta cláusula de salvaguarda funciona como bitola (de valoração) segundo a qual se apura a legitimidade da sentença arbitral, exprimindo a sua reconhecibilidade ou tolerabilidade pelo sistema jurídico no quadro do qual foi proferida; se ela faltar, a sentença poderá ser anulada. Cuida-se então de verificar se a sentença arbitral preenche as condições elementares de justiça material que justificam que o Estado disponibilize o seu aparelho coercitivo para fazer impor o que na sentença se determina aos seus destinatários. Dentro do reduto normativo constituído pelas regras ou princípios da ordem pública de direito material, há que circunscrever - acompanhando a maioria da doutrina da especialidade - um núcleo menos compreensivo designado por "ordem pública internacional (de direito material)". Este conceito tem um conteúdo mais restrito (i.e., menos abrangente) do que a 'ordem pública interna', porque as necessidades do comércio internacional impõem que, quando o objeto do litígio tenha ligações com outras ordens jurídicas, o sistema jurídico do Estado da sede da arbitragem seja menos exigente na verificação da não contrariedade da sentença arbitral aos seus princípios basilares, do que seria perante uma situação puramente interna, só determinando a anulação de uma sentença proferida em arbitragem internacional quando ela afronte princípios estabelecidos para proteção de interesses ou valores considerados como absolutamente fundamentais e inderrogáveis”.

No mesmo sentido, José Robin de Andrade (in Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, coord. Dário Moura Vicente, 5.ª ed., Almedina, 2021, p. 187), defende a este respeito, que “não é a violação de qualquer princípio de ordem pública que pode ser invocado como fundamento do pedido de anulação, mas apenas do núcleo mais restrito daqueles princípios de ordem pública interna que sejam também princípios de ordem pública internacional.”

Nesta matéria, importa atender à clara intenção do legislador português de limitar o alcance do conceito de ordem pública previsto no artigo 46.º, n.º 3, al. b), ii) da LAV, nos termos acima expostos, restringindo tal conceito à ordem pública internacional. Ou seja, como se defende nos Acórdãos do STJ, de 1/10/2019 (Revista n.º 1254/17.9YRLSB.S1) e de 7/09/2020 (Revista n.º 1714/18.4YRLSB.S1), acima citados, nas “arbitragens internas, em que, por regra, é aplicado o direito português, o sentido da norma parece claro: restringir a intervenção do conceito de ordem pública como fundamento de anulação das sentenças arbitrais.”

O Recorrente alega que um dos princípios que integram a “ordem pública internacional do Estado Português” é o principio da proporcionalidade que foi violado no caso concreto dos autos, princípio que “remete para a ideia de correção de composições de interesses muito desequilibradas, feitas no exercício da liberdade contratual”, visando a aplicação deste princípio “evitar que a liberdade de conformação de um contrato em que, apesar de livremente celebrado, uma das partes teve papel predominante na conformação do seu conteúdo, venha a traduzir-se em vantagens excessivas (desmedidas) para essa parte, em detrimento da outra.”

No que concerne aos concretos princípios que integram a “ordem pública internacional do Estado Português”, nos termos e para os efeitos previstos na disposição legal em apreço, afirma-se no Acórdão de 1/10/2019 (Revista n.º 1254/17.9YRLSB.S1), acima citado, que podem distinguir-se os seguintes princípios:

i. “o princípio pacta sunt servanda;

ii. o princípio da boa-fé;

iii. a proibição do abuso do direito;

iv. o princípio da proporcionalidade;

v. a proibição das medidas discriminatórias ou espoliadoras;

vi. a protecção dos civilmente incapazes;

vii. a proibição das vinculações perpétuas;

viii. a proibição de indemnizações punitivas em matéria cível;

ix. as normas legais destinadas a proteger os contratantes mais fracos.

Nesta matéria, Sampaio Caramelo, na obra “Impugnação da sentença arbitral (4.ª ed., Almedina, 2023, págs. 136/139), que é amplamente citada e seguida nas alegações do Recorrente, afirma a este respeito que, para além das normas e princípios fundamentais de direito internacional, dos princípios fundamentais do direito europeu e dos princípios e normas constitucionais, “não podem deixar de fazer parte da ordem pública (internacional ou interna) do nosso ordenamento jurídico os princípios e regras que recebem essa caracterização nas ordens jurídicas francesa, suíça e alemã.”

Quanto à ordem jurídica francesa, realça o autor que “a jurisprudência tem considerado que fazem parte da 'ordem pública internacional' deste sistema jurídico princípios fundamentais como os da proibição da corrupção e do branqueamento de capitais, as medidas de sanção emanadas do Conselho de Segurança da ONU e do Conselho da União Europeia, a proibição do financiamento do terrorismo, as violações dos Direitos do Homem, a proibição de juros e penalidades compensatórias desproporcionadas, a interdição da fraude à lei, os princípios fundamentais do regime das empresas em dificuldade (e.g., aquele que impõe tratamento igualitário dos credores comuns), os respeitantes à proteção do ambiente, e bem assim as lois de police (e.g. as que integram o direito da concorrência, as visam proteger a parte contratual mais fraca, como o assalariado ou o consumidor).”

Quanto à jurisprudência suíça, afirma que o Tribunal Federal Suíço tem afirmado, “repetidamente, que integram a ordem pública deste ordenamento jurídico os princípios pacta sunt servanda (ou princípio da fidelidade ou lealdade contratual, Vertragstreue), a proibição do abuso de direito, o princípio da boa-fé, a proibição da discriminação e de medidas espoliadoras bem como a proteção dos civilmente incapazes”.

Por último, quanto à jurisprudência alemã, afirma que “no entender da doutrina e dos tribunais, princípios fundamentais como os de pacta sunt servanda, da boa fé e da proporcionalidade, fazem parte da respetiva ordem pública, (...) as regras e princípios dos direitos europeu e alemão visando a defesa da concorrência e a limitação da concentração de empresas, bem como as que estabeleçam controlos de exportações e de importações, a antiga legislação sobre o controlo de câmbios e a atual legislação sobre branqueamento de capitais.”

Também o Prof. Menezes Cordeiro (op. cit. págs. 454/455), defende que de entre os princípios que integram, no terreno, a ordem pública internacional-interna, se contam os princípios patrimoniais que “vedam condenações expropriativas ou desproporcionadas e enriquecimentos arbitrários: cláusulas penais excessivas, punitive damages, expropriações sem indemnização minimamente razoável, manutenção de quadros ruinosos e similares.”

Podemos, assim, concluir deste breve excurso doutrinário e jurisprudencial com o qual concordamos, que um dos princípios que integram a “ordem pública internacional do Estado Português”, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 46.º, n.º 3, al. b), ii) da LAV, é o princípio da proporcionalidade com o conteúdo indicado pelo Recorrente, no sentido de corrigir composições de interesses muito desequilibradas, feitas no exercício da liberdade contratual, de modo a evitar que a liberdade de conformação de um contrato venha a traduzir-se em vantagens excessivas (desmedidas) para uma parte, em detrimento da outra.

Importa, assim, apreciar se no caso concreto dos autos, houve violação do princípio da proporcionalidade nos termos invocados pelo Recorrente.

No entanto, estando em causa um princípio com um conteúdo tão amplo ou indeterminado, como se defende no Acórdão do STJ de 1/10/2019 (Revista n.o 1254/17.9YRLSB.S1), citando Sampaio Caramelo, a invocação desse princípio “terá de ser sujeita a acentuadas restrições, para que, por essa via, não se fomente, perniciosamente, a impugnação de sentenças arbitrais sem justificação bastante, por parte de quem, insatisfeito com a decisão dos árbitros, recorra a este meio processual para tentar obter a reapreciação pelos tribunais estaduais do litígio decidido pelos árbitros”.

Com efeito, a jurisprudência do STJ tem acentuado que no controlo que os tribunais estaduais exercem sobre o conteúdo da sentença arbitral, para aferir da eventual violação dos aludidos princípios, é vedada ao juiz a revisão do mérito dessa sentença.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 21/03/2023 (Revista n.º 2863/21.7YRLSB.S1), estando vedado ao tribunal “proceder à revisão do mérito do litígio decidido pela sentença arbitral: cabe-lhe apenas verificar se o resultado material (ou seja, os efeitos jurídicos criados pela decisão arbitral nas esferas jurídicas das partes) da decisão proferida pelo tribunal arbitral é contrário às regras e princípios jurídicos que constituem a ordem pública internacional do Estado português. É o conteúdo da sentença arbitral que é controlado, mas é em função do seu resultado que ela deverá ser sancionada. Embora todo o raciocínio do árbitro deva poder ser examinado pelo juiz, o controlo deste deve incidir, não sobre esse raciocínio, mas sobre a solução dada ao litígio. O controlo do juiz sobre a sentença do árbitro deve ser efectuado com o preciso fim de apurar se a situação criada pela sentença arbitral ofendeu, concreta e gravemente, os objectivos prosseguidos pelas regras e princípios de ordem pública aplicáveis ao caso.”

