Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
970/17.0T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO
OFENSA DO CASO JULGADO
CASO JULGADO FORMAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
RESTITUIÇÃO DE IMÓVEL
ATRASO NA RESTITUIÇÃO DA COISA
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS SUPERVENIENTES
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 12/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Estando provado que as alterações do imóvel são imputáveis à locatária, e não tendo sido alegado nem provado que sejam inerentes a uma prudente utilização, encontra-se a mesma obrigada a indemnizar a locadora pelo custo das reparações necessárias à recondução do imóvel ao seu estado inicial (art. 1044.º do CC).

II. Não podem ser valorados factos essenciais impeditivos supervenientes que não foram oportunamente alegados pela ré nem sujeitos ao necessário contraditório.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. Beiracar – Comércio e Indústria, S.A. instaurou a presente acção, sob a forma de processo comum, contra Cima – Centro de Inspecção Mecânica em Automóveis, S.A., pedindo a sua condenação a pagar-lhe uma indemnização de € 311.187,63, referente ao valor dos prejuízos causados nas suas instalações, bem como ao valor locativo das mesmas; e ainda às despesas de electricidade, acrescendo o IVA e os juros vencidos desde a citação, bem como o valor locativo referente ao período em que a A. se mantiver privada das instalações em causa, a liquidar posteriormente.

Alegou ser titular do direito de superfície sobre um lote de terreno onde construiu um edifício destinado a oficina de reparação de automóveis, estação de serviço, armazéns e escritórios, sendo que, tendo transferido a sua actividade para outro local, entrou em negociações com a R., com vista à cedência do referido espaço, onde esta pretendia instalar um centro de inspecção de veículos. O texto final do acordo então celebrado, tendo merecido a concordância de ambas as partes, nunca chegou a ser assinado. Certo é que a A. permitiu à R. que entrasse na posse do prédio em Fevereiro de 2012 e aí iniciasse obras de adaptação, tendo ambas acordado que a renda de € 5.000,00 começaria a ser paga em Agosto daquele mesmo ano. Porém, tais obras de adaptação prolongaram-se e vieram, mais tarde, a ser interrompidas, sem que a R. tivesse, para o efeito, oferecido qualquer justificação, além de que se manteve sem assinar o contrato de arrendamento já negociado entre as partes, o que levou a A. a considerá-lo resolvido. Com as obras ali executadas a R. provocou danos elevados no edifício, deixando-o impróprio para qualquer fim, além de que não liquidou qualquer contrapartida pela posse do edifício, tendo ainda consumido electricidade que a A. pagou.

A R. contestou, tendo impugnado os factos alegados pela A., considerando que cumpriu integralmente o que fora ajustado entre as partes até lhe ter sido vedado o acesso ao prédio pelo gerente da A., em Novembro de 2012. Mais alegou que o prédio lhe foi entregue em avançado estado de degradação. Por outro lado, nos termos do acordo celebrado, a renda apenas seria devida a partir do momento em que fosse emitida a licença de construção. Defendendo-se por excepção, considerou que a A. litiga em contradição com a posição que assumiu perante si em Novembro de 2012, ocorrendo abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.

A A. respondeu referindo ter entregue à R. as instalações em causa em perfeito estado de funcionamento e que esta abandonou as obras quando deixou de estar interessada no arrendamento.

Realizou-se audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho saneador.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, tendo a R. interposto recurso de apelação do despacho que não admitiu a junção de prova documental por si requerida.

Julgado procedente tal recurso por acórdão da Relação de 25.01.2021, foi determinada a junção da prova documental em questão, relativamente à qual ambas as partes foram admitidas a exercer contraditório, tendo sido, para o efeito, reaberta a audiência.

Por sentença de 02.11.2021, a acção foi julgada parcialmente procedente, condenando-se a R. a pagar à A. a quantia global de € 77.770,87 (setenta e sete mil, setecentos e setenta euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação, até efectivo e integral pagamento, à taxa de juros aplicável às empresas comerciais, de harmonia com a Portaria n.º 597/2005, de 19 de Julho, e sucessivos avisos publicados pela Direcção-Geral do Tesouro, absolvendo a R. do demais peticionado.

Do assim decidido apelaram a A. e a R., ambas pedindo, em sentidos divergentes. a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 11.10.2022, rectificado pelo acórdão da conferência de 07.02.2023, foi proferida a seguinte decisão:

«Pelo exposto, julgando-se parcialmente procedentes as apelações, revoga-se correlativamente a sentença recorrida, condenando-se a R. a pagar à A. a quantia global de € 234 667,06, acrescida de juros de mora desde a citação, até efectivo e integral pagamento, à taxa de juros aplicável às empresas comerciais, absolvendo-se a R. do demais peticionado.».

2. Vem a R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

«6.1. O Acórdão recorrido julgou incorretamente a matéria de facto, de tal modo que a verdade judicial passou a não ter qualquer correspondência com a realidade.

6.2. Pelas razões indicadas na secção 3.4 das presentes alegações, foi mesmo violado o caso julgado formal que se formou pelo decidido no Acórdão interlocutório do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25 de janeiro de 2021, quanto ao estado do arrendado na data da sua entrega.

6.3. Dados os limitados poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça quanto à sindicabilidade da decisão sobre a matéria de facto que se invocou na secção 1 das presentes alegações, a verdade processual passa a ser a que o Acórdão recorrido definiu: as regras são o que são.

Isto posto,

6.4. Não obstante, mesmo em face da factualidade que entendeu dar como provada, o Acórdão recorrido fez uma errada aplicação do direito à mesma.

6.5. Daí que as considerações tecidas na sentença da Primeira Instância e reproduzidas na secção 3.3 supra continuem a ser inteiramente pertinentes.

6.6. O Acórdão recorrido decidiu que os factos elencados na secção 2.1 supra e que aqui se dão por reproduzidos não se tratavam de despesas ou custos efetivos suportados pela autora,

6.7. Mas de meros orçamentos tendo em vista uma hipotética reparação do arrendado para lá funcionar uma oficina de automóveis.

