Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1030/12.5TVLSB.L1.S1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: ANULAÇÃO DE SENTENÇA ARBITRAL
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
CASO JULGADO
Data do Acordão: 11/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ARBITRAL – DECISÃO ARBITRAL / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / TRIBUNAL / COMPETÊNCIA INTERNA / COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CONSTITUCIONAL – ORGANIZAÇÃO DO PODER POLÍTICO / TRIBUNAIS / ORGANIZAÇÃO DOS TRIBUNAIS.
Doutrina:
- António Menezes Cordeiro, Tratado Da Arbitragem, p. 424 a 437;
- António Sampaio Caramelo, A autonomia da cláusula compromissória e a competência da competência do tribunal arbitral, Estudos de Homenagem ao professor Galvão Telles, Faculdade de Direito de Lisboa, 2007, p. 105 a 128;
- Carlos Ferreira de Almeida, Convenção de Arbitragem: Conteúdo e Efeitos, Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa. Intervenções, 2009, p. 93;
- João Luís Lopes dos Reis, A excepção do Tribunal Arbitral (voluntário), ROA, Ano 58, p. 117 e 118;
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, p. 88 e 89;
- Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, 2.ª Edição, p. 34, 35 e 520 a 529;
- Mário Esteves de Oliveira, Lei da Arbitragem Voluntária Comentada Coordenação, p. 97 a 104 e 546 a 548;
- Miguel Teixeira de Sousa, A Competência e Incompetência dos Tribunais Comuns, p. 7 ; Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª Edição, p. 128.
Legislação Nacional:
LEI DA ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA (LAV), LEI Nº31/86, DE 29/8: - ARTIGOS 21.º, N.ºS 1 E 4 E 27.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B).
RADIODIFUSÃO POR SATÉLITE E RETRANSMISSÃO POR CABO, APROVADO PELO DL N.º 333/97, DE 27 DE NOVEMBRO: - ARTIGO 7.º, N.º 3.
LEI DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL (LTC): - ARTIGOS 70.º, N.ºS 1, ALÍNEA B) E 2 E 80.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 64.º, 643.º E 672.º, N.º 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 204.º, 205.º, N.º 2 E 209.º, N.º 2.
Referências Internacionais:
DIRECTIVA N.º 93/83/CEE, DO CONSELHO, DE 27 DE SETEMBRO DE 1993.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 24-10-2006, RELATOR OLIVEIRA BARROS;
- DE 11-02-2010, RELATOR ÁLVARO RODRIGUES;
- DE 07-06-2011, RELATOR PEREIRA DA SILVA;
- DE 17-06-2011, RELATOR SEBASTIÃO PÓVOAS;
- DE 13-07-2017, RELATOR JOAQUIM PIÇARRA, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I Dispõe o artigo 21º, nº1 da LAV – Lei nº31/86, de 29/8, aplicável ao caso dos autos – que «O tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua própria competência (…), tratando-se aqui da afirmação do princípio da «competência da competência do Tribunal arbitral», igualmente designado por kompetenz-kompetenz ou competence-competence ou ainda compétence-compétence, que pressupõe na sua análise um efeito positivo, o qual consiste em habilitar este órgão a decidir da sua própria competência e um efeito negativo, que se traduz em atribuir aos árbitros o poder de serem não os únicos juízes, mas antes os primeiros juízes da sua competência.

II Incumbirá, subsequentemente, ao tribunal estadual, a apreciação da competência do tribunal arbitral depois de este se ter pronunciado sobre a mesma, quer através da impugnação da decisão sobre tal questão da competência, quer em sede de oposição a execução da sentença proferida, podendo a sentença arbitral ser anulada pelo tribunal judicial se, além do mais, o litigio não for susceptível de resolução por via arbitral e/ou tiver sido proferida por tribunal incompetente ou irregularmente constituído, de harmonia com o artigo 27º, nº1, alíneas a) e b) da LAV de 1986.