Em idêntico sentido, vejam-se os Acórdãos do STJ, de 1/10/2019 (Revista n.º 1254/17.9YRLSB.S1) e de 26/09/2017 (Revista n.º 1008/14.4YRLSB.L1.S1), ambos acima citados.

Esta posição segue o entendimento que tem vindo a ser defendido por Sampaio Caramelo e amplamente referido nas alegações do Recorrente, e com o qual concordamos.

Como é defendido pelo referido autor, importa começar por realçar que “para poder decidir se a sentença arbitral impugnada deve ser anulada, o tribunal estadual competente tem de reexaminar o mérito do caso decidido por tal sentença” (op. cit., p. 179), o que sucede em especial quando a impugnação é baseada na violação da ordem pública como sucede no caso em apreço, caso em que o “reexame do conteúdo substantivo da decisão dos árbitros é imprescindível, implicando isso a reapreciação do mérito dessa decisão” (op. cit., pág. 180).

Para o referido autor, o que tem merecido acolhimento pela jurisprudência do STJ nos termos acima expostos, “é muito mais correto afirmar que ao tribunal estadual é vedado proceder à revisão do mérito decidido pela sentença arbitral” (op. cit., pág. 184). O autor concretiza que “quando decide sobre um pedido de anulação, o tribunal estadual de controlo não raciocina sobre o 'litígio primário (...) e não exprime a sua opinião sobre o modo como que esse litígio foi decidido, quanto aos factos ou ao direito, pelo tribunal arbitral” (op. cit. pág. 185). Esse “litígio primário” consiste para o autor citado no objeto da apreciação do tribunal de recurso quando decide um recurso de apelação, em que esse tribunal “tem o dever (intelectual) de julgar novamente o litígio, em ordem a verificar se chega ao mesmo resultado que foi atingido pela decisão recorrida. Por outras palavras, o tribunal de recurso deve efetuar as mesmas operações intelectuais que deveria ter realizado se houvesse sido o primeiro julgador do litígio submetido ao tribunal inferior” (op. cit., págs. 184 /185).

Já no âmbito da impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual, “em vez de verificar se o tribunal arbitral estava certo ou errado relativamente aos factos considerados como provados ou à lei aplicada (pois tal verificação pertence ao 'litigio primário', como acima se referiu), o tribunal estadual de controlo verifica se a sentença arbitral, atendendo à sua forma, ao processo através do qual foi proferida e ao resultado produzido, preenche as condições de regularidade e de validade que justificam que o Estado disponibilize os seus meios coercivos para fazer executar aquilo que os árbitros decidiram. É a verificação da existência destas condições que constitui o que alguns autores designam por litígio secundário e que é o exclusivo objeto da análise do tribunal estadual de controlo” (op. cit., p. 186).

Sendo certo que “o que importa averiguar é se a solução que os árbitros adotaram quanto ao fundo da questão colide, ou não, com a ordem pública. A 'parte dispositiva' da sentença arbitral raramente consagra uma solução contrária à ordem pública, sendo geralmente 'neutra' em relação a esta. Portanto, só o exame dos motivos da decisão arbitral e dos dados do caso permite concluir se decisão constante da parte dispositiva da sentença ofende ou não a ordem pública” (op. cit. págs. 190 /191).

Em suma, “o controlo do juiz sobre a sentença do árbitro deve ser efetuado com o preciso fim de apurar se a situação criada pela sentença arbitral ofendeu, concreta e gravemente, os objetivos prosseguidos pelas regras e princípios de ordem pública aplicáveis ao caso. É o resultado concreto consagrado pela sentença que deve ofender real e materialmente os objetivos prosseguidos pela regra de ordem pública aplicável. Além disso, em homenagem ao 'princípio da atualidade da ordem pública', essa ofensa deve existir no momento em que se exerce o controlo do juiz.

Para esse efeito, o juiz deve, confrontando a solução acolhida pelo árbitro com a que ele teria adotado, examinar os efeitos decorrentes da aplicação das regras ou princípios de ordem pública ao caso em apreço. Só se justifica a anulação da sentença arbitral, se a situação criada por esta colidir com os fins prosseguidos por aquelas regras ou princípios.

Todo o conteúdo da sentença arbitral deve ser examinado, mas é em função do seu resultado que ela deverá ser sancionada. Embora todo o raciocínio do árbitro deva poder ser examinado pelo juiz, o controlo deste deve incidir, não sobre esse raciocínio, mas sobre a solução dada ao litígio” (op. cit., págs. 193 e 194).

No sentido de a determinação sobre a eventual ofensa da ordem pública internacional implicar um controlo sobre o sentido da decisão arbitral, veja-se também José Robin de Andrade (in Lei da Arbitragem Voluntária Anotada, coord. Dário Moura Vicente, 5.ª ed., Almedina 2021, p. 187), que refere que “a ofensa aos princípios não é o mesmo que o simples erro na interpretação e aplicação dos mesmos: é algo mais grave, é a sua grosseira desconsideração ou a sua abusiva distorção. Essa apreciação terá por isso de se resumir a uma avaliação prima facie da sentença e do processo, e de se limitar a casos de aparente ou manifesta contradição com os princípios dessa ordem pública internacional do Estado Português. A determinação sobre a eventual ofensa da ordem pública internacional, implica algum controlo sobre o sentido da decisão arbitral, mas apenas na medida estritamente necessária para avaliar se tal contradição se verifica.

Voltando ao caso concreto dos autos, o Recorrente alega que o tribunal arbitral condenou o demandante a pagar à demandada, a título de indemnização por resolução indevida do contrato de trabalho desportivo celebrado entre as partes, de acordo com a equidade, a quantia de €16 500 000,00.

Alega o Recorrente que o Tribunal Arbitral começou por concluir que lhe estava vedado aplicar neste litígio a cláusula 11 do contrato celebrado entre as partes, por ser inválida, em virtude de violar o disposto n.º 1 do artigo 24.º da Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo, disposição considerada como imperativa. Pois um pedido de danos de valor mais elevado do que o valor das retribuições que seriam devidas ao praticante até ao termo do contrato, teria de assentar em efetiva prova de danos de montante mais elevado do que aquele valor, sendo inválida a cláusula penal que pretendesse dispensar aquela prova fixando a quantia a pagar em tal eventualidade. Mas, segundo o recorrente, o Tribunal Arbitral, em vez de negar provimento ao pedido reconvencional da Requerida formulado com base em cláusula contratual declarada inválida, “permitiu-se operar uma espécie de transfiguração mística (ou mágica) daquele pedido, noutro pedido assente em suposta disposição contratual que combinasse a previsão da cláusula 11 (mas não a respetiva estatuição) do Contrato com a estatuição da sua cláusula 8 (mas não a sua previsão).”

Afirma o Recorrente que para poder decidir se a sentença arbitral impugnada deve ser anulada, o tribunal estadual competente tem de examinar o mérito do caso decidido por tal sentença. Como fundamento dessa conclusão, o Recorrente expõe nas suas alegações de recurso a argumentação exposta por Sampaio Caramelo na obra “Impugnação da sentença arbitral” (4.ª ed., Almedina, 2023), nos termos acima expostos, concluindo que na análise a efetuar pelo Tribunal estadual, não relevam os erros de facto ou de direito que a sentença arbitral possa conter, na sua fundamentação ou na parte dispositiva, devendo aquele tribunal apenas verificar se o concreto resultado material por essa sentença produzido ofende o inderrogável reduto axiológico normativo formado pela ‘ordem pública’ (que, no âmbito da LAV, é a ‘ordem pública internacional’).