6.8. O conceito de dano tem várias formulações. Assim, para o Professor Menezes Leitão o dano consiste na “frustração de uma utilidade que era objecto de tutela jurídica”; Pelo seu lado, o Professor Almeida e Costa define-o como toda “a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica”. Para o Professor Menezes Cordeiro por dano deve entender-se a “supressão ou diminuição duma situação favorável que estava protegida pelo Direito”.

6.9. A jurisprudência e doutrina são unânimes em afirmar que para um dano ser indemnizável, exige-se que o mesmo seja certo e não meramente hipotético ou eventual!

6.10. Isto é, não há indemnização sem dano e este tem que ser certo.

6.11. Um alegado “dano” puramente putativo ou ficcionado — isto é, independente da prova de qualquer concreta e efetiva materialização — não é, de modo algum, um dano certo; umas supostas obras elencadas em orçamentos, ainda que o valor orçado se mostre adequado a tais obras, como concluiu o Acórdão recorrido, não são, deste modo, indemnizáveis por não serem certas, mas apenas hipotéticas.

6.12. Significa o que vem de dizer-se que, colocando-se num processo a questão da indemnização pelo dano ocorrido num imóvel — o mesmo é dizer, a consistência concreta da verificação efetiva do alegado prejuízo provocado pela ré — tem o mesmo que ficar apurado/provado, uma vez que, sem o dano estar apurado/provado, não se poderá falar em “dano certo” e sem este não pode haver indemnização.

6.13. E um dano certo pressupõe, no caso concreto, que haja um custo, ou seja, que tivesse havido um desembolso efetivo da quantia destinada à reparação com a finalidade de no locado poder funcionar uma oficina de reparação de automóveis, na situação degradada em que se encontrava antes da sua entrega à ora recorrente.

6.14. Ora, não foi isso que sucedeu porque o locado foi adaptado para um ginásio e não foi dado como provado que as obras orçamentadas poderiam ser aproveitadas – como efetivamente não poderiam – para a finalidade que foi dada ao mesmo.

6.15. Não tendo sido feita essa prova, o respeito pelas regras e princípios que regem a responsabilidade civil — a certeza do dano, a doutrina da causalidade adequada, a função essencialmente reparatória/ressarcitória da responsabilidade civil e a proibição do enriquecimento sem causa do lesado — não podem ser afastados.

6.16. Prova que cabia à autora - artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.

6.17. Efetivamente, repisa-se, para haver dano suscetível de indemnização, não basta a alegação da necessidade de obras e a sua quantificação por orçamentos, não basta a conclusão de que os orçamentos estão conformes com as obras alegadas necessárias à reposição cega da situação ex ante, uma vez que para haver dano tem que haver prejuízo. E o prejuízo só existe na medida em que tenha sido causada uma lesão no património de alguém.

6.18. Ora, se as obras orçamentadas nada tiveram a ver com a instalação, no locado, de um ginásio e se não se provou que pudessem ter qualquer utilidade para essa afetação, muito menos que as obras de adaptação a ginásio tivessem sido mais onerosas pela intervenção, que foi dado como provado, que a ré fez no imóvel, não se vê como é que se pode concluir pela existência de um prejuízo.

6.19. Conclusão, de resto, a que a sentença da Primeira Instância também chegou.

6.20. Não existe, deste modo, factualidade alegada pela autora para que se pudesse concluir ter existido qualquer prejuízo.

6.21. O que o Acórdão do Tribunal da Relação entendeu constituir um dano não passou de uma mera suposição ou, se se quiser, por outras palavras, danos de natureza putativa e ficcional porque se fez coincidir a lesão dos interesses da autora com a orçamentação de obras destinadas a uma finalidade que nada tinha a ver com a das reparações necessárias a afetar o espaço a um ginásio.

6.22. Pior do que isso, o Acórdão não curou de saber, nem sequer equacionou, a questão do nexo de causalidade, ou seja, a questão de saber se as obras tinham utilidade para a construção do ginásio, finalidade que foi dada ao locado: imputação objetiva que o artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil consagra ao referir que agente está obrigado a indemnizar “pelos danos resultantes da violação”.

6.23. A indemnização arbitrada pelo Acórdão recorrido ficcionou danos que não se provaram.

6.24. O facto ilícito e culposo só pode ser fonte de responsabilidade se o dano se provar e bem ainda se se demonstrar que este é consequência adequada do facto.

6.25. Não se tendo demonstrado prejuízos ou que estes são causa adequada do imputado facto ilícito, não é sustentável a existência da obrigação de indemnizar.

6.26. O artigo 563.º do Código Civil consagra a doutrina da causalidade adequada, ao estabelecer que “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

6.27. Ora tais danos e o nexo entre estes os factos não se provaram.

6.28. Pergunta-se:

Onde é que se encontra provado que a autora suportou o custo das obras orçamentadas?

Onde é que se encontra provado que as obras orçamentadas tinham utilidade para a construção do ginásio ou que a sua não realização teria agravado o custo das mesmas para a sua adaptação à finalidade que foi dada ao locado?

Se foi gasta qualquer quantia pela autora por que razão a demandante não demonstrou, nem procurou demonstrar quanto teria gasto?

6.29. Decidindo como decidiu, o Acórdão recorrido fez uma errada aplicação do direito aos factos e violou o disposto nos artigos 342.º, n.º 2 e o conceito de nexo de causalidade e de dano previstos no artigo 483.º do Código Civil.».

Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, com a consequente revogação do acórdão recorrido e a absolvição da R. do pedido.

3. A Recorrida contra-alegou nos termos seguintes:

«1ª/ Da matéria de facto provada (facto provado 5.25-A e resposta dada pelo Tribunal da Relação aos arts. 47º a 60º, 62º e 81º a 87º que os danos causados pela Ré durante o período em que deteve o imóvel, importam em € 162 047,26 (no douto Acórdão, por erro material de soma, vem € 156 797,24).

2ª/ Não fazem sentido as conclusões das alegações de recurso da Ré que põem em causa esta matéria considerada provada pela Relação, pois o Supremo Tribunal de Justiça já não a pode sindicar.