IV Tendo sido declarada a inconstitucionalidade do artigo 7º nº 3 do DL 333/97, de 27 de Novembro, que atribuía a competência ao TA, em sede de recurso e consequentemente anulada a decisão arbitral, não pode a Recorrente «afastar» os efeitos da declaração de inconstitucionalidade porquanto o Acórdão Saneador produzido em sede arbitral que declarou o Tribunal Arbitral competente, descartando a questão da inconstitucionalidade do artigo 7º nº 3 do DL 333/97, de 27 de Novembro, não fez transitar em julgado a questão da competência, uma vez que artigo 21º, nº4, da LAV de 1986 impõe que «A decisão pela qual o tribunal arbitral se declara competente só pode ser apreciada pelo tribunal judicial depois de proferida a decisão sobre o fundo da causa e pelos meios especificados nos artigos 27.º e 21.º».

V Assim, aquela primeira decisão, interlocutóriamente tomada em sede de saneador, não transitou em julgado, podendo, como foi, ser impugnada aquando da arguição da sua anulabilidade, tendo sido, precisamente a questão da inconstitucionalidade que serviu de fundamento quer à causa de anulação prevista na alínea a) do artigo 27º, quer ao fundamento prevenido na alínea b) do mesmo normativo.

VI A afirmação da própria competência pelo Tribunal Arbitral, no despacho saneador, não produz qualquer eficácia de caso julgado, nos termos do artigo 21º, nº4 da LAV, nem sequer se pode dizer que não tendo havido recurso da decisão arbitral para o TC, não poderá depois a mesma ser suscitada em sede de acção de anulação, já que se tem de ter em atenção o preceituado no artigo 70º, nº2 da LTC, sendo equiparável à impugnação recursiva o procedimento de anulação aqui encetado, na medida em visou por em causa o julgamento arbitral havido, inquinando indirectamente a decisão de fundo (trata-se do julgamento do julgamento e não do julgamento da decisão).

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA

I PT COMUNICAÇÕES, SA (atualmente, MEO – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO E MULTIMÉDIA, SA), intentou ação de anulação de sentença arbitral contra GDA – COOPERATIVA DE GESTÃO DOS DIREITOS DOS ARTISTAS, INTÉRPRETES OU EXECUTANTES, CRLI, pedindo a anulação da sentença arbitral.

No essencial, e em resumo, alegou a requerente como fundamentos para a procedência da ação, que:

- o litígio que opõe as partes não é suscetível de ser resolvido através da arbitragem necessária porquanto a norma do artigo 7.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de Novembro – ao abrigo da qual foi imposta esta arbitragem – está ferida de inconstitucionalidade orgânica na medida em que a atribuição da competência dos tribunais arbitrais necessários cabe à Assembleia da República [artigo 165.º n.º 1 alínea p) da Constituição da República] e quem legislou nesta matéria foi o governo sem estar autorizado pela Assembleia da República;

- o Tribunal Arbitral é absolutamente incompetente para decidir este litígio;

- a decisão do Tribunal Arbitral não se encontra devidamente fundamentada porquanto nas regras de funcionamento estabelecidas por este Tribunal o litígio deveria ser decidido de acordo com o direito constituído e, a final, foi decidido de acordo com a equidade;

- por fim, invoca que o Tribunal Arbitral apreciou questões de que não podia tomar conhecimento, designadamente do pagamento aos artistas das prestações referentes ao período entre 1 de Janeiro de 2010 e 31 de Março de 2011 que não se encontram abrangidas no objeto do litígio.

Formulou ainda a requerente, para o caso de improceder a anulação da sentença arbitral, um pedido subsidiário no sentido de ser parcialmente anulada a sentença arbitral na parte em que a condena no pagamento das prestações relativas ao período decorrido entre Janeiro de 2010 e 31 de Março de 2013, e respetivos juros de mora sobre as mesmas, por não serem devidas.

