Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 6ª. SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CONTRATUAL RESPONSABILIDADE BANCÁRIA CASO JULGADO PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO CAUSA DE PEDIR PEDIDO NULIDADE DO CONTRATO INDEMNIZAÇÃO DANOS PATRIMONIAIS DANOS NÃO PATRIMONIAIS DEVER DE INFORMAÇÃO | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 01/17/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / EXCEPÇÕES DILATÓRIAS ( EXCEÇÕES DILATÓRIAS ) / CASO JULGADO. | ||
Doutrina: | - ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. I, 2.ª ed. revista e ampliada, Almedina, Coimbra, 1998, 192-193, 203. - FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, vol. II, Almedina, Coimbra, 2015, 626. - JOÃO DE CASTRO MENDES, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, Lisboa, s.d., 111 e ss., 178-179. - JOSÉ LEBRE DE FREITAS, «Caso Julgado e causa de pedir. O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229.º do Código Civil», Comentário ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Maio de 2006, na R.O.A., 2006. - MARIE MALAURIE, Les Restitutions en Droit Civil, Éditions Cujas, Paris, 1991, 45 - MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, «Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil», Scientia Iuridica 2013, tomo LXII, n.º 332, 395 e ss., 401-404; «Prejudicialidade e limites objectivos do caso julgado», na R.D.E.S., 1977, ano XXIV, 304 e ss.. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 581.º, N.ºS 1, 3 E 4. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: -DE 21/11/2016. -*- ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 19/02/2009; -DE 08/04/2010; -DE 23/11/2011. | ||
Sumário : | I - Na acção de responsabilidade civil contratual em que se pede que o banco seja condenado a pagar uma indemnização por danos patrimoniais, portanto, a reparar um dano, não se verifica a excepção de caso julgado – por falta de identidade de pedido e de causa de pedir – se em anterior acção se pediu, contra o mesmo banco, a declaração de nulidade de negócio, ainda que ambas se fundem na violação de deveres de informação e aconselhamento. II - Do mesmo modo, não se verifica o efeito preclusivo, nem a autoridade de caso julgado: a improcedência da anterior acção, tendo o tribunal afirmado a validade do negócio, não impede que o autor peça noutra acção a reparação de danos causados por violação de deveres pré-contratuais de informação e de aconselhamento, sendo a responsabilidade pré-contratual perfeitamente compatível com a validade do mesmo negócio. III - Ocorre, porém, excepção de caso julgado quanto ao pedido de compensação por danos não patrimoniais, se numa e noutra acção os danos invocados são fundamentalmente os mesmos, bem como idênticos os factos consubstanciadores da violação dos deveres de informação e de aconselhamento. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6.ª Secção) Processo n.º 3844/15.5T8PRT.S1 Relatório No processo n.º 471/09.OTVPRT as mesmas partes – AA, BB e CC – tinham intentado uma acção com o seguinte pedido: “Deve a presente acção ser julgada provada e procedente, e, por via disso: Apresentaram como fundamento para este pedido a nulidade dos vários negócios invocados, nulidade essa que resultaria de “fraude à lei, ofensa dos bons costumes, da ordem pública, violação de diversas normas legais imperativas e, ainda, do regime jurídico do crédito ao consumo” (como se pode ler na Sentença desse processo, f. 1239) e invocaram, ainda, a responsabilidade civil extracontratual (relativamente aos danos não patrimoniais). Como na Sentença expressamente se afirma “relembre-se que não pedem indemnização por prejuízos patrimoniais decorrentes de actos ilícitos praticados pelo R” (f.1291). O Tribunal decidiu não existir motivo para declarar a invalidade de qualquer dos negócios. Sublinhe-se que o Tribunal considerou que o Réu violou normas legais com a sua conduta provada nesses autos: assim, violou os artigos 304.º n.ºs 1,2 e 3; 305.º n.ºs 1 e 2; 309.º n.ºs 1,2 e 3; 310.º n.