Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
177/04.6TBRMZ.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: ALEGAÇÃO IMPLICITA
PRINCÍPIO “NE BIS IN IDEM”
DOCUMENTOS AUTÊNTICOS
PROVA PLENA E PROVA DE LIVRE APRECIAÇÃO
EXCEÇÃO DO CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
LIMITES DO CASO JULGADO
DECISÃO DE TRIBUNAL TRIBUTÁRIO
ARQUIVAMENTO DO PROCESSO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
SIMULAÇÃO FISCAL
CULPA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
DIREITO CONSTITUCIONAL - SISTEMA FISCAL - TRIBUNAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - TRIBUNAIS / COMPETÊNCIA - SENTENÇA ( EFEITOS ) - RECURSOS.
DIREITO TRIBUTÁRIO - INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ( INFRAÇÕES TRIBUTÁRIAS ) - TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS / DECISÕES DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS.
Doutrina:
- Albano Alves Moreira, CIMSISD Anotado e Comentado, 741.
- Antunes Varela, Sampaio e Nora e Miguel Bezerra, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 676, nota de pé de página, 719.
- Castro Mendes, Recursos, 28.
- Lebre de Freitas e outros, “Código de Processo Civil”Anotado, , 1.º, 186; 2.º, 354; 3.º, 118.
- Nuno Pombo, A Fraude Fiscal, 172.
- Othmar Jauernig, Direito Processual Civil, edição da Almedina, 342.
- Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 59, 440.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 240.º, N.º1, 371.º, 473.º, N.º1.
CÓDIGO DA SISA E DO IMPOSTO SOBRE SUCESSÕES E DOAÇÕES (CSISSD): - ARTIGOS 176.º, 178.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 92.º, 581.º, N.º1, 623.º, 674.º, N.º3, 682.º.
CÓDIGO DO IMPOSTO MUNICIPAL DE IMÓVEIS E DO IMPOSTO MUNICIPAL DE TRANSAÇÕES (CIMI): - ARTIGOS 31.º, N.º3.
CÓDIGO DO IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE AS TRANSMISSÕES ONEROSAS DE IMÓVEIS (CIMT): - ARTIGO 55.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 2.º, 103.º, 104.º, 209.º, 212.º, 282.º, N.º3.
LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT): - ARTIGO 39.º.
LOFTJ (N.º 52/2008, DE 28.8): - ARTIGO 33.º.
REGIME JURÍDICO DAS INFRACÇÕES FISCAIS, APROVADO PELA LEI N.º 15/2001, DE 5-6: - ARTIGO 103.º, N.º1.
REGULAMENTO GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS (RGIT): - ARTIGO 48.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 15/2013, DE 17.6.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 3.2.1999, NO BMJ 484.º, 384, DE 22.10.2009, PROCESSO N.º 409/09.4YFLSB E DE 5.5.2011, PROCESSO N.º 3667/04.7TJVNF-S-S1, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT
-DE 14.3.2006, PROCESSO N.º 06B322 E DE 12.7.2007, PROCESSO N.º 07A2476, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 10.5.2007, PROCESSO N.º 07B841, COM TEXTO DISPONÍVEL NO APONTADO SÍTIO.
-DE 4.2.2010, PROCESSO N.º 4114/06.5YIPRT.C1 E DE 15.2013, PROCESSO N.º 5674/05.3TBBCL.G1.S1 E DE 15.4.2015, PROCESSO N.º 28247/10.4T2SNT-A-L1.S1.
-DE 29.5.2011, PROCESSO N.º 1722/12.9TBBCL.G1.S1.
Sumário :
1 . Nas decisões dos tribunais deve ser tida em conta, não só a alegação factual explícita, como também a implícita.

2 . Com ressalva das de conhecimento oficioso, os recursos não visam o conhecimento de questões novas.

3 . A eventual violação do princípio “ne bis in idem” constitui uma questão de conhecimento oficioso, pelo que se impõe o seu conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça, mesmo que tenha sido ignorada no recurso para a Relação.

4 . O constante de documentos autênticos pode integrar prova plena e prova de livre apreciação pelo tribunal.

5 . Esta não pode ser sindicada em recurso de revista. 

6 . A exceção do caso julgado constitui a vertente negativa deste, ao vedar que se venha a discutir o que está assente.

7 . A autoridade do caso julgado constitui a sua vertente positiva, ao vincular o segundo tribunal a acatar o que foi decidido pelo anterior.

8 . Esta distinção é formal porquanto, em ambos os casos, o segundo tribunal, tem de acatar a decisão anterior sem a discutir.

9 . A exceção do caso julgado pressupõe a identidade das partes, da causa de pedir e do pedido.

10 . A autoridade dispensa-as.

11 . Mas esta tem de ser entendida com limitações, pois, de outro modo, entraria pela janela o que a figura da exceção não deixara entrar pela porta, perdendo-se até a utilidade prática desta.

12 . Nunca se verificando a relevância da autoridade, quando, se se verificasse aquela tríplice identidade, não procederia a exceção.

13 . Um dos casos em que a autoridade do caso julgado assume relevância ocorre quando a primeira decisão é prejudicial relativamente à segunda.

14 . O artigo 97.º. n.º1 do Código de Processo Civil, ao consignar que o juiz pode ou não sobrestar na sua decisão quando relativamente a esta pender decisão prejudicial nos tribunais administrativos, afasta o caso julgado da decisão desta relativamente aos tribunais comuns, pelo menos nos casos em que não sobrestou.

15 . O que é válido relativamente a decisões prejudiciais dos tribunais administrativos também o é quanto a decisões prejudiciais dos tribunais tributários.

16 . No seguimento do referido em 12, afastada a hipótese de exceção, afastada fica a de autoridade.

17 . Por isso, a decisão dum tribunal fiscal que, em processo de liquidação complementar da sisa, reconheceu não ter havido simulação do preço de compra e venda, não projeta efeito de caso julgado em processo do tribunal comum em que não se sobrestou na decisão.

18 . Não havendo inconstitucionalidade no caminhar independente das duas decisões.

19 . A decisão do Ministério Público de arquivamento dum processo-crime não tem qualquer efeito em ações cíveis.

20 . Nada havendo a censurar, mesmo que se pudesse concluir que assumira posições diferentes num e noutro processo.

21 . A lei – nomeadamente o Código da Sisa (em vigor ao tempo dos factos) – não impede a dupla reação à simulação fiscal, não constituindo esta violação do princípio “ne bis in idem”.

22 . A suspensão prevista no artigo 178.º daquele código não atinge a ação de preferência.

23 . Esta ação não viola o princípio da culpa.

24 . E tem subjacente uma causa, qual seja a da simulação do preço, pelo que não pode conduzir à figura do enriquecimento sem causa.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 . No então Tribunal Judicial de Reguengos de Monsaraz, o Município de Mourão, representado pelo Ministério Público, instaurou esta ação declarativa contra:

AA e mulher, BB;

CC e mulher, DD;

EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda. e

Banco FF, S.A.

Alegou, em síntese, que:

Em 7.11.2003, os réus AA e BB venderam nove prédios aos réus CC, DD e EE;

Nessa data, foi constituída, sobre todos esses prédios, uma hipoteca a favor do réu Banco FF;

Quatro desses prédios, denominados “Herdade das GG”, “Herdade da HH”, “Herdade do II” e “Herdade dos JJ”, situam-se na área do concelho de Mourão;

Na escritura pública de compra e venda, declararam preços inferiores aos reais, em termos que pormenoriza;

Por isso, tem o direito de preferir na referida venda, ao abrigo do disposto no artigo 176.º do CSISD;

Preferência que, incidindo sobre a venda, exclui a hipoteca que os preferidos constituíram após a sua aquisição.

Pediu, em conformidade:

O reconhecimento da preferência na aquisição dos referidos quatro imóveis e, assim, que se julgue como adquirente dos mesmos, substituindo-se aos segundo e terceiro réus na aquisição;

Consequentemente, que se julguem ineficazes e sem efeito as hipotecas sobre os mesmos prédios, ordenando-se o seu cancelamento.

Contestaram os réus.

Os primeiros (AA e BB), no essencial, aceitaram a totalidade dos factos alegados na petição inicial, salientando que a divergência verificada entre os preços reais dos imóveis e aqueles que foram declarados na escritura pública de compra e venda foi uma imposição – como condição de celebração do negócio – dos réus compradores e concluindo por aceitar a procedência da ação.

CC, DD e EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda., alegaram, em síntese, que o preço de cada um dos prédios que consta da escritura de compra e venda corresponde ao preço efetivamente acordado entre vendedores e compradores, não existindo qualquer simulação, não sendo de acolher a pretensão de preferência invocado pelo autor.

O Banco FF defendeu também a inexistência de qualquer simulação no preço da compra e venda dos imóveis em causa.

2 . A ação prosseguiu a sua tramitação e, na altura própria, foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:

“Julgo a ação totalmente procedente:

A) Reconhecendo que o autor, Município de Mourão, é titular de direito de preferência na compra e venda, realizada no dia 7 de Novembro de 2003, em que outorgaram como vendedores os réus AA e BB e como compradores os réus CC, DD e “EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda.”, dos seguintes prédios:

Prédio rústico denominado “Herdade das GG”, sito na freguesia da Granja, concelho de Mourão, inscrito na matriz sob parte do artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mourão sob o n.º …;

Prédio misto denominado “Herdade da HH”, sito na freguesia da Granja, concelho de Mourão, inscrito na matriz rústica sob o artigo … e na matriz urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mourão sob o n.º …;

Prédio misto denominado “Herdade do II”, sito na freguesia da Granja, concelho de Mourão, inscrito na matriz rústica sob o artigo … e na matriz urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mourão sob o n.º …; e

Prédio rústico denominado “Herdade dos JJ”, sito na freguesia da Granja, concelho de Mourão, inscrito na matriz sob parte do artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mourão sob o n.º ….

B) Determinando a substituição dos réus compradores pelo autor e adjudicando, a este último, o direito de propriedade sobre cada um dos prédios referidos em A);

C) Declarando ineficazes as hipotecas constituídas, sobre os prédios referidos em A), pelos réus CC, DD e “EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda.”, a favor do réu Banco FF, S.A..;

D) Ordenando o cancelamento de todas as inscrições lavradas no registo predial, com base no contrato referido em A) e C), a favor dos réus CC, DD, “EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda.” e Banco FF, S.A..;

E) Ordenando a inscrição, no registo predial, da aquisição, a favor do autor, do direito de propriedade sobre os prédios referidos em A).”

3 . Apelaram os réus CC, DD, EE e Banco FF.

Mas sem êxito. Para além de negar provimento a um agravo entretanto interposto e que não interessa ao presente recurso, a Relação de Évora julgou as apelações improcedentes, confirmando a sentença recorrida.

4 . Pedem revista:

O CC e DD e

O Banco FF.

Vistas a data da instauração da ação e a ressalva do artigo 7.º, n.º1 da Lei n.º 41/2013 e conforme despacho liminar do relator, a dupla conforme não preclude a admissibilidade dos recursos.

Levantando estes, no essencial, questões idênticas ou interpenetradas, vamos deles conhecer em conjunto. 