Na contestação, a Requerida GDA – Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes, CRL, defendeu, no essencial e em resumo, que:

- no caso concreto, nos termos dos artigos 7.º n.º 3 e 8.º do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de Novembro, a decisão deste litígio impõe-se que seja através de arbitragem necessária, defendendo que não se verifica qualquer inconstitucionalidade orgânica daquelas normas;

- o Tribunal Arbitral foi devidamente constituído e com competência para julgar;

- o Tribunal Arbitral, antes da sentença arbitral, proferiu uma decisão em que conheceu da invocada inconstitucionalidade orgânica e que concluiu pela sua não verificação;

- não tendo havido recurso para o Tribunal Constitucional desta decisão considerou a requerida que a invocada inconstitucionalidade é uma questão que já se não pode colocar na ação de anulação por força do trânsito em julgado de tal decisão;

- quanto ao Tribunal Arbitral ter aplicado o princípio da equidade, tal situação destinou-se apenas a fixar a indemnização;

- no que respeita às prestações referentes ao período entre 01 de Janeiro de 2010 e 31 de Março de 2011, reconhece que já foram pagas mas são devidos juros moratórios sobre as mesmas.

Na sentença, foi analisada a primeira questão que era a de saber se estávamos perante uma arbitragem necessária, tendo-se concluído que o artigo 7.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de Novembro, ao abrigo da qual o litígio tinha sido decidido por recurso à arbitragem necessária – e daí a consequente constituição do Tribunal Arbitral – padece de inconstitucionalidade orgânica, não sendo por isso aplicável ao caso dos autos e consequentemente, a ação foi julgada procedente e anulada a sentença arbitral proferida em 10 de Abril de 2012, sem necessidade de apreciar as demais questões.

Inconformada com o assim decidido, a Ré GDA – Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes, CRL, interpôs recurso de Apelação, o qual veio a ser julgado improcedente com a confirmação da sentença recorrida.

Irresignada a Ré vem agora recorrer de Revista normal, por ofensa de caso julgado, nos termos do artigo 629º, nº2, alínea a) do CPCivil, apresentando para o efeito as seguintes conclusões:

- A questão de saber quando é que a decisão do Tribunal Arbitral que decidiu sobre a constitucionalidade de uma determinada norma transita em julgado constitui a vexata questio do presente recurso.

- Trata-se de questão inédita e inovadora na jurisprudência, juridicamente muito complexa e, naturalmente, susceptível de interpretações divergentes que podem pôr em causa a boa aplicação do direito, pelo que só decisão do STJ permitirá trazer segurança jurídica.

- O Acórdão do TRL funda-se, no essencial, em dois fundamentos jurídicos que a Recorrente pretende contestar através do presente Recurso de Revista: (i) o carácter vinculativo ao processo da prévia declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional da norma do artigo 7.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.° 333/97, de 27 de Novembro, que impunha a arbitragem necessária neste tipo de litígios; (ii) a não aquisição pela sentença arbitral de força de caso julgado relativamente à constitucionalidade da norma quando esteja em causa

um dos fundamentos de anulação, nomeadamente e em concreto, o artigo 27.°, alínea a) da antiga LAV;

- O Acórdão do TRL ofendeu caso julgado formado após prolação da Sentença arbitral, pois a questão da constitucionalidade da norma em causa, foi apreciada e decidida pelo tribunal arbitral no Acórdão Arbitral Saneador.

- Os tribunais arbitrais têm a obrigação de não aplicar normas contrárias à CRP (artigo 204.° da CRP) e as suas decisões directamente recorríveis para o TC, pelo que, a decisão que aprecie a constitucionalidade de uma norma é recorrível quando não admita recurso ordinário nos termos do artigo 70.° n.° 1 b) e n.° 2 da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro.

- As partes renunciaram a recorrer da decisão arbitral que viesse a ser proferida, pelo que a sentença arbitral tornou-se definitiva após a sua prolação.

- Após prolação do Acórdão Saneador a Recorrida tinha 10 dias para recorrer para o TC - cf. artigo 329. ° do CC.

- Ainda que se entendesse que o prazo apenas começava a correr com a prolação da sentença final, os referidos 10 dias para a interposição de recurso para o TC, contar-se-iam da notificação do Acórdão Arbitral.

- Em nenhum destes prazos foi interposto recurso para o TC, pelo que se formou caso julgado relativamente à competência do tribunal arbitral.

