Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7907/16.1T8VNG.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: BERNANRDO DOMINGOS
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
CONCLUSÕES
REPRODUÇÃO DE ALEGAÇÕES
REJEIÇÃO DE RECURSO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Almedina, Coimbra, 2000, p. 103 e ss.;
- J. A. Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, p. 56;
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, p. 460 e 461.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 639.º, N.º 3 E 641.º, N.º 2, ALÍNEA B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 07-09-2015, PROCESSO Nº. 818/07.3TBAMD.L1.S1;
- DE 13-07-2017, PROCESSO N.º 6322/11.8TBLRA-AC2.S1;
- DE 27-11-2018, PROCESSO N.º 28107/15.2T8LSB.L1.S1.
Sumário :
A reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al. b), do NCPC, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do art. 639º, nº 3, do NCPC.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


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Relatório[1]

«A HERANÇA aberta por óbito de AA intentou procedimento cautelar comum contra BB, LDA, e CC.

Pede que seja declarada a proibição dos requeridos de alienação/cessão de participações sociais e de alienação e oneração de bens imóveis da 1ª requerida, para segurança do direito da requerente, e, por via disso e entre o mais, suspender-se a transmissão operada, suspenderem-se as deliberações sociais posteriormente operadas, inibição de celebração de negócios e sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso, em valor nunca inferior a € 250,00.

Dispensada a audiência prévia dos requeridos foi proferida sentença na qual, julgando-se parcialmente procedente o procedimento cautelar, se declarou a proibição dos requeridos na alienação/cessão de participações sociais e na alienação ou oneração dos bens imóveis da 1ª requerida para segurança do direito da requerente.

Citados, os requeridos deduziram oposição.

Realizado o julgamento foi proferida sentença que, julgando a oposição procedente, revogou aquela decisão.

Inconformada, a requerente interpôs recurso».

Por despacho do relator a quem foi distribuído o processo no Tribunal da Relação, o recurso não foi admitido por se ter entendido que não continha conclusões.

A recorrente apresentou, então, reclamação contra aquele indeferimento, que foi convolada para pedido de acórdão, nos termos do art.º 652º, nº3, do CPC.

Em conferência foi confirmada a decisão do relator, embora com um voto de vencido.

De novo inconformada veio a requerente interpor recurso de revista, tendo rematado as suas alegações com as seguintes

Conclusões:

1. « O recurso de Recorrente foi indeferido por falta de conclusões,

2. Por se equiparar a reprodução das alegações como conclusões, à sua falta.

3. A Recorrente identificou as questões sobre que o recurso versava, apresentou alegações, conclusões e a indicação dos artigos violados, em cumprimento do art. 639º C. P. C.

4. A Recorrente, no seu requerimento de recurso, apresentou conclusões.

5. A Recorrente deveria ter sido convidada ao aperfeiçoamento das mesmas,

6. Em cumprimento, entre outros, do princípio da cooperação e da regra do cumprimento da gestão processual que impende sobre o julgador - arts. 7º, n.º 1 e 6º C. P. C.

7. A decisão está em contradição com jurisprudência proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, Acórdãos de 13 de Julho de 2017, 9 de Julho de 2015 e 27 de Novembro de 2018.

8. A omissão de convite à Recorrente ao aperfeiçoamento das conclusões, acto que a lei prevê, constitui nulidade - art. 195º C. P. C,

9. Porquanto determina para o processo um rumo diferente daquele que era suposto.

10. A falta desse convite ao aperfeiçoamento das conclusões consubstanciar a violação de princípios e direitos constitucionalmente garantidos, entre outros, os arts. 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa (C. R. P.), por, para uma situação semelhante, existir tratamento diferente e por restringir o livre acesso ao Direito e aos Tribunais.

11. Pelo que deverá a decisão ora sob recurso ser revogada,

12. Convidando-se a Recorrente a aperfeiçoar as suas conclusões.

13. A decisão ora sob recurso, mesmo tendo sido proferida no âmbito de procedimento cautelar, é recorrível - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Março de 2017.

Foram violados:

• Art. 641º, n.º 2, alínea b) C. P. C,

• Art. 639º, n.º 3 C. P. C,

• Art. 7º C. P. C.

• Art. 6º C. P. C. e

• Art. 13º C. R. P.;

Nestes termos, e nos demais , concedendo-se provimento ao presente recurso e, em consequência, ser o Acórdão Sub Judice ser revogado, nos termos requeridos, convidando-se a recorrente ao aperfeiçoamento das conclusões, será feita inteira e sã Justiça».


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Responderam os recorridos pedindo a improcedência da revista.

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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do  novo Cód. Proc. Civil).

Das conclusões acabadas de transcrever decorre que a questão objecto do recurso se limita a saber se, perante um requerimento de interposição de recurso onde se constata que as CONCLUSÕES são a repetição das alegações, deve o Tribunal convidar o recorrente a sintetizar tais conclusões ou pode desde logo rejeitar o recurso por falta de conclusões.


