Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1340/08.6TBFIG.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
FACTOS SUPERVENIENTES
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
RESPONSABILIDADE PÓS CONTRATUAL
VENDA DE IMÓVEL
PROPRIEDADE HORIZONTAL
DEVER DE CONSERVAÇÃO DO PRÉDIO
ADMINISTRADOR PROVISÓRIO
CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DOS AUTORES; CONCEDIDA A REVISTA DOS RÉUS
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITOS REAIS / PROPRIEDADE HORIZONTAL / ADMINISTRAÇÃO DAS PARTES COMUNS DO EDIFÍCIO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / ARTICULADOS SUPERVENIENTES / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º, 1435.º-A.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 588.º, 589.º, 671.º, N.º2, 682.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 11/7/2013, P. N.º105/08.0TBRSD.P1-A.S1 E DE 12/7/2011 E DE 10/5/2012, RESPECTIVAMENTE, NOS P. N.ºS 203/08.0YYPRT-A.P1.S1 E 645/08.0TBALB.C1.S1;
-DE 19/2/2015, P. N.º 302913/11.6YIPRT.E1.S1.
Sumário :
I - Só pode considerar-se existente – no âmbito da apreciação da figura da dupla conforme no NCPC (2013) – uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância.

II -Tal situação tem-se por verificada quando a condenação da ré na sentença apelada radicou na invocação de uma violação culposa do princípio da boa fé contratual, quer na fase pré-contratual, quer na fase pós contratual, ulterior à consumação da compra e venda do imóvel, apelando a Relação, não ao plano de qualquer responsabilidade situada no perímetro dos contratos celebrados, mas antes à violação culposa pela ré de um dever de conservação das partes comuns do imóvel, decorrente da sua qualidade, legalmente imposta, de administrador provisório do edifício em regime de propriedade horizontal – deslocando, assim, a base normativa da condenação do âmbito da violação do princípio da boa fé contratual para o plano das consequências do incumprimento culposo dos deveres que recaem sobre o administrador, como órgão da propriedade horizontal.

III - A parte interessada na relevância de algum facto superveniente, ocorrido ulteriormente à fase dos articulados, mas anteriormente ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, e que se mostre substantivamente relevante, pode introduzi-lo no processo através da apresentação tempestiva de articulado superveniente, nos termos previstos nos arts. 588.º e 589.º do NCPC – não podendo tal omissão ser oficiosamente suprida pelo tribunal, incluindo nas respostas aos pontos da base instrutória, reportados à situação vigente na data em que a acção foi instaurada, a situação factual superveniente, não oportunamente alegada pelo interessado.

IV - Estando em causa uma pretensão indemnizatória fundada no art. 227.º do CC, é indispensável que o lesado demonstre que a ré/vendedora de determinadas fracções em edifício em propriedade horizontal actuou culposamente na fase das negociações preliminares – criando, nomeadamente, uma falsa aparência quanto às qualidades futuras do empreendimento, levando os compradores a contratar nas precisas condições acordadas em prejuízo manifesto do seu interesse – não se verificando tais pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual se apenas tiver ficado provado que as previsões então realizadas se não concretizaram ulteriormente.

V - Não pode criar-se para a entidade vendedora de determinadas fracções de edifício sujeito ao regime da propriedade horizontal, no plano estritamente contratual e por via do princípio da boa fé, um dever lateral de, ao longo dos anos, providenciar (nessa veste de vendedora) pela adequada conservação do prédio, respondendo perante os condóminos/compradores pelos danos decorrentes de deficiências do imóvel, causadas pela negligente omissão de actos conservatórios: na verdade, consumada ou exaurida a venda, o tema da conservação futura do imóvel e das omissões culposas que nesta sede possam ocorrer já não se situa no perímetro contratual (ainda que no plano da pós eficácia das obrigações emergentes de contrato de compra e venda, há muito exaurido e findo), mas antes no âmbito institucional da propriedade horizontal e das competências e actuações dos órgãos que juridicamente a integram.

VI - Não tendo o autor invocado, como base da pretensão indemnizatória que deduziu, a qualidade que assistiria, porventura, à ré, de administradora provisória do condomínio, nos termos do art. 1435.º-A do CC, fundando antes o dever de conservação do imóvel vendido exclusivamente no perímetro contratual e no âmbito de alegada violação do princípio da boa fé, não pode ser tal facto introduzido no processo na fase de recurso por implicar apelo a um facto essencial não alegado, estruturante de uma outra causa de pedir.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. Os Autores AA e outros propuseram acção, com processo ordinário, pedindo a condenação da Ré BB Seguros, SA a pagar a cada um deles, a título de ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais, as seguintes quantias, acrescidas de juros de mora vencidos desde a data da citação e até integral pagamento:

 - AA – € 189.788,35;

 - CC e DD – € 254.788,50;

 - EE e FF – € 165.000,00

 - GG e HH - € 340.000,00;

 - II e JJ - € 315.000,00;

 - KK e LL - € 325.000,00;

Para fundamentarem a sua pretensão, alegaram, em síntese:

Ø - Em 1991 a sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” (que viria a ser incorporada na Ré no ano de 2001) promoveu a comercialização das várias fracções do imóvel conhecido por “Edifício MM”, constituído por dez pisos afectos a diversos fins.

Ø - Essa promoção desenvolveu-se através de campanha publicitária que anunciava o referido imóvel como sendo o espaço de mais rápida valorização na cidade da Figueira da Foz, tendo sido lançada uma brochura publicitária que prometia a todos os potenciais interessados um produto imobiliário e comercial extremamente rentável, isto é, um “excelente investimento” suportado por rigorosos estudos de mercado que apontavam para uma valorização do imobiliário, a um ano de vista, em pelo menos 15% a 20% ou até mesmo 30%.

Ø - Motivados pela possibilidade de desenvolverem um negócio altamente rentável, os Autores mantiveram contactos com os representantes da sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” que operavam no local, os quais sempre corroboraram perante eles todos os indicadores de rentabilidade mencionados na brochura publicitária aludida, fazendo-lhes crer estarem perante uma oportunidade de negócio única e altamente rentável.

Ø - Assim, os Autores foram adquirindo à sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.”, ao longo dos anos de 1993, 1995 e 1996, as diversas fracções autónomas, nas quais instalaram alguns estabelecimentos comerciais, convencidos – sendo-lhes afiançado pelos representantes da vendedora – de que o prédio em causa estava praticamente vendido, tanto na parte residencial como na área comercial e das garagens, o que permitiria um rápido funcionamento integral do edifício, incluindo a constituição e actuação do condomínio.

Ø - Contrariamente ao anunciado e propalado pela vendedora, o sucesso comercial “vendido” na fase de promoção publicitária nunca ocorreu, antes se verificando uma inacreditável, galopante e inadmissível situação de degradação e abandono do edifício por parte da sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” e pela ora Ré, detentora da esmagadora maioria do espaço para lojas e demais fins, tendo todas as habitações permanecido por vender e a maioria das lojas devolutas por falta de comprador, o mesmo acontecendo com as garagens.

Ø - Quer a sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.”,  quer a Ré, não formalizaram a constituição de uma administração de condomínio, não promoveram a adequada limpeza do edifício, nem procederam à instalação nos espaços comuns de equipamentos sanitários, não permitiram, durante largo tempo, a utilização do parque de estacionamento por falta de acesso e iluminação, e, sobretudo, não procederam a obras de conservação do edifício, o qual veio a apresentar, em curto espaço de tempo, a já referida degradação galopante.

Ø - Tudo o apontado contribuiu para a diminuição acentuada de visitantes no referido edifício, de tal modo que passou a ser alvo de uma onda de violência e palco de roubos, furtos e toxicodependência.

Ø - O estado de abandono e degradação do edifício é tal que as fracções que o constituem não valem rigorosamente nada, não existindo quem as queira comprar.

Ø - Em consequência, os Autores sofreram prejuízos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais – que quantificam – que a Ré está obrigada a indemnizar e compensar.

A Ré contestou, excepcionando a ilegitimidade da Autora AA e, impugnando, alegou em síntese:

Ø - A sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” reconstruiu o imóvel em questão no ano de 1991, aí investindo muito dinheiro, sem qualquer retorno até aos dias de hoje. De início, a expectativa era enorme, pelo que de arrojado e inovador tinha o projecto arquitectónico, vindo no entanto a sofrer os efeitos de um inusitado processo de envelhecimento e desertificação da Figueira da Foz, com a consequente inexistência de interessados no empreendimento.

Ø - Nunca tentou a antecessora da Ré, por qualquer forma, ludibriar ou enganar os Autores aquando da celebração das compras e vendas, já que o conteúdo da brochura publicitária de apresentação do imóvel era tão-somente isso mesmo, um conjunto de frases de publicidade (e nada mais), não tendo a demandada incumprido qualquer dever, fosse jurídico, fosse moral, em tal processo negocial.

Ø - A omissão da falta de constituição do condomínio é tão imputável à contestante como aos Autores, visto que todos (ou quase todos) são proprietários e detentores de poder para promover essa constituição.

Ø - Competiria tanto aos Autores como à Ré providenciar pela realização de obras nas partes comuns do prédio, parecendo antes que os Autores não pretenderam nunca, de modo algum, suportar o custo da manutenção do imóvel.

Ø - A Ré tentou por diversas vezes avançar com a realização de obras de fundo, tendo em vista a recuperação física do prédio (para o que inclusivamente solicitou a elaboração, junto de um gabinete de arquitectura, do pertinente projecto), quando foi surpreendida com a notícia de que a Câmara Municipal da Figueira da Foz pretenderia mesmo fazer implodir o prédio.

Ø - As eventuais quebras de negócio ocorridas nos últimos anos mais não são do que o produto de uma conjuntura económica particularmente adversa, a que a Ré é alheia.

Concluiu pela improcedência da acção.

Os Autores ofereceram réplica, mantendo o alegado na petição inicial.

Foi admitida a intervenção dos herdeiros do marido da Autora AA, relegando-se para final o conhecimento da ilegitimidade invocada.

Finda a audiência, foi proferida sentença que, julgando improcedente a excepção da ilegitimidade invocada, julgou a causa nos seguintes moldes:

– Condena-se a Ré “Companhia de Seguros BB, S.A.” a pagar à A. AA e aos intervenientes NN, OO e PP o montante global de € 74.605,60 (setenta e quatro mil, seiscentos e cinco euros e sessenta cêntimos) a título indemnizatório de danos patrimoniais e compensatório de danos não patrimoniais, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, contados da notificação da presente sentença até efectivo e integral pagamento;

– Absolve-se a Ré “Companhia de Seguros BB, S.A.” do demais contra si peticionado pela demandante A. AA e intervenientes NN, OO e PP nestes autos;

– Condena-se a Ré “Companhia de Seguros BB, S.A.” a pagar aos AA. CC e DD o montante global de € 74.867,77 (setenta e quatro mil, oitocentos e sessenta e sete euros e setenta e sete cêntimos) a título indemnizatório de danos patrimoniais e compensatório de danos não patrimoniais, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, contados da notificação da presente sentença até efectivo e integral pagamento;

– Absolve-se a Ré “Companhia de Seguros BB, S.A.” do demais contra si peticionado pelos demandantes CC e DD nestes autos;

– Condena-se a Ré “Companhia de Seguros BB, S.A.” a pagar aos AA. GG e HH o montante global de € 73.060,45 (setenta e três mil e sessenta euros e quarenta e cinco cêntimos) a título indemnizatório de danos patrimoniais e compensatório de danos não patrimoniais, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, contados da notificação da presente sentença até efectivo e integral pagamento;

– Absolve-se a Ré “Companhia de Seguros BB, S.A.” do demais contra si peticionado pelos demandantes GG e HH nestes autos;

– Condena-se a Ré “Companhia de Seguros BB, S.A.” a pagar aos AA. EE e FF o montante global de € 40.000 (quarenta mil euros) a título indemnizatório de danos patrimoniais e compensatório de danos não patrimoniais, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, contados da notificação da presente sentença até efectivo e integral pagamento;

– Absolve-se a Ré “Companhia de Seguros BB, S.A.” do demais contra si peticionado pelos demandantes EE e FF nestes autos;

– Condena-se a Ré “Companhia de Seguros BB, S.A.” a pagar aos AA. II e JJ o montante global de € 62.445,90 (sessenta e dois mil, quatrocentos e quarenta e cinco euros e noventa cêntimos) a título indemnizatório de danos patrimoniais e compensatório de danos não patrimoniais, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, contados da notificação da presente sentença até efectivo e integral pagamento;

– Absolve-se a Ré “Companhia de Seguros BB, S.A.” do demais contra si peticionado pelos demandantes II e JJ nestes autos;

– Condena-se a Ré “Companhia de Seguros BB, S.A.” a pagar aos AA. KK e LL o montante global de € 81.069,22 (oitenta e um mil, sessenta e nove euros e vinte e dois cêntimos) a título indemnizatório de danos patrimoniais e compensatório de danos não patrimoniais, acrescidos dos juros de mora, à taxa legal, contados da notificação da presente sentença até efectivo e integral pagamento;

– Absolve-se a Ré “Companhia de Seguros BB, S.A.” do demais contra si peticionado pelos demandantes KK e LL nestes autos.