3ª/ A Autora não tinha que aguardar a decisão judicial para poder dar um destino ao imóvel, tanto mais que o pedido formulado na presente acção se refere a uma indemnização por equivalente.

4º/ A Autora tem direito a uma indemnização a ser paga pela Ré, desde o momento em que as obras que esta iniciou e não acabou - e conduziram a que o imóvel tivesse ficado inapto para o fim a que antes se destinava bem como para o fim a que a R. o pretendia utilizar - e se traduziram em danos cuja eliminação só pode ter como medida o estado em que a Ré recebeu o imóvel.

5ª/ As conclusões 6.1, 6.2 não têm qualquer razão de ser, distorcendo intencionalmente o que consta do douto Acórdão recorrido, o que consta da conclusão 6.7, pois trata-se de danos efectivos, dados como provados.

6ª/ As conclusões 6.8, 6.9 e 6.10 são inócuas.

7ª/ Contrariamente ao que vem na conclusão 6.11 os danos não são putativos ou ficcionados, mas sim provados contrariamente ao insinuado em 6.12.

8ª/ Sem sentido é, pois, a conclusão 6.13, pois nunca um dano só o é se tiver havido um desembolso efectivo.

9ª/ Dano é o mal, prejuízo ofensa material (ou moral) causado por alguém a outrem detentor de um bem juridicamente protegido, ocorrendo quando um bem é diminuído, inutilizado ou deteriorado por acto nocivo ou prejudicial.

10ª/ Os danos estão provados, foram consumados pela Ré, a sua reparação pode traduzir-se numa restituição do valor correspondente (ou equivalente).

11ª/ Os danos dados como provados na presente acção e que estão em causa no presente recurso são danos certos (e não meramente hipotéticos).

12ª/ É irrelevante o destino que a Autora lesada venha a dar ao imóvel posteriormente.

13ª/ A Autora não tinha nem tem sequer que proceder à reparação do imóvel, podia tê-lo demolido, podia tê-lo vendido, podia tê-lo adaptado a um fim diferente.

14ª/ E se a Autora não tivesse feito nada, a final, decidida a acção no mesmo sentido e âmbito em que o foi, reconhecida a indemnização restitutória, não tinha que utilizar esta na reparação do imóvel: podia não fazer nada, podia investir a indemnização recebida em objecto diferente, podia até ser-lhe penhorada e, como tal, não ser recebida.

15ª/ Mas tinha e tem direito a ela.

16ª/ Por isso, não fazem também sentido as conclusões 6.14 a 6.27.

17ª/ E quanto à conclusão 6.28 é manifesto o equívoco da Ré, pois para se ter direito a uma indemnização como a dos presentes autos não é necessário provar que se suportou o custo (no sentido de que se pagou) das obras orçamentadas.

18ª/ Deve, assim, o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se o douto acórdão recorrido.».

4. Admitido o recurso por despacho do relator do Tribunal da Relação, veio a ser proferido despacho da relatora deste Supremo Tribunal do seguinte teor:

«Vem o presente recurso de revista interposto de acórdão do Tribunal da Relação que, julgando parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, alterou significativamente a factualidade dada como provada e como não provada, sem, contudo, inserir tais alterações nos locais próprios da mesma decisão de facto. Além do mais, verifica-se que as alterações realizadas não se apresentam identificadas e numeradas sempre da mesma forma.

Subsistindo dúvidas acerca do exacto conteúdo da decisão de facto, tal como assente pelo tribunal a quo, verifica-se existir um impedimento ao conhecimento do recurso de revista (art. 652º, n.º 1, alínea b), do CPC).

Pelo exposto, determina-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação a fim de ser suprida tal deficiência.».

5. Por acórdão do Tribunal da Relação de 12.09.2023 foi colmatada a assinalada deficiência.

6. Por acórdão da conferência do Tribunal da Relação de 10.10.2023 foi indeferido o pedido de rectificação apresentado pela R..

Regressando os autos a este Supremo Tribunal, cumpre apreciar e decidir.

7. Vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção do acórdão da Relação referido no ponto 5. do relatório supra):

A)

5.1 - A autora é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio (compra e venda) de veículos automóveis, máquinas industriais e seus acessórios, bem como à sua reparação;

5.2 - A ré é uma sociedade comercial que se dedica à exploração de centros de inspeção mecânica de automóveis;

5.3 – Existe um lote de terreno, designado "por lote número três", sito em ..., junto à E.N. 2, que fazia parte então do art. 829º (rústico) da freguesia de ... onde a autora construiu um edifício destinado a oficina de reparações de automóveis, estação de serviço, armazéns e escritórios, com a superfície coberta de 1445 m2 e descoberta de 3555m2, atualmente inscrito na matriz sob o artigo nº 419 (urbano) da freguesia de ..., concelho de ...;

5.4 – Sobre o terreno mencionado no artigo anterior, em 12/02/1981, a Câmara Municipal de ... constituiu um direito de superfície a favor da autora pelo período de 75 anos, o qual foi registado na CRP de ... sobre o prédio aí descrito sob o nº 836 da freguesia de ..., mediante a ap. 442, de 2013/12/03;

5.5 – A autora em tal terreno edificou os pavilhões que hoje ali se encontram, que destinou à sua atividade comercial e industrial;

5.6 – Assim como ali edificou as naves de reparação de veículos automóveis, e os escritórios destinados à administração e aos funcionários administrativos, para receber clientes e fornecedores, ali tendo prestado os serviços próprios da sua atividade;

5.7 - Entretanto, há cerca de nove ou dez anos, a autora construiu no Parque Industrial de ... umas novas instalações, para onde se mudou, deixando vagas as descritas nos pontos anteriores, em condições de conservação e funcionamento;

5.8 - Todas as portas e janelas abriam e fechavam;

5.9 – Nessa ocasião, o piso de todas as dependências ficou no estado em que se encontrava, com cimento endurecido e afagado e mosaicos, as paredes revestidas e pintadas, a área administrativa com parquet flutuante, todas as dependências com instalação elétrica e rede de água em funcionamento;