ºs 1 e 2; 311.º n.º 1 e 312.º n.º 1 al. a) e n.º 2 do CVM. Contudo, o Tribunal afirmou que tal não poderia acarretar a invalidade dos negócios já que a lei previa expressamente outra sanção, a saber a responsabilidade civil (f. 1284). E quanto a esta afirmou que “tendo sido esta [a nulidade] e não aquela [a responsabilidade civil] a consequência peticionada pelos Autores não pode, desde logo, por força do artigo 661.º n.º 1 CPC o tribunal acolhê-la”. Também em relação aos artigos 73.º, 74.º e 77.º do Decreto-Lei n.º 298/92 de 31/12 o Tribunal decidiu que mesmo considerando que tais normas eram imperativas “não parece que a sua violação deva implicar senão responsabilidade civil, pelo que chegaríamos á mesma solução preconizada no ponto anterior” (f.1285) Por Sentença proferida a 07/03/2012 o Tribunal absolveu o Réu dos pedidos contra ele formulados pelos Autores. Os presentes autos têm a sua génese em acção intentada pelos mesmos Autores contra o mesmo Réu que conclui com o seguinte pedido: “Termos em que, julgada provada e procedente a presente acção, deverá ser decretado o seguinte: Da petição inicial consta, designadamente, que “a presente acção tem em vista obter a condenação do BANCO EE em sede de responsabilidade civil contratual, com fundamento na violação dos seus deveres perante os Autores, no âmbito das operações de aquisição de “acções BANCO EE” que tiveram lugar durante a “Campanha Accionista”, nos termos acima referidos” (n.º 430 da PI), invocando-se a “inerente violação dos deveres de protecção dos legítimos interesses dos seus clientes, aqui Autores, nomeadamente o dever de protecção, o dever de actuação de boa fé, o dever de evitar ou reduzir os conflitos de interesses e o dever de dar prevalência aos interesses dos clientes” (n.º 433 da PI). O Réu contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação. Entre outras defesas, pediu a sua absolvição da instância por se verificar a excepção de autoridade do caso julgado (números 27 e seguintes da Contestação) defendendo que a presente acção era “a mesma e uma só” (n.º 28 da Contestação) que a anteriormente proposta pelos mesmos Autores contra o mesmo Réu. Foi proferido a 21 de Abril de 2016 despacho saneador que julgou verificada a excepção da autoridade do cado jugado, tendo absolvido o Réu da instância. Nesse despacho saneador pode ler-se, designadamente, que: “Em suma, embora os AA qualifiquem de forma distinta a responsabilidade do Réu, nesta acção e na acção n.º 471/09.OTVPRT, invocando naquela a violação de deveres gerais e de intermediário financeiro para lograr obter a nulidade dos negócios com ele celebrados, pretendendo na presente acção demandá-lo a título de responsabilidade contratual, pela já invocada violação dos deveres consagrados no CVM para lograr obter uma indemnização (em parte já reclamada naquela primeira acção) , os factos essenciais, concretos, que servem de fundamento ao efeito pretendido são exactamente os mesmos, o facto jurídico de que precede a causa de pedir desta acção é o mesmo da primeira (os factos concretos que se traduzem na violação dos deveres de intermediário financeiro) e, como os AA na primeira acção não lograram a procedência por via da responsabilidade geral, pretendem agora consegui-la por via da responsabilidade contratual, não invocando outros factos mas os mesmos dos já apreciados, pelo que, pela autoridade do caso julgado formado pela sentença proferida na acção n.º 471/09.0TVPRT ficou precludido quer a invocação pelos autores de factos que visam completar o objecto da acção anteriormente apreciada, mesmo que com uma decisão de improcedência, quer a invocação de diferente qualificação jurídica dos mesmos fundamentos de facto, não podendo ver reapreciada a mesma situação ainda que perspectivada sob outro tipo de responsabilidade” (f. 1990, negritos e sublinhados no original). Sublinhe-se que noutro lugar do mesmo despacho procede-se a uma citação de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA em que este Autor afirma que: “(…) a excepção de caso julgado impede que