2. A Ré, inconformada com a decisão, apelou, impugnando, desde logo, o decidido em sede de matéria de facto, sendo ordenado pela Relação que os autos voltassem à 1ª instância para fundamentação da matéria de facto.

Foi junto pela R. douto parecer, a fls. 914 e seguintes.

Após fundamentação pelo juiz a quo da decisão da matéria de facto, veio a Recorrente efectuar aditamentos à impugnação da matéria de facto – impugnando ainda a decisão que indeferira a reclamação deduzida acerca da selecção da matéria de facto na fase de condensação, a qual foi rejeitada pela Relação.

Da apreciação da impugnação deduzida contra a matéria de facto resultou a estabilização do seguinte quadro factual:

1 – A ora Ré é uma sociedade anónima cujo objecto social é o exercício da actividade de seguros e resseguros, em todos os ramos e operações, salvo no que respeita ao seguro de crédito com garantia do Estado, podendo ainda exercer actividades conexas com as de seguros e resseguros, tendo também a possibilidade de participar em agrupamentos complementares de empresas, em agrupamentos europeus de interesse económico e, bem assim, adquirir, originária e subsequentemente, acções ou quotas em sociedades de responsabilidade limitada, qualquer que seja o objecto destas, embora sujeitas a leis especiais;

2 – Em 25 de Janeiro de 1993, a sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” adquiriu à sociedade “QQ, Lda.” o prédio urbano sito na Rua … e na Rua …, na Figueira da Foz, descrito na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o n.º … da freguesia de São Julião, composto por subcave e cave para estacionamento, rés-do-chão e primeiro andar para comércio, segundo e terceiro andares para escritórios, quarto, quinto, sexto e sete andares para habitação, com a área total de 2.640 m2, a confrontar a norte com a Rua …, a sul com a Rua …, a nascente com RR, e a poente com a Rua …, conhecido por “Edifício MM” e constituído em propriedade horizontal em 28 de Maio de 1993;

3 – Em 1991 a sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” promoveu a comercialização das várias fracções do imóvel identificado no ponto 2 (destes factos provados);

4 – Para os efeitos referidos no ponto 3 (da presente factualidade assente) a sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” distribuiu uma brochura na qual consta, além do mais, que «Muitas têm sido as opiniões expendidas sobre o edifício em apreço, mas todas elas sublinham o valor intrínseco da realização – “Indiscutivelmente o espaço de mais rápida valorização na cidade!” – Esta, sem dúvida, uma importante conclusão. Desta forma, temos para si a oportunidade de concretizar aquilo com que sempre sonhou. Seja a habitação de qualidade que a sua família tanto merece, seja o escritório que a dignidade da sua actividade exige, seja ainda a mais apetecível oportunidade de desenvolver a sua actividade comercial em condições privilegiadas. (…) Aqui lhe deixamos apresentada uma oportunidade soberana – a de realizar o seu sonho, ao mesmo tempo que assegura um excelente investimento. Da qualidade do edifício julgamos ter-lhe dado uma razoável ideia. Mas não fique pelo que lhe dizem, e venha ver pelos seus próprios olhos. Da oportunidade e rentabilidade do investimento, poderá facilmente concluir se perspectivar o desenvolvimento que o “Edifício MM” vai ter. Os cenários menos optimistas apontam para uma valorização do imobiliário, a um ano de vista, em pelo menos 15% a 20%. Neste caso concreto, pela mecânica da oferta e da procura, acelerada pela presença da actividade comercial e profissional, não será demais prever uma valorização na casa dos 30%» (documento de fls. 46 a 53 dos presentes autos, ora dado por reproduzido no respectivo teor);

5 – No decurso das negociações tendentes à venda das fracções do “Edifício MM”, identificado no ponto 2 (da presente factualidade assente), os representantes da sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” corroboraram perante os demandantes todos os indicadores de rentabilidade mencionados na brochura publicitária aludida no ponto 4 (desta matéria fáctica provada), – resposta dada ao quesito 1º;

6 – Em 16 de Março de 1993, os AA. GG e HH compraram à sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” a fracção autónoma individualizada pelas letras “EI” do prédio mencionado no ponto 2 (destes factos provados), pelo preço de Esc. 13.500.000$00, e a fracção autónoma individualizada pelas letras “FM” do mesmo prédio, pelo preço de Esc. 6.384.480$00;

7 – Na fracção autónoma “EI” aludida no ponto 6 (da presente matéria factual assente), que se mostra arrendada desde 1 de Julho de 1992, foram instalados, sucessivamente, os estabelecimentos comerciais “Loja dos 300” e “Zé Poupança”, ambos explorados pelos AA. EE e FF;

8 – Em 1 de Julho de 1993, os AA. II e JJ compraram à sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” a fracção autónoma individualizada pelas letras “EH” do prédio mencionado no ponto 2 (destes factos provados), correspondente a uma loja no rés-do-chão, destinada a comércio, sita do lado da Rua …, virada para o hall interior, a primeira a contar de nascente para poente, pelo preço de Esc. 13.500.000$00;

9 – Na fracção autónoma referida no ponto 8 foi instalado o estabelecimento comercial denominado “Galinha Gorda”;

10 – Em 15 de Outubro de 1993, a Autora AA e o seu marido António Francisco da Silva compraram à sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” a fracção autónoma individualizada pelas letras “AQ” do prédio dito no ponto 2 (dos presentes factos assentes), correspondente a estacionamento no topo poente, o primeiro a contar de norte para sul, pelo preço de Esc. 5.412.000$00, e a fracção autónoma individualizada pelas letras “EL”, correspondente a loja no rés-do-chão, destinada a comércio, sita no lado poente, virada para o hall interior, a primeira a contar de norte para sul, pelo preço de Esc. 27.430.320$00;

11 – A A. AA instalou na fracção autónoma individualizada pelas letras “EL”, referida no ponto 10 (da presente matéria fáctica provada), o estabelecimento comercial denominado “SS”;

12 – Em 16 de Março de 1995, os AA. CC e DD compraram à sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” a fracção autónoma individualizada pelas letras “EJ” do prédio mencionado no ponto 2 (destes factos provados), correspondente a uma loja no rés-do-chão, destinada a comércio, sita do lado poente, a primeira a contar de norte para sul, pelo preço de Esc. 33.000.000$00;

13 – Os AA. CC e DD instalaram na fracção autónoma individualizada no ponto 12 (da presente factualidade assente) o estabelecimento comercial denominado “TT”;

14 – Em 3 de Maio de 1996, os AA. KK e LL compraram à sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” a fracção autónoma individualizada pelas letras “ED” do prédio mencionado no ponto 2 (destes factos provados), correspondente a uma loja no rés-do-chão, destinada a comércio, sita do lado da Rua …, virada para o hall interior, a terceira a contar de nascente para poente, pelo preço de Esc. 12.672.000$00;

15 – Os AA. KK e LL instalaram na fracção autónoma referida no ponto 14 (da presente factualidade assente) o estabelecimento comercial denominado “UU”;

16 – À excepção do estabelecimento comercial “UU”, os espaços comerciais do “Edifício MM”, mencionado no ponto 2 (desta matéria fáctica provada), estão encerrados;

17 – Em 1998, por falta de comprador, todas as habitações e garagens estavam por vender e a maioria das lojas devolutas – resposta dada ao quesito 3º;

18 – Em 28 de Dezembro de 2001, a sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” foi incorporada na ora Ré;

19 – Eliminado em consequência da alteração efectuada à resposta ao quesito 5º.

20 – Por falta de utilização de grande parte do seu espaço, bem como [e com excepção das obras referidas no ponto 67 (dos presentes factos assentes), que nada fizeram quanto à conservação da estrutura, do exterior e (para além do aspecto sobre que incidiram) do interior do edifício] e por falta de obras de conservação ao longo dos anos, o “Edifício MM” degradou-se até atingir, no final da década de 90 do século XX, o estado detectado na vistoria camarária realizada em 12 de Março de 2004, referida no ponto 21 (desta matéria fáctica provada) – resposta dada ao quesito 6º;

21 – Realizada uma vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, constatou-se que algumas das loiças das instalações sanitárias ao nível do rés-do-chão do “Edifício MM” estavam partidas. – resposta dada ao quesito 7º;

22 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, referida no ponto 21 (da presente factualidade assente), constatou-se que alguns dos autoclismos das instalações sanitárias do rés-do-chão estavam soltos e desmontados. – resposta dada ao quesito 8º;

23 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, mencionada no ponto 21 (desta matéria factual provada), constatou-se não haver lâmpadas na zona dos lavatórios das instalações sanitárias do rés-do-chão – resposta dada ao quesito 9º;

24 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, aludida no ponto 21 (destes factos provados), constatou-se que os cabos e os fios eléctricos das instalações sanitárias do rés-do-chão estavam à vista. – resposta dada ao quesito 10º;

25 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, referida no ponto 21 (da presente matéria factual assente), constatou-se que o sistema de ventilação das instalações sanitárias do rés-do-chão não funcionava – resposta dada ao quesito 11º;

26 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, mencionada no ponto 21 (desta matéria fáctica provada), constatou-se que faltavam placas nos tectos falsos das instalações sanitárias do rés-do-chão. – resposta dada ao quesito 12º;

27 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, referida no ponto 21 (destes factos assentes), constatou-se que as molas das portas das instalações sanitárias do rés-do-chão não funcionavam, impedindo a abertura das portas de duas das casas de banho – resposta dada ao quesito 13º;

28 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, aludida no ponto 21 (da presente matéria fáctica provada), constatou-se existirem fissuras nas juntas de dilatação, situação que se agravou posteriormente àquela data. – resposta dada ao quesito 14º;

29 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, referida no ponto 21 (destes factos assentes), constatou-se que as lojas do primeiro piso do “Edifício MM”, viradas a norte, tinham infiltrações de águas. – resposta dada ao quesito 15º;

30 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, mencionada no ponto 21 (da presente factualidade provada), constatou-se que o sistema de luzes de emergência do primeiro piso do “Edifício MM” estava apagado. – resposta dada ao quesito 16º;

31 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, aludida no ponto 21 (destes factos assentes), constatou-se que os extintores do primeiro piso do “Edifício MM” não funcionavam, – resposta dada ao quesito 17º;

32 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, mencionada no ponto 21 (da presente factualidade provada), constatou-se que os elevadores não funcionavam – resposta dada ao quesito 18º;