Sobre o caso dos presentes autos, afirma o Recorrente que o concreto resultado material produzido pela sentença arbitral que o condenou, é claramente ofensivo do ‘princípio da proporcionalidade. Argumenta para o efeito que “a fixação e aplicação, em concreto, das “cláusulas de rescisão”, com grande frequência incluídas nos contratos de trabalho dos jogadores de futebol, implica uma cuidada e atenta ponderação dos contrapostos interesses do clube e do jogador, o que significa que, na determinação em concreto do montante da cláusula de rescisão que deve ser paga ao clube que veja um seu jogador desvincular-se unilateralmente e ante tempus, há que observar, plenamente, o ‘princípio da proporcionalidade’. O que implica que tal montante corresponda ao estritamente o necessário para ressarcir o clube dos prejuízos financeiros e desportivos que tal desvinculação lhe acarrete, sem que, por outro lado, cause ao jogador em causa uma incomportável opressão, sob ponto de vista financeiro, e uma barreira asfixiante, sob o ponto de vista da sua realização pessoal.”

Conclui que o montante que resultou da redução, efetuado pelo Tribunal Arbitral, da multa penitencial, constante da cláusula 8, b), do Contrato ou da cláusula penal, contida na cláusula 11, 2.ª parte do mesmo, “continua a ser uma “enormidade” que ofende clamorosamente o princípio da proporcionalidade que integra a ordem pública internacional do Estado português. Pois a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, mesmo após haver efetuado uma redução do valor incluído na dita cláusula prevista no Contrato, condenou o Requerente num valor que ele demoraria 275 anos a pagar, atendendo à remuneração global ilíquida (€ 60.000,00) estipulada no Contrato referente à época de 2017/2018 – época da cessação do Contrato de Trabalho Desportivo. Não tendo sido equitativa a redução da pena ou multa estipulada no Contrato, que o Tribunal Arbitral efetuou, a sentença por este proferida acabou por gerar um resultado intolerável. Para o efeito da redução equitativa que o Tribunal Arbitral devia efetuar (mas não fez, na necessária medida), não pode também deixar de se ter em consideração o facto de esse Tribunal ter considerado que a Requerida efetivamente incumpriu o contrato, violando normas de segurança dos seus jogadores (incluindo o Requente), a que estava adstrita, e incorrendo em grave prática de assédio moral contra o Requerente.”

Ora, embora concordemos com a alegação do Recorrente acerca do reexame que necessariamente deve ser realizado quanto ao conteúdo da sentença arbitral para se concluir, em função do resultado dessa decisão, ou seja, da solução dada ao litígio, se houve ou não ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado português, adotando-se a posição defendida por Sampaio Caramelo e acolhida na jurisprudência do STJ nos termos acima expostos, discordamos da aplicação que o Recorrente fez desses critérios à situação concreta dos autos.

Com efeito, em primeiro lugar, como acima foi dito, o reexame necessário da decisão arbitral não se pode confundir com a revisão do mérito dessa sentença, pelo que não cabe a este Tribunal sindicar se houve ou não erro de julgamento na apreciação que o tribunal arbitral fez da invalidade da cláusula 11 do contrato celebrado entre as partes em relação ao disposto n.º 1 do artigo 24.º da Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo, e na interpretação do disposto nessa cláusula 11 com o disposto na cláusula 8.

Importa aqui considerar que a solução final ao litígio dada pelo tribunal arbitral foi a de condenar o aqui Recorrente a pagar à Recorrida, a título de indemnização por resolução indevida do contrato de trabalho desportivo, de acordo com a equidade, a quantia de €16 500 000,00 (dezasseis milhões e quinhentos mil euros).

Reexaminada a fundamentação da decisão arbitral, verificamos que o montante dessa indemnização resultou da redução equitativa pelo tribunal do montante da cláusula de rescisão prevista no contrato celebrado entre as partes que ascendia ao valor de €45 000 000,00.

Alega o Recorrente que mesmo depois de operada a referida redução, “continua a ser uma “enormidade” que ofende clamorosamente o princípio da proporcionalidade que integra a ordem pública internacional do Estado português. Pois a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, mesmo após haver efetuado uma redução do valor incluído na dita cláusula prevista no Contrato, condenou o Requerente num valor que ele demoraria 275 anos a pagar, atendendo à remuneração global ilíquida (€ 60.000,00) estipulada no Contrato referente à época de 2017/2018 – época da cessação do Contrato de Trabalho Desportivo.”

Ora, importa verificar todo o conteúdo da sentença arbitral para compreender se o montante dessa indemnização é ou não desproporcional face aos danos efetivamente causados à Recorrida pela conduta do Recorrente, salientando-se uma vez mais que não pode este Tribunal sindicar se houve ou não justa causa de resolução do contrato de trabalho desportivo por parte do Recorrente. Assim, na apreciação agora levada a cabo por este Tribunal, está assente que a indemnização é devida pela resolução indevida do contrato de trabalho desportivo, tal como se concluiu na decisão arbitral.

Alega o Recorrente que “não pode também deixar de se ter em consideração o facto de esse Tribunal ter considerado que a Requerida efetivamente incumpriu o contrato, violando normas de segurança dos seus jogadores (incluindo o Requente), a que estava adstrita, e incorrendo em grave prática de assédio moral contra o Requerente.”

Se é verdade que o Tribunal Arbitral considerou estar verificada uma situação de assédio moral praticado pela aqui Recorrida contra o Recorrente, o que consubstanciou um incumprimento do contrato de trabalho desportivo celebrado entre as partes, também é certo que essa conduta ilícita motivou a condenação da Recorrida no pagamento de uma indemnização ao Recorrente. A relevância dessa conduta ilícita consubstanciada no assédio moral na eventual justa causa de resolução contratual diz respeito ao mérito da decisão arbitral que não compete a este tribunal sindicar. Ou seja, foi considerado pelo Tribunal Arbitral que esse incumprimento contratual consubstanciado no assédio moral praticado contra o Recorrente não justifica a extinção do contrato pelo aqui Recorrente por resolução por justa causa. Trata-se do chamado “litígio primário”, a que acima aludimos e que não pode integrar o objeto de apreciação deste recurso.

Assim, na consideração da alegada desproporção entre o montante da indemnização a que o Recorrente foi condenado com o efetivo montante dos danos sofridos pela Recorrida, não pode ser tomado em consideração o incumprimento contratual decorrente do assédio moral praticado contra o Recorrente e os danos daí resultantes para este último, pois o ressarcimento destes danos foi objeto de outra indemnização cujo montante não se encontra sequer em causa na presente ação.

Começou por considerar o Tribunal Arbitral que “o Autor, à data dos factos (junho de 2018) era um atleta jovem e promissor, relativamente ao qual a Ré perspetivou uma valorização económica e desportiva exponencial, A Ré investiu elevadas quantias na formação do Autor enquanto futebolista profissional e o Autor era claramente encarado como um potencial contributo financeiro para equilibrar as contas da Ré. Há muito que a Ré tem como estratégia financeira a formação de jogadores e a sua posterior venda por quantias significativas. No entanto, certo é também que a política da ré era fixar cláusula de rescisão por posição no campo do atleta em causa. Apesar de ser política da Ré a fixação de cláusulas de rescisão no valor € 60.000.000,00 (sessenta milhões de euros) para jogadores que atuem na mesma posição do Autor (avançados), as partes negociaram e acordaram na fixação da cláusula de rescisão do Autor em € 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de euros). No caso concreto, o AA tinha ainda 4 épocas de contrata para cumprir. No entanto ao atleta auferia apenas a quantia ilíquida de € 5.000,00 (cinco mil euros) mensais, valor esse que atingiria € 6,667,00 na última época. E diz-se apenas quando comparado com o valor estipulado da cláusula de rescisão (€ 45,000.000,00). Ora, o valor inscrito numa cláusula de rescisão de € 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões] inserida num contrato de um atleta que prevê o vencimento de cerca de € 5.000,00 euros mensais ilíquidos, atleta esse que, apesar de ser uma promessa, apenas na época desportiva - 2017/2018 - passou a integrar o plantel da equipa principal da demandada, não pode deixar de ser considerado como manifestamente excessivo. Na verdade, ao estabelecer-se a possibilidade de um atleta que aufere cerca de € 5.000,00 ilíquidos mensais poder fazer cessar unilateralmente e sem justa causa o contrato mediante o pagamento de € 45.000,000,00 está-se a blindar o contrato, criando uma situação de "encarceramento contratual", com efeitos negativos na liberdade de trabalho e de exercício da profissão.”