5 . Concluem os recorrentes CC e DD as alegações do seguinte modo:

A) Mal decidiram as instâncias (com o devido respeito) quanto à apreciação da matéria atinente à simulação e dos requisitos previstos nos Art.º 240º a 242º, do CC., bem como o disposto no Art.º 39º, da LGT, expressamente aplicável às situações de simulação fiscal.

B) Mal andaram as instâncias, ao darem por provados os quatro quesitos da base instrutória, sendo certo que o A., alegou e invocou como causa de pedir, apenas um facto, a saber:

- A inexactidão na indicação do preço na escritura pública de compra e venda, outorgada em 07 de Novembro de 2003, no Cartório Notarial de Sousel.

C) Desde logo porque o preço da compra e venda alegado pelo A., como sendo o valor real da transacção, foi de € 4 933 413,88, não se compreendendo porque é que os compradores, atentos os documentos - cópias, dos meios de pagamento, que se encontram juntos aos autos, pagariam aos vendedores a quantia de € 5 433 413,88, ou seja, pagariam a mais a quantia de meio milhão de euros. Seria a título de liberalidade?

O) Isto considerando os seis cheques de um milhar de euros que foram grosseiramente adulterados, conforme considerou o MP no despacho de arquivamento proferido no processo 24/04.9TAETZ, junto a fls. 983 a 1008.

E) Este facto sempre teria que relevar quer na 1ª, quer na 2ª instância, pois as contas nunca batem certas. Mas certo é que o direito não se pode conformar nem conforma com imprecisões e dúvidas deste calibre e alcance. Já que mais não fosse à luz do princípio constitucional e processual in dúbio pro reo.

F) A legislação aplicável impõe que, para poder proceder a alegada simulação fiscal e, para que por essa via, a autarquia pudesse lançar mão do disposto no Art.º 176º, do CIMSISSD, sempre teria que se verificar uma diminuição na receita tributária. E esta disposição legal exigia, como é óbvio, a prova dessa redução no pagamento do imposto.

G) E, quanto a esta matéria nenhuma prova foi feita nos presentes autos da qual se pudesse concluir com a necessária certeza, que o valor da transacção tivesse excedido aquele que ficou declarado na escritura pública de compra e venda.

H) Mas antes, encontra-se documentalmente provado neste processo, que nenhum valor a título de imposto é devido ou que tivesse ficado por liquidar e pagar à Fazenda Pública. Documentos, estes, a que o Exmo. Senhor Desembargador no TRE não atribui qualquer valor, tal como no Tribunal de Reguengos de Monsaraz. Ressalvando-se que, neste Tribunal de Reguengos de Monsaraz, apenas neste processo é que foi decidido de forma diferente de todos os outros - Acção Executiva e Inquéritos nos Serviços do MP.

I) Isto porque, a então denominada Administração Fiscal (AF), nos termos que lhe se lhe encontram legalmente atribuídos, com fundamento num único indício, que foi a declaração modelo 3 de IRS apresentada pelos vendedores para efeitos de mais-valias, procedeu a liquidações adicionais aos compradores CC e mulher (aqui recorrentes) e EE, Lda., que as impugnaram para o competente Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, que veio a proferir sentenças que já transitaram em julgado, através das quais determinou o TAF a anulação dessas liquidações adicionais, por não ter a AF provado, com o mínimo de segurança que lhe era exigido, que os valores da transacção foram os constantes na declaração unilateral apresenta pelos vendedores que nela tinham todo o interesse, conforme pelos Réus demonstrado ficou.

J) Assim sendo, como entendem os Recorrentes que é, ficou para sempre judicialmente decidida a inexistência de qualquer dívida por imposto de sisa e de selo pago a menos pelos Recorrentes/adquirentes, por via de acto simulatório.

K) Note-se que, nos termos legais e das Leis que regem as competências dos Tribunais Nacionais, nunca os Recorrentes poderiam ter impugnado as liquidações adicionais do imposto de sisa levadas a efeito pela AF, para o Tribunal Judicial de Reguengos de Monsaraz ou para qualquer outro Tribunal que não fosse o Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, isto por razões que se prendem com a competência em razão da matéria e da territorialidade.

L) Não podendo o A., atenta a declaração de inexistência de qualquer diferença no pagamento do imposto de sisa, prosseguir e ter tido como teve, por erro na apreciação da matéria pelas instâncias, procedimento nos presentes autos.

M) Verifica-se que as instâncias não tiveram em devida conta as decisões judiciais que declararam a inexistência de falta de pagamento do(s) tributo(s) e que se encontram juntas a fls. 1807 a 1826, Vol. VIII. Decisões, essas, de que o Ministério Público de Reguengos de Monsaraz, que representa o A. nos presentes autos, teve desde logo conhecimento.

N) Antes, na fundamentação de direito constante na sentença que o acórdão sob recurso confirmou, se exarou e declarou que assiste direito a preferir por parte do A., devido ao facto de:

"Verificou-se, pois, uma evidente simulação na fixação do preço de cada prédio na escritura de compra e venda, com repercussão, em prejuízo da Fazenda Nacional, no montante da Sisa paga pelos compradores. Com efeito, sendo a taxa deste imposto de 5% sobre o valor da compra, a diferença entre a Sisa paga (que foi de € 31.400, como resulta dos números 3 a 7 dos factos provados) e devida cifrou-se em € 125.265,69. Foi este o prejuízo causado à Fazenda Nacional através da simulação do preço. “ (sic. .. )

O) Também neste segmento, a sentença encontrar-se-ia errada, pois se o preço tivesse sido o pelo A. alegado e dado como provado pela MMª Sr.ª Juíza de julgamento, esse pagamento teria sido no montante de € 4 933 413,88, valor que à taxa de 5% totalizaria a quantia de € 246 670,69 e estando liquidada e paga a quantia de € 31 400,00, a diferença seria no montante de € 215 277,69 e não de € 125 265,69, conforme consta na sentença confirmada no acórdão de que se recorre.

P) Como é por demais evidente, nada bate certo neste processo. Desde a atribuição aos vendedores, sem mais, da quantia de meio milhão de euros; até à constatação de que teriam agora os Recorrentes direito, em conformidade com o que ficou plasmado na sentença, a uma bonificação com a redução no valor só no imposto de sisa que ascenderia à quantia € 90 012,00 ??

Q) Quanto a este segmento do presente recurso de revisão concluem os Recorrentes da seguinte forma:

• Não existe qualquer dívida para com a Fazenda Pública por falta de entrega do tributo devido; Isto é, Imposto de Sisa/selo em Dívida é igual a ZERO;

• Assim se encontrando decretado pelo Tribunal com competência específica nesta matéria, encontra-se, desde logo, o A. impedido de exercer o direito de preferência, pela não verificação do requisito imposto pela norma do Artigo 176.º, do CIMSS, violando, assim, a sentença e o acórdão que a confirmou, o disposto neste artigo 176.º;

• Viola-se, igualmente o disposto no Artigo 39.º, da LGT, que impõe a tributação pelo valor real do negócio e não por mero "palpite" ou "adivinhação". Sempre com o devido respeito. Isto é, o Valor Real Efectivamente Pago foi o constante na escritura de compra e venda.

R) Conforme acima os Recorrentes deixaram expresso e entendem ser relevante, o mesmo MP que é parte em representação do A. neste processo, em Janeiro de 2004, quando a Câmara Municipal de Mourão (logo após a notificação do indeferimento liminar pelo Tribunal de Évora, na acção executiva - Processo n.º 90/04.7TBEVR) comunicou que teria existido simulação de negócio (nessa altura o 5r. Presidente de Câmara referiu que o negócio tinha sido por 3 milhões e não por 5 milhões - Cfr. doc. fls. 1016 do Vol. V), necessariamente teve o MP que instaurar o competente processo de inquérito, para averiguar da existência do crime de fraude fiscal, p. e p., pelo Artigo 103.º, do RGIT, ao qual foi atribuído o n.º 38/04.9TARMZ.

S) Sendo certo que, sobre esse processo-crime veio a recair, em 13-10-2011, despacho de arquivamento, nunca tendo os Recorrentes sido acusados em sede criminal do que quer que fosse. Sobre o MP, por razões de boa-fé, de respeito pelas contrapartes e pelo Julgador, impendia a obrigação de vir nos presentes autos comunicar o arquivamento do processo-crime por falta de prova da prática pelos Recorrentes da alegada fraude fiscal.

T) Nunca o fez. E não se coibiram as Senhoras e os Senhores Magistrados do MP de prosseguir nos presentes autos em representação do A .. E nunca o MP tratou de investigar as muito pouco transparentes ligações dos vendedores com os Srs. Presidente e Vice-Presidente da Câmara Municipal de Mourão, que até eram os contabilistas daqueles e o Sr. Vice-Presidente foi o autor confesso do preenchimento e entrega no SF de Mourão da declaração unilateral modelo 3 de IRS para efeito de apuramento de mais-valias. Atenta a omissão e violação por parte do MP dos princípios da cooperação, da lealdade processual, etc ... , requer-se a V. Exas. que seja admitida a junção aos autos da certidão do despacho de arquivamento do MP de Reguengos de Monsaraz, no processo 38/04.9TARMZ - por alegado crime de fraude fiscal.

U) Mais-valias essas que, desonesta e criminalmente pretenderam ampliar, atento o preço pelo qual os vendedores tinham adquirido esses mesmos prédios, cerca de 5 anos antes. Isto é, adquiriram os prédios por um valor inferior em 10 vezes àquele que alegavam como tendo sido o preço real deste negócio.

V) No processo de execução n. º 90/04.7TBEVR, que posteriormente e por questões de competência territorial passou a tramitar no Tribunal de Reguengos de Monsaraz e deduzida a competente oposição, foi a mesma por este Tribunal julgada integralmente procedente, por douta sentença também já transitada em julgado, não tendo o Recorrente que pagar os alegados seis milhões de euros relativos ao alegado preço real da transacção. Cfr. certidão da sentença junta a fls. 2535 a 2541 (numeração anterior) - Vol. X.

W) Ora, conforme no acórdão proferido no Venerando TRE e do qual se recorre, bem referiu o Exmo. Senhor Desembargador, que não se verificava a excepção de caso julgado, dado não se verificarem os três requisitos para esse efeito, ou sejam; identidade das partes, objecto e pedido;

X) Todavia, não atendeu o Exmo. Senhor Desembargador à matéria atinente à "Autoridade do Caso Julgado", autoridade, esta, que a Doutrina desenvolveu e a jurisprudência sedimentou, essencial e necessariamente, pelos motivos que o Sr. Professor Manuel Domingues de Andrade ensinava e que, na sua magistral lição disse que o fundamento do caso julgado reside no prestígio dos tribunais (considerando que "tal prestígio seria comprometido em alto arau se a mesma situação concreta uma vez definida por eles em determinado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente" (sublinhado nosso) e numa razão de certeza ou segurança jurídica "sem o caso julgado estaríamos caídos numa situação de instabilidade jurídica verdadeiramente desastrosa".

Y) E o Sr. Professor Miguel Teixeira de Sousa ensina que:

"a exepção de caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior", já "quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior".