5.10 – A ré, em outubro de 2011 contactou a A. dando-lhe conhecimento de que estava interessada em entrar em negociações com o objetivo de ali instalar um centro de inspeção de veículos automóveis;

5.11 – A autora e a ré acordaram na cedência das referidas instalações, no estado supra mencionado, mediante o pagamento de uma retribuição mensal de € 5.000,00, tendo para o efeito elaborado o acordo que denominaram “contrato de arrendamento para fins não habitacionais”, datado de 23 de julho de 2012, cuja cópia consta de fls 15 a 16 dos autos, celebrado para um período de 10 anos;

5.12 – Entre a autora e a ré estabeleceram-se vários contactos e houve várias trocas de emails até chegarem à redação do texto do documento que iria titular o contrato, que mereceu a concordância de ambas as partes, mas que nunca chegou a ser por ambas assinado;

5.13 – O acordo celebrado entre a autora e a ré previa a sua renovação automática por iguais períodos “se nenhuma das partes comunicar, por escrito, através de carta registada com aviso de receção, a sua oposição à renovação, com 1 (um) ano de antecedência em relação ao termo do prazo do contrato e das suas sucessivas e eventuais renovações”;

5.14 - Aquela retribuição de € 5.000,00 seria a pagar na sede da autora até ao dia 8 do mês a que dissesse respeito, e seria atualizada, tal como ficou acordado, em conformidade com o coeficiente de atualização anual de renda resultante da variação do índice de preços ao consumidor, sem habitação, correspondente aos últimos doze meses e para os quais existam valores disponíveis à data de 31 de agosto, apurado pelo I.N.E;

5.15 – Nos termos da cláusula “Quinta” do acordo junto a fls 15 e ss: “A primeira contraente autoriza, desde já, a segunda contraente a realizar, no local arrendado, por sua exclusiva conta e risco, todas as obras de ampliação operativas, ou outras, desde que relacionadas com a atividade de inspeções automóveis, conquanto tais obras não prejudiquem a segurança do prédio ou modifique(m) a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício, conferindo à segunda contraente, os necessários poderes para que esta possa assinar, ou fazer assinar, e submeter às autoridades e/ou entidades competentes todos e quaisquer requerimentos que se mostrem necessários para a obtenção das necessárias autorizações e licença de utilização que correm por sua conta, ficando estipulado que as obras que se realizarem não poderão ser levantadas ou demolidas, ficando, desde logo, a pertencer ao arrendado, sem que a segunda contraente possa alegar direito de retenção ou exigir indemnização”;

5.16 – Nos termos da cláusula “Décima Primeira” do acordo celebrado: “A inquilina após verificar o estado em que se acha o locado, declara que o mesmo se encontra em perfeitas condições de utilização para o fim pretendido, renunciando ao direito de resolver o contrato e/ou exigir qualquer indemnização pelo facto de não existir licença de utilização adequada, sendo a obtenção da mesma da sua responsabilidade. As partes acordaram que as obras necessárias à instalação da inquilina correm por sua conta e risco e por esse motivo a locadora não dispõe de licença de utilização necessária para o arredamento em questão, razão pela qual a obtenção da licença de utilização compete à inquilina, que a deverá obter em conformidade com as obras que vai realizar e são necessárias para a instalação de um centro de inspeção. Para esse efeito, a locadora obriga-se a assinar toda a documentação necessária (…)”;

5.17 – As conversações correram tão bem e dentro de um espírito de confiança mútua que a autora permitiu que a ré entrasse na posse do referido prédio em fevereiro de 2012 e avançasse com a realização das obras de adaptação que esta entendesse por necessárias, para que o centro de inspeções abrisse rapidamente ao público, como era interesse desta, ficando por conta dela todos os custos, incluindo de consumo de eletricidade;

5.18 – Nos termos da cláusula “Terceira”, alínea c) do referido acordo: “Tendo presente o ajustado entre as partes relativamente às obras de adaptação do locado à atividade da segunda contraente, e acordado que a primeira renda só será devida após a obtenção da respetiva Licença de Obras”;

5.19 - Por questões formais e uma vez que a autora era a titular do prédio em questão, ficou acertado entre esta e a ré que o pedido de licenciamento das obras fosse feito através dela (autora);

5.20 – A autora disponibilizou-se a assinar tudo o que necessário fosse ao indicado fim, como também tinha sido acordado;

5.21 - Competindo, no entanto, à ré elaborar os respetivos requerimentos e procedimentos e suportar as respetivas despesas, limitando-se a autora a assinar o que fosse necessário na qualidade de titular do prédio e aquela lhe apresentasse, o que a ré também fez;

5.22 - Bem como seria a ré a pagar quaisquer coimas decorrentes da realização de obras sem licença, ou prejuízos por força de tal atuação, nomeadamente à autora;

5.23 - A ré elaborou projetos para o licenciamento das obras que estava a fazer no prédio da autora, cuja assinatura lhe solicitou e que deram entrada nos serviços do Município de ...;

5.24 - A licença foi emitida em 2/1/2013 com o número 1/2013, sendo o termo do seu prazo de validade o de 3/4/2013, do que a autora deu conhecimento à ré, que ao mesmo anuiu;

5.25 - No âmbito das obras que pretendia levar a efeito para a instalação do centro de inspeções, a ré alterou o local de implantação dos portões dos pavilhões, tendo vindo a ser necessário colocar um novo, que implicou montante que não foi apurado;

5.25-A – A autora teve que tomar providências no sentido de proteger as instalações evitando que se degradassem mais, tendo sido necessário colocar chapas metálicas nas aberturas, no que despendeu € 1.804,94 (1.212,03+592,91);1

5.26 – E [a ré] retirou o pavimento dos pavilhões e do escritório, rasgando-o e ali colocou condutas e túneis para receber máquinas próprias para as inspeções dos veículos;

5.27 - A ré demoliu também os anexos onde funcionava a pintura, instalações sanitárias, armazém e estufa de pintura;