O Tribunal arbitral concluiu, assim, pela necessidade de reduzir equitativamente o montante dessa indemnização e na fixação do valor concreto que foi objeto da condenação do aqui Recorrente, considerou que “conforme ficou provado, o valor de mercado do Autor, à data da rescisão contratual por si promovida, situava-se, pelo menos, entre os € 15.000.000,00 (quinze milhões de euros) e os € 18,000.000,00 (dezoito milhões de euros). (...) Assim, era este o valor que o Sporting poderia ter como expectativa de receber à data da cessação do contrato de trabalho, operado pelo atleta. É verdade que este valor poderia ser muito distinto caso o contrato terminasse apenas no final da época 2021/2020. Tal valor poderia ser mais elevado, no caso de o atleta ter um rendimento desportivo que justificasse esse aumento; mas também poderia ser um valor muito menor, basta pensar na hipótese de o atleta ter uma lesão grave. (...)

O valor situado entre 15 a 18 milhões de euros também se afigura razoável à luz da liberdade de trabalho e da livre escolha e exercício da profissão, desde logo porque sendo um valor que o mercado estava disposto a atribuir naquele momento, o mesmo não se torna um obstáculo à desvinculação do atleta, possibilitando-o de poder a passar a exercer a respetiva atividade profissional ao serviço de outra entidade empregadora desportiva.”

Como se afirma no Acórdão do STJ, de 10/11/2020 (Revista n.º 2004/08.6TVLSB.L2.S1), “o princípio da proporcionalidade - que mais não representa que uma manifestação particular do princípio da justiça - significa que, até onde isso seja compatível com a prossecução dos interesses em jogo, se deve procurar provocar a menor lesão que for possível às pessoas envolvidas. Para isso terá que se usar como critério de decisão a adequação (a solução adotada deve ser a idónea ou apropriada à finalidade tida em vista), a necessidade (com a consequente proibição do excesso) e o equilíbrio (deve haver uma ponderação sobre os benefícios ou vantagens para o interessado e os custos ou prejuízos impostos pela medida a adotar).”

Nas palavras do próprio Recorrente, o princípio da proporcionalidade visa “evitar que a liberdade de conformação de um contrato em que, apesar de livremente celebrado, uma das partes teve papel predominante na conformação do seu conteúdo, venha a traduzir-se em vantagens excessivas (desmedidas) para essa parte, em detrimento da outra”.

Não vislumbramos que o referido princípio da proporcionalidade tenha sido violado pelo resultado da decisão arbitral, não existindo vantagens excessivas para a aqui Recorrida, nem um sacrifício desmesurado para o aqui Recorrente. De salientar que o valor de €16 500 000,00 fixado pelo Tribunal Arbitral se situa entre o intervalo de €15 000 000,00 (quinze milhões de euros) e €18 000 000,00 (dezoito milhões de euros), que corresponde ao valor de mercado do Recorrente, à data da rescisão contratual por si promovida, pelo que a indemnização fixada corresponde ao valor que a Recorrida poderia ter como expectativa de receber à data da cessação do contrato de trabalho, operado pelo atleta, caso este se transferisse para outro clube nacional ou estrangeiro. Sendo certo que o atleta efetivamente se transferiu para outro clube, no caso, o clube de futebol ... L..., não tendo a recorrida auferido qualquer parte daquele valor de mercado. É esse o valor do dano sofrido pela Recorrida a título de lucros cessantes, tanto mais que resultou provado na decisão arbitral que o Autor, aqui Recorrente, era e continua a ser um dos jogadores mais valiosos e prometedores da sua geração, tendo a Requerida investido elevadas quantias na formação do Autor enquanto futebolista profissional. Além que o Requerente era claramente encarado como um potencial contributo financeiro para equilibrar as contas da Requerida e há muito que esta tem como estratégia financeira a formação de jogadores e a sua posterior venda por quantias significativas.

Por outro lado, a consideração que o Recorrente faz da enorme desproporção entre o valor da indemnização fixado (16,5 milhões de euros) e o montante da remuneração global ilíquida, no valor de €60 000,00, estipulada no Contrato referente à época de 2017/2018, pelo que demoraria 275 anos a pagar aquele primeiro valor, não toma em consideração que o elevado valor de mercado do Recorrente, na data da rescisão do contrato, potenciou, como efetivamente se veio a verificar, a possibilidade de celebração de um contrato de trabalho desportivo com valores remuneratórios muito superiores ao que auferia no clube de futebol Sporting. Com efeito, resultou provado que o Requerente, aqui Recorrente, celebrou para vigorar logo na época seguinte (2018/2019) um novo contrato de trabalho desportivo com o L... no qual constou “um prémio de assinatura para o jogador, no valor de €1.500.000,000 (um milhão e quinhentos mil euros), além que foi acordado que o Autor auferiria, na sua primeira época (com aumentos anuais), uma remuneração ilíquida de €100.000,00 (cem mil euros) mensais, a cujo valor acrescem prémios em função dos resultados da equipa e do desempenho do jogador, não se prevendo nesse contrato qualquer cláusula de rescisão.

Mais se provou que em agosto de 2019, o Autor foi transferido para o A..., o qual notoriamente é uma das principais equipas de futebol de ... e da ..., tendo assinado um novo contrato de trabalho desportivo com esse clube a vigorar por 5 épocas desportivas.

Em suma, correspondendo o valor da indemnização fixada pelo tribunal arbitral ao valor resultante da redução equitativa do valor da cláusula de rescisão acordada entre as partes para um valor equivalente aos danos sofridos pela Recorrida com a resolução ilícita pelo Recorrente do contrato de trabalho desportivo celebrado entre as partes, cremos não ter sido ofendido o princípio da proporcionalidade enquanto princípio da ordem pública internacional do Estado Português.

Improcede, assim, nesta parte, o recurso de revista.

2.2. Eventual necessidade de ampliação da matéria de facto que constitua base suficiente para a decisão de direito quanto à apreciação do fundamento de impugnação da decisão arbitral consistente na falta de imparcialidade e independência do árbitro indicado pela Recorrida

Alega o Recorrente que, caso não proceda o fundamento de recurso previamente apreciado, deverá ser ordenada a baixa do processo ao Tribunal da Relação para que este amplie a matéria de facto que, “de modo muito deficiente e incorreto”, selecionou para decisão, por tal se afigurar necessário para constituir base suficiente para a correta decisão de direito quanto à apreciação do fundamento de impugnação da decisão arbitral consistente na falta de imparcialidade e independência do árbitro indicado pela Sporting SAD.

Como fundamento dessa pretensão, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:

7) Os factos que o Tribunal a quo considerou como provados no acórdão que proferiu, foram unicamente os que constavam da sentença arbitral, omitindo esse Tribunal, na factualidade elencada para efeito da decisão a proferir, quase tudo o se passou no processo arbitral, desde a notificação às partes da sentença arbitral até ao encerramento do processo

8) Omitiu, portanto, o Tribunal a quo, na factualidade elencada para efeito da decisão a proferir, nomeadamente, os seguintes factos que haviam sido alegados e provados documentalmente pelo Recorrente, ora Recorrente, na ação de anulação proposta perante aquele tribunal:

a) Em ....04.2020 ‒ depois da notificação da sentença arbitral principal, mas ainda com o processo arbitral a decorrer ‒ o Requerente, submeteu ao Tribunal Arbitral requerimento em que pediu esclarecimentos ao árbitro BB, como veio a alegar no art. 59.o da Petição da ação de anulação, juntando cópia de tal pedido como Doc.14 anexo a tal Petição

Nesse contexto, o Requerente solicitou ao Dr. BB que esclarecesse, designadamente, o seguinte: (i) em que datas foi indicado como árbitro pela Sporting SAD no âmbito dos processos no TAD com os números 49/2018, 51/2018 e 64/2018, com o mesmo objeto que o processo que opôs AA à Sporting SAD; (ii) em que datas aceitou desempenhar as funções de árbitro nos processo referidos em (i); e (iii) se é ou foi mandatário do Dr. CC, da H..., S.A.. ou de alguma outra empresa em que o Dr. CC tenha ou tenha tido participação (direta ou indireta) ou seja/fosse membro de órgão social ou funcionário, em outros processos, para além do processo identificado na Declaração de Independência e Imparcialidade, que correram termos ou estão ainda em curso nos seis anos anteriores.

b) Em ....06.2020, o Requerente, deduziu incidente de recusa contra o árbitro designado pela Sporting SAD, Dr. BB, como alegou nos arts. 60.º e 61º da Petição da ação de anulação, constituindo a cópia desse incidente o Doc. 7 anexo a tal Petição