um efeito jurídico pretendido ou obtido com fundamento numa qualificação jurídica possa ser requerida com base numa outra qualificação dos mesmos factos. Por exemplo se o autor não conseguiu obter a condenação do demandado com fundamento na responsabilidade contratual, a excepção de caso julgado impede a reapreciação da mesma situação perspectivada como responsabilidade delitual” A esta citação segue-se, no despacho, a seguinte observação: “E é esta hipótese exemplificativa que o referido autor menciona que de facto se verifica nesta acção” (f. 1988). Deste despacho foi interposto recurso per saltum nos termos do artigo 678.º do CPC. No seu recurso o Autor invoca falta de rigor no tratamento da excepção de caso julgado e da autoridade de caso julgado no despacho saneador que “acabou por misturá-las ao arrepio da lei, da doutrina e da jurisprudência” (artigo 102 do Recurso), sustenta que não existe excepção de caso julgado uma vez que embora as partes sejam as mesmas, não existe nem identidade de pedido, nem identidade de causa de pedir (artigos 80 e seguintes e números 4 e 5 das Conclusões) e defende, igualmente, que não pode falar-se em autoridade do caso julgado (n.º 6 das Conclusões), embora aceite, “porque assim o impõe a seriedade intelectual” que se verificou excepção de caso julgado quanto ao pedido de compensação por danos não patrimoniais já que “nesta parte a matéria invocada em ambas as acções é essencialmente a mesma” (artigo 94.º do Recurso) e a diferença estaria apenas na qualificação jurídica (artigo 95.º do Recurso e n.º 11 das Conclusões). O Autor pede, por conseguinte, a revogação do despacho saneador recorrido. O Réu contra-alegou pedindo a confirmação do despacho recorrido, mantendo-se a absolvição da instância do Réu. Invocou que “o recurso se destrói a si mesmo” ao terem os Recorrentes aceitado expressamente que se verifica a excepção de caso julgado quanto aos danos não patrimoniais, pelo que, na realidade, estariam a invocar na presente acção os mesmos factos, alterando apenas a sua qualificação jurídica. Mais acrescentam que cobrindo a autoridade do caso julgado “o deduzido e o dedutível”, “impede, num caso como o dos autos, que numa nova acção o autor possa obter a título de responsabilidade civil o que em acção anterior fundada nos mesmos factos só pediu a título de nulidade” (f. 2044). Fundamentação Uma vez que o despacho saneador recorrido, embora tenha o cuidado de distinguir excepção de caso julgado e autoridade de caso julgado, na sua fundamentação acaba por invocar tanto a excepção de caso julgado, como o efeito preclusivo e ainda a autoridade de caso julgado, bem como a circunstância de as próprias contra-alegações do Réu fazerem menção ao efeito preclusivo (cuja autonomia é, como adiante diremos, controversa) aconselha a que se apreciem estas três questões: a excepção de caso julgado, a preclusão e a autoridade de caso julgado. De acordo com o artigo 581.º n.º 1 do CPC “repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”. O n.º 3 do mesmo artigo dispõe que “há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” e o n.º 4 estabelece que “há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”. A excepção de caso julgado pressupõe esta tríplice identidade: de partes, de causa de pedir e de pedido. A identidade das partes é manifesta e reconhecida, de resto, pelos próprios Autores. Mas haverá identidade de causa de pedir e de pedido? O conceito de causa de pedir tem sido intensamente debatido – na sugestiva expressão de LEBRE DE FREITAS[1], “martirizado” – na doutrina portuguesa. Muito embora se entenda que a causa de pedir é representada por factos concretos, não se trata de factos “brutos”, independentes de qualquer previsão normativa. Na esclarecedora lição de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “os factos que constituem a causa de pedir devem preencher uma determinada previsão legal, isto é, devem ser subsumíveis a uma regra jurídica: eles não são factos “brutos”, mas factos “institucionais, isto é, factos construídos como