5.28 - A ré demoliu paredes na zona da secção de bate-chapas, e alterou o lugar onde se encontravam implantados os portões, fechando, no lugar anteriormente ocupado por alguns deles, as respetivas aberturas;

5.29 – A ré efetuou alterações na zona do elevador e da fossa (que na planta designada por doc. 4 é a ali referida como “área complementar B”), tendo feito desaparecer o elevador e tendo destruído totalmente a fossa, como todo o pavimento circundante;

5.30 – A ré interrompeu as obras em agosto de 2012, que se encontravam inacabadas, e não mais as retomou, não tendo para esse facto apresentado qualquer justificação à autora, tendo-se mantido, até então, sem assinar o acordo supra referido;

5.31 – Em 18 de Fevereiro de 2014, quando ainda se mantinha interessada em ceder-lhe as instalações, a autora enviou à ré a carta cuja cópia consta de fls 322 v, na qual além do 1 - Ponto inserido na matéria de facto, como resulta claro do que à frente se referirá mais aí exarado, lhe comunicou: “(…) No momento em que obtivemos a licença de construção, deparámos com o facto de terem abandonado as obras e o prédio até hoje. Fizemos imensos contactos para que reiniciassem as obras, sem sucesso. Até hoje nada nos pagaram. O prédio encontra-se em parte repleto de obras inacabadas. A licença de obras caducou, entretanto. Assim, vimos pela presente comunicar-vos que vos concedemos o prazo até final do mês em curso para que nos comuniquem por escrito se mantêm o propósito de realizar as obras em falta, ocupar o espaço, entregarem o contrato de arredamento assinado, pagarem o devido até ao presente, para que possamos dar entrada de novo pedido de licenciamento de obras para o efeito, junto do Município de ..., sob pena de, em caso de silêncio da vossa parte, considerarmos que perderam definitivamente o interesse no projetado negócio e considerarmos resolvido o contrato que nos une»;

5.32 – A autora não obteve qualquer resposta à referida comunicação;

5.33 – Em 10/3/2014, a autora enviou à ré uma carta que esta recebeu em 13/3/2014 a comunicar-lhe: “Damos aqui por reproduzidos os factos alegados na nossa carta de 2014-02-18. Inexplicavelmente, V. Exas não responderam àquela missiva. Por conseguinte, não estando obrigados a manter-nos na situação em que nos colocaram, vimos comunicar-vos que pela presente resolvemos o contrato que nos une, com todas as consequências daí decorrentes”;

5.34 - Não obstante o envio das cartas supra referidas, a ré não entregou o prédio à autora;

5.35 – Em data que em concreto não foi possível apurar, mas posterior ao envio de tais cartas, a autora colocou no prédio uma placa com o dizer: “arrenda-se”;

5.36 - A ré, com as obras que levou a efeito e que não concluiu, tendo-as interrompido em agosto de 2012, provocou diversas alterações no imóvel, deixando-o sensivelmente no estado que as fotografias que constituem os docs 8 a 66 documentam, ficando o mesmo inapto para o fim que tinha antes das obras que ali iniciou (compra e venda e reparação de veículos automóveis pesados e máquinas industriais), assim como para aquele que a ré pretendia dar-lhe (centro de inspeções de veículos automóveis);

5.37 - A ré retirou o pavimento dos pavilhões e do escritório, rasgando-o, para ali colocar condutas e túneis para receber as máquinas inspetivas dos veículos;

5.38 – A ré iniciou as obras de adaptação do edifício para instalação de equipamentos de inspeção;

5.39 – A ré retirou portas interiores e janelas e estragou toda a instalação elétrica;

5.40 - As instalações sanitárias que existiam nos anexos foram demolidas e, em sua substituição, foi iniciada a construção de outras, em local diverso do edifício;

5.41 - A calçada do prédio foi parcialmente danificada;

5.42 - A ré utilizou o imóvel e ali efetuou obras desde fevereiro de 2012 até agosto de 2012, com vista à sua transformação num centro de inspeção automóvel, que nunca terminou, não tendo procedido à sua entrega à autora;

5.43 - A ré, não obstante a isso se ter obrigado, não pagou o valor mensal de € 5.000,00 acordado para a retribuição do referido imóvel, pagamento esse que foi acordado para o momento em que fosse concedida licença de obras;

5.44 – Durante o período em que o prédio esteve entregue à ré, os consumos de eletricidade cifraram-se em € 2.770,87, que a autora pagou;

5.45 - A A. teve interessados na utilização das instalações em questão, mediante o pagamento de um preço, tendo vindo a ceder a sua utilização para instalação de um ginásio que ali se encontra em normais condições de utilização em data subsequente à da entrada da presente acção e anterior à apresentação do relatório pericial junto aos autos, em 24 de Abril de 2018. [redacção dada pelo Tribunal da Relação pelo acórdão de 11.10.2022, que, por lapso, não surge no acórdão de 12.09.2023, surgindo antes a redacção da sentença que era a seguinte: A autora teve interessados na utilização das instalações em questão, mediante o pagamento de um preço, tendo vindo a ceder a sua utilização para instalação de um ginásio que ali se encontra em normais condições de utilização, cedência essa que ocorreu em data não apurada, mas posterior a 20 de janeiro de 2016 e anterior à apresentação do relatório pericial junto aos autos, em 24 de abril de 2018]

5.46 - Considerando a localização do prédio, os acessos, a área coberta e descoberta, o valor de retribuição adequado para a cedência do referido prédio é de € 4.670,00, valor que se mostra adequado à data de 2012, devendo ponderar-se o fator de atualização de 1,02;

B) A esta matéria provada, como acima já se referiu, este Tribunal da Relação aditou outra que havia sido julgada não provada na 1ª instância, resultando assim provada, ainda, a seguinte matéria de facto:

47- O fornecimento e assentamento de alvenaria em blocos de cimento, assentes com argamassa de cimento e areia, no fecho das paredes e fossos dos pavilhões, na quantidade de 30 m2, importa em € 660,00.