O incidente de recusa teve como fundamento a circunstância de o Dr. BB não ter revelado na sua Declaração de Independência e Imparcialidade informações que suscitam fundadas dúvidas aos olhos do Requerente (ora Recorrente) e de um terceiro razoável, sobre a imparcialidade e independência do Dr. BB: por um lado, a circunstância de ter sido designado pela Sporting SAD como árbitro noutros processos pendentes no TAD com o mesmo objeto que o processo que opôs AA à Sporting SAD; por outro lado, a circunstância de ser um dos advogados de referência do Dr. CC, frequentemente assessorando e representando quer o próprio, quer as suas empresas.

c) Em ....06.2020, o árbitro Dr. BB veio ao processo arbitral prestar alguns dos esclarecimentos pedidos pelo Requente, como se alegou no arts. 62.º a 68.º da Petição da ação arbitral, tendo a cópia desses esclarecimentos sido junta como Doc. 15 anexo a tal Petição

Nesse contexto, o Dr. BB reconheceu, por um lado, ter sido indicado como árbitro pela Sporting SAD nos processos 49/2018, 51/2018 e 64/2018 e indicou as datas em que foi notificado das nomeações e as datas em que aceitou as nomeações (donde é possível inferir que quando apresentou a respetiva Declaração de Independência e Imparcialidade já havia sido nomeado pela Sporting SAD nos processos 49/2018 e 51/2018 e, inclusivamente, já tinha aceitado a nomeação no processo 51/2018) e reconheceu, por outro lado, que é desde ....11.2017 mandatário da sociedade M..., S.A., numa arbitragem em ..., confirmando a ligação desta sociedade ao Dr. CC.

d) Em ....06.2020, o árbitro Dr. BB pronunciou-se no processo arbitral sobre o incidente de recusa deduzido pelo Requerente, pugnando pelo seu indeferimento, como alegou no art. 78.º da Petição da ação de anulação e provou através do Doc. 20 anexo a tal Petição.

No contexto desta pronúncia, o Dr. BB alegou, em suma, que na sua Declaração de Independência e Imparcialidade indicou ter sido nomeado noutras arbitragens no TAD em que era parte a Sporting SAD e, além disso, que não é nem foi mandatário do Dr. CC, da H..., S.A., ou de alguma empresa em que o Dr. CC tenha ou tenha tido participação.

e) Em ....06.2020, o Requerente, ora Recorrente, complementou o incidente de recusa do referido árbitro, que havia deduzido em ....06.2020, com base em informações entretanto reveladas pelo Dr. BB no requerimento descrito em c), ou seja, que o Dr. BB foi nomeado pela Sporting SAD em outros processos com objeto idêntico ao que opôs AA e a Sporting SAD e que o Dr. BB representa a sociedade M..., S.A., que pertence à família do Dr. CC, numa arbitragem em ..., como alegou nos arts. 29.º e 80.º da Petição da ação de anulação e provou pelo Doc. 10 anexo a essa Petição.

f) Em ....07.2020, o Presidente do Tribunal Arbitral do Desporto proferiu despacho, como se alegou no arts. 30.º e 85.º e se provou através do Doc. 11 anexo à Petição da ação de anulação.

Neste despacho, o Presidente do TAD sustentou a não verificação de circunstâncias que colocassem em causa a independência e imparcialidade do Dr. BB, relevando, para esse efeito, por reputar como “decisiva”, a avaliação da conduta do árbitro no processo, tendo em consideração o exposto pelo árbitro Presidente do colégio arbitral e pelo árbitro indicado por AA, os quais não confirmaram a existência de qualquer circunstância suscetível de ser considerada índice de dependência ou falta de imparcialidade.

g) Em ....07.2020, o Tribunal Arbitral proferiu a sentença adicional que lhe fora pedido pela Requerida, ora Recorrida, condenando AA a pagar à Sporting SAD, a título de indemnização pela cessação ilícita do contrato de trabalho, a quantia indicada no acórdão arbitral, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal desde a citação, como se alegou no art. 31.º, tendo a cópia dessa sentença sido junta como Doc. 3 anexo à Petição da ação de anulação.

9) Ora, ao ler-se o acórdão recorrido, constata-se que a grande maioria dos factos acima mencionados foram aí omitidos pelo Tribunal a quo.

10) Esse Tribunal deveria não só ter incluído os referidos factos no elenco epigrafado de “Factos”, inscrito no acórdão recorrido, mas também deveria dar como adquiridos para a decisão da ação de anulação proposta pelo Requerente, aqueles de entre esses factos que tivessem ficado suficientemente provados por documentos ou por haverem sido admitidos pelas pessoas visadas.

11) Relativamente às alegações produzidas pelo Requerente no processo arbitral, particularmente, no incidente de recusa de árbitro aí deduzido, posteriormente desenvolvidas nos arts. 39.º a 162.º da ação de anulação proposta pelo Requerente, que não pudessem dar-se como provadas, o Tribunal a quo deveria ter permitido que sobre elas se pudesse produzir a prova cuja produção que o Requerente, ora Recorrente, ofereceu no final da Petição da ação de anulação.

12) Ao delimitar a factualidade controvertida na ação de anulação, da maneira tão deficiente e truncada como ficou vertida no acórdão recorrido, esse Tribunal não deu correto cumprimento ao preceituado no art. 607.º, n.º 4, do CPC.

13) No acórdão recorrido, o Tribunal a quo reconheceu que a alegação da falta de independência e de imparcialidade do árbitro designado pela Requerida, que o Requerente explanou na ação de anulação, já fora por este feita no incidente de recusa daquele árbitro que o Requerente deduzira em anterior momento em que o processo arbitral ainda decorria, donde se segue que não considerou que a dita alegação tivesse sido feita fora de tempo pelo Requerente, num ou noutro daqueles momentos.

14) Mas o Tribunal a quo considerou que a questão da alegada falta de independência e de imparcialidade árbitro designado pela Sporting SAD, “foi definitivamente decidida pelo órgão competente” ‒ o presidente do TAD, segundo o mesmo acórdão ‒ concluindo daí que tal questão, enquanto estribada nos mesmos factos, não poderia ser depois invocada como fundamento de pedido de anulação da sentença arbitral.

15) Com isso, o Tribunal a quo cometeu um erro de direito de enorme gravidade, violando frontalmente o disposto no art. 46.º, n.º 3, a) iv) da LAV, que não faz qualquer distinção atinente à circunstância de a falta de independência de imparcialidade do árbitro em causa já ter sido suscitada, com base nos mesmos factos, durante o processo arbitral antecedente.

16) Devendo o Tribunal a quo ter observado fielmente o disposto na al. a) iv) do n.º 3 do art. 46.º da LAV, deveria também ter reconhecido que a apontada irregularidade na designação de um membro do Tribunal Arbitral que proferiu a sentença impugnada teve necessariamente “influência decisiva na resolução do litígio” vertida nessa sentença.

17) A “restrição” que nas págs. 103 e 105 no acórdão recorrido se tentou fazer, e referida na Conclusão 14) supra, sem se explicar com que base e em homenagem a que superiores valores ou princípios se fez tal restrição, não passa de uma flagrante violação da lei do art. 46.º, n.º 3, a) iv) da LAV, sendo de notar que

18) Aos tribunais estaduais não compete fazer ou alterar leis e, no exercício da sua função jurisdicional, devem obedecer à lei (art. 203.º da Constituição da República Portuguesa e art. 8.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

19) A exigência de independência e de imparcialidade dos árbitros é uma decorrência do ‘direito a processo equitativo’ estabelecido no art. 20.º, n.º 4, da Constituição, exigência que vale também para a arbitragem voluntária, porque esta representa constitucionalmente um modo de exercício do direito de acesso aos tribunais consagrado na CRP, e que

20) A exigência da independência e de imparcialidade do julgador constitui, ademais, um elemento essencial do ‘direito a um processo equitativo’ consignado no Artigo 6 (1) da Convenção Europeia do Direitos de Homem, que os tribunais portugueses estão obrigados a cumprir e fazer cumprir (art. 8.º, n.º 2, da Constituição da República).

21) Não é, de todo, concebível que os Estados possam aceitar “validar cegamente” os desfechos das arbitragens realizadas nos seus territórios, quaisquer que estes fossem e qualquer que fosse a forma por que foram atingidos.

22) Por isso, todas a leis de arbitragem preveem um controlo de anulação das sentenças arbitrais por parte dos tribunais estaduais, traduzido na possibilidade de impugnação dessas sentenças tendente à sua anulação com os fundamentos legalmente previstos, em ordem a assegurar-se que nas arbitragens sediadas nos respetivos países são respeitados os princípios e valores fundamentais dessas ordens jurídicas.