Z) E em termos Jurisprudenciais, neste Supremo Tribunal, o Exmo. Senhor Conselheiro Álvaro Rodrigues, no Douto Acórdão proferido em 21-03-2013 no processo 321O/07.6TCLRS.L1.S1 -2ª Secção e no qual foi Relator (disponível em www.dgsLpt), o Senhor Conselheiro, quanto a esta temática, confirmou, aprovando, o sumário faz-se referência à "feliz síntese do acórdão da Relação de Coimbra, de 28-09-2010, de que foi Relator, o Exmo. Senhor Desembargador, Jorge Arcanjo, afigura-se-nos cabalmente adequada ao traçado da fronteira entre estas duas figuras jurídico-processuais, pelo que importa aqui registar a parte do seu sumário, que importa à presente decisão;

“I - A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido”.

“li - A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 498º do Código de Processo Civil”.

AA) Assim, no segmento respeitante à Autoridade do Caso Julgado, parece inegável que os Recorrentes possam concluir da seguinte forma:

Ainda que não se considerasse nos presentes autos a decisão proferida na oposição ao processo de execução nesse mesmo Tribunal de Reguengos de Monsaraz, no âmbito do qual foram ordenadas perícia à escrita do Recorrente CC, que apresentou um resultado com a probabilidade de as adulterações (grosseiras) terem por ele sido introduzidas nos seis cheques ser inferior a 50% e, ainda, para avaliação dos prédios por perito nomeado pelo Tribunal de Reguengos de Monsaraz (Cfr. fls. 1725 a 1734 Vol. VIII e fls. 1900 a 1924 Vol. IX), sendo certo que, para todos os efeitos da simulação fiscal, designada mente o disposto no Art.º 39º, da LGT, o negócio terá que ser tributado pelo valor efectivamente pago e o valor efectivamente pago neste processo, foi o constante na escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Sousel, em 07 de Novembro de 2003 (e nada mais), sendo certo que a escritura constitui documento autêntico munido da força probatória que lhe é atribuída pelo disposto no Art.º 371º, do CC. Que deste modo seria claramente violado, conferindo veracidade a um depoimento/ declaração testemunhal em detrimento de um documento autêntico.

BB) Quanto a este segmento da autoridade do caso julgado, com o devido respeito, seja-nos ainda permitido dizer que não podemos pactuar com o entendimento que é perfilhado no acórdão de que se recorre pelo Exmo. Senhor Desembargador Relator, porquanto, entendemos não se poder considerar a acção dos presentes autos completamente isolada e "orgulhosamente só" e sem qualquer ligação com todas as outras acções a fazemos referência. Pois esta acção não é o tronco de uma árvore com apenas um único ramo. Com efeito, antes entronca isso sim, na árvore que teve a sua semente e brotou (de uma alegada simulação fiscal) e que deu origem a que esse fuste (por imposição legal) ramificasse e dele emanassem vários ramos (os presentes autos, a acção executiva e o processo-crime), mas todas estas ramificações a ficarem sempre dependentes do tronco principal (reconhecimento da dívida tributária resultante da simulação) - Acções de impugnação das liquidações adicionais da AF no TAF de Beja.

CC) Assim, certo é que o fuste ou tronco principal desta árvore é, sem qualquer margem para dúvidas, a alegada simulação que teria provocado uma diminuição na arrecadação do imposto alegadamente devido. Sendo a presente acção apenas um dos ramos que emanaram desse tronco principal, pois, como se compreende, a presente acção nunca poderia existir sem a planta que brotou da semente (a alegada simulação e diminuição do tributo pago à Fazenda Pública).

DD) E não se venha dizer conforme se diz no acórdão, que as sentenças proferidas pelo TAF de Beja são irrelevantes para a decisão desta causa. Então, se pelo Tribunal Fiscal competente para o efeito foi para sempre decretada a inexistência da alegada dívida por simulação fiscal, qual fica a ser o fundamento para os presentes autos?? Entende-se que desde o trânsito em julgado dessas decisões judiciais, que declararam a inexistência de qualquer quantia a título de imposto em dívida, deixou de existir o alegado mas nunca provado fundamento para o exercício da preferência por parte do A..

EE) Ou entende-se que quanto a uma mesma questão dois Tribunais (TAF Beja e este mesmo Tribunal de Reguengos de Monsaraz, no procedimento da das impugnações e da oposição na acção executiva 90/04.7TBEVR) e os Serviços do MP neste Tribunal de Reguengos de Monsaraz determinem o arquivamento dos autos por fraude fiscal e o mesmo Tribunal, neste processo, venha dizer precisamente o contrário daquilo que declarou em outras decisões já insusceptíveis de recurso.

FF) Um tal entendimento repugna ao mais elementar sentido de justiça e deixaria o prestígio dos Tribunais e a segurança jurídica devastados.

GG) Destas sentenças e despacho de arquivamento quanto à inexistência do crime de fraude fiscal, entende-se que, o MP enquanto parte e se estivesse aqui de boa-fé e colaborante com o Tribunal como lhe compete, deveria ter comunicado estas decisões ao Tribunal e até ter ido mais longe e apresentado desistência do pedido. Nada na Lei impunha ao MP que tivesse que prosseguir com os presentes autos. Infelizmente para a administração e aplicação da justiça, assim não foi entendido!!

HH) Como é consabido, ao A. Município de Mourão, não assistiria nem assiste qualquer legitimidade para que pudesse estar como parte nos processos que tramitaram no TAF de Beja. Isto porque a legitimidade para esse efeito era e é sempre da Administração Fiscal/Tributária, a quem compete liquidar e cobrar os impostos. Que se tenha conhecimento os Municípios, em geral, liquidam e cobram apenas taxas pelos serviços públicos que prestam e ainda assim subordinadas aos princípios da legalidade, da equivalência jurídica, etc., mas nunca em matéria de impostos.

II) Importa referir que, no recurso para o Venerando TRE, não foi apresentada esta matéria, o que se faz nesta sede de recurso para o Venerando STJ, dada a relevância que a mesma tem e que respeitaria à violação do princípio constitucional non bis in idem, há, em primeiro lugar, que atentar no regime do CIMSISSD. E, desde logo, que para além do disposto no Art.º 176º, existia o Art.º 162º integrando ambos os artigos o capítulo IX, referente a "Penalidades". E que eram normas de natureza sancionatória, aliás, tal como também se alcança da leitura do preâmbulo e das notas iniciais constantes no CIMSISSD, aprovado e publicado em anexo ao Decreto-Lei 41 969, de 24 de Novembro de 1958.

JJ) Mas vigorava, igualmente, o Art.º 178º, do mesmo diploma legal que, de forma inequívoca e clara esclarecia que as duas reacções não eram cumuláveis (as dos Art.ºs 162º e 176º). Isto é, punindo-se os autores da simulação pelo regime do Art.º 162º, não se poderiam punir pelo do Art.º 176º, pois o direito de preferência era visto e efectivamente era, uma sanção/penalidade e, por isso mesmo, o regime não admitia a cumulação das sanções, isto em obediência ao princípio non bis in idem.

KK) Ora, sendo como é a reacção do Art.º 176º do CMISISSD claramente sancionatória em que pela sua aplicação o ente público preferia na aquisição, sancionando-se o contribuinte pelo seu comportamento fraudulento. Mas aqui já existia, como se verifica, um processo de inquérito-crime, que veio a sofrer despacho de arquivamento pela Digna Magistrada do MP no Tribunal de Reguengos de Monsaraz, o qual visava a punição dos Recorrentes pela alegada prática de um crime de fraude fiscal, p.p. pelo Art.º 103º, do RGIT. Mas para além disto, temos que considerar que contra os Recorrentes ainda foi accionada a reacção para tributação pelo alegado valor real do negócio. Ou seja, pretendia-se que os simuladores no plano tributário fossem tributados pelo valor real do negócio e que fossem punidos criminalmente por fraude fiscal, nos termos do Art.º 103º, do RGIT. Faria sentido, tributava-se o negócio real e puniam-se criminalmente - com pena de prisão ou pena de multa.

LL) Seria, assim, um regime coerente com o princípio da capacidade contributiva e com o direito sancionatório/criminal, se não fosse o Art.º 176º, do CIMSSD. Mas, como se vê, no caso destes autos, ainda acresceria a correcção da tributação pelo Art.º 39º, da LGT. Pretendia-se aplicar aos Recorrentes três tipos de reacção. Duas de natureza claramente sancionatória e uma de natureza tributária.

MM) Sendo o direito de preferência uma sanção que não admitia cumulação com a sanção do 162º, não se poderia admitir, em 2003, cumulá-la com a punição do 103º, do RGIT e com o 39º, da LGT. Então há que por em causa um tal regime que não preteria (por tal ser impossível) a tributação pelo preço real deixando de haver prejuízo para o Estado/Ente Público, puniam-se criminalmente (por imposição legal - Art.º 262º, do CPP) os agentes pelo crime de fraude fiscal e ainda se pretendia sancionar/punir os Recorrentes com uma sanção de natureza patrimonial, preterindo-se, neste caso, os direitos de arguido do contribuinte, constitucionalmente protegidos pelo disposto no Art.º 32º, da CRP, isto no que à acção dos presentes autos respeita, atenta a natureza claramente punitiva da mesma.

NN) Violar-se-iam, se a simulação e consequente diminuição do tributo a pagar ao Estado tivesse sido provado e os agentes punidos pelo 103º do RGIT e tributado pelo 39º, da LGT, o princípio da capacidade contributiva ínsito à Constituição Fiscal (Art.º 103º e 104º, da CRP) e plasmado no n.º 1, do Art.º 4º, da LGT, bem como o princípio constitucional da proporcionalidade, conjuntamente, com o princípio que vimos neste segmento do recurso, o princípio non bis in idem.

OO) Acrescendo ainda que, estando o direito penal e contra-ordenacional subordinados ao princípio da culpa, não se alcança como poderia ser aplicada a sanção de preferência em caso, como é dos autos, de mera inexactidão da indicação do preço.

PP) Tudo isto para que quem viesse a beneficiar fosse o mesmo Cirilo "Alves dos Reis", por interposição de pessoas, dois dos seus filhos, com quem os Presidente e Vice-Presidente da Câmara Municipal de Mourão, fizeram o contrato promessa de venda de bens futuros, sem a mínima vergonha em entrar neste cambalacho com o co-réu AA.

QQ) Isto quando a invocada norma do Art.º 176º, do CIMSISSD, expressamente atribui o direito de preferência apenas aos entes públicos no artigo elencados.

RR) Verificar-se-ia, deste modo, a figura do enriquecimento sem causa, ilegítima e por vias ínvias a favor de particulares não elencados na lei.