48 – O enchimento dos fossos e canaletes com areia (195 m3): €5 362,50.

49- A execução de pavimento industrial no pavilhão, incluindo malhasol AQ50 e 20 cm de betão C20/25 afagado, com incorporação de endurecedor de superfície à cor natural (1 100 m2): € 41 250,00.

50- O fornecimento e colocação de betão da classe C20/25, incluindo armaduras moldadas em aço A400NR, cofragem, descofragem, escoramentos e trabalhos complementares em fundações, pilares e vigas (56 m3): € 15 400,00.

51 - A execução de lages aligeiradas tipo Previcon, incluindo lâmina de compressão, tarugos, cofragem, escoramento e descofragem (265 m2): € 11 262,50.

52 – A execução de pavimento térreo, com 0,10 m de espessura em betão C20/25, malha sol, incluindo betonilha de regularização (265 m2): € 9 275,00.

53 – O fornecimento e assentamento de alvenaria exterior simples de bloco 50x20x20 assente com argamassa de cimento e areia, incluindo reboco e pintura (210 m2): € 9 450,00.

54 - O fornecimento e assentamento de alvenaria simples de tijolo cerâmico 30x20x11, assente com argamassa de cimento e areia, em paredes divisórias interiores, incluindo reboco e pintura (240 m2): € 9 600,00.

55 - O fornecimento e aplicação de cobertura inclinada, em painel sandwich com isolamento térmico de 40 mm, em perfil comercial pré-lacados faces, cor branco, fixada mecanicamente às madres, incluindo cortes, sobreposições e todos os remates (275 m2): € 12 375,00.

56 - O fornecimento e aplicação de pavimentos em mosaico cerâmico, incluindo colas, betumes e todos os materiais e trabalhos inerentes (350 m2): € 8 225,00.

57 – O fornecimento e aplicação de azulejo cerâmico, incluindo colas, betumes e todos os materiais e trabalhos inerentes (120 m2): € 3 000,00.

58 - O fornecimento e assentamento de portas de abrir interiores lisas, em madeira, pré-fabricadas do tipo “Vicaima” modelo “Portaro” com aro liso em carvalho e todos os trabalhos e materiais necessários para um perfeito funcionamento (10 unidades): €3500,00.

59 – O fornecimento e aplicação de uma porta em painel de alumínio 1,00 m x 2,10 m: € 800,00.

60 – O fornecimento e aplicação de vãos em alumínio e vidro duplo com as seguintes dimensões:

a) - 0,80x0,60 m – 6 unidades: € 720,00.

b) - 6,20x1,00 – 2 unidades: € 2 500,00. c) - 4,00x1,00- 2 unidades: €1 900,00.

62 - A Execução da rede eléctrica nas áreas dos balneários, estufa, pintura e zonas danificadas: €5 250,00.

81 - Uma porta de alumínio 1770x2035 de duas folhas com ruptura térmica: € 900,00.

82 - Uma janela batente 2410x 2042: € 580,00.

83 - Portas batente 885x2036 (4 un.) : € 1 800,00

84 -Janela de correr de 2 folhas 3970x1296 (1 un.): € 510,00.

85- Janela de correr de 2 folhas 2725x1084 (1 un.): € 405,00.

86 - Janela de correr de 2 folhas 1200x1081 ( 5 un.): € 1 050,00.

87 - A reposição da instalação eléctrica na nave, no rés-do chão, no 1º andar e no 2º andar, incluindo mão de obra no valor de € 9.989,82.

87 (segundo) - A reposição e reparação da calçada - 597 m2 - importa em € 4. 477,50 à razão de 7,50 m2.

C - Este Tribunal da Relação julgou provado o art 18 da contestação – que havia sido julgado “não provado” pela 1ª instância - e que acima já se inseriu na matéria de facto provada, tendo-se numerado, atenta a relação do seu conteúdo com a matéria do ponto 5.25, como facto 5.25 a), nos seguintes termos, qua aí se constatam: «Não foram encontrados quaisquer portões automatizados, antes se tratando de velhos portões de foles».

D- Mantém-se como matéria não provada toda a matéria de facto que a 1ª instância julgou não provada, à excepção da concernente aos pontos da petição inicial e contestação que acima se assinalaram.

8. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

• Ofensa de caso julgado formal;

• Falta de prova dos danos e do nexo de causalidade relativamente ao custo da reposição do imóvel no estado em que se encontrava quando for entregue à R..

9. Perante a factualidade dada como provada, o Tribunal da Relação entendeu – o que não vem posto em causa – que, verificando-se uma situação de incumprimento definitivo, imputável à R., do contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado entre as partes, actuou a A. licitamente ao declarar a resolução do mesmo, assistindo-lhe ainda o direito a ser indemnizada pelos danos causados pelo incumprimento do contrato, incluindo, na impossibilidade de a R. restituir o imóvel locado à A. no estado em que se encontrava quando o recebeu, o valor de uma indemnização por equivalente pelas deteriorações do imóvel locado.

No presente recurso de revista, vem a R., ora Recorrente, impugnar tal decisão na parte relativa à condenação no pagamento da referida indemnização por equivalente.

10. Antes de mais, invoca a Recorrente que o acórdão recorrido desrespeita o caso julgado formal formado com o acórdão da Relação anteriormente proferido nos autos, em 25.01.2021, «onde foi ordenada a junção daquelas fotografias» que «se reportavam ao estado do arrendado quando o mesmo foi entregue à autora.».

Vejamos.

O acórdão da Relação de 25.01.2021 que julgou procedente o recurso de apelação da R., revogando a decisão da 1.ª instância de rejeição das fotografias em causa, não formou caso julgado quanto ao valor probatório de tais fotografias, mas apenas quanto à necessidade de o valor probatório das mesmas ser apreciado pelo tribunal da 1.ª instância.

Improcede, assim, nesta parte, a pretensão da Recorrente.