- A Recorrida interpôs recurso ordinário para o TRL invocando a questão da inconstitucionalidade (o qual foi julgado inadmissível), e, simultaneamente, propôs a presente acção de anulação de sentença arbitral.

- Ainda que não se entenda que a decisão interlocutória formou caso julgado, não há como não considerar que se formou caso julgado quanto ao Acórdão Arbitral e, muito menos, quanto ao Acórdão proferido pelo TRL, pelo que sempre terá que se aplicar o princípio da preclusão.

- A questão da constitucionalidade das normas impugnadas pela Recorrida tornou-se definitiva no processo e as partes estavam impedidas de voltar a discutir esta questão, pelo que a inconstitucionalidade declarada pelo TC tem que ceder perante a existência de caso julgado formado no processo arbitral.

- Ao fundamentar a sua decisão na inconstitucionalidade o TRL violou caso julgado, pelo que tal decisão é nula e deve ser substituída por outra que, reconhecendo o caso julgado operado, confirme a decisão do Tribunal Arbitral.

- O TRL entende que as questões invocadas e decididas no âmbito de um processo arbitral não transitam em julgado, caso se enquadrem num dos fundamentos previstos para a acção de anulação do artigo 27.° da LAV de 86.

- Este raciocínio não pode ser aplicado às questões de constitucionalidade que sejam decididas durante a pendência de um processo arbitral, pois estas decisões são directamente recorríveis para o TC.

- Inexistindo em sede de arbitragem figura equivalente à do Ministério Público, é a própria parte que invocou a inconstitucionalidade da norma quem tem o ónus de submeter essa questão à apreciação do TC.

- Perfilhar-se da tese do TRL é atentar contra o princípio da intangibilidade do caso julgado e contra o princípio da equiparação das decisões arbitrais às decisões judiciais.

- A Recorrida aceitou a declaração de constitucionalidade proferida pelo Tribunal Arbitral no Acórdão Saneador ao não interpor recurso para o Tribunal Constitucional e, consequentemente, a competência do Tribunal Arbitral para julgar este litígio.

- Não estamos perante um caso de competência do Tribunal Arbitral, mas tão-só perante um caso de constitucionalidade.

- Se o próprio TC quando profere uma decisão com eficácia erga omnes, investida numa força superior à da lei, é forçado a respeitar o caso julgado, essa relação de respeito deverá ser também observada pelos restantes tribunais, como se impunha ao TRL.

- Tendo sido decidida em processo arbitral questão que verse sobre a constitucionalidade de uma norma, sem que dessa decisão tenha sido interposto recurso para o TC, não pode essa matéria de constitucionalidade ser invocada em sede de acção de anulação, sob pena de violação do caso julgado.

- Por último, o Acórdão confunde a pretensa inarbitrabilidade do litígio e a inconstitucionalidade orgânica da norma que atribuíra competência ao Tribunal Arbitral.

- A questão da inconstitucionalidade invocada não serve de fundamento, nem à causa de anulação prevista na alínea a) do artigo 27.°, nem às causas referidas em qualquer das outras alíneas previstas nesse preceito, designadamente na alínea b).

- Deve, pelo exposto, a decisão do TRL de anulação do Acórdão Arbitral ser revogada, mantendo-se, nos seus exactos termos o Acórdão Arbitral proferido em 10 de Abril de 2012.

Nas contra alegações a Autora pugna pela manutenção do julgado e no caso de ser concedida a Revista, requer a remessa do processo ao Tribunal da Relação para que aí se conheçam das questões julgadas prejudicadas pela solução dada ao litígio e por si levantadas em sede de ampliação do objecto do recurso, nos termos do artigo 665º, nºs 2 e 3 do CPCivil.

II A questão solvenda no âmbito do presente recurso é a de saber se a decisão arbitral produzida em despacho saneador, que declarou o Tribunal Arbitral competente para conhecer do objecto da acção e concomitantemente afastou a arguição de inconstitucionalidade do artigo 7º, nº3 do DL 333/97, de 27 de Novembro, transitou em julgado, uma vez que a Requerida, dela notificada, não interpôs recurso para o Tribunal Constitucional e, consequentemente, a competência do Tribunal Arbitral para julgar este litígio ficou definitivamente fixada.