EM RESUMO:

Nunca o Tribunal Judicial de Reguengos de Monsaraz poderia ter dado como provada a simulação fiscal, e o Venerando TRE vir confirmar essa sentença, pois, para tal, em momento algum foi produzida a prova concludente, objectiva e necessária para esse efeito;

Para que se verifique a simulação fiscal, necessária é a verificação de um efectivo prejuízo para a Fazenda Pública, não se bastando esta figura jurídico - tributária com a mera tentativa de enganar terceiros;

Para os presentes autos, bem como para as demais acções e inquéritos-crime instaurados contra os Recorrentes, contribuiu única e exclusivamente uma declaração modelo 3 de IRS preenchida e entregue no SF de Mourão, pelo então Sr. Vice-Presidente da Câmara Municipal de Mourão, enquanto contabilista do beneficiário/interessado com este e com os outros processos, especialmente com a acção executiva 90/04.7TBEVR;

A AF encontrava-se legalmente obrigada pelo disposto no Art.º 39º, da LGT, se concluísse com segurança pela existência da simulação fiscal, a proceder à liquidação adicional, a fim de que a tributação incidisse sobre o preço real do negócio; assim como o MP se encontrava obrigado, à instauração do competente inquérito-crime para averiguação da fraude fiscal, p.p., pelo n.º1, do Art.º 103º, do RGIT;

As liquidações adicionais foram impugnadas junto do competente Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, onde vieram a ser julgadas procedentes por doutas sentenças transitadas em julgado porquanto, foi e fica patente que a AF não cumpriu o ónus, sobre si impendente, de apurar e revelar indícios (no plural, conforme legalmente se determina) objectivos e fundados de que os prédios foram alienados pelas alegadas importâncias, sustentando as suas conclusões, tal como faz o A. nos presentes autos, em meras suposições e conclusões sem apoio em dados objectivos e palpáveis; limitando-se os indícios e a prova à declaração modelo 3 de IRS do interessado AA;

E, nesta sequência, o inquérito-crime no processo 38/04.9TARMZ, foi pelo MP arquivado;

Ora, como se verifica, a presente acção não se encontra isolada dos demais processos, sendo, inclusivamente, as acções decididas no TAF de Beja, as acções principais, porquanto, não tendo sido provada a indicação inexacta do preço e a consequente perda na arrecadação do tributo por parte da Fazenda Pública, jamais poderá proceder o pedido do A.;

Judicialmente declarada e transitada em julgado a inexistência da lesão ao Estado por omissão no pagamento de imposto(s), nunca a sentença proferida nos presentes autos poderia estribar-se nessa lesão (inclusivamente apresentando contas destituídas de qualquer sentido e sem qualquer nexo), o mesmo acontecendo com o acórdão de que se recorre, que a confirma na íntegra e precisamente com o mesmo fundamento;

Há, por isso mesmo, que atender à Autoridade do Caso Julgado, o que não foi feito .

Não assiste o direito de preferência ao A., pois o mesmo só pode ser exercido quando exista simulação fiscal que não existiu conforme decidiu o TAF competente, pois a AF não conseguiu provar a verificação da simulação fiscal. Não se compreendendo que viesse agora o Município de Mourão fazer prova do que quer que fosse nesta sede;

Os Recorrentes compradores nunca poderiam ser duplamente sancionados e ser tributado pelo alegado valor real como se pretendeu; 103º, RGIT; 176º, CIMSISSD e 39º, da LGT;

Mesmo que não se atendesse à inexistência de prova realizada para derrogar o documento autêntico, nem à autoridade do caso julgado, sempre haveria que atender ao principio non bis in idem;

De igual modo acontece no que tange aos princípios da proporcionalidade, da capacidade contributiva e de outros subprincípios constitucionais cuja violação se verificaria com a decisão de que se recorre;

A final verifica-se ainda que quem iria beneficiar com a preferência não era o ente público Município de Mourão conforme se encontra consagrado no Art.º 176º, do CIMSISSD, mas sim o Co-Réu que inquinou todo o processo com as maquinações por ele e por outros, levadas a efeito;

Sendo certo que, de todos estes factos o MP através do Senhor Procurador teve e tem conhecimento, mas nunca procurou nem ordenou que se procurasse pelo que quer que fosse, e este o que quer que fosse encontra-se muitíssimo evidenciada em todos os processos. Estes sim são indícios fortes que mereceriam ter sido investigados, nomeadamente as relação e ligações espúrias e os documentos grosseiramente adulterados.

Não se revestem as conclusões no presente recurso de uma mera prolixidade por parte dos Recorrentes, mas antes se devendo a aparente extensão do recurso, ao integral conhecimento das situações que se sucederam desde a outorga da escritura pública de compra e venda há mais de 10 anos e que já se desdobrou e contabiliza em quatro acções judiciais e três processos de inquérito - crime que foram instaurados aos aqui Recorrentes, tendo incidido sobre todos eles, despacho de arquivamento determinado pelo MP.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o Mui Douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora…

E conclui o Banco FF as alegações como segue:

1 - A presente acção foi mal julgada, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de direito, devendo o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que declare a acção improcedente por não provada.

2 - O Acórdão recorrido praticou violação, entre outras, das normas do CPC que regulam a prova (artigos 341º e seguintes do Código Civil).

3 - A Veneranda Relação de Évora não podia, face às regras processuais aplicáveis, desvalorizar a prova plena constituída pela escritura pública de compra e venda (em que vendedores e compradores declaram o preço exacto dos imóveis e o recebimento do respectivo valor), valorizando em contra partida, contra legem, uma declaração confessória unilateral, nula e ineficaz.

4 - Tal declaração confessória é nula, e ineficaz, porquanto produzida por um interessado, R. no processo e interveniente em negócio obscuro e ilegítimo com o Autor (contrato-promessa de compra e venda dos imóveis dos autos) e adrede fabricada para sustentar a execução dos cheques, adulterados, totalizando 6 milhões de euros.

5 - Outras incongruências e ilegalidades foram encontradas na apreciação e avaliação judicial da prova, desprezando as instâncias, ou recusando, em frontal violação da lei, a prova documental junta ou requerida juntar, incluindo a não impugnada, ou a prova testemunhal produzida, afastando quer o raciocínio lógico quer as regras da experiência, quer a natureza das coisas.

6 - Resulta claro de todo o processo que as instâncias evitaram a todo o custo lidar com a verdade material, acantonando-se pertinazmente na versão do Município, falsa e fabricada para a obtenção de fins ilegítimos, como de resto foi em devido tempo aflorado nos autos (artigo 665º antigo CPC).

7 - A declaração confessória que serviu de base e de prova (único elemento probatório do Município) à presente demanda é nula e de nenhum efeito, dado o manifesto interesse que os próprios confitentes nela tinham, sendo certo que os factos objecto da confissão se vieram a revelar claramente favoráveis aos mesmos confitentes.

8 - De acordo com as regras da prova consagradas nos artigos 352.º e seguintes do Código Civil, não só a declaração confessória dos RR AA é inválida, nula e inatendível, por reverter a favor dos confitentes, como tal declaração não é susceptível de neutralizar a prova constituída pela escritura pública, cujo teor faz prova plena e cuja força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade (371.º e 372.º CC).

9 - O Acórdão recorrido não considerou a existência de caso julgado material, antes a ignorou ostensivamente, dizendo laconicamente que no caso não se verificavam os requisitos do caso julgado formal.

10 - Ora, tendo a acção de impugnação sido julgada procedente, com base na ineficácia da declaração confessória do R. AA, e na falta de força probatória da mesma, tal decisão tem força de caso julgado material, obrigando a que na presente acção seja proferida decisão no mesmo sentido, ou seja, que acate e confirme o julgamento anterior de não procedência.

11 - O Acórdão recorrido não atendeu à inexistência de prejuízo para a Fazenda Pública, essencial para que exista simulação fiscal.

12 - Com efeito, o elemento prejuízo é essencial, é um pressuposto sine qua non para a existência de simulação fiscal, pelo que, não existindo prejuízo, como não existe, não há simulação fiscal.

13 - A decisão proferida na acção de impugnação de liquidação da sisa, ao julgar procedente a impugnação, eliminou da ordem jurídica a liquidação adicional, confirmando e mantendo a sisa liquidada e paga pelos compradores,

14 - Mantém-se assim na ordem jurídica a liquidação da sisa efectuada em 2003, com o respectivo imposto oportunamente pago, situação de facto e de direito definitiva e inarredável.

15 - Os preços declarados na escritura de compra e venda e aí dados como recebidos, são os reais, não tendo o Município logrado provar que os preços reais, ou acordados entre as partes, eram os falsamente indicados pelos vendedores espanhóis no Modelo 3, Anexo G, do IRS.

16 - A decisão a proferir nesta acção tem necessariamente de conformar-se com a decisão, transitada, proferida nas impugnações de liquidação da sisa, o que vale dizer-se que deve a decisão a proferir neste recurso julgar improcedente, por não provada, a presente acção de preferência.

17 - Se, por mera hipótese académica, absurda e impossível de se concretizar, se viesse a confirmar o Acórdão recorrido, daí resultaria o enriquecimento ilegítimo dos compradores espanhóis e o inglório e criminoso empobrecimento da CMM, o que seguramente ninguém preconizará.

Nestes termos e com o Mui Alto Suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, julgando improcedente a acção, com todas as legais consequências.

Contra-alegou a Senhora Procuradora-Geral Distrital, com as seguintes conclusões:

I - Uma escritura pública não faz prova plena da existência dos factos declarados, mas sim, e apenas, de que os mesmos foram declarados.

II - A apreciação da prova feita pelas instâncias não violou o disposto no artigoº 674° n° 3, parte final do NCPC, pelo que a matéria de facto se encontra definitivamente fixada, não podendo o ST J alterá-la, atento o disposto no artigo  674.º n° 3 e no artigo 682° n° 1 e 2 do NCPC.

IV - (inexiste n.º III) - A decisão proferida no TAF de Beja, de anulação da liquidação adicional de sisa, não constitui caso julgado na presente acção de preferência, nem os respectivos fundamentos têm aqui autoridade de caso julgado, dado que se mostram diferentes, quer os sujeitos processuais, quer o pedido, não se verificando, em consequência, os pressupostos previstos no art° 581 ° do NCPC.

V - Tal decisão apenas constitui caso julgado para o processo penal tributário, como expressamente se prevê no art° 48° do RGIT, não sendo tal norma extensível a esta acção de preferência, de natureza cível e não tributária ou penal, em cuja regulamentação o legislador não adoptou norma de conteúdo semelhante.

VI - O direito de preferência previsto no artigo 176° do CIMSISSD - e actualmente também previsto em termos idênticos no art° 55° do CIMT- não constitui uma sanção penal, pelo que a sua cumulação com a punição criminal nos termos do art° 103° do RGIT, não pode considerar-se violadora do princípio non bis in idem.

VII - Não tendo o recorrente CC alegado tal questão na apelação, estamos perante "questão nova", que não pode ser objecto do presente recurso de revista, uma vez que neste apenas poderão ser reapreciadas as questões que anteriormente foram colocadas pelo recorrente perante a Relação e que pela mesma foram conhecidas -- como é sabido os recursos destinam-se à reapreciação das questões suscitadas no tribunal "a quo" e não a apreciar novas questões colocadas ex novo perante o tribunal "ad quem".