11. Em seguida, e como questão nuclear do presente recurso, vem a Recorrente invocar erro de julgamento na fixação da referida indemnização por equivalente, alegando que a indemnização não corresponde a danos efectivamente suportados pela A., na medida em que foi calculada apenas com base em custos orçamentados das obras necessárias para devolver o imóvel ao seu estado original (aquando da entrega da A. à R.); e ainda que, vindo a A. a arrendar o imóvel a terceiro para finalidade diferente, não se provou que as obras orçamentadas «pudessem ter qualquer utilidade para essa afetação, muito menos que as obras de adaptação a ginásio tivessem sido mais onerosas pela intervenção, que foi dado como provado, que a ré fez no imóvel, não se vê como é que se pode concluir pela existência de um prejuízo».

Vejamos.

O tribunal a quo apreciou a questão nos termos seguintes:

«Na sequência das referências doutrinárias acima mencionadas, o regresso ao estado económico-jurídico anterior à frustração contratual, nem sempre é passível de se obter em função da restauração natural. Continuando a citar Brandão Proença, o princípio restitutório «pode implicar uma retroactividade real (ou directa) mas também pode implicar o direito a uma indenização que respeite à deterioração do objecto a restituir». Acrescentando: «A restauração, envolvendo, em princípio, uma restituição natural das coisas prestadas (ou per tantundem, se se tratar de coisas genéricas), pode ter que traduzir-se numa mera restituição do valor correspondente (ou do equivalente) em caso de impossibilidade material». Nestas circunstâncias, o sentido reintegrador da resolução implicará o pagamento de uma indemnização pelos prejuízos causados, que terá como medida o estado anterior da coisa, pois que «a deterioração não essencial do objecto representa uma diminuição efectiva do património do adimplente».

É nesta lógica recuperatória que se insere a indemnização pedida pela A., com a qual nada tem a ver a circunstância desta ter cedido o imóvel, ainda deteriorado ou já não, a terceiro, para arrendamento, como sucedeu com a aqui A. relativamente ao ginásio que agora o vem usufruindo. Efectivamente, e como a aqui apelante o frisa nas alegações, a A. não tinha que aguardar a decisão final da presente acção para rentabilizar o imóvel. E se o tivesse feito, que não fez, e a acção procedesse no âmbito agora aqui em causa, recebida a indemnização restitutória, não tinha que a utilizar necessariamente na reparação do imóvel. O que ela tem é de ser indemnizada pela R, desde o momento em que as obras que esta iniciou e não acabou - e que conduziram a que o imóvel tivesse ficado inapto para o fim a que antes se destinava bem como para o fim a que a R. o pretendia utilizar - se traduziram em danos, cuja eliminação só pode ter como medida o estado em que a R. recebeu o imóvel.

Repare-se que se se exigisse à A. que aguardasse o fim da acção para rentabilizar o espaço que está em causa, a R. teria que ser responsabilizada pelos prejuízos da A. referentes à perda daquela oportunidade contratual, que, porventura, seriam maiores do que a indemnização que está em causa.

Por isso, em função dos elementos que os autos já potenciavam na 1ª instância e com os que agora resultaram da alteração da matéria de facto, há que condenar a R. a pagar à A. a indemnização de € 156.797,244, resultante da soma das parcelas a que se reporta o introduzido ponto 5.25-A e os pontos 47 a 60 e 81 a 87 (o primeiro e o segundo 87).». [negritos nossos]

Na linha do enquadramento dogmático adoptado pelo Tribunal da Relação, veio a Recorrente alegar que indemnização atribuída desrespeita as «regras e princípios que regem a responsabilidade civil - a certeza do dano, a doutrina da causalidade adequada, a função essencialmente reparatória/ressarcitória da responsabilidade civil e a proibição do enriquecimento sem causa do lesado», bem como que «o Acórdão recorrido fez uma errada aplicação do direito aos factos e violou o disposto nos artigos 342.º, n.º 2 e o conceito de nexo de causalidade e de dano previstos no artigo 483.º do Código Civil.».

Importa, porém, esclarecer o equívoco subjacente. Não está em causa a obrigação de indemnizar resultante da violação de um dever geral de respeito, gerador de responsabilidade civil extra-obrigacional, mas antes as consequências indemnizatórias derivadas da violação do dever específico do locatário, previsto no art. 1043.º, n.º 1, do Código Civil, no qual se dispõe que:

«Na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato.».

Dever esse cuja violação responsabiliza o locatário nos termos do art. 1044.º do CC:

«O locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa, não exceptuadas no artigo anterior, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela.».

No caso dos autos, estando provado que as alterações/deteriorações do imóvel são imputáveis à R. (cfr. factos 5.25, 5.26 a 5.30), e não tendo sido alegado nem provado que sejam «inerentes a uma prudente utilização», encontra-se a mesma R., enquanto locatária, obrigada a indemnizar a A. pelo custo das reparações necessárias à recondução do imóvel ao seu estado inicial.

O Tribunal da Relação, tendo julgado parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto apresentada pela A., aditou à factualidade dada como provada um conjunto de factos (factos 47 a 87 (segundo)) relativos aos custos orçamentados das obras necessárias para esse efeito; e, com base em tais custos, fixou a indemnização a pagar pela R. locatária.

Alega a R., ora Recorrente, que não se pode atender aos ditos custos orçamentados, uma vez que, estando provado que, entretanto, a A. arrendou o imóvel a terceiro para finalidade diferente (instalação de um ginásio que se encontra em condições normais de funcionamento - cfr. facto 5.45), se verifica que os custos orçamentados não têm «qualquer utilidade para essa afetação», e que as obras de adaptação à instalação do ginásio terão aproveitado a intervenção que a ré fez no imóvel.

Quid iuris?

Está em causa o seguinte facto dado como provado com base em prova pericial que, na parte que ora releva, não foi alterado pela Relação:

A A. teve interessados na utilização das instalações em questão, mediante o pagamento de um preço, tendo vindo a ceder a sua utilização para instalação de um ginásio que ali se encontra em normais condições de utilização (...).».