33 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, aludida no ponto 21 (desta matéria fáctica assente), constatou-se que nos andares destinados a escritórios e habitação do “Edifício MM” havia infiltrações de água para o interior dos compartimentos. – resposta dada ao quesito 19º;

34 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, mencionada no ponto 21 (dos presentes factos provados), constatou-se que havia também humidade nas paredes e nos tectos dos andares destinados a escritórios e habitação do “Edifício MM”, situação que se manteve posteriormente àquela data - – resposta dada ao quesito 20º;

35 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, referida no ponto 21 (desta factualidade assente), constatou-se que alguns dos drenos dos terraços que servem os tubos de queda do edifício estavam entupidos por falta de limpeza. – resposta dada ao quesito 21º;

36 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, mencionada no ponto 21 (da presente matéria fáctica provada), constatou-se que a rede eléctrica da zona do terraço recuado do “Edifício MM” se encontrava desligada. – resposta dada ao quesito 24º;

37 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, referida no ponto 21 (desta matéria factual assente), constatou-se que as caixas das escadas interiores de acesso aos andares do edifício tinham alguns vidros do envidraçado, partidos. – resposta dada ao quesito 25º;

38 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, mencionada no ponto 21 (da presente factualidade provada), constatou-se existirem infiltrações de água e humidades em diversas paredes interiores do edifício, situação que se manteve posteriormente àquela data – resposta dada ao quesito 26º;

39 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, referida no ponto 21 (destes factos assentes), constatou-se que nos pisos -1 e -2 da zona das garagens do “Edifício MM” havia infiltrações de água a escorrer das paredes para os pisos. – resposta dada ao quesito 27º;

40 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, mencionada no ponto 21 (desta factualidade provada), constatou-se existirem nas lajes dos tectos dos estacionamentos manifestações de desprendimentos, localizados, de betão. – resposta dada ao quesito 28º;

41 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, aludida no ponto 21 (destes factos assentes), constatou-se existirem armaduras à vista, com corrosão, nas lajes dos tectos dos estacionamentos. – resposta dada ao quesito 29º;

42 – Realizada a vistoria camarária, em 12 de Março de 2004, mencionada no ponto 21 (da presente matéria fáctica provada), constatou-se que o exterior do edifício apresentava fissuras em vários locais, apresentando o exterior do edifício diversas zonas com fissuras e degradações várias, sobretudo na fachada a norte, na fachada a sul e a poente – resposta dada ao quesito 31º;

43 – No “Edifício MM” nunca existiram “lojas-âncora” – resposta dada ao quesito 33º;

44 – O “Edifício MM” foi objecto de furtos e roubos – resposta dada ao quesito 35º;

45 – É frequentado por indivíduos conotados com a toxicodependência – resposta dada ao quesito 36º;

46 – Os acabamentos, mobiliário e instalações eléctricas do estabelecimento comercial “SS”, referido no ponto 11 (dos presentes factos provados) custaram Esc. 2.199.600$00 – resposta dada ao quesito 53º;

47 – O valor aludido no ponto 46 (desta factualidade assente) foi suportado pela A. AA e pelo seu falecido marido NN – resposta dada ao quesito 37º;

48 – A sociedade comercial “SS – Têxteis para o Lar, Lda.” apresentou, no “Modelo 22”, na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, os seguintes resultados:

- relativo ao período tributável de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1992, um resultado líquido do exercício no montante de Esc. 546.125$00;

- relativo ao período tributável de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro d 1993, um resultado líquido do exercício no montante de Esc. 236.664$00;

- relativo ao período tributável de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1994, um resultado líquido do exercício no montante de Esc. 510.077$00;

- relativo ao período tributável de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1995, um resultado líquido do exercício no montante de Esc. 574.767$00;

- relativo ao período tributável de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1996, um resultado líquido do exercício no montante de Esc. 744.140$00;

- relativo ao período tributável de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1997, um resultado líquido do exercício no montante de Esc. 906.238$00;

- relativo ao período tributável de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1998, um resultado líquido do exercício no montante de Esc. 387.292$00;

- relativo ao período tributável de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1999, um resultado líquido do exercício no montante de Esc. 51.044$00;

- relativo ao período tributável de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2000, um resultado líquido do exercício no montante de Esc. 659.153$00;

- relativo ao período tributável de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2002, um resultado líquido do exercício no montante de € -3.162,48;

- relativo ao período tributável de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2003, um resultado líquido do exercício no montante de € -12.470,51;

49 – Por força do estado do “Edifício MM” a demandante AA e o seu falecido marido passaram a viver angustiados, atormentados, ansiosos, deprimidos e acabrunhados – resposta dada ao quesito 38º;

50 – A sociedade comercial “SS – Têxteis para o Lar, Lda.” foi dissolvida em 27 de Dezembro de 2005 e tinha como únicas sócias e gerentes a A. AA e a interveniente PP;

51 – Os AA. CC e DD despenderam montante não concretamente apurado nos acabamentos, mobiliário e instalações eléctricas do estabelecimento comercial “TT”, identificado no ponto 13 (da presente matéria fáctica provada) – resposta dada ao quesito 39º;

52 – Por força do estado do “Edifício MM” os AA. CC e DD vivem amargurados, angustiados, ansiosos – resposta dada ao quesito 40º;

53 – Por força do estado do “Edifício MM”, os AA. EE e FF vivem desolados e em permanente sobressalto – resposta dada ao quesito 41º;

54 – Sentem-se desamparados e abandonados – resposta dada ao quesito 42º;

55 – Por força do estado do “Edifício MM”, os demandantes GG e HH vivem incomodados – resposta dada ao quesito 43º;

56 – O estabelecimento comercial “Galinha Gorda”, referido no ponto 9 (destes factos provados), esteve a laborar até 2003 e encerrou porque não deu lucro – respostas dadas aos quesitos 44º e 45º;

57 – Por força do estado do “Edifício MM”, os AA. II e JJ viveram momentos de angústia e de ansiedade – resposta dada ao quesito 46º;

58 – Por força do estado do “Edifício MM”, os AA. KK e LL sentem medo quando estão no “UU”, identificado no ponto 15 (da presente matéria fáctica assente), e sentem ansiedade, tristeza e angústia – respostas dadas aos quesitos 47º e 48º;

59 – O volume de negócios do “Café UU” sofreu uma redução de 241% entre os anos de 1996 e 2007 – resposta dada ao quesito 52º;

60 – Nem a sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” nem a ora Ré ou qualquer dos AA. formalizaram a constituição de uma administração de condomínio;

61 – No prédio do “Edifício MM” nunca existiu um centro comercial mas sim um conjunto de lojas – resposta dada ao quesito 54º;

62 – Em finais da década de 90 do século XX a Ré reforçou as portas exteriores de acesso do “Edifício MM”, vindo mesmo, algum tempo depois, a colocar uns taipais nas mesmas, a fim de tentar evitar a ocorrência de actos tendentes ao seu arrombamento ou destruição – resposta dada ao quesito 55º;

63 – Foi a Ré a suportar os custos dos factos mencionados no ponto 62 (desta factualidade provada) – resposta dada ao quesito 56º;

64 – Após o facto referido no ponto 18 (dos presentes factos assentes), a Ré, em 2001, encomendou à sociedade “VV” um projecto de arquitectura para a possível reabilitação do imóvel em causa (“Edifício MM”) – resposta dada ao quesito 57º;

65 – Em momento não concretamente apurado do ano de 2002 a Ré contactou com alguns dos demais proprietários de fracções no edifício e alguns dos “lojistas”, invocando a necessidade de os proprietários pagarem parte dos custos de eventuais obras de reabilitação do edifício que pudessem vir a ser efectuadas – resposta dada ao quesito 58º;

66 – Na edição de 5 de Junho de 2002 do jornal regional diário “Diário de Coimbra” foi publicada uma notícia com o título «Autarquia» (da Figueira da Foz) «quer rever projecto do edifício “MM”», na qual se escreveu, além do mais, que «O Presidente da Câmara, respondendo às dúvidas levantadas pelos socialistas, quanto às intenções da autarquia sobre o edifício “MM”, admitiu que gostaria de “rever o projecto”, e que, havendo um pedido de reunião por parte do proprietário, o encontro realiza-se em breve”. XX não esconde que a “intenção era que aquele fosse um espaço de animação” (cultural e comercial), aberto e com vida, e que “no espírito, não está a ideia de prejudicar os comerciantes”, antes pelo contrário. O autarca diz que gostaria “que a traça do edifício fosse mais equilibrada com o que o rodeia”, mas em qualquer caso “salvaguardando sempre os direitos dos comerciantes”» (documento de fls. 106 dos presentes autos, ora dado aqui por reproduzido no respectivo teor) – resposta dada ao quesito 59º;

67 – Em momento não concretamente determinado do ano de 2002 a Ré custeou e procedeu a obras de reparação nas canalizações das casas de banho do rés-do-chão do “Edifício MM” – resposta dada ao quesito 60º;

68 – Em 2007 a Ré apresentou para aprovação camarária um projecto de reabilitação do prédio – resposta dada ao quesito 61º;

69 – Por despacho da Câmara Municipal da Figueira da Foz de 15 de Junho de 2011, comunicado à Ré por ofício de 19 de Julho de 2011, foi aprovado o projecto de reabilitação da Ré referido no ponto 68 (desta factualidade provada), mais se comunicando à Ré, através do dito ofício camarário de 19 de Julho de 2011, que a mesma deveria requerer, em seis meses a contar do dia seguinte à data da recepção do referido ofício, a aprovação dos projectos de especialidades aí mencionados – resposta dada ao quesito 62º.

3. Passando à análise das questões de direito suscitadas pela recorrente, a Relação considerou inverificados os pressupostos da responsabilidade pré contratual.

Na verdade, os Autores alegaram que a antecessora da Ré, quando lhes vendeu as fracções prediais em causa, lhes teria revelado perspectivas futuras do investimento a efectuar que a realidade veio desmentir inteiramente - resultando da matéria de facto provada que as perspectivas optimistas anunciadas pela vendedora das fracções quanto à sua valorização futura não se vieram a verificar, tendo-se concretizado um cenário exactamente oposto.

Note-se que as informações prestadas sobre o objecto da prestação não incidiam sobre qualidades ou características presentes deste, constituindo antes um juízo de prognose sobre a sua valorização futura, tendo-se verificado uma não concretização desse prognóstico. Estamos, pois, perante uma situação de error in futurum ou, na tese de Manuel de Andrade [1] e Castro Mendes [2], que excluíam estas hipóteses da figura do erro, de imprevisão.

A não verificação de um prognóstico sobre as qualidades do objecto da prestação no futuro, comunicado por uma das partes à contraparte, só poderá determinar a responsabilidade pré-contratual, por violação das regras da boa-fé na formação dos contratos, do autor do prognóstico, quando este, à partida, e com os dados disponíveis na altura em que é efectuada a comunicação à contraparte, carece de verosimilhança, não sendo potencialmente verificável.

No caso em análise não se provou, nem tal foi alegado, que o prognóstico comunicado pela antecessora da Ré aos Autores sobre as potencialidades de valorização futura das fracções que lhes foram vendidas por aquela contrariassem as expectativas possíveis, revelando-se incorrecto ou sequer exagerado.

O que somente se provou é que a realidade não confirmou, antes desmentiu o prognóstico comunicado aos Autores pela antecessora da Ré, e isso é insuficiente para se poder concluir que aquela violou as regras da boa-fé que devem presidir à formação dos contratos, designadamente o cumprimento do dever de prestar informações sobre o objecto da prestação com verdade.

Por estas razões não é possível, face aos factos provados, detectar qualquer comportamento imputável à Ré violador dos deveres consagrados no art.º 227º, do C. Civil, que possa determinar uma responsabilidade pré-contratual, procedendo as alegações da Recorrente neste aspecto.