O iter processual fixado pelo segundo grau a ter em conta para a resolução da questão suscitada é o seguinte:

1. A resolução do presente litígio iniciou-se com a constituição de um Tribunal Arbitral por, segundo a Apelante, aquela arbitragem (arbitragem necessária) ser imposta pelo Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de Novembro, no seu artigo 7.º n.º 3.

2. A Apelada defendeu no processo arbitral, desde o primeiro momento, que o litígio não estava sujeito à arbitragem necessária e invocou no processo arbitral a inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 7.º do referido Decreto-Lei n.º 333/97.

3. O Tribunal Arbitral, em decisão interlocutória, proferida em 12 de Outubro de 2011, entendeu que não se verificava a invocada inconstitucionalidade daquela norma e, em 10 de Abril de 2012, proferiu a sentença arbitral.

4. A aqui Apelada intentou ação de anulação da sentença arbitral junto do tribunal estadual, nos termos do disposto nos artigos 21.º, n.º 4 e 27.º da referida Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto, aplicável aos autos.

5. Na ação de anulação a Apelada, nos termos do artigo 27.º da referida Lei n.º 31/86, invocou como fundamentos: i) não estar o litígio sujeito à arbitragem, alegando a inconstitucionalidade orgânica do n.º 3 do Decreto-Lei n.º 333/97 tal como já o tinha feito no processo arbitral; ii) o acórdão final no processo arbitral foi proferido por um tribunal que não tinha competência para a decisão e que se encontrava irregularmente constituído; iii) a decisão arbitral não está fundamentada; iv) o tribunal arbitral decidiu sobre questões de que não podia conhecer.

6. A Apelante contestou aquela ação de anulação e defendeu-se da mesma alegando que na sentença proferida na 1.ª Instância o Exmo. Juiz da 1.ª Instância concluiu pela inconstitucionalidade orgânica da norma do n.º 3 do artigo 7.º do referido Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de Novembro, considerando-a não aplicável, e julgou a ação procedente anulando a sentença arbitral.

7. A Apelante interpôs recurso da decisão da 1.ª Instância para o Tribunal Constitucional que, por acórdão de 23 de Fevereiro de 2016, decidiu: «a) Julgar inconstitucional a norma do n.º 3 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de Novembro, por ofensa do preceito da alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa; e, em conformidade b) Confirmar a sentença recorrida».

8. Notificadas as partes do acórdão do Tribunal Constitucional, a Apelante GDA – COOPERATIVA DE GESTÃ DOS DIREITOS DOS ARTISTAS, INTÉRPRETES OU EXECUTANTES, CRL, veio agora interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação da sentença proferida na 1.ª Instância na ação de anulação.

Antes de nos pronunciarmos sobre a problemática supra enunciada, analisemos o(s) recurso(s) interposto(s) pela Autora, aqui Recorrente.

Como deflui do despacho de fls 1724, a Exª Sra Desembargadora Relatora não admitiu a Revista normal, tendo admitido a Revista excepcional  interposta subsidiariamente e não obstante a possibilidade de reclamação a interpor nos termos do artigo 643º do CPCivil, fez remeter o processo a este Supremo Tribunal, para conhecimento dos pressupostos da impugnação excepcional então aceite, que compete à Formação a que alude o nº3 do artigo 672º do CPCivil.

Distribuídos os autos àquela Formação, foi ordenado primeiro que os autos fossem remetidos ao Tribunal da Relação para instrução da reclamação entretanto suscitada e, subsequentemente, porque os autos voltaram a ser intempestivamente remetidos a este Supremo Tribunal, que os mesmos aguardassem a decisão proferenda na Reclamação, cfr fls 1806 e proferida que foi a decisão da mesma, cfr apenso, a admitir a Revista normal, foi produzida a decisão singular de fls 1811, a declinar a competência da Formação, face àqueloutra respeitante à admissão da Revista regra, tendo ficado consequentemente prejudicada a sua eventual apreciação.