23) As opiniões publicadas dos três comentadores citados no acórdão recorrido não suportam minimamente ilegal entendimento adotado pelo Tribunal a quo ‒ antes depõem no sentido precisamente oposto ‒, para desconsiderar quase toda a factualidade alegada pelo Requerente, que em grande medida ficou provada nos autos.

24) Merece total rejeição a ideia ínsita no acórdão recorrido, de que a questão da apontada falta de independência e de imparcialidade do árbitro designado pela Requerida foi, completa e definitivamente, “resolvida” pela decisão proferida pelo Presidente do TAD proferiu sobre o assunto, porquanto

25) Este é um mero órgão administrativo que nessa estrita perspetiva superintende nas arbitragens realizadas no âmbito do TAD, do mesmo modo que o fazem os presidentes dos centros de arbitragem nacionais e estrangeiros.

26) A natureza puramente administrativa das funções exercidas pelo Presidente do TAD não é prejudicada pelo facto de a Lei que criou o TAD e definiu o seu estatuto, ter disposto no seu art. 26.º, n.º 3, que a decisão do presidente do TAD sobre uma recusa deduzida contra um árbitro “é insuscetível de recurso”, porque isso não implica esta decisão administrativa, tomada no decurso da arbitragem, não possa ser reapreciada e contrariada pelos tribunais estaduais competentes, em sede em ação de anulação da sentença arbitral proferida.

27) O Tribunal a quo errou gravemente, ao pronunciar-se como fez sobre a apontada falta de independência e de imparcialidade do árbitro designado pela Requerida e, em grande medida por essa razão, delimitou a matéria de facto relevante para decisão de maneira tão truncada e deficiente, que não permitirá ao Supremo Tribunal de Justiça, se entender dar provimento ao presente recurso, com este fundamento, proferir uma decisão substitutiva deste segmento decisório do acórdão recorrido,

28) Por essa razão, deverá o Supremo Tribunal de Justiça cassar tal decisão, ao abrigo do disposto nos arts. 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1 e (se for caso disso) n.º 2, do CPC, reenviando o processo para o Tribunal a quo, a fim de que este amplie a matéria de facto que selecionou para decisão, por isso se afigurar como indispensável para constituir base suficiente de uma correta decisão sobre a questão submetida, como o Recorrente atrás pediu e aqui respeitosamente reitera.”

Compulsado o teor da fundamentação do Acórdão recorrido, facilmente constatamos que o Tribunal da Relação omitiu no Acórdão recorrido a factualidade acima indicada na conclusão n.º 8, alegada pelo aqui Recorrente na petição inicial que deu origem à presente ação, por ter considerado tal factualidade irrelevante para a decisão da causa.

Em primeiro lugar, antes de apreciar se houve erro de julgamento no Acórdão recorrido quanto à irrelevância da matéria de facto alegada pelo Recorrente na sua petição inicial e acima indicada, importa considerar que, em abstrato, nada impede o Tribunal da Relação de considerar que a factualidade em causa é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de a considerar, não sendo necessária a produção de prova sobre a mesma, por se tratar de ato inútil. Nesse sentido tem decidido a jurisprudência do STJ de que é exemplo o Acórdão de 30/06/2020 (Revista n.º 4420/18.6T8GMR-B.G2.S1) em cujo sumário se pode ler que “Não viola o dever de reapreciação da matéria de facto a decisão do Tribunal da Relação que não conheceu a matéria fáctica que o Apelante pretendia que fosse aditada ao factualismo provado (factos complementares e concretizadores de factos essenciais) tendo subjacente a sua irrelevância para o conhecimento do mérito da causa (por a mesma, por si só, na ausência de demonstração de factualidade essencial para o efeito, não poder alterar o sentido da decisão, ou seja, afastar a qualificação da insolvência como culposa)”.

Conforme também foi decidido no Acórdão do STJ, de 14/03/2019 (Revista n.º 8765/16.1T8LSB.L1.S2): “se os factos cujo julgamento é impugnado não forem susceptíveis de influenciar decisivamente a decisão da causa, segundo as diferentes soluções plausíveis de direito que a mesma comporte, é inútil e contrário aos princípios da economia e da celeridade a reponderação pela Relação da decisão proferida pela 1.a instância.”

No mesmo sentido pronunciaram-se os Acórdãos do STJ, de 28/01/2020 (Revista n.º 287/11.3TYVNG-G.P1.S1), de 5/02/2020 (Revista n.º 4821/16.4T8LSB.L1.S2), e de 13/07/2017 (Revista n.º 442/15.7T8PVZ.P1.S1).

No caso concreto dos autos, considerou o Tribunal da Relação que “apenas será possível lançar mão de um pedido de anulação de decisão arbitral com fundamento na ausência de independência e imparcialidade dos árbitros, nos casos em que a parte não tenha podido suscitar um incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, em virtude da superveniência objectiva ou subjectiva das circunstâncias fundamentadoras de tal pedido.” Sendo que, no caso concreto, “o incidente de recusa foi suscitado pelo requerente previamente à prolação do acórdão adicional cuja anulação ora é peticionada, O requerente, tendo deduzido pedido de recusa junto do tribunal arbitral, o qual foi definitivamente decidido pelo órgão competente, pretende lançar mão da ação de anulação, como se de um verdadeiro recurso se tratasse. Mas não estamos perante um daqueles casos - os únicos que justificam o recurso à ação de anulação com o fundamento alegado pelo requerente - em que a circunstância inquinadora da independência ou imparcialidade do árbitro só vem a ser descoberta após a pronúncia final do tribunal arbitral. Sendo que as circunstâncias que o requerente aponta como suscetíveis de fazerem inquinar a independência e imparcialidade do árbitro BB de modo algum constituem circunstâncias supervenientes ao momento de prolação das decisões arbitrais ora impugnadas”.

Conclui o Tribunal da Relação que “a alegada falta de independência e imparcialidade do árbitro indicado pela requerida não constitui fundamento de anulação das decisões arbitrais proferidas em 18.03.2020 e 06.07.2020.” E por esse motivo, torna-se inútil a apreciação da factualidade alegada pelo aqui Recorrente quanto à alegada falta de independência e imparcialidade do árbitro designado pela Recorrida.

O Recorrente invoca este fundamento de anulação da decisão arbitral ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 3, al. a), subalínea iv), da LAV.

Dispõe esta norma que: “3 - A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se: a) A parte que faz o pedido demonstrar que: (...) iv) A composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio; (...)”

A generalidade da doutrina inclui na previsão desta norma os casos de falta de independência e imparcialidade de um dos árbitros como uma desconformidade da composição do Tribunal com a Lei – Menezes Cordeiro, Tratado da Arbitragem, reimp da 1.ª ed., Almedina, 2016, p. 441; Mário Esteves de Oliveira, coord., Lei de Arbitragem Voluntária Comentada, Almedina, 2014, págs. 214/562; Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, 2.ª ed., Almedina, 2013, págs. 306/307; Luís Miguel Cortes Martins, “Incidente de recusa de árbitro: Uso e abuso”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 81 n.ºs 1-2 (Jan.-Jun. 2021), págs. 241 e segs (244); António Sampaio Caramelo, A impugnação da Sentença Arbitral, 4.ª ed., Almedina, 2023, págs. 76 /79.

Sampaio Caramelo, na obra citada no parágrafo anterior, apesar de admitir que as situações de falta de independência ou de imparcialidade de átrbitros são, em princípio, enquadráveis no primeiro segmento da subalínea a) iv) do n.o 3 do artigo 46.o, admite “que os tribunais estaduais competentes venham a preferir caraterizar como ofensiva da ordem pública (internacional) processual e, por isso, a subsumir à subalínea b) ii) do mesmo número e artigo da LAV os casos mais chocantes de preterição daqueles requisitos basilares, em que a ostensiva parcialidade mostrada por um ou mais árbitros ou o claro desrespeito da independência a que estavam obrigados põe gravemente em causa a integridade e a credibihdade social da arbitragem, enquanto forma de exercício da jurisdição.”

A inclusão dos casos de falta de independência e imparcialidade de um dos árbitros na previsão do artigo 46.º, n.º 3, al. a), subalínea iv), da LAV foi também recentemente defendida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 9/02/2023 (proc. 3215/22.7...-2).

O Recorrente alega que a referida norma não faz qualquer distinção atinente à circunstância de a falta de independência de imparcialidade do árbitro em causa já ter sido suscitada, com base nos mesmos factos, durante o processo arbitral antecedente.