Nestes termos, e nos mais de direito aplicáveis, deverá ser negado provimento aos recursos, mantendo-se integralmente o douto acórdão recorrido…

6 . Ante as conclusões das alegações, as questões que se nos deparam, relativamente ao primeiro recurso, consistem em saber se:

Para além da inexatidão na indicação do preço na escritura pública de compra e venda outorgada em 7.11.2003, foram alegados os demais pontos da BI integrantes da simulação;

As respostas a estes pontos são de repudiar, por não se compreender, na versão fixada, que os compradores tivessem pago mais meio milhão de euros;

Não se podia ter como provado que houve diminuição da receita tributária, face às decisões, transitadas em julgado, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que se encontram juntas de folhas 1807 a 1826;

Releva, no sentido do afastamento da simulação, o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público relativo ao processo-crime instaurado por fraude fiscal;

Releva ainda – por força da figura da autoridade do caso julgado – que no processo de execução n.º 90/04.7TBEVR, tenha sido julgada procedente a oposição, por sentença transitada em julgado, junta de folhas 2535 a 2541, não tendo o recorrente que pagar os seis milhões de euros relativos ao alegado preço da transação;

O relevo de todas estas decisões deveria determinar, atento o princípio da boa fé, que o Ministério Público desistisse do pedido;

Ainda que para o Tribunal da Relação de Évora, não tenha sido levantada a questão, teve lugar no acórdão recorrido violação do princípio constitucional “ne bis in idem”;

Ao tempo, o artigo 178.º do CIMSISSD impedia que se cumulassem as reações previstas no artigo 162.º, por um lado, e 176.º, por outro;

Sendo de afastar também que se cumulasse o direito de preferência com a punição do artigo 103.º do RGIT e com o artigo 39.º da LGT, sob pena de violação do “princípio da capacidade tributiva” previsto nos artigos 103.º e 104.º da CRP e plasmado no n.º1 do artigo 4.º da LGT;

Bem como o princípio da proporcionalidade, para além do referido princípio “ne bis in idem”;

A preferência decretada viola o princípio da culpa;

Sendo destinada a beneficiar dois filhos do réu AA, com quem os Presidente e Vice-Presidente da Câmara Municipal de Mourão celebraram contrato-promessa de venda de bens futuros;

Dando aso a surgimento duma situação de enriquecimento seu causa.

E relativamente ao segundo em saber se:

A Relação não podia “desvalorizar a prova plena constituída pela escritura pública de compra e venda”, valorizando, em contrapartida, uma declaração confessória unilateral, nula e ineficaz, dado o interesse que os próprios confitentes nela tinham;

Não atendeu a prova documental produzida;

Desrespeitou o caso julgado formado com a decisão da ação de impugnação de liquidação da sisa;

Inexistiu prejuízo para a Fazenda Nacional, falecendo, por aqui, um dos elementos essenciais da simulação;

Os preços declarados na escritura de compra e venda são reais;

A confirmação do acórdão recorrido encerraria um enriquecimento ilegítimo dos compradores espanhóis e “inglório e criminoso” empobrecimento da Câmara.

7 . Vem provada a seguinte matéria de facto:

1 – Em escritura datada de 7 de Novembro de 2003, outorgada no Cartório Notarial de Sousel, AA e BB, aí identificados como “Primeiros”, CC, aí identificado como “Segundo” e na invocada “(…) qualidade de procurador (…)” de DD, KK, aí identificado como “Terceiro” e na invocada “(…) qualidade de sócio gerente e em representação da sociedade EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda. (…)” e LL, aí identificado como “Quarto” e na invocada “(…) qualidade de procurador e em representação do Banco FF, S.A.. (…)”, declararam, respetivamente, que “(…) pela presente escritura e pelo preço global de oitocentos e sessenta mil euros, que confessam já ter recebido, vendem ao Segundo e à representada do Terceiro, os prédios a seguir identificados, situados no concelho de Mourão e Barrancos: a) Pelo valor de noventa e cinco mil euros, o prédio rústico denominado Herdade das GG, freguesia de Granja, concelho de Mourão, inscrito na matriz sob parte do artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mourão sob o n.º …, com a aquisição registada a favor dos primeiros pela inscrição G-Três (…) b) Pelo valor total de cento e setenta mil euros, sendo cento e cinquenta mil euros para o rústico e vinte mil euros para o urbano, o prédio misto denominado Herdade da HH, freguesia de Granja, concelho de Mourão, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, e na matriz urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mourão sob o n.º …, com a aquisição registada a favor dos primeiros pela inscrição G-Quatro (…) c) Pelo valor total de cem mil euros, sendo noventa mil euros para o rústico e dez mil euros para o urbano, o prédio misto denominado Herdade do II, freguesia de Granja, concelho de Mourão, inscrito na matriz rústica sob o artigo …, e na matriz urbana sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mourão sob o n.º …, com a aquisição registada aí a favor dos primeiros pela inscrição G-Quatro (…) d) Pelo valor de duzentos e oitenta mil euros, o prédio rústico denominado Herdade dos JJ, freguesia de Granja, concelho de Mourão, inscrito na matriz sob parte do artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Mourão sob o n.º …, com a aquisição registada a favor dos primeiros pela inscrição G-Quatro, (…)”, que “(…) aceitam a venda nos termos exarados (…)” e “(…) constituem a favor do Banco FF, S.A.., que o quarto outorgante representa, hipoteca voluntária sobre os imóveis supra identificados de letras a) a d) aos quais atribuem o valor de dois milhões novecentos e noventa e quatro mil euros, livres de quaisquer ónus ou encargos (…) a) Das responsabilidades assumidas ou a assumir, indistintamente, por CC e/ou DD, perante o mesmo Banco até ao limite de dois milhões, duzentos e trinta e cinco mil euros, (…) b) Dos juros à taxa Euribor (…)” e que “(…) para o Banco seu representado, aceita esta hipoteca, nos termos exarados. (…)”.

2 – Na escritura reproduzida em 1 escreveu-se ainda “(…) Arquiva-se: a) Conhecimentos de SISA nos. 0949/49/2003; 0949/48/2003; 0949/51/2003; 0949/47/2003; e 0949/50/2003, emitidos em 21 de Agosto de 2003, pelo Serviço de Finanças de Mourão (…)”.

3 – Em escrito datado de 21 de Agosto de 2003 e emitido pela Direção de Finanças de Évora com as menções “(…) Termo de Declaração SISA n.º 0949/49/2003 (…)”, escreveu-se “compareceu neste serviço de finanças o Sr. KK (…) na qualidade de gestor de negócios de CC (…) comprador de ½ do bem (…) casado em comunhão de adquiridos com DD, e EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda. (…) comprador de ½ do bem, que declarou que pretende pagar a sisa que for devida com referência à compra que pelo preço de 95000.00 €, vai fazer a AA (…), casado em comunhão de adquiridos com BB, de um prédio rústico sito na Herdade das GG (…) inscrito na respectiva matriz predial rústica da freguesia da Granja sob o artigo n.º 7, secção 010 (…) Vai servir de base à liquidação o valor de compra, ao qual vai ser aplicada a taxa de 5,00% (…) Importa em quatro mil setecentos e cinquenta euros a sisa devida pela transmissão declarada no termo acima transcrito (…).

4 – Em escrito datado de 21 de Agosto de 2003 e emitido pela Direção de Finanças de Évora com as menções “(…) Termo de Declaração Sisa n.º 0949/48/2003 (…), escreveu-se “compareceu neste serviço de finanças o Sr. KK (…) na qualidade de gestor de negócios de CC (…) comprador de ½ do bem (…) casado em comunhão de adquiridos com DD, e EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda. (…) comprador de ½ do bem, que declarou que pretende pagar a sisa que for devida com referência à compra que pelo preço de 150.000.00 €, vai fazer a AA (…), casado em comunhão de adquiridos com BB, de um prédio rústico sito na Herdade da HH, (…) inscrito na respectiva matriz predial rústica da freguesia da Granja sob o artigo n.º 0001, secção 011 (…) Vai servir de base à liquidação o valor de compra, ao qual vai ser aplicada a taxa de 5,00% (…) Importa em sete mil e quinhentos euros a sisa devida pela transmissão declarada no termo acima transcrito (…).

5 – Em escrito datado de 21 de Agosto de 2003 e emitido pela Direção de Finanças de Évora com as menções “(…) Termo de Declaração Sisa n.º 0949/47/2003 (…), escreveu-se “compareceu neste serviço de finanças o Sr. KK (…) na qualidade de gestor de negócios de CC (…) comprador de ½ do bem (…) casado em comunhão de adquiridos com DD, e EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda. (…) comprador de ½ do bem, que declarou que pretende pagar a sisa que for devida com referência à compra que pelo preço de 90.000.00 €, vai fazer a AA (…), casado em comunhão de adquiridos com BB, de um prédio rústico sito na Herdade do II, (…) inscrito na respetiva matriz predial rústica da freguesia da Granja sob o artigo n.º 2, secção 010 (…) Vai servir de base à liquidação o valor de compra, ao qual vai ser aplicada a taxa de 5,00% (…) Importa em quatro mil e quinhentos euros a sisa devida pela transmissão declarada no termo acima transcrito (…).

6 – Em escrito datado de 21 de Agosto de 2003 e emitido pela Direção de Finanças de Évora com as menções “(…) Termo de Declaração Sisa n.º 0949/51/2003 (…), escreveu-se “compareceu neste serviço de finanças o Sr. KK (…) na qualidade de gestor de negócios de CC (…) comprador de ½ do bem (…) casado em comunhão de adquiridos com DD, e EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda. (…) comprador de ½ do bem, que declarou que pretende pagar a sisa que for devida com referência à compra que pelo preço de 10.000.00 €, vai fazer a AA (…), casado em comunhão de adquiridos com BB, de um prédio rústico sito na Herdade do II, (…) inscrito na respectiva matriz predial rústica da freguesia da Granja sob o artigo n.º … (…) Vai servir de base à liquidação o valor de compra, ao qual vai ser aplicada a taxa de 5,00% (…) Importa em seiscentos e cinquenta euros a sisa devida pela transmissão declarada no termo acima transcrito (…).

7 – Em escrito datado de 21 de Agosto de 2003 e emitido pela Direcção de Finanças de Évora com as menções “(…) Termo de Declaração Sisa n.º 0949/50/2003 (…), escreveu-se “compareceu neste serviço de finanças o Sr. KK (…) na qualidade de gestor de negócios de CC (…) comprador de ½ do bem (…) casado em comunhão de adquiridos com DD, e EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda. (…) comprador de ½ do bem, que declarou que pretende pagar a sisa que for devida com referência à compra que pelo preço de 280.000.00 €, vai fazer a AA (…), casado em comunhão de adquiridos com BB, de um prédio rústico sito na Herdade dos JJ, (…) inscrito na respectiva matriz predial rústica da freguesia da Granja sob o artigo n.º 0016, secção 007 (…) Vai servir de base à liquidação o valor de compra, ao qual vai ser aplicada a taxa de 5,00% (…) Importa em catorze mil euros a sisa devida pela transmissão declarada no termo acima transcrito (…).

8 – Pela cota G-4 da ficha n.º … da Conservatória do Registo Predial de Mourão, o prédio rústico denominado “Herdade das GG” acha-se inscrito a favor de “EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda.” e de CC e DD “(…) em comum e em partes iguais (…)”.

9 – Pela cota C-1 da ficha n.º … da Conservatória do Registo Predial de Mourão, acha-se inscrita a favor do Banco FF, S.A.. uma hipoteca para “(…) garantia do pagamento pontual das responsabilidades assumidas ou a assumir, indistintamente, por CC e/ou DD (…) Montante máximo: 2.759.710 euros (…).

10 – Pela cota G-5 da ficha n.º … da Conservatória do Registo Predial de Mourão, o prédio rústico denominado “Herdade dos JJ” acha-se inscrito a favor de “EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda.” e de CC e DD “(…) em comum e em partes iguais (…)”.