tal por uma regra jurídica”[2] [3], acrescentando o mesmo Autor que “o recorte da causa de pedir é realizado pelo direito material: são as previsões das regras materiais que delimitam as causas de pedir, pelo que, em abstracto, há tantas causas de pedir quantas as previsões legais”[4]. Por outro lado, o conceito de causa de pedir não deve ser entendido de forma extensa já que uma visão mais restrita – “deflacionada”[5] – é a que melhor se adequa tanto ao princípio dispositivo[6], que apesar de temperado ou mitigado continua a imperar no nosso sistema processual civil, como à opção do legislador pelo sistema da substanciação da causa de pedir[7]. Os factos concretos que constituem a causa de pedir – e que nem sequer serão, porventura, para MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, todos os facto necessários para assegurar a procedência da acção – são pois “iluminados” e selecionados por uma certa previsão legal. Assim, por exemplo, os factos concretos que constituem a causa de pedir de uma anulação de um contrato por dolo podem não ser os mesmos, atendendo ao pedido e às regras jurídicas invocadas, que constituem a causa de pedir para um pedido de responsabilidade précontratual, a qual, como é sabido, é compatível com a validade do contrato. Naquele primeiro caso os factos – a utilização por exemplo por uma das partes de sugestões e artifícios ou de omissões conscientes – têm que ter uma intensidade e gravidade tais que justifiquem a anulação de um contrato, ao passo que a violação de deveres de informação e aconselhamento não tem que assumir a mesma gravidade ou intensidade para que se imponha a reparação de um dano, apesar da validade do contrato[8]. Por isso mesmo entendemos que os factos concretos que constituem a causa de pedir nas duas acções – uma em que se pede a declaração de nulidade de uma série de negócios e outra em que se pede a reparação de um dano, resultante de violação de deveres de informação e aconselhamento, violação essa que pode ocorrer e determinar a existência de um dano reparável mesmo que as partes venham a celebrar um negócio válido – não são, em rigor, os mesmos do ponto de vista das respectivas previsões legais. E haverá identidade de pedido? Com a declaração de nulidade de um negócio surge o dever de restituição das prestações realizadas em execução do mesmo, ao passo que quando se invoca um dano em sede de responsabilidade civil pede-se a reparação do mesmo. Ora restituição e reparação parecem ser efeitos jurídicos distintos. É certo que a fronteira é delicada e que até já se afirmou que a restituição e a reparação são remédios que pertencem à mesma família e que são “aparentados”. No entanto, parece poder afirmar-se entre nós o que MARIE MALAURIE afirmou a respeito do sistema francês: a reparação tende a colocar o lesado na situação em que estaria se o evento danoso não tivesse ocorrido, ao passo que a restituição “opera apenas o regresso de um bem ao seu património de origem”[9]. Não havendo nem identidade de causa de pedir, nem de pedido não se verifica a excepção de caso julgado. Mas será que se verifica aqui um efeito preclusivo[10] que, como pretende o réu nas suas contra-alegações, preclude que “numa nova acção o autor possa obter a título de responsabilidade civil o que em acção anterior fundada nos mesmos factos só pediu a título de nulidade”? Como já dissemos, os factos não são em rigor os mesmos do ponto de vista da previsão das diferentes normas legais invocadas. É certo que por força do princípio da concentração da defesa[11] se tem afirmado a propósito do Réu este efeito preclusivo, sendo certo que na doutrina não é pacífico se o mesmo deve ser integrado no caso julgado ou tratado com autonomia. A este respeito observa FRANCISCO MANUEL LUCAS FERREIRA DE ALMEIDA que “este ónus de concentração da defesa na contestação, cominado no n.º 1 do art. 573.