Cremos que não lhe assiste razão pois na interpretação da lei importa ter em conta o elemento sistemático porque a ordem jurídica forma um sistema unitário, pelo que cada norma deve ser tomada como parte de um todo, como parte desse sistema (cf. Acórdão do STJ, de 30/06/2020, Proc. n.º 62/19.7...).

Assim, a referida norma prevista artigo 46.o, n.o 3, al. a), subalínea iv), da LAV deve ser conjugada com o disposto no artigo 14.º do mesmo diploma, no qual se dispõe o seguinte:

“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do presente artigo, as partes podem livremente acordar sobre o processo de recusa de árbitro.

2 - Na falta de acordo, a parte que pretenda recusar um árbitro deve expor por escrito os motivos da recusa ao tribunal arbitral, no prazo de 15 dias a contar da data em que teve conhecimento da constituição daquele ou da data em que teve conhecimento das circunstâncias referidas no artigo 13.º Se o árbitro recusado não renunciar à função que lhe foi confiada e a parte que o designou insistir em mantê-lo, o tribunal arbitral, com participação do árbitro visado, decide sobre a recusa.

3 - Se a destituição do árbitro recusado não puder ser obtida segundo o processo convencionado pelas partes ou nos termos do disposto no n.º 2 do presente artigo, a parte que recusa o árbitro pode, no prazo de 15 dias após lhe ter sido comunicada a decisão que rejeita a recusa, pedir ao tribunal estadual competente que tome uma decisão sobre a recusa, sendo aquela insusceptível de recurso. Na pendência desse pedido, o tribunal arbitral, incluindo o árbitro recusado, pode prosseguir o processo arbitral e proferir sentença.”

Por sua vez, importa ter presente o artigo 26.º da Lei do TAD, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de setembro, que dispõe o seguinte:

“1 - A parte que pretenda recusar um árbitro deve expor por escrito os motivos da recusa ao presidente do TAD, no prazo de três dias a contar da data em que teve conhecimento da constituição do colégio arbitral ou da data em que teve conhecimento das circunstâncias referidas no artigo anterior.

2 - Se o árbitro recusado não renunciar à função que lhe foi confiada e a parte que o designou insistir em mantê-lo, o presidente do TAD no prazo máximo de cinco dias, mediante ponderação das provas apresentadas, sendo sempre garantida a audição do árbitro, quando a invocação da causa do incidente não tenha sido da sua iniciativa, e ouvida a parte contrária, quando deduzido por uma das partes, decide sobre a recusa.

3 - A decisão do presidente do TAD prevista no número anterior é insuscetível de recurso.”

A articulação destas normas conduz-nos à conclusão alcançada no Acórdão recorrido de que apenas será possível lançar mão de um pedido de anulação de decisão arbitral com fundamento na falta de independência e imparcialidade de um ou mais árbitros que componham o Tribunal arbitral, ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), parágrafo iv), nos casos em que a parte não tenha podido suscitar um incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, em virtude da superveniência objetiva ou subjetiva das circunstâncias fundamentadoras de tal pedido.

Como se afirma no Acórdão recorrido, “um pedido de anulação fundamentado em alegada falta de imparcialidade e independência de árbitro será inadmissível sempre que:

i. a parte deduza incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, não ocorrendo circunstâncias supervenientes, diferentes das arguidas nesse incidente, que legitimem o recurso à ação de anulação com tal fundamento;

ii. a parte tenha conhecimento de circunstâncias que suscitem dúvidas acerca da independência e imparcialidade dos árbitros, mas não deduza incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, antes se conformando com a intervenção do árbitro no processo.”

Esta é a posição assumida por Menezes Cordeiro (Tratado da Arbitragem, reimp da 1.ª ed., Almedina, 2016, p. 441), ao referir que podemos incluir na previsão do artigo 46.º, n.º 3, al. a), subalínea iv), da LAV, “os casos de inadequação ou de falta de independência ou de imparcialidade dos árbitros ou de algum deles, mas desde que a invocação desse vício não tenha ficado precludida, nos termos do 14.°/2; em qualquer caso, a desconformidade da composição do tribunal só releva se ela tiver tido influência decisiva na resolução do litígio, o que deve ser alegado e provado pelo autor da ação de impugnação. Este fundamento funciona, nas mesmas condições, perante irregularidades supervenientes” (negrito e sublinhado nossos).

No mesmo sentido pronunciou-se Manuel Pereira Barrocas (Manual de Arbitragem, 2.ª ed., Almedina, 2013, págs. 306/307), citado no Acórdão recorrido, quando defende que “atento o regime do artigo 14.º acabado de descrever e tendo em atenção o que estabelece o artigo 46.º, número 3, alínea a), subalínea iv), LAV, pergunta-se se cabe ação de anulação baseada na falta de independência de árbitro atento o regime do processo de recusa e, igualmente, o disposto no número 4. do mesmo artigo 46.o. É claro que uma sentença arbitral proferida ou em que participou, como co-árbitro, um árbitro não independente deve, em tese, ser considerada nula ao abrigo daquela subalínea iv). Mas se a questão da falta de independência já tiver sido decidida pelo próprio tribunal arbitral e, em obediência ao número 3. do artigo 14.º, também pelo tribunal estadual, ainda assim cabe ação de anulação da sentença arbitral que tenha decidido o litígio? Entendemos que não cabe ação de anulação.

Efetivamente, se a parte interessada não se socorreu do processo de recusa dentro do prazo legal, não pode posteriormente discutir, numa ação de anulação, o que só poderia fazer, em princípio, no processo de recusa. Todavia, se a parte interessada não teve conhecimento do facto indiciador da falta de independência a não ser após a sentença arbitral ter sido proferida, ficaria impedida de suscitar a questão perante o tribunal arbitral. Este esgota o seu poder jurisdicional com a prolação da sentença arbitral, sem prejuízo do disposto no artigo 45.º LAV.

Nesse caso particular, entendemos que cabe ação de anulação ao abrigo da citada subalínea iv) da alínea a) do número 3. do artigo 46.º LAV.”

Esta parece também ser a posição de Luís Miguel Cortes Martins (“Incidente de recusa de árbitro: Uso e abuso”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 81 n.ºs 1-2 (Jan.-Jun. 2021), págs. 241 e segs (255), quando o autor defende que a sentença arbitral é um verdadeiro termo ad quem, a partir do qual já não será possível deduzir o incidente de recusa, “desde logo, porque esse seria um expediente que a parte que não teve vencimento tenderia a usar, com todos os inconvenientes que daí advêm. e, depois, se se vier a demonstrar que existia um fundamento de recusa de que a parte só tem conhecimento após a prolação da sentença, terá sempre recurso à acção de anulação. É certo que com um prazo preclusivo. Mas cremos que a certeza do direito não se compadece com soluções alternativas, sob pena de se estar a introduzir grave incerteza no sistema.”

No presente caso, os fundamentos em que se baseia o Recorrente nesta ação para sustentar a falta de independência e imparcialidade do árbitro designado pela Recorrida são os mesmos fundamentos que sustentaram o incidente de recusa deduzido em 5/06/2020 no processo arbitral que culminou com a prolação em 6/07/2020 pelo Presidente do TAD de decisão a indeferir o incidente.

O Recorrente alega que a interpretação das normas acima referidas levada a cabo pelo Acórdão recorrido, impedindo no caso concreto a alegação da falta de imparcialidade e independência de um dos árbitros como fundamento de anulação da sentença arbitral, constitui uma “restrição” que viola o artigo 46.º, n.º 3, a) iv) da LAV, além de que a exigência de independência e de imparcialidade dos árbitros é uma decorrência do ‘direito a processo equitativo’ estabelecido no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, exigência que vale também para a arbitragem voluntária, porque esta representa constitucionalmente um modo de exercício do direito de acesso aos tribunais consagrado na CRP. Alega ainda o Recorrente que a exigência da independência e de imparcialidade do julgador constitui, ademais, um elemento essencial do ‘direito a um processo equitativo’ consignado no Artigo 6 (1) da Convenção Europeia do Direitos de Homem, que os tribunais portugueses estão obrigados a cumprir e fazer cumprir (artigo 8.º, n.º 2, da Constituição da República). Refere ainda que aos tribunais estaduais não compete fazer ou alterar leis e, no exercício da sua função jurisdicional, devem obedecer à lei (artigo 203.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).

Ora, a obediência à lei pressupõe a sua prévia interpretação, sendo que julgamos que a interpretação proposta pelo Recorrente é que viola de forma flagrante o disposto na Lei do TAD e na LAV, além de afrontar os princípios que regem a arbitragem voluntária.