Passando depois à análise da responsabilidade pós contratual, imputada à R. e decorrente, nomeadamente, da não conservação das partes comuns de edifício constituído em propriedade horizontal, considerou a Relação no acórdão recorrido:

O edifício onde se situam as fracções em causa está constituído em propriedade horizontal.

Provou-se que nem a sociedade “MM – Companhia de Seguros, S.A.” nem a ora Ré ou qualquer dos Autores formalizaram a constituição de uma administração de condomínio, tendo-se, contudo, provado, que a Ré exerceu actos isolados de administração das partes comuns, designadamente nos finais da década de 90 do século XX, quando reforçou as portas exteriores de acesso do “Edifício MM”, vindo mesmo, algum tempo depois, a colocar uns taipais nas mesmas, a fim de tentar evitar a ocorrência de actos tendentes ao seu arrombamento ou destruição e quando, em momento não concretamente determinado do ano de 2002, procedeu a obras de reparação nas canalizações das casas de banho do rés-do-chão do mesmo edifício, além de ter iniciado as diligências para a realização de obras de reabilitação de todo o edifício que não se vieram a efectivar.

E, na verdade, era à Ré que competia exercer as funções de administrador do condomínio, uma vez que o art.º 1435º-A, do C. Civil, determina que, se a assembleia de condóminos não eleger administrador e este não houver sido nomeado judicialmente, as correspondentes funções são obrigatoriamente desempenhadas, a título provisório, pelo condómino cuja fracção ou fracções representem a maior percentagem do capital investido, recaindo, por isso, sobre a Ré o dever de zelar pela conservação e manutenção em bom estado das partes comuns do condomínio.

Este dever não tem, pois, origem nos contratos de compra e venda celebrados entre a antecessora da Ré e os Autores, não se configurando aqui qualquer responsabilidade pós-contratual, mas sim nas regras da compropriedade, com a especificidade como elas regem a propriedade horizontal.

Daí que se considere que o estado do imóvel, retratado na matéria de facto, decorrente da falta de realização de obras de conservação é imputável à Ré, uma vez que era ela, por força das funções de administradora provisória que lhe cabia promover a realização de tais obras, nos termos do art.º 1436º, n.º 1, f), do C. Civil.

Esse incumprimento pode não só dar origem a uma responsabilidade da Ré perante o condomínio pelos danos causados, por omissão, nessas partes comuns, mas também pode responsabilizar extra-contratualmente a Ré perante terceiros, onde se incluem os condóminos no que respeita às suas fracções e às suas pessoas, assim como os arrendatários dessas fracções, por danos sofridos por estes em resultado do referido comportamento omissivo, nos termos do art.º 483º, do C. Civil [3].

Sindicando, de seguida, os critérios subjacentes à atribuição de indemnizações na sentença apelada, considerou a Relação:

Relativamente à redução do preço de aquisição das fracções, a mesma visou, no entendimento da decisão recorrida, “aproximar os demandantes da posição em que estariam se tivessem sido levados a desembolsar apenas aquilo que corresponderia a um valor mais “realista” da realidade imobiliária em questão, sem aspirações a “megalómanas e (fantasiosas) valorizações”. Isto numa lógica da existência de uma responsabilidade pré-contratual da Ré por prestação de informações falsas sobre as perspectivas de valorização imobiliária.

Ora, não só não se apurou qualquer responsabilidade pré-contratual da Ré, como já acima se explicou, como a responsabilidade desta não resulta de qualquer incumprimento dos contratos de compra e venda, mas apenas do incumprimento das suas funções de administradora provisória do condomínio a que pertencem as fracções adquiridas pelos Autores.

Daí que não tenha qualquer cabimento a redução do preço daqueles contratos.

Se, em abstracto, um incumprimento do dever de zelar pela conservação das partes comuns do condomínio é susceptível de provocar uma desvalorização das fracções desse condomínio, susceptível de gerar um correspondente dever de indemnizar os condóminos prejudicados, era necessário que essa desvalorização fosse alegada e demonstrada para que pudesse ser atribuída uma indemnização, o que não sucedeu no presente processo, nunca havendo, contudo, lugar a uma redução do preço, dado que o ilícito não ocorreu na relação contratual de compra e venda.

Quanto às indemnizações atribuídas pela sentença recorrida pelas despesas com a instalação de estabelecimentos comerciais nas fracções adquiridas pelos Autores ou pela perda de rendimento desses estabelecimentos , os factos provados apenas revelam o insucesso dos estabelecimentos comerciais instalados nas fracções adquiridas pelos Autores, com as consequentes perdas patrimoniais, tal como também sucede com a desvalorização das fracções, não foi alegado e consequentemente não se provou que essas perdas resultaram do comportamento inadimplente da Ré acima mencionado.

Ora, conforme exige o art.º 563º do C. Civil, a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, só devendo ser indemnizados os danos que se revelem ser consequência do facto lesivo.

Não tendo sido feito prova que as referidas perdas patrimoniais tenham resultado do estado degradado do edifício onde se situam as fracções nas quais funcionaram os referidos estabelecimentos comerciais, em resultado do incumprimento pela Ré da sua obrigação de proceder à conservação das partes comuns desse edifício, não está demonstrado o nexo de causalidade entre os danos e o acto ilícito, necessário à constituição da respectiva obrigação de indemnização, pelo que a sentença recorrida deve ser revogada na parte em que atribuiu uma indemnização por danos patrimoniais.

Quanto às indemnizações por danos não patrimoniais, considerou a Relação, após elencar a factualidade provada nesta sede:

Desta descrição resulta que os Autores suportaram estados psicológicos negativos, causados pelo estado de degradação do edifício onde se situavam as fracções prediais por eles adquiridas ou arrendadas, sendo esse estado resultante da falta de realização de actos de conservação, os quais incumbia à Ré promover, pelo que quanto a estes danos foi alegado e provado um nexo de causalidade adequada entre os danos e o facto ilícito praticado pela Ré.

Nos termos do art.º 496º, n.º 1, do C. Civil, a responsabilidade extra-contratual implica a indemnização dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Os Autores condóminos viram lesados o seu direito de compropriedade nas partes comuns, com a sua degradação, resultante da falta de cumprimento pela Ré da sua obrigação, enquanto administradora provisória do condomínio, de zelar pela conservação das partes comuns.

Por outro lado, os Autores AA. EE e FF, enquanto arrendatários de um espaço comercial no mesmo edifício, viram lesados o seu direito ao gozo do arrendado, incluindo as partes comuns, com a degradação destas, em resultado da mesma falta de cumprimento pela Ré do seu dever de praticar actos conservatórios.

Provou-se que todos os Autores sofreram estados psicológicos negativos graves em resultado de assistirem à degradação de um imóvel que lhes pertencia ou que dele desfrutavam, em resultado do comportamento da Ré, pelo que estes danos não patrimoniais devem ser indemnizados, nos termos do art.º 496º, n.º 1, do C. Civil.

O montante das indemnizações deve ser efectuado com recurso a um juízo de equidade - art.º 496º, n.º 3, do C. Civil -, que atenda a todo o circunstancialismo do caso, não se revelando que a grande maioria das indemnizações atribuídas pela sentença recorrida possam ser consideradas exageradas, tendo sobretudo em consideração que aqueles estados psicológicos se prolongaram por um longo período de tempo.

Somente nas indemnizações atribuídas aos Autores EE e FF (€ 10.000,00), arrendatários de uma fracção, onde exploraram um estabelecimento comercial, e GG e HH (€10.000,00), proprietários dessa fracção, devem as respectivas indemnizações serem reduzidas a metade (€ 5.000,00), uma vez que sendo os primeiros simples arrendatários dessa fracção, é de presumir que os referidos sentimentos tê-los-ão afectado com menor intensidade, o mesmo sucedendo com os últimos por, contrariamente aos restantes Autores, em resultado da referida cedência do gozo da fracção a terceiros, não serem confrontados tão de perto com a degradação do edifício.

Também a indemnização atribuída aos Autores KK e LL (€ 20.000,00) se revela desproporcionada, relativamente aos restantes Autores, uma vez que o facto destes serem os únicos que ainda mantém o seu estabelecimento aberto e, portanto, o confronto próximo com o estado de degradação do edifício se revela mais prolongado, não justifica que a indemnização atribuída seja o dobro das restantes, revelando-se mais adequada a sua fixação em € 15.000,00.

Tendo em consideração todas as anteriores ponderações deve o presente recurso ser julgado parcialmente procedente, alterando-se a sentença recorrida de modo a que a Ré seja condenada a pagar apenas as seguintes indemnizações:

 - à A. AA e aos intervenientes NN, OO e PP o montante de € 10.000,00 por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora desde a data em que foi proferida a sentença em 1.ª instância (23.11.2012), até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei;

- aos AA. CC e DD o montante de € 10.000,00, por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora desde a data em que foi proferida a sentença em 1.ª instância (23.11.2012), até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei;

- aos AA. GG e HH o montante global de € 5.000,00, por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora desde a data em que foi proferida a sentença em 1.ª instância (23.11.2012), até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei;

- aos AA. EE e FF o montante de € 5.000,00, por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora desde a data em que foi proferida a sentença em 1.ª instância (23.11.2012), até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei;

- aos AA. II e JJ o montante global de € 10.000,00 por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora desde a data em que foi proferida a sentença em 1.ª instância (23.11.2012), até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei;

- aos AA. KK e LL o montante global de € 15.000,00, por danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora desde a data em que foi proferida a sentença em 1.ª instância (23.11.2012), até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei.

Tais considerações conduziram ao parcial provimento do recurso, alterando-se em consequência a decisão recorrida, condenando-se a Ré a pagar:

- à A. AA e aos intervenientes NN, OO e PP o montante de € 10.000,00, acrescidos de juros de mora desde 23.11.2012, até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei;

- aos AA. CC e DD o montante de € 10.000,00, acrescidos de juros de mora desde 23.11.2012, até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei;

- aos AA. GG e HH o montante global de € 5.000,00, acrescidos de juros de mora desde 23.11.2012, até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei;

- aos AA. EE e FF o montante de € 5.000,00, acrescidos de juros de mora desde a data em que foi proferida a sentença em 1.ª instância 23.11.2012, até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei;

- aos AA. II e JJ o montante global de € 10.000,00, acrescidos de juros de mora desde 23.11.2012, até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei;

- aos AA. KK e LL o montante global de € 15.000,00, acrescidos de juros de mora desde 23.11.2012, até integral pagamento daquela quantia, calculados sobre ela, à taxa definida por lei.

Absolve-se a Ré do demais peticionado.


4. Inconformadas, interpuseram ambas as partes –AA. e R. -recursos de revista, que encerraram com as seguintes conclusões:

I- O presente recurso de revista vem interposto do douto Acórdão da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra que julgou parcialmente procedente a apelação da R., tendo como fundamento a violação da lei do processo, a errada aplicação da lei do processo e ainda a violação da lei substantiva ex vi erra na interpretação e na aplicação do direito - cfr. alíneas b) e a) do n.° 1 do art. 674.° do CPC2013. Com efeito,

II- O n.° 2 do art. 682.° do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.°41/2013 de 26 de Junho diz-nos que, "a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.° 3 do artigo 674.°", dispositivo este que nos transmite que "o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova."

III- Se, a priori, a força probatória das respostas dos peritos é livremente fixada pelo Tribunal - cfr. art. 389.° do CC -, por outro lado, caso o julgador não declare expressamente, fundamentando, a sua discordância da mesma, esta prova presume-se subtraída à livra apreciação - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.03.0214.