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Dos factos

Com interesse para a apreciação da questão objecto da revista está assente que a recorrente apresentou requerimento de interposição de recurso de apelação contendo as respectivas alegações. Nessas alegações o recorrente formulou o que designou por Conclusões. Acontece que essas conclusões são a repetição do arrazoado das alegações. A relação considerou que nestas circunstâncias (repetição das alegações nas conclusões) as “conclusões” é como se não existissem e rejeitou o recurso por falta de conclusões.

Do Direito

Resulta das conclusões que o recurso se funda na existência de contradição entre a decisão recorrida e acórdãos do STJ, designadamente os proferidos nos processos nº.s 818/07.3TBAMD.L1.S1, em 7/09/2015; 6322/11.8TBLRA-AC2.S1 de 13/07/2017 e 28107/15.2T8LSB.L1.S1 de 27/11/2018, cujas cópias foram juntas pela recorrente.

Ressalta dos acórdãos citados que é pacífico o entendimento neste Supremo Tribunal no sentido de que num caso como o dos autos não ocorre uma situação de falta de conclusões, enquadrável na previsão da al. b) do nº 2 do art.º 641º do NCPC, mas sim de “conclusões” prolixas a merecer convite ao aperfeiçoamento nos termos do disposto no nº 3 do art.º 639º do NCPC.

Como se observa no Ac. proferido no processo nº 818/07.3TBAMD.L1.S1, relatado pelo aqui 2º adjunto, onde se apreciou situação semelhante à judicanda « pela análise das alegações do recurso de apelação, o recorrente FF apresentou a sua motivação e, na segunda parte das alegações, limitou-se a transcrever, num sistema de copy paste, a motivação que apelidou eufemisticamente de “conclusões”.

É evidente a falha processual em que incorreu relativamente ao ónus de formulação de conclusões, revelando-se, aliás, o manifesto incumprimento por parte do recorrente de normas adjectivas relacionadas com a necessidade de circunscrever o objecto do recurso de apelação através da apresentação de uma verdadeira síntese conclusiva em que se inscrevam as questões que pretendia submeter à reapreciação da Relação (art. 639º, nº 2).

Todavia, se assim o consideramos sem hesitação alguma, também não podemos concordar com a assimilação que a Relação estabeleceu entre tal realidade e a falta de conclusões.

Com efeito, ainda que de forma manifestamente errónea – que, aliás, não é singular e que se manifesta em diversos recursos de apelação ou mesmo em recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça – o recorrente FF não deixou de estabelecer, em termos formais, uma diferenciação entre a motivação do recurso e as respectivas conclusões.

Apesar do seu carácter manifesto, o caso revela uma situação que apresentação de alegações com o segmento conclusivo complexo ou prolixo (art. 639º, nº 3, do NCPC), o qual, em termos formais que mais se ajustam a um comportamento conexo com normas de direito adjectivo, não pode ser assimilado à situação mais grave de falta de segmento conclusivo (art. 641º, nº 2, al. b)).

Assim sendo, ponderando simplesmente o disposto naquele preceito que, em princípio, seria aplicável ao caso, a Relação não poderia extrair de imediato o efeito cominatório, ou seja, a rejeição do recurso de apelação com fundamento na falta de conclusões.

Para situações como esta e para outras equivalentes qualificáveis como conclusões deficientes, obscuras ou complexas, cumpre ao relator convidar o recorrente a apresentar conclusões que cumpram os requisitos do nº 2 do art. 639º do NCPC. Só depois da formulação de tal convite e do seu eventual não acolhimento pelo recorrente podem ser retirados os efeitos jurídicos que correspondam à rejeição total ou parcial do recurso».

Estamos em perfeita sintonia com este entendimento e consequentemente impõe-se a revogação do acórdão recorrido, devendo o relator proferir despacho onde convide o recorrente a suprir as notórias deficiências ou insuficiências das “conclusões” do recurso. 


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Em síntese:

A reprodução nas “conclusões” do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do art. 641º, nº 2, al. b), do NCPC, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do art. 639º, nº 3, do NCPC.


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Concluindo

Pelo exposto, na procedência da revista revoga-se o acórdão recorrido, devendo o relator proferir despacho onde convide o recorrente a suprir as notórias deficiências ou insuficiências das “conclusões” do recurso, nos termos do disposto no art.º 639º nº 2 e 3 do CPC. 

Custas pelos recorridos.

Notifique.

Lisboa, em 2 de maio de 2019.

José Manuel Bernardo Domingos (Relator)

João Luís Marques Bernardo

António Abrantes Geraldes

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[1] Parcialmente transcrito do acórdão recorrido.
[2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil antigo e 635º nº 2 do NCPC) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, hoje 636º nº 1 e 2 do NCPC). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.