Assim sendo, apenas há que conhecer da Revista normal, a qual aliás foi interposta com os mesmos fundamentos que se utilizaram para a impugnação subsidiária.

Insurge-se a Recorrente contra o Aresto recorrido, porquanto na sua tese o mesmo ofendeu caso julgado formado após prolação da Sentença arbitral, pois a questão da constitucionalidade da norma em causa, foi apreciada e decidida pelo tribunal arbitral no Acórdão Arbitral Saneador, sendo que os tribunais arbitrais têm a obrigação de não aplicar normas contrárias à CRPortuguesa, nos termos do seu artigo 204.° e as suas decisões directamente recorríveis para o TC, pelo que, a decisão que aprecie a constitucionalidade de uma norma é recorrível quando não admita recurso ordinário nos termos do artigo 70º nº 1, alínea b) e nº2 da LTC, tendo as partes renunciado a recorrer da decisão arbitral que viesse a ser proferida, pelo que a sentença arbitral tornou-se definitiva após a sua prolação e ainda que se entendesse que o prazo apenas começava a correr com a prolação da sentença final, os referidos 10 dias para a interposição de recurso para o TC, contar-se-iam da notificação do Acórdão Arbitral, mas em nenhum destes prazos foi interposto recurso para o TC, pelo que se formou caso julgado relativamente à competência do tribunal arbitral.

Vejamos.

A competência dos tribunais em geral é a medida da sua jurisdição, o modo como entre eles se fracciona e reparte o poder jurisdicional, que tomado em bloco, pertence ao conjunto dos tribunais, cfr Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 88 e 89.

Desta definição, podemos passar para uma classificação de competência, a qual em sentido abstracto ou quantitativo, será a medida da sua jurisdição, ou seja a fracção do poder jurisdicional que lhe é atribuída, ou, a determinação das causas que lhe cabem; em sentido concreto ou qualitativo, será a susceptibilidade de exercício pelo tribunal da sua jurisdição para a apreciação de uma certa causa, cfr Manuel de Andrade, ibidem e Miguel Teixeira de Sousa, A Competência e Incompetência dos Tribunais Comuns, 7.

Assim, a incompetência será a «insusceptibilidade de um tribunal apreciar determinada causa que decorre da circunstância de os critérios determinativos da competência não lhe concederem a medida da jurisdição suficiente para essa apreciação. Infere-se da lei a existência de três tipos de incompetência jurisdicional: a incompetência absoluta, a incompetência relativa e a preterição do tribunal arbitral.», cfr Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, 128.

Como decorre do iter enunciado, ponto 1. «A resolução do presente litígio iniciou-se com a constituição de um Tribunal Arbitral por, segundo a Apelante, aquela arbitragem (arbitragem necessária) ser imposta pelo Decreto-Lei n.º 333/97, de 27 de Novembro, no seu artigo 7.º n.º 3», de onde uma primeira imposição, decorrente da existência de uma disposição legal que atribuía a resolução do diferendo a um Tribunal arbitral, aplicando-se as disposições gerais dos artigos 1525º e seguintes do CPCivil pregresso o qual remetia para a LAV de 1986, aplicável na data da instauração da acção.

O apontado diploma fez transpor para o nosso ordenamento jurídico a Directiva 93/83/CEE, do Conselho, de 27 de Setembro de 1993, relativa à coordenação de determinadas disposições em matéria de direito de autor e direitos conexos aplicáveis à radiodifusão por satélite e à retransmissão por cabo, predispondo aquele normativo:

«1 - O direito de autorizar ou proibir a retransmissão por cabo só pode ser exercido através de uma entidade de gestão colectiva do direito de autor, que se considera mandatada para gerir os direitos de todos os titulares, incluindo os que nela não estejam inscritos, sem prejuízo do disposto no artigo 8.º quanto às emissões próprias dos organismos de radiodifusão.