11 – Pela cota C-4 da ficha n.º … da Conservatória do Registo Predial de Mourão, acha-se inscrita a favor do Banco FF, S.A.. uma hipoteca para “(…) garantia do pagamento pontual das responsabilidades assumidas ou a assumir, indistintamente, por CC e/ou DD (…) Montante máximo: 2.759.710 euros (…).

12 – Pela cota G-5 da ficha n.º … da Conservatória do Registo Predial de Mourão, o prédio misto denominado “Herdade do II” acha-se inscrito a favor de “EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda.” e de CC e DD “(…) em comum e em partes iguais (…)”.

13 – Pela cota C-4 da ficha n.º … da Conservatória do Registo Predial de Mourão, acha-se inscrita a favor do Banco FF, S.A.. uma hipoteca para “(…) garantia do pagamento pontual das responsabilidades assumidas ou a assumir, indistintamente, por CC e/ou DD (…) Montante máximo: 2.759.710 euros (…).

14 – Pela cota G-5 da ficha n.º … da Conservatória do Registo Predial de Mourão, o prédio rústico denominado “Herdade da HH” acha-se inscrito a favor de “EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda.” e de CC e DD “(…) em comum e em partes iguais (…)”.

15 – Pela cota C-3 da ficha n.º … da Conservatória do Registo Predial de Mourão, acha-se inscrita a favor do Banco FF, S.A.. uma hipoteca para “(…) garantia do pagamento pontual das responsabilidades assumidas ou a assumir, indistintamente, por CC e/ou DD (…) Montante máximo: 2.759.710 euros (…).

16 – A edificação construída no espaço denominado “Herdade do II” acha-se inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia da Granja.

17 – A edificação construída no espaço denominado “Herdade das GG” acha-se inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia da Granja.

18 – Em 27 de Abril de 2004, AA entregou o anexo G ao modelo 3 da declaração de IRS preenchido da seguinte forma:

“(…) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (…)


Realização                                         Aquisição

Ano   Mês             Valor               Ano     Mês     Valor

401    2003    11        1.547.520.90               1998    06        93.025.81

402      2003    11        402.970.12              1998    06        144.706.26

403    2003    11       53.729.35             1998    06        5.661.36

404      2003    11        836.081.20             1998    06        85.274,49

405      2003    11        92.897.91               1998    06        8.255.11

406      2003    11        2.000.214.40           1998    06        272.243.89


Identificação matricial dos bens

Artigo Fracção/Secção

Campo 401                7          10

Campo 402                1          11

Campo 403                574     

Campo 404                2          10

Campo 405                553

Campo 406                16        A

19 – Em escrito datado de 4 de Dezembro de 2003, dirigido ao réu Banco FF, S.A.., o mandatário dos réus AA e BB declarou: “(…) Represento, nos termos da procuração de que anexo cópia, o Sr. AA (…) No âmbito da sua actividade, aquele m/ constituinte celebrou com o Sr. CC e a sociedade EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda. um contrato de compra e venda que envolveu a alienação por aquele m/ constituinte de diversos prédios rústicos e urbanos, sitos nos concelhos de Mourão e Barrancos (…) Para pagamento do preço global acordado, aquele CC e o gerente da Ag.ª do Banco FF/MM em Reguengos de Monsaraz, Sr. LL, entregaram ao m/ constituinte, no p.p. dia 7 de Novembro, no Cartório Notarial de Sousel, aquando da celebração da competente escritura notarial (…) entre outros valores, os cheques visados n.ºs …, …, …, …, … e …, emitidos pelo dito CC, no mesmo dia 2003/11/07, sobre o Banco FF/MM, Agência de Reguengos de Monsaraz, a favor do m/ constituinte, do valor de um milhão de euros (…)”.

20 – Em 8 de Janeiro de 2004, AA intentou, no 1.º Juízo Cível de Évora, acção executiva para pagamento de quantia certa contra CC com base em seis cheques por este emitidos a seu favor, pelo valor inscrito de € 1.000.000 em cada um deles, datados de 7 de Novembro de 2003, e apresentando os números …, …, …, …, … e …, constando dos primeiros quatro a menção “Devolvido na compensação (…) por falta de provisão (…)” e no verso dos dois restantes a menção “(…) Devolvido na compensação do Banco de Portugal. Motivo: Cheque viciado (…)”.

21 – Em escrito datado de 30 de Outubro de 2003, o réu CC declarou, perante o Banco MM: “(…) Solicito a anulação dos seguintes cheques visados por motivo de extravio: … de 1.000 €, … de 1.000 €, … de 1.000 €, … de 1.000 €, … de 1.000 € e … de 1.000 €.

22 – Por sentença proferida por este tribunal em 13 de Julho de 2004, fixou-se em € 2.478.276,41 o valor da indemnização a pagar pela NN – Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas de Alqueva, S. A., pela expropriação da Herdade OO, situada na freguesia da Granja, com a área de 5.500.250 m2.

23 – Em escrito datado de 18 de Maio de 2004, com a epígrafe “Contrato-promessa de compra e venda”, o Município de Mourão, aí identificado como “primeiro outorgante” e “promitente vendedor”, e PP e QQ, identificados como “segundos outorgantes” e “promitentes-compradores”, declarou-se: “Considerando face ao acima exposto o Município de Mourão, através da sua câmara municipal, decidiu exercer o direito de preferência que lhe assiste, face ao disposto no artigo 176.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações vigente à data da liquidação da sisa que instruiu a mencionada escritura de venda, através da instauração, no passado dia 4 de Maio de 2004, pelo competente Magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal Judicial de Reguengos de Monsaraz, da correspondente ação de preferência; É livremente celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato-promessa de compra e venda de bens futuros, com recibo de parte do preço e sinal, que se rege pelas cláusulas seguintes: Primeira – Através da ação de preferência identificada no ponto 4.º dos considerandos preambulares do presente contrato, o promitente vendedor espera e confia ver judicialmente reconhecido o direito de haver para si, pelo valor de € 676.400, os prédios a seguir identificados, situados no concelho de Mourão, dos quais passará a ser, após a procedência daquela ação de preferência e o trânsito em julgado da respetiva sentença, legítimo titular do direito de propriedade e possuidor: a) prédio rústico denominado Herdade das GG (…); b) prédio misto denominado Herdade das GG (…); c) prédio misto denominado Herdade do II (…); d) prédio rústico denominado Herdade dos JJ (…); Segunda – Pelo presente contrato, o promitente vendedor promete vender aos promitentes-compradores, em comum e partes iguais, e este prometem comprar, livres de quaisquer ónus ou encargos e devolutos de pessoas e bens, os prédios identificados na precedente cláusula primeira, logo que transite em julgado a decisão judicial que, julgando procedente a ação de preferência referendada no ponto 4.º dos considerandos preambulares, vier a declarar ser o aqui promitente vendedor legítimo titular do direito de propriedade sobre esses mesmos prédios; Terceira – o preço global da venda ora prometida é de um milhão, vinte e seis mil e quatrocentos euros (…).

24 – Pela compra do espaço denominado “Herdade das GG”, identificado em 1, os réus CC, DD e EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda., acordaram, com os réus AA e BB, o preço de € 1.547.520,90.

25 – Pela compra do espaço denominado “Herdade da HH”, identificado em 1, os réus CC, DD e EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda., acordaram, com os réus AA e BB, o preço global de € 928.879,11, sendo € 836.081,20 pela parte rústica e € 92.897,91 pela parte urbana.

26 – Pela compra do espaço denominado “Herdade do II”, identificado em 1, os réus CC, DD e EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda., acordaram, com os réus AA e BB, o preço global de € 456.699,47, sendo € 402.970,12 pela parte rústica e € 53.728,35 pela parte urbana.

27 – Pela compra do espaço denominado “Herdade dos JJ”, os réus CC, DD e EE, Sociedade de Caça e Turismo Rural, Lda., acordaram, com os réus AA e BB, o preço de € 2.000.214,40.

8 . Na petição inicial alude-se à diferença entre os preços consignados e os reais, ao acordo de todos os outorgantes no sentido de serem aqueles a figurar na escritura pública e ao prejuízo para o Estado quanto ao recebimento da sisa.

Não é alegada a intenção de causar este prejuízo, mas ela emerge, com clareza, de todo o contexto alegatório.

Como referem A. Varela, Sampaio e Nora e Miguel Bezerra (Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 676, nota de pé de página) e tem sido entendimento deste Tribunal (exemplificativamente, os Ac.s de 3.2.1999, no BMJ 484.º, 384, de 22.10.2009, processo n.º 409/09.4YFLSB e de 5.5.2011, processo n.º 3667/04.7TJVNF-S-S1, disponíveis em www.dgsi.pt), a alegação implícita deve ser tida em conta.

Esta consideração integra-se, aliás, numa visão do processo civil como mero instrumento e não como um fim em si, impondo-se, por isso, uma grande elasticidade em ordem a que a decisão do tribunal assente em realidades substantivas e não adjetivas (vejam - se, a este propósito, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12, na parte em que alude à “garantia de prevalência do fundo sobre a forma” e, bem assim, Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 59).

Portanto, não procede a primeira das questões enunciadas em 6.

9 . Já afirmava Castro Mendes (Recursos, 28) que os recursos “visam modificar decisões e não emitir juízos de valor sobre matéria nova” devendo entender-se, no entanto, “que são arguíveis e devem ser apreciadas “ex novo” em recurso as questões do conhecimento oficioso…”

Esta posição mantém perfeita atualidade, tendo sido acolhida, de modo constante, por este Supremo Tribunal (cfr-se, por todos, no referido sítio, Acórdãos de 14.3.2006, processo n.º 06B322 e de 12.7.2007, processo n.º 07A2476).

A questão relativa à violação do princípio “ne bis in idem”, agora levantada pelos primeiros recorrentes, foi ignorada no recurso para a Relação (como eles mesmos reconhecem), mas sendo de conhecimento oficioso, há que dela conhecer.

10 . Por regra, emergente logo do artigo 33.º da LOFTJ (n.º 52/2008, de 28.8) este Tribunal só conhece de direito. Especificamente, no que respeita ao recurso de revista, está balizado pelo que resulta dos artigos 674.º, n.º 3 e 682.º do Código de Processo Civil.

Com a ressalva da parte final daquele n.º3 do artigo 674.º e sem perder de vista a possibilidade conferida pelo n.º3 deste artigo 682.º, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, este tribunal aplica o regime jurídico que julgue adequado.

Esta interpretação da lei é clara, mas, se dúvidas houvesse, sempre poderia encontrar reforço na posição, quer da doutrina (cfr-se, exemplificativamente, Lebre de Freitas e Outros, Código de Processo Civil Anotado, 3.º, 118 e, bem assim, Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 440), quer da jurisprudência deste Tribunal que se pode ver em www.dgsi.pt e que, por ser tão repetitiva, dispensa alusões concretas.

11 . A parte final do n.º3 do artigo 674.º deste código, em manutenção do que vigorava antes, abre caminho à alteração factual, além do mais que aqui não importa, quando a lei fixe a força de determinado documento.

Esta força é fixada, quanto aos documentos autênticos, como é a escritura pública, pelo artigo 371.º, do Código Civil. Fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas perceções da entidade documentadora.