A posição da R. foi acolhida pelo tribunal da 1.ª instância, ao afirmar o seguinte:

«As obras orçamentadas pela autora para repor o pavilhão no estado anterior ao início da relação contratual com a ré não foram efetuadas, e não o serão, uma vez que naquele espaço se encontra atualmente instalado um ginásio. Certo é que a autora não alegou ter executado e custeado as obras com vista à instalação do ginásio, e tais obras não correspondem às que no seu articulado considerou ser necessárias. Daqui decorre que as obras que a autora alega na petição inicial não foram, nem poderão ser realizadas. Consequentemente, sob pena de um enriquecimento ilícito, não deve a autora ser ressarcida de um custo que não suportou e não irá suportar, realidade que esteve na base da resposta negativa que foi dada à factualidade relativa “à necessidade” de a autora ali executar as obras por si orçamentadas. Efetivamente, caso a autora tivesse alegado ter efetuado as obras de instalação/edificação do ginásio e demonstrasse ter suportado o respetivo custo, já o seu pagamento poderia ser devido. Porém, a autora alegou a necessidade de realização de obras diversas (as de reposição do edifício no estado primitivo), que não foram realizadas, nem o poderão ser e, consequentemente, que não prova. O próprio relatório pericial não demonstra a realização das obras cujo custo é peticionado pela autora, pois as questões que aí são respondidas a esse respeito são puramente hipotéticas. Ou seja, os peritos consideraram que, caso a autora quisesse repor o prédio com a configuração inicial (anulando as várias alterações estruturais aí levadas a cabo pela ré), os orçamentos que apresentou se revelavam adequados. Porém, obras hipotéticas não produzem custos efetivos. Repetindo, perante o que se apurou quanto à utilização do pavilhão em fase posterior à saída da ré, as únicas obras cujo custo esta poderia ser obrigada a suportar seriam as de edificação/instalação de um ginásio (e não as de regresso a um estado ex ante que nunca se verificou, nem é já possível de verificar-se). E o certo é que não se justificava o convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, dado que a autora alegou a necessidade de realização das tais outras obras que não passaram, nem passarão, de hipotéticas. De tudo isto se conclui que não se apurou que a autora tivesse suportado qualquer dano com a realização de obras, o que justifica a não prova destes factos. Efetivamente, não tem qualquer sentido determinar-se o pagamento, a título indemnizatório, de trabalhos de construção civil com base num orçamento que se sabe que não foi, e que nunca poderá ser, cumprido. Para esta conclusão ainda concorre o facto de a autora ter feito uma nova oficina, para a qual transferiu a sua atividade em 2008, inexistindo qualquer alegação e prova de que perspetivasse o regresso àquele espaço, para o fim que ali desenvolveu (oficina de pesados)».

Porém, ao apreciar da impugnação do facto 5.45 apresentada pela A., pronunciou-se a Relação nos seguintes termos que merecem inteira concordância:

«[A] objecção da apelante vai mais longe.

Entende que não se trata de nenhum facto instrumental e que por isso o facto em causa deve ser excluído da matéria de facto, tanto mais que «nem sequer foi declarada previamente a prevalência dele como instrumental, para sobre o mesmo poder ser produzida prova no exercício do contraditório».

Neste ponto, e salvo o devido respeito, a apelante não terá razão, na medida em que, relativamente aos factos instrumentais, como resulta da contraposição entre a al a) do nº 2 do art 5º CPC - que aos mesmos respeita - e a al b) desse mesmo preceito - que respeita aos factos complementares ou concretizadores - o juiz não tem que oferecer às partes a possibilidade de sobre eles se pronunciarem para os poder considerar.

Dito isto, é necessário que se tenha presente que de nenhum facto, de per si, é possível dizer-se ser instrumental ou complementar ou concretizador. A relação de complementariedade ou de concretização estabelece-se com os factos essenciais (em sentido estrito), que são aqueles que constituem a causa de pedir ou as excepções invocadas e que cabe (sempre) às partes alegar - nº 1 do art 5º. A noção de instrumentalidade de um facto advém, por isso, e em primeiro lugar, por exclusão de partes - factos instrumentais são os que não são essenciais em sentido estrito ou lato.

Ora, desde o momento em que a Exma Juíza a quo se serviu do facto que fez inserir no facto 5.45 para conhecer da causa de pedir na acção, vindo a concluir que, por não corresponder a um dano suportado (ou que venha a ser suportado) pela autora o valor das obras orçamentadas (mas não executadas pela autora) - € 206.018,36 - não é devido», nunca poderia qualificá-lo como instrumental.

(...)

Constituindo-se o facto em causa – o de que a A. cedeu a utilização do prédio para instalação de um ginásio em data posterior à da entrada da acção – na perspectiva com que a Exma Juíza o encarou (como facto impeditivo do direito da A. à restauração natural), como facto essencial, não podia a mesma servir-se dele, porque não alegado, ou no mínimo, porque não deu possibilidade às partes de sobre ele se pronunciarem.

Na verdade, a adoptar-se o ponto de vista substantivo da sentença recorrida – que como se verá, não será o caso do presente Tribunal - teria cabido à R., depois que foi junto o relatório da perícia, ter procedido à alegação desse facto (impeditivo) como subjectivamente superveniente, o que não fez.

Quando se perspective o facto inserto no ponto em referência como instrumental, nada obsta à sua presença na matéria de facto.

E, na verdade, o facto em causa assume importância meramente probatória para a valoração da prova pericial, como acima já referiu.». [negritos nossos]

Temos, pois, que, constituindo o facto relativo à instalação do ginásio no imóvel um facto essencial (impeditivo) superveniente, não tendo sido oportunamente alegado pela R., não foi sujeito ao necessário contraditório, pelo que não pode ser como tal valorado.

Do mesmo modo, por não terem sido provados nem oportunamente alegados, factos relativos ao custo das obras de adaptação do imóvel para a instalação do ginásio, bem como ao aproveitamento da intervenção realizada pela R., não pode a pretensão desta última ser atendida.

12. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 7 de Dezembro de 2023

Maria da Graça Trigo (relatora)

Catarina Serra

João Cura Mariano