2 - Os titulares de direitos referidos na parte final do n.º 1 terão os mesmos direitos e obrigações resultantes do contrato celebrado entre o operador por cabo e a entidade de gestão aplicáveis aos membros desta, podendo reivindicá-los no prazo de três anos a contar da data da retransmissão por cabo do programa que inclui a sua obra.

3 - Na falta de acordo sobre a autorização da retransmissão por cabo, o litígio resolver-se-á por via arbitral, nos termos da lei.». 

Na decorrência de tal imposição legal, o litígio veio a ser resolvido por um Tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 64º do CPCivil e 209º, nº2 da CRPortuguesa, cfr Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, 2ª edição, 34/35.

Dispõe o artigo 21º, nº1 da LAV – Lei nº31/86, de 29/8, aplicável ao caso dos autos – que «O tribunal arbitral pode pronunciar-se sobre a sua própria competência (…), tratando-se aqui da afirmação do princípio da «competência da competência do Tribunal arbitral», igualmente designado por kompetenz-kompetenz ou competence-competence ou ainda compétence-compétence, que pressupõe na sua análise um efeito positivo, o qual consiste em habilitar este órgão a decidir da sua própria competência e um efeito negativo, que se traduz em atribuir aos árbitros o poder de serem não os únicos juízes, mas antes os primeiros juízes da sua competência, incumbindo apenas ao tribunal estadual apreciar a competência do tribunal arbitral depois de este se ter pronunciado sobre a mesma, quer através da impugnação da decisão interlocutória sobre a questão da competência quer em sede de oposição a execução da sentença proferida, cfr António Sampaio Caramelo, A autonomia da cláusula compromissória e a competência da competência do tribunal arbitral, in Estudos de Homenagem ao professor Galvão Telles, Faculdade de Direito de Lisboa, 2007, 105/128; Carlos Ferreira de Almeida, Convenção de Arbitragem: Conteúdo e Efeitos, in Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa. Intervenções, 2009, 93; João Luís Lopes dos Reis, A excepção do Tribunal Arbitral (voluntário), in ROA, Ano 58, 117/118; Lei da Arbitragem Voluntária Comentada Coordenação Mário Esteves de Oliveira, 97/104.

Nesta senda, o tribunal arbitral que se constituiu pela interpelação efectuada pela aqui Recorrente à Recorrida, através da carta que lhe enviou em 23 de Dezembro de 2010, após a presentação dos respectivos articulados e em sede de Acórdão Saneador, fls 276 a 319, declarou »[a] improcedência da invocada excepção de incompetência do TA», tendo ficado afastada necessariamente «a arguição de inconstitucionalidade do nº3 do artigo 7º do Decreto-Lei nº333/97, de 27 de Novembro.».

Quer dizer, o Tribunal arbitral afirmou a sua competência para conhecer do peticionado e, por isso, finda a instrução do processo arbitral, foi produzido Acórdão final a julgar parcialmente procedente a acção, com a condenação parcial da Requerida no pedido contra ela formulado, cfr fls 34 a 151.

Preceitua o artigo 27º, nº1, alíneas a) e b) da LAV de 1986, que a sentença arbitral pode ser anulada pelo tribunal judicial se, além do mais, o litigio não for susceptível de resolução por via arbitral e/ou tiver  sido proferida por tribunal incompetente ou irregularmente constituído, tendo a Autora, aqui Recorrida, invocado para o efeito a inconstitucionalidade artigo 7º nº 3 do DL 333/97, de 27 de Novembro, que já anteriormente esgrimira no processo arbitral, obtendo agora ganho de causa, quer através da sentença de primeiro grau que lhe veio a dar inteira razão, cfr fls 890 a 914, quer subsequentemente através da decisão proferida a respeito pelo Tribunal Constitucional, cfr fls 1347 a 1363, ao confirmar o juízo de inconstitucionalidade que incidiu sobre a aplicação daquela norma de atribuição de competência ao TA e consequentemente a sentença objecto de tal recurso.

Pretende a Recorrente «afastar» os efeitos da declaração de inconstitucionalidade porquanto entende que a mesma não pode operar já que em sede interlocutória – Acórdão Saneador – o TA já se havia pronunciado sobre a sua competência, afirmando-a, tendo então descartado a questão da inconstitucionalidade do artigo 7º nº 3 do DL 333/97, de 27 de Novembro, e, na oportunidade a Recorrida não a pôs em causa, através do pertinente recurso.