No mais, a prova é de livre apreciação pelo tribunal. Como se escreveu no Acórdão deste Tribunal de 10.5.2007, processo n.º 07B841, com texto disponível no apontado sítio:

“A força probatória dos documentos autênticos considera-se desde logo estabelecida quanto à sua autenticidade e esta só poderá ser atacada pela via da falsidade.

Quanto à força probatória material, há que distinguir:

Também se considera haver prova plena a afastar apenas com a prova da falsidade, no que respeita à veracidade das atestações do funcionário documentador nos limites da sua competência e até onde o conteúdo verse sobre actos praticados por ele próprio.

No que respeita à veracidade, ausência de vícios ou anomalia do que foi transmitido ao funcionário e vertido no documento ou, bem assim, às atestações deste fora dos seus limites de competência, existe plena liberdade de valoração probatória e, consequentemente, de impugnação.

Entendimento que corresponde ao aqui constantemente entendido, podendo ver-se, ainda no referido sítio, e exemplificativamente, os Acórdãos de 4.2.2010, processo n.º 4114/06.5YIPRT.C1 e de 15.2013, processo n.º 5674/05.3TBBCL.G1.S1 e de 15.4.2015, processo n.º 28247/10.4T2SNT-A-L1.S1.

O preço de venda de cada um dos imóveis não foi percecionado pela autoridade ou oficial público respectivo, nem teve lugar perceção da entidade documentadora nesse sentido. Da prova plena resulta que os outorgantes referiram os preços que foram consignados, mas não que tais preços correspondam à realidade. Este confronto com a realidade já se situa no âmbito da prova de livre apreciação.

Relevam, então, os limites de conhecimento deste Tribunal em recurso de revista, supra explanados. Há que aceitar os factos tal como vêm fixados.

12 . Neles não se alude à intenção com que os outorgantes agiram, mas – à semelhança do que referimos em 8 – há a considerar que ela emerge com toda a evidência dos factos provados, já que mais não seja integrando a modalidade de dolo eventual.

Verificam-se, pois, todos os elementos essenciais exigidos pelo artigo 240.º, n.º1 do Código Civil no que aos preços ora em causa diz respeito.

Aliás, como vamos ver no número seguinte, o artigo 176.º do Código da Sisa e do Imposto Sobre Sucessões e Doações tem como requisito essencial, quanto à preferência ali consignada, não apenas a simulação do preço, mas também a simples indicação inexata deste, ainda que subordinada aos valores diferenciais da sisa que fixa.

13 . À data da celebração do negócio (7.11.2003) estava em vigor o Código da Sisa e do Imposto Sobre Sucessões e Doações, cujo artigo 176.º dispunha:

“Se, por indicação inexata do preço, ou simulação deste, a sisa tiver sido liquidada por valor inferior ao devido, o Estado, qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, bem como qualquer autarquia local, pessoa coletiva de utilidade pública ou instituição de segurança social, representado pelo Ministério Público, poderá preferir na venda, desde que assim o requeira perante os tribunais comuns, e prove que o valor por que a sisa deveria ter sido liquidada excede em 50% ou em 100 contos, pelo menos, o valor sobre que incidiu.

Este direito de preferência entender-se-á sem prejuízo dos direitos de preferência reconhecidos em outras leis.

1.º A ação deverá ser proposta em nome do organismo que primeiro se dirigir ao agente do Ministério Público junto do tribunal competente, e dentro do prazo de seis meses a contar da data do ato ou contrato, quando a liquidação da sisa tiver precedido a transmissão ou da data da liquidação, no caso contrário.

§ 2.º O Ministério Público deverá requisitar à repartição de finanças que liquidou a sisa os elementos de que ela já disponha ou possa obter para comprovar os factos alegados pelo autor.

§ 3.º Os bens serão entregues ao preferente mediante depósito do preço inexatamente indicado ou simulado, e da sisa liquidada ao preferido.

§ 4.º Com vista a permitir o exercício do direito de preferência das autarquias locais previsto no corpo deste artigo, os serviços locais de finanças remeterão à câmara municipal da área do imóvel, até ao dia 15 de cada mês, cópias dos conhecimentos de sisa pagas no mês anterior.

§ 5.º O exercício do direito de preferência previsto no corpo deste artigo deve de imediato ser comunicado ao serviço local de finanças competente, para efeito de liquidação adicional da sisa que se mostrar devida, ficando suspenso o prazo de caducidade entre a data da instauração e a do trânsito em julgado da respetiva ação.”

No dia 1 do mês seguinte entrou em vigor o Código do Imposto Municipal de Imóveis e do Imposto Municipal de Transações. No n.º3 do artigo 31.º revogou o Código da Sisa. Mas, no artigo 55.º, ainda que reportando os valores de 30% ou de € 5.000, como diferença entre o imposto cobrado e o que deveria ter sido com indicação exata do preço, manteve a possibilidade de preferência nos que vinha da lei anterior.

Não diverge, pois, a solução quanto à tomada de posição sobre a preferência face à lei velha ou face à lei nova.

De qualquer modo, não há dúvidas de que vale aqui o princípio de “tempus regit actum”, sendo de aplicar o mencionado artigo 176.º.

14 . Como condição da ação temos, então, a prova de que o valor por que a sisa deveria ter sido liquidada excede em 50% ou em 100 contos, pelo menos, o valor sobre que incidiu.

Defendem os recorrentes que não há qualquer excesso, porquanto tiveram lugar decisões, transitadas em julgado, proferidas pelo Tribunal Tributário de Beja, no sentido de que a sisa paga estava correta, não sendo devidos complementos que a administração fiscal exigia.

Reconhecem eles que não se verificam os requisitos do caso julgado, encarado como exceção, previstos no artigo 498.º, n.º1 do Código anterior (581.º, n.º1 do atual). É manifesta, na verdade, a não identidade das partes do pedido e da causa de pedir, quando bastava que tal se verificasse relativamente a uma delas.

Mas lançam mão da figura da autoridade do caso julgado.

Todos estão de acordo que, enquanto a exceção do caso julgado constitui a sua vertente negativa, obstando a que se discuta no processo o que já foi antes decidido, a autoridade do caso julgado encerra a vertente positiva, determinando que no segundo processo de acate o que foi decidido no primeiro.

Esta distinção é formal porquanto, quer perante a primeira das vertentes, quer perante a segunda, tem lugar obstáculo a que no segundo processo se discuta a solução da questão, em ambos se impondo antes o acolhimento do que foi decidido anteriormente.

Mais se vem entendendo que, no que respeita à exceção, se exige a verificação dos requisitos apontados no artigo 498.º, n.º1 do anterior Código de Processo Civil (reproduzidos no artigo 581.º do vigente). E que no que concerne à autoridade, essa verificação é dispensável.

Mas, assim sendo, levanta-se a delicada questão dos limites da figura da autoridade do caso julgado. Se se entenderem apenas como reportados ao conteúdo da decisão, temos que entram pela janela os casos de recusa de procedência da ação em que a causa de pedir (em muitos casos) e as partes são diferentes, que não poderiam entrar pela porta.

Na prática, tendo sempre presente que a distinção que supra referimos é puramente formal, teríamos que o segundo tribunal estava vinculado à decisão anterior, fosse ela ou não fosse idêntica sobre o prisma da causa de pedir ou da identidade das partes. Julgava-se improcedente a exceção, mas acolhia-se e respeitava-se a decisão anterior, por força da sua autoridade. Seriam letra morta estes dois requisitos que a lei tão claramente exige para a exceção.

O que teria de se considerar extremamente violento, se atentarmos na razão de ser da exigência daqueles requisitos. Com o respeito da figura da autoridade, assim entendida, as partes do segundo processo sofreriam, por exemplo, as consequências da negligência de outras no primeiro.

Há, portanto, que delimitar esta figura, conforme já se acentuou no Acórdão deste Tribunal de 29.5.2011, processo n.º 1722/12.9TBBCL.G1.S1, com texto disponível no referido sítio.

Temos, contudo, de reconhecer que a delimitação não é fácil, considerando até que o legislador não se preocupou com ela.[1]

Pode ser encarada uma das delimitações, reportando a autoridade aos casos em que “o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida…” (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 354).

Nesta vertente da questão prejudicial ou mesmo em geral, parece-nos impor-se, com clareza, por maioria de razão, que nunca poderá ter lugar autoridade do caso julgado, se a lei, na hipótese de se verificar o tríplice requisito (identidade das partes, da causa de pedir e do pedido), veda a exceção.

Mesmo situando-se dentro do apertado caminho traçado pelo tríplice requisito, a lei não quer a relevância do caso julgado, pelo que mal se compreenderia que a quisesse numa perspectiva mais abrangente.  

15 . O artigo 48.º do Regulamento Geral das Infrações Tributárias, citado nas contra-alegações, está assim redigido:

Caso julgado das sentenças de impugnação e de oposição

A sentença proferida em processo de impugnação judicial e a que tenha decidido da oposição de executado, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, uma vez transitadas, constituem caso julgado para o processo penal tributário apenas relativamente às questões nelas decididas e nos precisos termos em que o foram.

Vê-se claramente que não está aqui uma fixação do alcance do caso julgado na vertente que nos importa, de extensão aos processos comuns.

O artigo 97.º, n.º1 do Código de Processo Civil vigente ao tempo das sentenças do Tribunal Tributário (atual artigo 92.º) dispunha que:

Se o conhecimento do objecto da acção depender de decisão de uma questão que seja da competência  do tribunal criminal ou do tribunal administrativo, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.

A lei permite que o juiz opte entre suspender e não suspender, no uso dum poder discricionário.

Implicitamente, esta disposição não confere foros de caso julgado à decisão do tribunal administrativo ou criminal, porque, se conferisse, vincularia o juiz a suspender a ação para futuro acatamento do que viesse a ser decidido. Nesta conformidade, e tendo em conta também o n.º2 do artigo, escrevem Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto (ob. cit. 1.º, 186) que “Fica, portanto, sempre em aberto a possibilidade de a questão vir a ser objecto de uma decisão diferente num desses foros.”[2]

A divergência das decisões, constituindo, é certo, um mal não deixa de ter de ceder quando dados mais ponderosos o justifiquem. [3]

A questão do caso julgado pode-se apenas pôr nos casos em que o juiz decidiu sobrestar na sua decisão e os outros tribunais se pronunciaram, mas isso aqui não nos interessa.

Não temos dúvidas em que vale quanto às decisões dos tribunais tributários o que a lei aqui estipula quanto aos tribunais administrativos.

Assim, as decisões dos tribunais tributários de que lançam mão os recorrentes – de que não se provou que tivesse havido simulação do preço, não havendo lugar, por isso, a pagamento complementar de sisa – não projetam efeitos de caso julgado, mesmo na sua vertente de autoridade, no presente processo. A decisão aqui a tomar depende dessa simulação, mas a prévia tomada de posição sobre a verificação ou não desta goza de total autonomia.[4] 

Conforme vem reiterado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 15/2013, de 17.6, com texto disponível no sítio do próprio Tribunal, o caso julgado tem proteção constitucional alicerçada, quer no disposto no n.º3 do artigo 282.º, quer nos princípios da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da própria ideia de Estado de Direito, emergente do artigo 2.º, ambos da Constituição.