IV- A resposta dada pelo Tribunal de 1.a Instância aos quesitos 7° a 10.°, 12.°, 13.°, 15.° a 21.° e 24.° a 29.° da base instrutória (provados), sustentou-se nos relatórios periciais juntos aos presentes autos, nos esclarecimentos dos Srs. peritos, nas vistorias camarárias a na própria deslocação do Tribunal ao local.

V- O Tribunal a quo, inexplicavelmente, ignorou a força probatória dos meios de prova supra referidos, utilizando como justificação para a alteração das respostas dadas (não provados) uma ampliação indevida ao conteúdo das mesmas, por parte da douta Sentença de 1ª Instância.

VI- Portanto, o Tribunal a quo utilizou uma justificação indevida pois não é susceptível de integrar o art. 662.° do CPC2013, não se aceitando que sejam ignorados todos os requisitos e exigências que impendem sobre o Tribunal da Relação quanto à alteração da matéria de facto, utilizando como fundamento, inadmissível, uma suposta ampliação indevida e com isso desconsiderar a vasta prova pericial efectuada nos presentes autos - deste modo, deverá o Acórdão ora recorrido ser reformulado em conformidade com a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, dando-se como provados os quesitos formulados na base instrutória sob os artºs 5.°, 7.° a 10.°, 12.° a 13.°, 15.° a 21.°, 24.° a 29.°.

VII- Por outro lado, a alteração substancial da matéria de facto, contendendo com toda a fundamentação jurídica do caso sub judice e verificando-se a omissão do respectivo fundamento jurídico determina, nos termos conjugados dos artºs 684.° n.° 1 e 615.°, n.° 1 al. b), ambos do CPC 2013 (arts. 731 °, n.° 1 e 668.°, n.° 1 al. b) do anterior CPC), a nulidade do Acórdão e a reforma do mesmo.

VIII- Tanto o art. 5.° como o art. 7.° da Lei n.° 41/2013, de 26 de Junho (normas transitórias que regulam a aplicação da lei processual civil no tempo, no âmbito das acções declarativas como ainda no âmbito dos recursos) mandam aplicar ao caso em apreço e, obviamente, ao Acórdão ora recorrido, as disposições do CPC2013.

IX- Deste modo, ao ter utilizado o revogado art. 664.° do CPC revogado como justificação legal para a mudança à resposta dada aos quesitos supra identificados, o Tribunal a quo violou o princípio do dispositivo.

X- Estabelece o n.° 2 do art. 5.° do CPC 2013 (correspondente, com alterações, aos artºs 664.° e 264.° do CPC revogado) que "Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da, instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções." - o julgador pode assim tomar em consideração na decisão os factos relevantes para as pretensões formuladas, que sejam complemento ou concretização dos que as partes alegaram e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles se tenham pronunciado, algo que aconteceu in casu.

XI- Foi precisamente isto que foi efectuado pelo Tribunal de 1ª Instância, uma concretização ou complemento às respostas aos quesitos, considerando que os problemas se mantinham à data, pelo que andou mal o Tribunal a quo ao alterar as respostas dadas aos quesitos supra referidos, com fundamento em excesso de pronúncia sustentado no revogado art. 664.° do C.P.C., pelo que deverá o mesmo ser revogado em conformidade.

XII- O princípio da boa fé representa um princípio jurídico objectivo que consubstancia a preocupação de tutela, pela lei, de um conjunto de ocorrências e condutas no âmbito do comércio jurídico, alicerçando-se nos conceitos de probidade, lealdade e lisura - é, como tal, uma constante indivisível das relações obrigacionais complexas, aquelas que abrangem um conjunto de direitos e de deveres ou estados de sujeição, oriundos do mesmo facto jurídico.

XIII- As relações obrigacionais complexas incorporam na sua génese um leque de deveres acessórios/laterais de conduta, que podem ser definidos como os deveres inspirados ou fundamentados no princípio da boa-fé, que se verificam no âmbito pré-contratual, como também se mantém no âmbito pós-contratual - falamos do princípio da confiança, do dever de lealdade e no dever de informação.

XIV- No caso sub judice a R. violou os mais elementares ditames da boa fé, postergando a confiança nela depositada pelos AA. e desrespeitando de forma grosseira os deveres de lealdade e de informação - quer através da divulgação e propaganda de informações falsas, supostamente fundamentadas estudos de mercado e indicadores económico-científicos de rentabilidade, quer através da promessa, também ela falsa, de que as restantes fracções já estariam praticamente todas vendidas, quando na realidade mais nenhuma foi vendida, as habitações nunca o chegaram a ser por falta de licença e tendo inclusive a R. retirado do edifício os seus escritórios.

XV- Assim, os AA., formando a sua convicção baseada nos indicadores de mercado e nas certezas (e não promessas) transmitidas pela RR., acabaram por adquirir as frações em apreço, tendo instalado em algumas estabelecimento comerciais nos quais depositaram todas as suas economias, poupanças e crença pessoal no que lhe fora transmitido - no fundo, depositaram tudo o que tinham no tão publicitado edifício.

XVI- Porém, nada do que foi publicitado, mesmo prometido pela R., se verificou, aliás, as peritagens efectuadas, a vistoria camarária e a própria deslocação do Tribunal ao local serviram para confirmar que, por falta de utilização do espaço (na sua esmagadora maioria detido pela R.), o Edifício atingiu um tal estado de abandono e degradação que, como referimos, todos, inclusive a R., tiveram de abandonar o espaço.

XVII- Atendendo à convicção criada pelos AA., advinda de informações falsas por parte da R., de que o investimento seria rentabilizado, terá de se concluir a R. violou reiteradamente os deveres de conduta a que se encontrava obrigada, incorrendo em responsabilidade civil pré-contratual.

XVIII- Andou mal, portanto, o Tribunal a quo ao afirmar que " (...) não se provou, nem tal foi alegado, que o prognóstico comunicado pela antecessora da Ré aos Autores sobre as potencialidades de valorização futura das fracções que lhes foram vendidas por aquela contrariassem as expectativas possíveis revelando-se incorrecto ou sequer exagerado. O que somente se provou é que a realidade não confirmou (...) o prognóstico comunicado aos Autores (...) ".

XIX- Efectivamente, a propaganda e as promessas efectuadas pela R. nunca se perspectivaram como uma real possibilidade - algo que a R. sempre soube mas que escondeu aos AA., apercebendo-se estes apenas muito mais tarde - mas sempre como inverosímeis, de impossível concretização e extremamente lesivas dos direitos dos AA.

XX- A R. violou os deveres de informação no âmbito pré-contratual pois não transmitiu aos AA. uma informação clara, objectiva e verdadeira, mas antes informação falsa e da qual, a priori, conhecia a sua falsidade; violou também os deveres de lealdade pois ludibriou os AA. com promessas de valorização dos imóveis, apoiadas em estudos de marcado, de suposto valor científico inatacável e repetidos até à exaustão; mutatis mutandis quanto ao princípio da confiança - violou a R. assim o disposto no art. 762.° n.° 2 do CC.

XXI- Destarte, ando mal o Tribunal a quo, fazendo uma incorrecta aplicação do direito à factualidade constante dos presentes autos, violando assim a lei substantiva - cfr. al. a) do n.° 1 do art. 674.° do CPC2013.

XXII- Os mencionados deveres de conduta também subsistem após a extinção da relação contratual. Falamos então de deveres pós-contratuais, que visam evitar que a contraparte na relação obrigacional sofra prejuízos no período ulterior à relação contratual - a sua violação origina a responsabilidade civil pós-contratual, que compreende as situações em que, não obstante se ter verificado a extinção do dever principal de prestação, permanecem a cargo das partes do sinalagma os deveres de informação, lealdade e protecção.

XXIII- A culpa post pactum finitum tem a sua génese na manutenção de um conjunto de deveres, designadamente de protecção, de lealdade e de informação, a que as partes continuam vinculadas, impedindo-as, ou sancionando-as quando tal acontecer, de provocaram danos na pessoa e no património da contraparte.

XXIV- No caso sub judice, a R. violou de forma grave e reiterada estes deveres de protecção, informação e lealdade, também na fase pós-contratual, dado que,

XXV- resulta de toda a prova efectuada nos presentes autos, que a R. nada fez no que diz respeito à conservação do prédio, permitindo que este chegasse ao um ponto quase de cenário "pós-apocalíptico", completamente abandonado, dado que, sendo a esmagadora maioria das fracções propriedade da R., também a maior parte da responsabilidade decorrente da necessidade de efectuar obras de reparação impendia sobre ela.

XXVI - Deste modo, esta violação dos deveres de protecção, informação e lealdade fizeram incorrer a R. numa situação de incumprimento pós-obrigacional, surgindo então a necessidade de reparação dos danos causados aos AA., ex vi indemnização.

XXVII - Por tudo quanto foi supra exposto, terá de se concluir que a R. teve uma conduta ilícita durante todo o processo contratual, agiu com culpa e, obviamente, que foram esses mesmos factos ilícitos, consubstanciados em permanentes violações dos deveres de conduta, que originaram os danos sofridos pelos AA..

XXVIII- Resultando inequívoco o nexo de causalidade entre os factos ilícitos decorrentes das violações dos deveres de conduta e os danos sofridos pelos AA., chamando à colação a teoria da causalidade adequada, conclui-se que a prestação de informações erradas e viciadas ao longo de todo o processo negocial foram causa directa e necessária dos danos ocorridos,

XXIX - Sendo que essa violação, tendo ocorrido igualmente numa fase pós-contratual, dado que o desleixo e desmazelo demonstrado pela R. implicaram a degradação do edifício, acabando por ficar abandonado, também foi causa directa de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelos AA.

XXX - De forma justa e adequada, o Tribunal de 1ª Instância decidiu, bem, atribuir aos AA. uma indemnização total que, abarcando danos patrimoniais (danos emergentes e lucros cessantes) e danos não patrimoniais, permitia- lhes, repita-se que com alguma justiça e adequabilidade, verem-se de algum modo ressarcidos pelos danos sofridos - cfr. páginas 34 e 35 das presentes alegações de recurso.

XXXI - Porém, inexplicavelmente o Tribunal a quo decidiu revogar quase a totalidade da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, atribuindo aos AA. uma indemnização total completamente desfasada de tudo quanto ficou a constar dos presentes autos, fixando um valor, arriscamos dizer, irrisório e mesmo ofensivo para com tudo aquilo que os AA. passaram, por culpa da R. e da sua conduta violadora dos mais elementares ditames da boa fé.

XXXII - Com efeito, fundamentando-se erradamente numa não verificação de responsabilidade civil pré e pós contratual por parte da R., o Tribunal a quo preferiu ignorar toda a factualidade e prova feita nos autos, ignorou os deveres de lealdade, de informação e de confiança permanentemente violados pela R., ignorou a verificação inequívoca de todos os pressupostos da responsabilidade civil, ignorou a obrigação de indemnizar o interesse contratual positivo e o interesse contratual negativo,

XXXIII - E, mais gravoso ainda, ignorou os enormes danos sofridos pelos AA., bem como a sua origem que foi a conduta de R., operando assim uma incorrecta aplicação do direito e consequente violação da lei substantiva - cfr. al. a) do n.° 1 do art. 674.° do CPC2013.


Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Revista, revogando o Tribunal ad quem o Acórdão ora recorrido em conformidade, com o que se fará a tão costumada JUSTIÇA!!


A) O pedido formulado pelos Autores foi o da condenação da Ré pelo seu comportamento enquanto vendedora ou proprietária da maioria das lojas, mas nunca enquanto administradora provisória do condomínio.

B) Pelo que, ao decidir a condenação da Ré com base nas obrigações que para si decorriam do facto de ser administradora provisória e, portanto, representante orgânico do condomínio e não com base na imputada responsabilidade como proprietária maioritária das lojas existentes ou na sua actuação enquanto vendedora, o acórdão recorrido pronunciou-se sobre aquilo que não lhe tinha sido perguntado, ou seja, conheceu de questões de que não devia ter tomado conhecimento, ficando a decisão ferida de nulidade nos termos previstos no art. 615°, n° 1, alínea d), do CPC.