º, vale para todos os fundamentos defensórios, designadamente para todas as exceções perentórias oponíveis á pretensão do demandante, pelo que qualquer exceção não invocada – como, por exemplo, a invalidade do negócio ou o pagamento da dívida – se considera definitivamente precludida”[12]. Tal entendimento tem sido defendido, no entanto, a propósito do Réu[13]. Com efeito, a posição do Autor e do Réu a este propósito pode não ser simétrica[14]. Já CASTRO MENDES observava “sem sombra de dúvida que a pretensão do autor não está sujeita a este efeito preclusivo” e acrescentava que “De jure condito (…) é lícito ao autor em processo civil formular n vezes a mesma pretensão, desde que a baseie em n causas de pedir”[15]. E importa neste aspecto atender, mais uma vez, à lição de MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA quando este Autor destaca que “a causa de pedir também define o âmbito da preclusão decorrente do trânsito em julgado da decisão, isto é, também delimita os factos que, na hipótese de o autor não ter obtido ganho de causa, não podem ser invocados por esse autor numa acção posterior”[16]. E daí que no Acórdão do STJ de 19/02/2009 (MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA) se tenha afirmado que “o caso julgado não preclude a possibilidade de invocar diferentes causas de pedir para o mesmo pedido, tal como não impede a formulação de outros pedidos, com relação à mesma causa de pedir”. Não se verifica, pois, em relação ao Autor o efeito preclusivo pretendido pelo Réu: quem propõe uma acção em que pede a nulidade de um negócio, acção essa que não procede, tendo o Tribunal afirmado que o negócio celebrado entre as partes era válido, não está impedido de vir depois em outra acção pedir a reparação de danos causados por violação de deveres pré-contratuais de informação e de aconselhamento porquanto a responsabilidade pré-contratual é perfeitamente compatível com a validade do mesmo negócio. Poderá dizer-se, no entanto, que embora não ocorra a excepção de caso julgado se verifica a autoridade de caso julgado, sendo que em relação a esta última não se exige a tríplice identidade? Tem-se entendido, com efeito, que “a autoridade de caso julgado, por via da qual é exercida a função positiva do caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da aludida tríplice identidade [a que se reporta o artigo 498.º n.º 1 do CPC], pressupondo, todavia, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida” (Acórdão do STJ de 23/11/2011 (PEREIRA DA SILVA)). Sublinhe-se, no entanto, que não se vislumbra aqui qualquer decisão prejudicial[17] que tenha sido tomada na primeira Sentença e que não possa agora ser contraditada: decidiu-se, é certo, que os negócios celebrados entre as partes eram válidos, mas tal questão não é prejudicial porquanto, como reiteradamente se afirmou, a responsabilidade pré-contratual tanto pode existir nos casos de invalidade, como nos casos de validade do contrato. Relativamente aos danos patrimoniais cuja reparação os Autores pedem na presente acção não se verifica, por conseguinte, nem caso julgado, nem efeito preclusivo, nem tão-pouco autoridade de caso julgado. E relativamente à compensação por danos não patrimoniais? Antes de mais, importa reconhecer que os danos invocados são fundamentalmente os mesmos. Pode-se dizer, é certo, que a causa de pedir em uma acção de responsabilidade civil é complexa e não se resume aos danos sofridos, havendo que ter em conta os outros pressupostos da responsabilidade civil. Contudo, e ao contrário do que sucede com um pedido de restituição fundado na mera invalidade do negócio, o pedido de reparação dos danos não patrimoniais já apresentado na anterior acção fundava-se na violação dos deveres de informação e de aconselhamento que agora novamente se invocam, ainda que já não para invalidar o negócio. Neste segmento e só neste existe, por conseguinte, caso julgado Decisão: Concedida a Revista, negando-se a existência tanto da excepção de caso julgado, como da autoridade de caso julgado em relação aos danos patrimoniais invocados Custas em proporção do decaimento Lisboa, 17 de Janeiro de 2017 Júlio Gomes- Relator José Rainho Nuno Cameira _______________________________________________________ |