Todavia, quer porque os artigos 209.º e 212.º separam os tribunais de acordo com a sua jurisdição, quer porque aquele n.º3 do artigo 282.º se limita a estatuir sobre o alcance das decisões do Tribunal Constitucional ante o caso julgado relativo a decisões de outros tribunais, a não extensão do caso julgado a tribunais de jurisdição diferente, não tem mácula de inconstitucionalidade.

16 . Seguindo a ordem enumerada em 6, depara-se-nos agora a questão da alegada relevância do despacho de arquivamento do Ministério Público. Para os casos em que teve lugar decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, regia o artigo 674.º-B do Código de Processo Civil anterior (continuado no artigo 623.º do código vigente).

Exigia e exige a decisão penal que haja absolvido o arguido, com o fundamento referido, e consigna que tal decisão apenas constitui presunção legal da inexistência desses factos.

No presente caso, temos apenas um despacho de arquivamento do Ministério Público, que, manifestamente, não atinge a categoria de decisão penal absolutória. Além disso, mesmo que atingisse, sempre estaríamos perante uma presunção ilidível, sendo certo que os factos aqui demonstrados a ilidiriam.

17 . Argumentam ainda os recorrentes com o valor da sentença proferida na oposição deduzida no processo de execução n.º 90/04.7TBEVR-A de Reguengos de Monsaraz.

Está junta a folhas 2436 e seguintes e dela se vê que a discussão ali se limitou ao valor dos cheques apresentados como título executivo. Tendo-se nela escrito, a dado passo:

“Resultou provado, nos presentes autos, que os cheques apresentados como título executivo na execução a que a presente oposição respeita foram preenchidos e assinados pelo executado, e que foram preenchidos com o valor de € 1.000,00 (mil euros) cada um deles, o qual não corresponde ao teor dos referidos cheques, tal como foram dados à execução, apresentando então o valor de € 1.000.000,00 (um milhão de euros) cada um.”

E, mais adiante:

“Nestes termos, e face ao que acima se refere, conclui-se não serem os cheques dados à execução aptos a constituir título executivo.”

E por isso se julgou a oposição procedente.

Estamos, pois, completamente fora da causa de pedir ou do pedido feito na presente ação, implicando a disparidade das matérias sobre que incidiram as decisões uma recusa liminar da figura do caso julgado, quer na sua vertente de exceção, quer de autoridade.

18 . No nosso ordenamento jurídico, o Ministério Público constitui uma magistratura com muitas e diversas competências. No desempenho destas não está, como nos parece claro, vinculado a uma posição única. As posições que toma em processos-crime não o vinculam a assumir posições do mesmo cariz noutro tipo de processos. Até porque as regras relativas a um tipo de processos são diferentes das relativas a outros e o objeto deles, ainda que possa ter partes comuns, é muito diferente.

Para que se verifique um crime é necessário que se tenham praticado os factos integrantes dos respectivos elementos essenciais e para que surja o direito a indemnização importa antes determinar se se verificam os integrantes dos pressupostos da responsabilidade civil.

Daí que não colha também a argumentação de que violou o princípio da boa fé, porque se absteve no processo-crime e representa a autora no presente.

19 . O artigo 162.º do Código da Sisa dispunha sobre a multa a aplicar no caso de realização de “acto ou contrato simulado”, mas não excluía a preferência já fixada pelo acima transcrito artigo 176.º.

Aquele foi revogado pelo artigo 9.º do Decreto-lei n.º 7/96, de 7.2, não se encontrando em vigor à data do contrato agora sobre apreciação.

Em vigor estava o artigo 103.º do Regime Jurídico das Infracções Fiscais, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5.6, que dispunha no n.º1:

1 - Constituem fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A fraude fiscal pode ter lugar por:

a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;

b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração tributária;

c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.

Assim como estava em vigor o artigo 178.º do Código da Sisa, com o seguinte texto:

Estando pendente, à data do despacho de citação do réu ou vindo posteriormente a ser instaurada acção de simulação, processo por crime fiscal ou processo de contra-ordenação pelo mesmo facto e contra as mesmas pessoas, suspender-se-ão os respectivos termos, os quais só poderão prosseguir se a instância se interromper, ou se extinguir por outros motivos que não a confissão de todo o pedido ou o julgamento da procedência da acção.

§ único. O chefe da secção que intervir na acção de preferência deverá comunicar imediatamente à repartição de finanças o despacho de citação do réu, a interrupção da instância ou a decisão que lhe pôs termo.

De acordo com este artigo:

Citado o réu na ação de preferência, das duas uma:

Ou pende ou não pende ação de simulação ou processo por crime fiscal ou de contra-ordenação pelo mesmo facto contra as mesmas pessoas.

Se não pende há sempre que averiguar se foi instaurado posteriormente qualquer destes processos;

Se pende ou foi instaurado, suspende-se este;

Se não pende nem foi instaurado, nada há a fazer;

Suspendendo-se, só pode prosseguir se na ação de preferência a instância se interromper ou se extinguir por outros motivos que não a confissão de todo o pedido ou o julgamento de procedência.

A proibição da dupla reação à simulação fiscal não atinge a ação de preferência. Esta é tida pela lei como preferente relativamente à outra, pois é a tramitação desta que é atingida. Não pode ser interpretado o preceito como impondo a suspensão daquela (cfr-se, Albano Alves Moreira, CIMSISD Anotado e Comentado, 741). Não é isso que resulta do texto legal, quer do seu n.º1, quer do n.º2, este enquanto determina que o chefe de secção que intervir na ação de preferência deverá comunicar imediatamente à repartição de finanças o despacho de citação do réu, a interrupção da instância ou a decisão que lhe pôs termo. Corroborando ainda esta interpretação a inserção sistemática do preceito, a seguir aos que dispõem sobre a preferência.

Face à lei ordinária vigente ao tempo da celebração do contrato, nada impede o exercício do direito de preferência.

Sendo certo que o regime que se lhe seguiu, plasmado essencialmente no artigo 55.º do CIMI e no artigo 39.º da Lei Geral Tributária, não afeta esta posição, nada dispondo sobre o regime decorrente da pendência ou instauração de mais do que um processo (independentemente da sua inaplicabilidade por manifestas razões de direito intertemporal).

20 . Decerto que toda esta construção, preclusora da violação do princípio “ne bis in idem”, cederia se normas constitucionais impusessem solução diferente.

A Constituição da República Portuguesa, em parte alguma, mormente nos artigos 103.º e 104.º, proíbe a dupla ou mesmo plúrima reação legal à fraude fiscal. Assim como o ato ilícito em geral pode dar aso a reações criminais, civis, contra-ordenacionais e outras, não se vê razão para que, em sede constitucional, o ato ilícito fiscal se deva subtrair a esta duplicidade ou mesmo pluralidade de reações.

Pelo contrário, o n.º1 do artigo 103.º, ao dispor que o “sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza” encerra em si a ideia de que a fraude fiscal atinge valores e princípios muito caros no Estado de Direito, justificando por parte deste uma reação enérgica, que pode ser plurifacetada.

Não havendo, consequentemente, violação quer do princípio “ne bis in idem”, quer do da proporcionalidade.

21 . Dos factos provados resulta uma conduta dolosa dos outorgantes no sentido da simulação do preço. Há aqui uma reprovabilidade manifesta, de sorte que até mal se compreende a alegação de que a decisão recorrida viola o princípio da culpa.

Não relevando, para este efeito, o destino que a autora reserva para os prédios, obtida a substituição por preferência na aquisição.

22 . Esta preferência tem uma causa, bem evidenciada nos autos, qual seja a da simulação do preço no negócio jurídico efetuado.

Não pode, pois, face aos requisitos do n.º1 do artigo 473.º do Código Civil, considerar-se que o acolhimento da pretensão da autora integre a figura do enriquecimento sem causa.

Claro que, adquirindo os prédios pelo preço declarado e sendo este inferior ao real, fica beneficiada, mas isso tem lugar precisamente porque os outorgantes, com intenção de pagarem menos de imposto, simularam o respectivo preço.

De qualquer modo, estando as normas relativas ao enriquecimento sem causa no mesmo plano das fiscais que consignam a preferência para estes específicos casos, sem qualquer referência a restituição, nunca, ante aquelas, se poderia ir para essa mesma restituição.

23 . Ficam, deste modo, afastados todos os argumentos carreados quer pelos primeiros recorrentes, quer pelo Banco FF.

O que determina o naufrágio dos recursos.

24 . Negam-se, pois, as revistas.

Custas de cada uma por cada uma das partes recorrentes.

Lisboa, 4.6.2015

João Bernardo (Relator)

Oliveira Vasconcelos

Fernando Bento

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[1] Othmar Jauernig, ainda que usando uma terminologia diferente, distingue entre caso julgado material e efeito constitutivo das sentenças. O primeiro atua “declarativamente”, sendo “as consequências jurídicas pronunciadas apenas declaradas e não criadas” enquanto o segundo “revela-se na modificação da situação jurídica anterior pela decisão judicial; a constituição da nova situação jurídica (por ex., a dissolução do casamento) apenas se produz pela sentença… Para isto põe-se a diferença no momento a que se aplica a eficácia. O tribunal que pronuncia a sentença de condenação ou declaração, aceita uma declaração para o presente…o tribunal que pronuncia uma sentença constitutiva dá uma ordem para o futuro… O caso julgado material restringe-se às partes e seus sucessores…o efeito constitutivo das sentenças produz-se perante quem quer que seja.” (Direito Processual Civil, edição da Almedina, 342).
[2] Esta faculdade que o juiz dos tribunais comuns tem de sobrestar ou não sobrestar na decisão afasta-nos da lei alemã, afastando, concomitantemente, o capital argumento de Othmar Jauernig, ao afirmar que:
“A sentença cível vincula também nos limites do caso julgado, os tribunais de outras jurisdições, tal como, inversamente, as decisões das outras jurisdições vinculam o tribunal cível nos limites do seu caso julgado. Isto não está realmente expresso na lei; a vinculação do caso julgado resulta, contudo, da recíproca proibição de litispendência”(ob. cit. 321). 
[3] A este propósito não deixa de ter utilidade a leitura do que escreveram A. Varela, Sampaio e Nora e Miguel Beleza, na obra citada a páginas 719.

[4] Aliás, afirma Nuno Pombo (A Fraude Fiscal, 172):
“…não nos causa qualquer desconforto sustentar que o conceito de simulação para efeitos tributários pode não ser sinónimo do que é usado pelas normas penais fiscais ou mesmo civis. Melhor dito, o conceito até pode ser rigorosamente o mesmo, como tem muito justamente sublinhado jurisprudência uniforme, todavia, a suficiência probatória exigida em ambos os domínios é que pode não ser exactamente idêntica.”
E mais adiante:
“ Se a simulação para efeitos civis não dispensa que se dissequem os negócios jurídicos em que se desdobra, em busca do que essencialmente a constitui, particularmente no que respeita à divergência volitiva, já para efeitos fiscais essa análise pode e, porventura, deve ser menos ontológica do que animológica, passe o neologismo, ou teleológica. O excurso analítico pode privilegiar mais a vertente intencional do que a objectiva e, só neste aspecto, formal.”