C) Se nos termos previstos no art. 1424, n° 1 do Cód. Civil, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos na proporção das respectivas fracções é sobre os condóminos, isto é, sobre os proprietários das fracções que recai o dever de conservação dos edifícios e das suas partes comuns, competindo a responsabilidade pela administração e conservação dos espaços comuns ao condomínio, ou melhor, à assembleia de condóminos e ao seu órgão executivo e representativo, o administrador (cfr. artºs 1430°, n°1, 1435°, n°1 e 1436°, n°1 alínea f) todos do C. Civil).

D) Pelo que o responsável pela realização das obras cuja omissão teria causado danos morais aos Autores, no entender do acórdão recorrido, seria sempre o condomínio, que a Ré, enquanto administradora provisória, apenas representaria.

E) No caso de condenação, sempre que o que estiver em causa for um acto do condomínio, ainda que seja o administrador do condomínio quem está presente em tribunal, quem deve ser condenado é o condomínio por ele representado, e não a sua própria pessoa.

F) E sendo a Ré demandada a título pessoal, seria manifestamente improcedente, por falta de fundamentação legal, o pedido da sua condenação no pagamento de uma indemnização por danos morais, por violação dos deveres de conservação do condomínio, razão pela qual a decisão deve ser revogada e substituída por uma decisão de total absolvição da Ré, o que se requer.

G) A responsabilidade imputada à Ré por não realização de obras de conservação, não é uma responsabilidade objectiva, mas sim uma responsabilidade subjectiva subordinada à disciplina do art. 483° do Cód. Civil, que resulta da imputação de uma omissão culposa e que radica na ilícita violação de uma disposição legal destinada à protecção dos interesses dos condóminos.

H) Nos autos não está demonstrado em que medida o estado de degradação do edifício resulta da falta de utilização de grande parte do seu espaço ou da não realização de obras de conservação, sendo que este segundo fundamento nada tem que ver com o condomínio.

I) Nada nos autos nos permite imputar à Ré, mais do que aos Autores, a falta de constituição de uma administração de condomínio, o que quer dizer que nada permite excluir a co-responsabilização dos Autores, facto que deveria ter sido ponderado na decisão e não o foi.

J) Dos autos resultam um conjunto de factos que demonstram que só a Ré é que tomou iniciativas no sentido de minorar os danos de que se queixam os Autores, facto que deveria ter sido ponderado na decisão e não o foi.

K) Não estando demonstrada nos autos que a omissão das obras resulte de culpa da Ré, a decisão de condenação deve ser revogada, por violação do disposto nos arts. 483°, n° 2 e 487°, n° 1 e 2 do Cód. Civil

L) Os factos dados como provados com os n° 21 a 42 não são, por si só, aptos a que o juiz possa deles extrair presunções ditadas por regras de experiência, designadamente aquelas presuções consubstanciadas nos factos 49, 52 a 55, 57 e 58, pelo que a decisão recorrida, ao decidir com base naqueles artigos, violou o disposto no art. 607°, n° 4 do CPCP, pelo que deve ser revogada.

M) Ao manter inalterada a decisão da primeira instância sobre os quesitos 38°, 40°, 41° a 43°, 46° e 48°, a Relação decidiu, em matéria de facto, com base em factos que não deu como provados, violando, assim, o disposto no art. 607°, n° 4 do C.P.C. Por isso, a sua decisão deve ser revogada.

N) Ao fundamentar a manutenção das respostas aos quesitos 38°, 40°, 41° a 43°, 46° e 48°, com a diminuição de clientela, como facto gerador de angústia e tristeza dos Autores, o Tribunal da Relação baseou-se num facto não demonstrado nem alegado, pelo que a sua decisão violou o disposto no art. 607°, n° 3 e 4 do CPC, devendo assim ser revogada, o que se requer.

O) A decisão proferida também merece reparo, por ter violado o disposto no art. 511º, n° 1 do CPC, (na versão anteriormente vigente à data), pois ao decidir a improcedência da impugnação da decisão que indeferiu parcialmente a reclamação sobre a decisão proferida sobre a selecção da matéria de facto, por entender que os seguintes factos: (i) se a Ré foi a única proprietária a diligenciar pela conservação do edifício; (ii) se inicialmente houve vários anos em que toda a zona comercial estava ocupada e era rentável; (iii) se a Ré não estava à espera da notícia de meados de 2002 segundo a qual a Câmara Municipal projectava demolir o edifício; (iv) se desde 2002 a Câmara Municipal não esclareceu se iria ou não demolir o edifício; (v) se a insegurança resultante da decisão da Câmara provocou o esvaziamento do espaço comercial, porque a Ré estava impedida de garantir a continuação da existência do prédio; (vi) se o projecto de recuperação do edifício iniciado em 2001 ficou parado pela oposição da autarquia à recuperação do edifício, seriam factos irrelevantes face à solução jurídica concretamente adoptada pelo Tribunal da Relação, não toma em consideração a possibilidade de o Supremo Tribunal de Justiça optar por uma solução jurídica diferente daquela adoptada pelo Tribunal da Relação, seja por que se trata de matéria da maior relevância para a ponderação de uma decisão com base na equidade.

P) A decisão em recurso merece reparo e deve ser revogada, por inexistência de nexo causal entre o comportamento imputado à Ré e os danos morais a cuja indemnização o acórdão ordenou à Ré que procedesse, nos termos previstos no art. 563° do Cód. Civil,

Q) A decisão em recurso merece reparo e deve ser revogada, uma vez que os danos morais considerados pelo Tribunal - estados de tristeza, angústia e ansiedade - não são devidamente concretizados, de acordo com aquilo que é o senso comum e a normalidade do comércio jurídico, impedindo o Tribunal de afirmar que, pela sua gravidade, os danos em questão merecem a tutela do direito nos termos previstos no art. 496°, n°1 do Cód. Civil.

R) A decisão em recurso merece reparo e deve ser revogada pois decorre do senso comum que o mais natural é que os estados de tristeza, angústia e ansiedade resultem mais da falta de utilização de grande parte do espaço comercial, do que do estado de degradação do edifício, tal como descrito nos autos.

S) A decisão em recurso merece reparo e deve ser revogada pois decorre do senso comum que os estados de tristeza, angústia e ansiedade resultem mais de causas não imputáveis à Ré, como a falta de valorização do imóvel, o insucesso dos negócios e a falta de lucro dos estabelecimentos comerciais, do que do estado de degradação dos espaços comuns do edifício.

T) A decisão em recurso merece reparo e deve ser revogada pois ignora, em absoluto, qual o comportamento dos demais condóminos, nomeadamente os Autores, para o estado de degradação a que chegou o edifício, ao arrepio do que impõe um juízo de equidade e do comando previsto no art. 570° do Cód. Civil

U) A decisão em recurso merece reparo e deve ser revogada pois o Tribunal não fundamenta a sua decisão de equidade, não explicita as rel quais as circunstâncias ponderadas na fixação da indemnização, não considera outros factores que possam ter contribuído para a tristeza, angústia ou ansiedade dos Autores, não pondera a situação económica dos vários intervenientes nem pondera em que medida concreta o estado de degradação contribuiu para a ocorrência daqueles danos, assim violando os arts. 563°, 496 e 494 do Cód. Civil, pelo que deve ser revogada.

 

Nestes termos, e nos mais de direito que Vossa Excelências doutamente suprirão, requer-se:

a) A declaração de nulidade do acórdão proferido, com todas as legais consequências Sem prescindir

b) A prolação de decisão que revogue o acórdão recorrido e determine a absolvição a pedido da Ré, conforme de direito.


A R. contra alegou, impugnando a argumentação dos AA./recorrentes e requerendo a ampliação do objecto do recurso, de modo a apreciar-se a impugnação da decisão proferida acerca da reclamação do despacho de condensação.

Antes da subida do recurso, a Relação pronunciou-se sobre a nulidade arguida, tendo-a por insubsistente.

No caso dos autos, a R./seguradora obteve na Relação uma reformatio in melius, ao ver substancialmente reduzido o montante da condenação pelos danos não patrimoniais alegadamente causados aos AA. com a omissão de conservação diligente do imóvel: ora, estando tais montantes pecuniários compreendidos dentro dos valores indemnizatórios arbitrados na sentença apelada, poderiam suscitar-se dúvidas quanto à verificação do requisito da dupla conformidade das decisões proferidas pelas instâncias, na óptica segundo a qual ocorrendo, num litígio caracterizado pela existência de um único objecto processual, uma relação de inclusão quantitativa entre o montante arbitrado na 2.ª instância e o que foi decretado na sentença proferida em 1.ª instância, de tal modo que o valor pecuniário arbitrado pela Relação já estava, de um ponto de vista de um incontornável critério de coerência lógico-jurídica, compreendido no que vem a ser decretado pelo acórdão de que se pretende obter revista, tem-se por verificado o requisito da dupla conformidade das decisões, no que respeita ao montante pecuniário arbitrado pela Relação, não sendo consequentemente admissível o acesso ao STJ no quadro de uma revista normal ( cfr. acs. de 11/7/13, proferido pelo STJ no P. 105/08.0TBRSD.P1-A.S1 e de 12/7/11 e de 10/5/12, proferidos pelo STJ, respectivamente, nos P. 203/08.0YYPRT-A.P1.S1 e 645/08.0TBALB.C1.S1).

Não se suscita, porém, oficiosamente, relativamente `a revista normal interposta pela R., a questão prévia da recorribilidade pela circunstância de, no caso dos autos, se verificar uma fundamentação essencialmente diferente no que se refere à condenação da R./recorrente ( embora por valores substancialmente inferiores aos decretados em 1ª instância) constante do acórdão recorrido.

Na verdade, temos entendido que só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância ( Ac. de 19/2/15, proferido pelo STJ no P. 302913/11.6YIPRT.E1.S1).

Ora, é precisamente esta situação – relativamente excepcional, por envolver, não qualquer diversidade menor ou nuance na fundamentação da decisão conforme das instâncias, mas o apelo a uma via jurídica ou enquadramento normativo profundamente inovatório e substancialmente diverso do seguido na 1ª instância – que se tem por verificada no caso dos autos: na verdade, a condenação da R. na sentença apelada radicou na invocação de uma violação culposa dos princípio da boa fé contratual, quer na fase pré contratual, quer na fase pós contratual, ulterior à consumação da compra e venda dos imóveis; pelo contrário, a Relação – para arbitrar aos AA. as (reduzidas) indemnizações que decretou, com base nos danos não patrimoniais que teve por verificados, fez apelo decisivo, não ao plano de qualquer  responsabilidade situada no perímetro dos contratos celebrados, mas antes à violação culposa pela R. de um dever de conservação das partes comuns do imóvel, decorrente da sua qualidade, legalmente imposta, de administrador provisório do edifício em regime de propriedade horizontal – deslocando, assim, a base normativa da condenação do âmbito da violação do princípio da boa fé contratual para o plano das consequências do incumprimento culposo dos deveres que recaem sobre o administrador, como órgão da propriedade horizontal.


5. A primeira questão suscitada na revista dos AA. tem a ver com a alteração introduzida na matéria de facto pela Relação, ao considerar inadmissível que, nas respostas aos pontos da base instrutória em que se indagava sobre determinadas deficiências no estado de conservação do imóvel à data de vistoria camarária realizada em 2004 ( ou seja, antes de ser proposta a presente acção) , se fez constar que tais vícios se mantinham actualmente (ou seja, à data de realização da audiência final).