Sem qualquer razão, contudo.

É que, como dispõe o artigo 21º, nº4, da LAV de 1986 «A decisão pela qual o tribunal arbitral se declara competente só pode ser apreciada pelo tribunal judicial depois de proferida a decisão sobre o fundo da causa e pelos meios especificados nos artigos 27.º e 21.º», tornando-se óbvio que, aquela primeira decisão tomada em sede de saneador, não transitou em julgado, podendo, como foi, ser impugnada aquando da arguição da sua anulabilidade, tendo sido, precisamente a questão da inconstitucionalidade que serviu de fundamento quer à causa de anulação prevista na alínea a) do artigo 27º, quer ao fundamento prevenido na alínea b) do mesmo normativo, falecendo assim as razões alinhadas pela Recorrente.

Na impugnação encetada através da acção de anulação, o sentido da sentença arbitral não é passível de discussão, apenas se discutindo, os eventuais vícios do percurso processual que levou os árbitros até àquela: estão em causa os erros in procedendo, daí que a mesma apenas possa ter como fundamento as circunstâncias especificamente consignadas no artigo 27º da LAV, maxime, não ser o litígio susceptível de resolução por via arbitral, cfr inter alia os Ac STJ de 24 de Outubro de 2006 (Relator Oliveira Barros),11 de Fevereiro de 2010 (Relator Álvaro Rodrigues), 7 de Junho de 2011 (Relator Pereira da Silva), 17 de Junho de 2011 (Relator Sebastião Póvoas), 13 de Julho de 2017 (Relator Joaqum Piçarra), in www.dgsi.pt; António Menezes Cordeiro, Tratado Da Arbitragem, 424/437; Manuel Pereira Barrocas, Manual de Arbitragem, 2ª edição, 520/529; Mário Esteves de Oliveira, Lei da Arbitragem Voluntária Comentada, 546/548.

Falha-se também a argumentação, quando adianta que não estamos perante um caso de competência do Tribunal Arbitral, mas tão-só perante um caso de constitucionalidade, quando estas duas situações se conjugam: estamos face a uma questão de (in)competência do Tribunal Arbitral, porque a norma que lhe atribuía a necessária competência foi julgada inconstitucional por decisão do TC, decisão essa que fez caso julgado nestes autos, nos termos do artigo 80º, nº1 da LTC, a qual se tornou obrigatória para todas as entidades, de harmonia com o disposto no artigo 205º, nº2 da CRPortuguesa, de onde o litigio de que aqui se cura ser inarbitrável por o segmento normativo que lhe conferia a arbitrabilidade necessária sofrer de inconstitucionalidade orgânica, sendo que essência do caso julgado, enquanto efeito de indiscutibilidade concedido a um pronunciamento de um tribunal, passa pela impossibilidade de revisão ou de renovação do “acertamento” do direito ditado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional, no caso concreto, o qual tornou indiscutível o resultado obtido.

 

Assim, ex adverso do sustentado pela Recorrente, a afirmação da própria competência pelo Tribunal Arbitral, no despacho saneador, não produz qualquer eficácia de caso julgado, nos termos do artigo 21º, nº4 da LAV, nem sequer se pode dizer que não tendo havido recurso da decisão arbitral para o TC, não poderá depois a mesma ser suscitada em sede de acção de anulação, já que se tem de ter em atenção o preceituado no artigo 70º, nº2 da LTC, sendo equiparável à impugnação recursiva o procedimento de anulação aqui encetado, na medida em visou por em causa o julgamento arbitral havido, inquinando indirectamente a decisão de fundo (trata-se do julgamento do julgamento e não do julgamento da decisão).

Soçobram todas as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista, confirmando-se a decisão plasmada no Aresto recorrido.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 27 de Novembro de 2018

Ana Paula Boularot (Relatora)

Pinto de Almeida

José Rainho