Foi preocupação do legislador criar no âmbito das arbitragens voluntárias que tenham lugar no TAD um processo específico quanto à recusa de árbitros, previsto no artigo 26.º da Lei do TAD, que visou garantir o controlo da independência e imparcialidade dos árbitros no âmbito do próprio processo arbitral, prevendo-se um processo com uma tramitação simples e com prazos curtos de modo a imprimir a maior celeridade ao processo arbitral (João Martinho do Rosário, in Lei do Tribunal Arbitral do Desporto - Introdução, Referências e Notas, José Manuel Meirim, coord., Almedina, 2017, p. 166).

Nos casos em o árbitro recusado não renuncia à função que lhe foi confiada e a parte que o designou insiste em mantê-lo, como sucedeu no presente caso, prevêem os n.ºs 2 e 3 do referido artigo 26.º da Lei do TAD que o presidente do TAD decide sobre a recusa no prazo máximo de cinco dias, mediante ponderação das provas apresentadas, sendo sempre garantida a audição do árbitro, quando a invocação da causa do incidente não tenha sido da sua iniciativa, e ouvida a parte contrária, quando deduzido por uma das partes, sendo aquela decisão insuscetível de recurso.”

Como nota João Martinho do Rosário na obra supra citada (p. 167), a insusceptibilidade de recurso da decisão do Presidente do TAD sobre o incidente de recusa, prevista no n.º 3 do artigo 26.º, distingue-se da solução prevista no n.º 3 do artigo 14.º da LAV de acordo com a qual “não será possível recorrer se a resposta ao pedido de recusa for positiva; já se admite, no entanto, o recurso da decisão que mantenha o árbitro em funções (decida negativamente o pedido de recusa), embora com efeito meramente devolutivo (o processo arbitral poderá prosseguir, inclusive com a prolação de sentença). A solução apresentada no n.º 3 do presente artigo 26° parece-nos inculcar uma ideia de uma maior igualdade no tratamento entre todas as partes.”

Como afirma a Recorrida nas suas contra-alegações, a ratio subjacente ao n.º 3 do artigo 26.º da LTAD – e similarmente ao n.º 3 do artigo 14.º da LAV – é a de estabilizar o quanto antes o processo, pretendendo o legislador evitar motivos de entorpecimento do processo arbitral ou esquemas contra arbitratorem.

O Recorrente refere que o Presidente do TAD é um mero órgão administrativo que nessa estrita perspetiva superintende nas arbitragens realizadas no âmbito do TAD, do mesmo modo que o fazem os presidentes dos centros de arbitragem nacionais e estrangeiros, pelo que o n.º 3 do artigo 26.º, ao prever que a decisão do presidente do TAD sobre uma recusa deduzida contra um árbitro “é insuscetível de recurso”, não implica que esta decisão administrativa, tomada no decurso da arbitragem, não possa ser reapreciada e contrariada pelos tribunais estaduais competentes, em sede em ação de anulação da sentença arbitral proferida.

Ora, a interpretação feita pelo Recorrente esvaziaria de conteúdo todo o processo de recusa previsto no artigo 26.º da Lei do TAD, que se tornaria inútil, caso os mesmos fundamentos que justificaram a dedução do pedido de recusa e foram objeto de decisão do presidente do TAD nos termos aí previstos pudessem novamente ser apresentados como fundamento de anulação de sentença arbitral. Tal solução preconizada pelo Recorrente acarreta a total desconsideração pelas decisões tomadas pelo TAD, sendo certo que o presidente deste organismo não é um órgão administrativo qualquer, mas um árbitro que integra o TAD, eleito pelos seus pares (artigo 13.º, n.º 1 da lei do TAD). De realçar que estamos no âmbito de uma arbitragem voluntária, livremente estalecidas pelas partes, tendo sido estas, incluindo o aqui Recorrente, a querer submeter os litígios emergentes do contrato de trabalho desportivo ao TAD, o que inclui naturalmente a vinculação às decisões do respetivo Presidente. Esta decisão prevista no n.º 3 do artigo 26.º da lei do TAD, não se assume como uma mera decisão administrativa, mas uma decisão que decide um incidente suscitado por uma parte, com exercício do contraditório pela parte contrária e pelo árbitro visado, com repercussão na relação processual arbitral, tendo por isso o mesmo valor que a decisão de um tribunal estadual prevista no artigo 14.º n.º 3, da LAV. Este último preceito prevê igualmente que da decisão que rejeita a recusa pode haver recurso para um tribunal estadual, cuja decisão é insuscetível de recurso.

Como o próprio Recorrente refere, a arbitragem voluntária representa constitucionalmente um modo de exercício do direito de acesso aos tribunais consagrado na CRP, pelo que não procede a sua argumentação no sentido de não se respeitar a decisão proferida no âmbito do processo de recusa previsto no artigo 26.º da Lei do TAD.

Também o Tribunal da Relação de Guimarães, em acórdão proferido em 13/01/2022 (processo n.o 177/21.1YRGMR), citado pela Recorrida nas suas contra-alegações, a propósito de uma decisão do Presidente do TAD que prorrogou o prazo global para conclusão de um processo arbitral por 6 meses, considerou que tal despacho do Presidente do TAD constituía uma decisão jurisdicional arbitral que tem implícito o reconhecimento da competência do Tribunal Arbitral para continuar a dirimir o litígio.

Acresce que, sendo a decisão do presidente do TAD uma decisão administrativa, a admitir-se o recurso da mesma, o meio processual adequado não se traduziria na presente ação de anulação que tem como objeto a decisão arbitral e não aquela decisão do presidente do TAD, além que nem seriam os tribunais da jurisdição comum os competentes para a apreciação desse recurso. Como afirmam Artur Flamínio da Silva e Daniela Mirante (O Regime Jurídico do Tribunal Arbitral do Desporto anotado e comentado, Petrony Editora, 2016, p. 69), reportando-se à norma prevista no n.º 3 do artigo 26.ºd a Lei do TAD: “consubstanciando esta decisão do presidente do TAD um acto materialmente administrativo deverá haver, sob pena de violação do artigo 20.°, da CRP, a possibilidade de impugnar a mesma junto dos tribunais administrativos.”

Porém, o aqui Recorrente não interpôs qualquer recurso dessa decisão do Presidente do TAD, na qual discutisse a alegada inconstitucionalidade do preceito legal que prevê a insusceptibilidade de recurso, não sendo possível nesta ação de anulação de decisão arbitral discutir novamente os fundamentos do pedido de recusa do árbitro designado pela Recorrida que já foram apreciados e objeto de decisão no âmbito do processo arbitral.

Apenas seria possível ao aqui Recorrente fundamentar o seu pedido de anulação da decisão arbitral com base na falta de independência e imparcialidade de um ou mais árbitros, caso não tivesse podido suscitar um incidente de recusa no âmbito do processo arbitral, em virtude da superveniência objetiva ou subjetiva das circunstâncias fundamentadoras de tal pedido, ou caso tivesse ocorrido alguma irregularidade no âmbito do incidente de recusa, em violação da convenção de arbitragem ou de norma legal, o que não sucedeu no caso em apreço.

Pois como se afirma no Acórdão recorrido e não é negado pelo Recorrente no seu recurso de revista, “as circunstâncias que o requerente aponta como suscetíveis de fazerem inquinar a independência e imparcialidade do árbitro BB de modo algum constituem circunstâncias supervenientes ao momento de prolação das decisões arbitrais ora impugnadas. Tanto que foram tais questões ainda tempestivamente suscitadas pelo requerente em sede de incidente de recusa. Comparando-se o articulado da petição inicial com o do requerimento de recusa apresentado pelo requerente a ....06.2020 (cfr. Doc. 7 junto com a petição inicial), facilmente se constata que este é uma repetição dos mesmos argumentos já esgrimidos pelo requerente em sede arbitral, que vêm apresentados nos mesmos exatos termos.”

Assim, não merece censura a decisão do Acórdão recorrido no sentido da alegada falta de independência e imparcialidade do árbitro indicado pela Requerida não constituir fundamento de anulação das decisões arbitrais objeto dos autos. Dessa forma, torna-se desnecessária qualquer ampliação da matéria de facto por não ter qualquer relevância para a decisão de direito nos termos acima expostos.

Deste modo, o recurso tem de improceder.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 30 de maio de 2023


Pedro de Lima Gonçalves (Relator)

Maria João Vaz Tomé

António Magalhães