Ao contrário do sustentado pelos recorrentes, esta questão nada tem a ver com o tema da aquisição processual de factos complementares ou concretizadores dos inicialmente alegados, na fase dos articulados, mas antes com a matéria dos requisitos da aquisição processual de factos supervenientes, substantivamente relevantes, ocorridos durante a pendência do processo em 1ª instância, posteriormente à apresentação dos normais articulados pelas partes, mas anteriormente ao momento do encerramento da audiência final , em que se cristaliza a situação factual subjacente ao litígio.

Como é sabido- e neste aspecto o CPC de 2013 não trouxe qualquer inovação -  a parte interessada na relevância de  algum facto superveniente, ocorrido ulteriormente à fase dos articulados, pode introduzi-lo no processo através da apresentação tempestiva de articulado superveniente, nos termos previstos nos arts. 588º e 589º do actual CPC.

Deste modo, se os AA. consideravam substantivamente relevante para a existência e conteúdo dos seus invocados direitos indemnizatórios o apuramento da exacta situação de conservação do imóvel à data actualizada do encerramento da audiência, em fins de 2011, deveriam ter deduzido o pertinente articulado superveniente, providenciando por essa via pela regular aquisição processual de tal factualidade nova –ou seja, o estado de conservação do imóvel em 2011.

Ora, não se vislumbrando do processo que o hajam feito, nomeadamente através da via prevista no art. 589º do CPC, não podia efectivamente o tribunal considerar oficiosamente tal facto ou realidade factual nova, fazendo-a constar das respostas aos quesitos que se reportavam ao estado do imóvel em momento anterior à própria propositura da acção: e, nesta perspectiva, nenhuma censura merece o acórdão recorrido, ao determinar (por razões que nada têm que ver com a valoração das provas, nomeadamente a pericial) que sejam expurgados do processo factos novos e supervenientes, que a lei de processo não permite que – na ausência de articulado superveniente – sejam oficiosamente considerados pelo juiz.

De qualquer modo, sempre se dirá que esta matéria não tem a menor relevância para a solução que se irá dar ao litígio – e que, como adiante melhor se verá, seria exactamente a mesma, quer o estado de conservação do imóvel à data da audiência final fosse o mesmo ou diferente do que se verificava aquando da vistoria camarária realizada em 2004.


Na revista interposta pela R., suscita-se, a título subsidiário, a ampliação do objecto do recurso, de modo a sindicar-se o decidido pela Relação em sede de impugnação do despacho que indeferiu parcialmente a reclamação deduzida quanto à organização da base instrutória, considerando irrelevante determinada factualidade invocada nos articulados da R.: sucede, porém, que não é admissível revista do acórdão da Relação na parte em que aprecie decisões interlocutórias que recaiam unicamente sobre a relação processual, fora dos estritos condicionalismos definidos pelo nº2 do art. 671º do CPC. Tal segmento do acórdão recorrido não pode, deste modo, configurar-se como objecto idóneo de um recurso de revista, não cabendo ao STJ pronunciar-se sobre a organização, na fase de saneamento, da base instrutória: porém, tal irrecorribilidade não obsta naturalmente à possibilidade de o Supremo, se o entender necessário à adequada composição jurídica do litígio, usar os seus poderes próprios contidos no nº3 do art. 682º do CPC, ordenando, nomeadamente, se tal se justificar, que se amplie a matéria de facto, com a consideração de factos oportunamente alegados e que se revelem essenciais para a solução jurídica do pleito ( mesmo que formalmente omitidos na fase de condensação).


6. A petição formulada pelos AA. aparece estruturada essencialmente em torno das imputação à R. da violação culposa do princípio da boa fé contratual, geradora dos danos invocados:

- por um lado, no plano da responsabilidade pré contratual, teria a R. induzido os AA. em erro acerca das qualidades futuras do imóvel , apresentando, nos seus prospectos publicitários, expectativas de valorização futura do empreendimento que completamente se frustraram;

- por outro lado, no plano da responsabilidade pós contratual, teria a R. , já depois de consumada a venda das fracções aos AA., omitido culposamente deveres de promoção diligente do empreendimento e de conservação adequada do imóvel, determinantes da respectiva degradação, envolvendo frustração irremediável do projecto ou empreendimento imobiliário e das expectativas legítimas de utilização e valorização das fracções adquiridas.

Saliente-se liminarmente que a situação delineada, nomeadamente no que respeita à invocada violação do dever de boa fé contratual na fase preliminar do negócio, poderia ter sido abordada pelos AA. segundo diversas vias ou perspectivas jurídicas possíveis.

Assim, podiam estes, com base na invocada situação de erro acerca das qualidades futuras do imóvel adquirido:

a) - ter eventualmente deduzido pretensão anulatória, questionando a validade do negócio celebrado precisamente com base no aludido vício da vontade, acerca da base negocial subjectiva;

b) - ter peticionado a resolução ou modificação do contrato celebrado, com base na imprevisão, ou seja, no ocorrência de circunstâncias ulteriores, não previstas pelas partes e determinantes da frustração das utilidades por elas fundadamente perspectivadas, abalando consequentemente o equilíbrio comutativo interno do negócio, e que excedessem o perímetro dos riscos próprios do contrato;

- finalmente, situar a matéria litigiosa, não no domínio das acções constitutivas atrás referidas, mas no estrito plano da responsabilidade civil, decorrente de culposa violação do princípio da boa fé contratual, peticionando – não algum dos referidos efeitos constitutivos, mas apenas a indemnização pelo concreto interesse contratual lesado com a alegada violação do princípio da boa fé.

Note-se que qualquer destas possíveis vias jurídicas para tutela do interesse prático dos AA. teria específicas dificuldades ou escolhos para o demandante:

- se optasse pela via da acção anulatória, teria naturalmente de alegar e provar os requisitos do erro-vício, confrontando-se ainda com a necessidade de agir em tempo, de modo a obstar à possível caducidade de tal direito de anulação;

- se optasse pela via da imprevisão, regulada no art. 437º do CC, teria obviamente o ónus de alegar e provar, de forma consistente, a anormalidade da alteração da base negocial objectiva e os seus reflexos gravosos no equilíbrio comutativo do negócio, justificando ainda a aplicabilidade do instituto num caso em que o contrato ( compra  e venda de imóvel) se configura como produtor de efeitos imediatos, não gerando entre as partes uma relação de execução permanente ou continuada;

- finalmente, optando – como optou -  pela via da responsabilidade civil subjectiva, para além de destacar consistentemente qual a dimensão exacta da cláusula geral da boa fé que fundamente os concretos deveres laterais de protecção, alegadamente infringidos com a conduta da R., tem naturalmente o A./lesado de alegar e provar a ilicitude e a culpa de tais comportamentos, bem como o nexo causal entre os danos concretamente invocados e aquele facto ilícito imputado ao lesante.

Deste modo – e como é evidente – ao situarem  a matéria litigiosa no âmbito da responsabilidade civil, têm naturalmente os AA. de alegar e provar os pressupostos da obrigação de indemnizar, desde logo, a ilicitude e a culpa subjacentes aos comportamentos imputados à R. , alegadamente geradores dos danos.

Saliente-se, desde já, que não parece ter sentido estruturar as pretensões indemnizatórias deduzidas simultânea e cumulativamente nas responsabilidades pré contratual e pós contratual; é que, de duas uma:

- ou o ilícito cometido se situou no plano das negociações prévias à celebração do contrato, traduzindo-se na criação injustificada pela entidade vendedora de falsas expectativas de valorização do imóvel, objectivamente  impossíveis de alcançar – não podendo, neste caso, censurar-se a R. pelo facto de não ter ulteriormente consumado o – objectivamente impossível - êxito e valorização do empreendimento: como é evidente, neste caso o ilícito cometido ter-se-ia consubstanciado – e consumado – com a criação dolosa de um erro acerca das características futuras do empreendimento, não constituindo novo e autónomo facto ilícito da R. a circunstância de as previsões impossíveis e enganosas se não terem concretizado;

- ou , bem pelo contrário, as expectativas alimentadas para os compradores na fase pré contratual eram razoáveis e adequadas face aos dados e elementos nesse momento disponíveis, podendo perfeitamente ser alcançadas se a R. actuasse ulteriormente com a diligência devida – e, neste caso, o facto ilícito e culposo da R.  já não estaria situado no plano pré contratual, mas antes na actuação posterior à consumação das vendas (impondo-se naturalmente que os AA. demonstrassem estarmos perante um caso em que subsistem à consumação do contrato de compra e venda, com transmissão da propriedade e entrega da coisa adquirida, deveres laterais de protecção, implicando a obrigação de providenciar pela diligente conservação das partes comuns do prédio vendido, a cargo da entidade promotora).


7. Relativamente à obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade civil pré contratual, o ponto fulcral da argumentação dos AA. centra-se no conteúdo do prospecto publicitário constante do ponto 4 da matéria de facto, prometendo aos compradores das fracções um êxito e perspectivas de rentabilidade e valorização do empreendimento imobiliário em curso que totalmente se frustraram: ora, será a matéria de facto provada bastante para que se possa ter por violado o princípio da boa fé nas negociações preliminares ao contrato?

Como é evidente, ao situarem  a pretensão que deduzem no estrito plano da responsabilidade civil, decorrente da lesão da boa fé contratual, ficam os AA. onerados com a alegação e prova dos pressupostos da responsabilidade civil que invocam, cabendo-lhes demonstrar que em tal brochura publicitária se fazia culposamente apelo a perspectivas de rentabilidade que – à data das negociações em curso – a entidade vendedora bem sabia – ou devia saber  - que eram objectivamente irrealizáveis .

Não basta, pois, situado o objecto da acção neste plano da responsabilidade civil e não da imprevisão , alegar e demonstrar que ocorreu uma quebra da justiça comutativa interna do contrato, decorrente da frustração das previsões de rentabilidade feitas anteriormente à celebração do negócio, por se terem verificado circunstâncias ulteriores e imprevistas que ultrapassavam os riscos próprios do negócio: estando em causa uma pretensão indemnizatória fundada no art. 227º do CC,  é indispensável que o lesado demonstre que a R. actuou culposamente na fase das negociações preliminares – criando, nomeadamente, uma falsa aparência quanto às qualidades futuras do empreendimento, levando os compradores a contratar nas precisas condições acordadas, em prejuízo manifesto do seu interesse.

Ora, como dá nota a acórdão recorrido – na esteira, aliás, do parecer junto aos autos – não pode considerar-se assente, perante a factualidade provada, que – no momento das negociações – a entidade promotora do empreendimento soubesse – ou devesse saber – que as projecções, previsões e promessas constantes da referida brochura publicitária eram irrealizáveis – tendo-as feito precisamente com o propósito de iludir ou enganar os compradores sobres as reais expectativas de rentabilidade associadas ao empreendimento: ou seja, a matéria de facto apurada não permite concluir pela existência de um comportamento violador dos deveres resultantes da cláusula geral contida no art. 227º do CC – já que dela não decorre que, no momento das negociações preliminares ao negócio, a entidade vendedora soubesse ou devesse saber que a promessa de rentabilidade referida no dita brochura publicitária era inalcançável.

Como se conclui no parecer junto aos autos, a fls. 964, a ofensa dos deveres de informação e lealdade não se pode bastar com o simples facto da distribuição de brochura publicitária contendo notícias que perspectivavam um bom investimento com a compra das fracções do empreendimento em causa e que referiam a provável valorização do imobiliário local, informação corroborada pelos representantes da vendedora que afirmavam basear-se a mesma em estudos de mercado.

Nada se invocou ou provou que justifique a censurabilidade do modo como a informação contida nessa brochura ou nesses estudos foi obtida. E tão pouco se demonstrou que o citado panfleto publicitário ou os estudos de mercado invocados contivessem informações falsas ou não credíveis. E ainda menos se demonstrou que a sociedade MM dispusesse de outra informação relevante que haja omitido ou ocultado aos compradores .

A ofensa aos deveres de boa fé impostos pelo art. 227ª do CC tem de ser aferida no momento em que se desenvolveram as negociações e em face dos conhecimentos existentes na altura.

Não chega, na verdade, – ao movermo-nos no plano da responsabilidade pré contratual – constatar, para reconhecer o direito de indemnização invocado, que ocorreu uma superveniente frustração do empreendimento imobiliário, em fase de desenvolvimento: na realidade, não resultando da factualidade provada que a entidade vendedora garantiu, em termos juridicamente relevantes, a consumação das expectativas de êxito e de rentabilidade que constavam de escrito de cariz publicitário, nem que, no momento das negociações contratuais, bem sabia – ou devia saber, se actuasse com a diligência devida – que as proclamadas expectativas ou previsões eram de todo irrealistas – não é possível identificar um comportamento lesivo da boa fé contratual, que possa estar na génese do direito de indemnização invocado.


8. Passando à análise da pretensão indemnizatória assente na invocação de responsabilidade pós contratual – decorrente da violação de deveres laterais ou acessórios que subsistiriam após a exaustão do contrato de compra e venda das fracções (ocorrida naturalmente com a celebração das escrituras e consequente transmissão da propriedade e entrega dos imóveis aos compradores) - verifica-se que – na argumentação dos AA – se identificam dois possíveis deveres da R: violados pelo seu comportamento subsequente ao contrato: a omissão de venda de grande parte do espaço, levando naturalmente à permanente e continuada falta de utilização, por um lado; e a falta de conservação diligente dos espaços comuns, implicando acentuada degradação do imóvel, com naturais e inevitáveis reflexos negativos na utilização dos estabelecimentos instalados pelos compradores nas fracções adquiridas.


Sucede, porém, que:

a) - quanto ao primeiro aspecto, é evidente que – perante a factualidade provada – não é manifestamente possível imputar qualquer culpa à entidade promotora do empreendimento pela inviabilidade prática da respectiva comercialização: resulta, aliás, do ponto 17 da matéria de facto que as habitações e garagens estavam por vender por falta de comprador;  ou seja, da matéria de facto alegada e provada não resulta minimamente que os efeitos nocivos decorrentes da falta de utilização de grande parte do espaço se possam imputar a qualquer comportamento negligente da R. na respectiva comercialização – decorrendo antes tal facto de vicissitudes do mercado não controladas pela entidade vendedora – e, portanto, a esta não imputáveis em sede de culpa;

b) - quanto ao segundo aspecto – incumprimento do dever de conservação do imóvel, evitando que pudesse ter ocorrido a situação de degradação documentada na matéria de facto – importa naturalmente começar por verificar a que título será possível impor tal dever de conservação à sociedade vendedora: consumada e exaurida a compra e venda de fracções de edifício em propriedade horizontal (com a celebração das respectivas escrituras, pagamento do preço devido e entrega dos imóveis aos adquirentes) poderá impor-se à sociedade vendedora , no perímetro ainda das relações contratuais, um dever lateral de diligente conservação da globalidade do imóvel?

Note-se que a sentença proferida em 1ª instância fez assentar tal dever post pactum finitum na circunstância de a sociedade vendedora continuar a deter a propriedade da larga maioria das fracções que fora impossível comercializar: seria, pois, simultaneamente na qualidade de vendedora de algumas fracções e de proprietária da larga maioria das restantes – que não logrou colocar no mercado – que lhe assistiria o dever lateral de, perante a não formalização dos órgãos da propriedade horizontal, providenciar, ela própria, pela manutenção do imóvel, suportando os respectivos custos e exigindo ulteriormente aos AA. a sua possível comparticipação nas despesas atinentes às partes comuns.

A Relação, no acórdão recorrido, procura encontrar um fundamento mais consistente para o dever de diligente conservação do imóvel por parte da R.- substituindo, como fonte de tal dever, a mera qualidade de proprietária da maioria das fracções integrantes do imóvel em regime de propriedade horizontal pela de administrador provisório do condomínio, decorrente do regime contido no art. 1435º-A do CC: ou seja, a circunstância de os condóminos não terem formalizado a constituição de uma administração do condomínio levaria automaticamente a ter de atribuir-se tal função à R., enquanto proprietária da maior percentagem do capital investido no imóvel.

Deste modo – perante a ratio decidendi do acórdão recorrido – o referido dever de conservação diligente do imóvel já não radicaria, em termos difusos, na detenção das qualidades de vendedora e proprietária da maioria das fracções – mas, de forma mais juridicamente consistente, na qualidade jurídica de administrador provisório do condomínio, decorrente automaticamente, ex lege, da omissão de normal constituição e funcionamento dos órgãos da propriedade horizontal.

Importa salientar, em primeiro lugar que – numa situação com os contornos da dos presentes autos – não parece efectivamente viável criar para a entidade vendedora de determinadas fracções de certo edifício em regime de propriedade horizontal, no plano estritamente contratual e por via do princípio da boa fé, um dever lateral de, ao longo dos anos, providenciar (nessa veste de vendedora) pela adequada conservação do prédio, respondendo perante os condóminos/ compradores pelos danos decorrentes das deficiências do imóvel, causadas pela negligente omissão de actos conservatórios: na verdade, consumada ou exaurida a venda, o tema da conservação futura do imóvel e das omissões culposas que nesta sede possam ocorrer já não se situa no perímetro contratual (ainda que no plano da pós eficácia das obrigações emergentes do contrato de compra e venda, há muito exaurido e findo) , mas antes no âmbito institucional da propriedade horizontal e das competências e actuações dos órgãos que juridicamente a integram.

Isto mesmo foi, aliás, sentido pelas instâncias, que – para julgarem procedentes, no todo ou em parte, as pretensões indemnizatórias deduzidas – tiveram necessidade de extravasar o perímetro da responsabilidade  contratual  e a mera invocação da lesão do princípio da boa fé contratual, fundando decisivamente o dito dever de conservação nas qualidades de  proprietária maioritária do imóvel ou de administradora provisória do condomínio – esta  efectivamente susceptível de poder fornecer uma base jurídica mais sólida e consistente para a imposição do referido dever de zelar pela conservação do prédio.

Resta saber – como refere a R. na sua revista – se , não se mostrando as pretensões indemnizatórias  deduzidas estribadas na violação de regras de funcionamento da propriedade horizontal , seria possível à Relação, inovatoriamente , ter como processualmente adquirido um facto essencial não oportunamente alegado – no caso, a atribuição à R. da referida qualidade de administradora provisória do condomínio, com os deveres e competências que lhe são inerentes.

Considera-se que a resposta a esta questão deve ser negativa, por , em última análise, tal solução implicar o inovatório apelo, na fase de recurso, a uma causa de pedir diferente da invocada, envolvendo, não só o seguir-se uma via jurídica totalmente diversa e autónoma para fundamentar o direito de indemnização, extravasando manifestamente o perímetro contratual em que deliberadamente o haviam situado os AA., mas a indispensável ponderação de factos essenciais e estruturantes que não haviam sido – na estratégia processual seguida pelos AA. – minimamente alegados.

Na verdade, as pretensões indemnizatórias deduzidas desconsideram manifestamente o plano das regras de funcionamento da propriedade horizontal, em nenhum lado se alegando, de perto ou de longe, que a R. haja  omitido culposamente um dever de conservação que tivesse a sua raiz naquele regime normativo e na veste de administrador – optando antes por situar o litígio exclusivamente no perímetro dos deveres laterais associados e emergentes à qualidade de vendedora de parte das fracções que integravam o empreendimento. Aliás, alguns dos factos alegados na petição inicial são, em bom rigor, incompatíveis com a imputação à R. da qualidade de administradora provisória do condomínio: ao afirmar-se, por exemplo, que ( art. 182º) a R nunca formalizou a constituição de uma administração de condomínio está a excluir-se que tal qualidade, afinal, já lhe pudesse caber, pela via do art. 1435º-A do CC…

Acresce que – por via do peculiar enquadramento jurídico utilizado pela A. para efectivar o que considerava ser o seu direito , desconsiderando, como se referiu o plano do funcionamento institucional da propriedade horizontal – não foram naturalmente alegados factos suficientes para que pudesse, de forma consistente, imputar-se ao possível administrador provisório uma violação culposa e censurável dos seus deveres funcionais: é que não pode imputar-se ao administrador provisório uma obrigação de resultado – traduzida num dever pessoal de efectivar a perfeita e adequada conservação do imóvel, ao longo dos anos , independentemente do que resulte da actuação dos restantes órgãos da propriedade horizontal, desde logo, o órgão máximo – a assembleia do condomínio – e dos orçamentos que por esta hajam sido – ou não -  aprovados…

Aliás, alguns dos factos provados mostram que a R. terá desenvolvido algumas diligências no sentido de providenciar pela conservação de partes comuns do prédio ( cfr. pontos 62/69 da matéria de facto), ignorando-se as razões que terão levado, nomeadamente, à não concretização do projecto de reabilitação aí referido, de modo a poder concluir-se se tal frustração se podia ou não imputar a culpa da R.

Não pode, pois, pelas razões apontadas – desde logo, a compatibilização com o princípio dispositivo, implicando a impossibilidade de tomar em consideração, no julgamento da apelação, situações factuais essenciais, não oportunamente alegadas pelas partes -  subsistir o acórdão recorrido, no segmento em que julgou parcialmente procedentes os pedidos indemnizatórios por invocados danos não patrimoniais, em consequência de a R. não ter cumprido diligentemente os deveres de conservação do prédio, decorrentes da qualidade de administradora provisória do condomínio.

E, por outro lado, não pode repor-se, quanto à questão da indemnização, o decidido na sentença apelada, como pretendem os AA. na revista por eles interposta, pela circunstância de não constituir, no plano jurídico, título bastante para a imposição de um dever lateral de conservação do imóvel as qualidades de vendedora de determinadas fracções autónomas e proprietária residual e maioritária das fracções não comercializadas – por tal questão ter de se colocar necessariamente no âmbito do funcionamento dos órgãos da propriedade horizontal ( matéria que, como se viu, os AA. não trataram de alegar minimamente).

Por outro lado, a inverificação dos pressupostos da responsabilidade civil invocada, ao nível da ilicitude e da culpa da demandada, torna inútil a apreciação das questões do nexo causal entre o facto (ilícito) e os danos concretamente invocados, bem como a questão da admissibilidade de atribuição de uma indemnização que corresponde substancialmente à redução do preço pago pelas fracções vendidas, num caso em que a eficácia e validade do negócio de compra e venda não se mostram de todo questionadas.


9. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, nega-se provimento à revista dos AA. e concede-se provimento à revista interposta pela R., revogando o acórdão recorrido na parte em que julgou parcialmente procedentes os pedidos de indemnização por danos não patrimoniais, com base na qualidade, imputada à R., de administradora provisória do condomínio, confirmando-o tal acórdão em tudo o mais; e, em consequência da decisão dos recursos, julga-se totalmente improcedente a acção, absolvendo a R. dos pedidos formulados.

Custas da acção e da revista pelos AA./ recorrentes.


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor

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[1] Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, pág. 234, reimp. de 1998, Almedina.

[2] Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, pág. 81, ed. de 1979, AAFDL.
[3] Sobre a responsabilidade do administrador perante o condomínio e perante terceiros por danos causados no exercício das suas funções, Rosendo Dias José, in A propriedade horizontal, pág. 130, ed. de 1982, Petrony, Rui Vieira Miller, in A propriedade horizontal no Código Civil, pág. 315-316, ed. de 1998, Almedina, Aragão Seia, in Propriedade horizontal, pág. 202, ed. de 2001, Almedina, e Sandra Passinhas, in A Assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, pág. 340-342, ed. de 2000, Almedina.