Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4317/07.5TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
COISA FUTURA
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
IMPOSSIBILIDADE DEFINITIVA
CULPA
CÂMARA MUNICIPAL
LOTEAMENTO
LICENÇA DE CONSTRUÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - Provado que a ré prometeu vender à autora um lote de terreno para construção, o qual não estava ainda legalmente constituído, existindo um projecto de loteamento a submeter à aprovação da Câmara Municipal, situação que era do perfeito conhecimento da autora, trata-se de um contrato-promessa de compra e venda de bem futuro, já que a autora sabia bem, à data do contrato, que o lote prometido vender não tinha ainda existência jurídica (arts. 211.º e 399.º do CC).
II - Nestas circunstâncias, estava a ré obrigada a exercer as diligências necessárias a poder colocar-se em situação de cumprir o contrato, ou seja, de poder celebrar a escritura definitiva de compra e venda nas condições contratualizadas (art. 880.º, n.º 1, do CC).
III - Na sequência de diligências realizadas pela ré, foi obtido o licenciamento do loteamento, tendo a Câmara Municipal autorizado a constituição do lote em causa, nos exactos termos constantes do contrato-promessa, e emitido o pretendido alvará de loteamento, pelo que o lote prometido vender passou a ter existência jurídica, podendo ser transaccionado.
IV - Posteriormente, apesar de ter emitido o referido alvará de loteamento, a Câmara Municipal recusou-se a aprovar o projecto de construção previsto para o dito lote e especificado no alvará de loteamento, posição esta que se mostra ilegal e arbitrária, visto que as especificações contidas no alvará, designadamente quanto ao número de lotes e indicação das áreas, localização, finalidade, área de implantação, área de construção, número de pisos e número de fogos de cada um dos lotes, vinculam a Câmara Municipal emitente, o proprietário do prédio, bem como os adquirentes dos lotes (art. 77.º, n.ºs 1 e 3, do DL n.º 555/99, de 16-12, que estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação).
V - Uma vez aprovado o loteamento e emitido o respectivo alvará, não podia o Município recusar a viabilidade construtiva que definiu para cada um dos lotes, sob pena de incorrer em responsabilidade para com os promotores ou para com qualquer comprador dos lotes (arts. 21.º, 24.º, 46.º, 77.º e 79.º do DL n.º 555/99, de 16-12).
VI - Não cabe à ré qualquer tipo de responsabilidade para com a autora por não lhe poder vender o lote em causa com a capacidade construtiva prometida, que foi aprovada pelo alvará de loteamento, tanto mais que se provou que, perante a conduta arbitrária da Câmara, a ré, entre 2002 e 2005, diligenciou junto dos técnicos e responsáveis camarários no sentido de ser licenciado o projecto de construção previsto para o lote, promovendo, para o efeito, diversas reuniões, embora não tenha conseguido demover os serviços camarários, que mantiveram definitivamente a sua recusa em aprovar o projecto de construção previsto para o lote.
VII - A prestação a que a ré se obrigou – celebração do contrato de compra e venda de um lote de terreno com determinada capacidade construtiva – tornou-se impossível, face à posição assumida pela Câmara Municipal, visto que a realização da prestação debitória nas condições concretas – impossibilidade de construir no lote – violaria todo o programa obrigacional gizado no contrato, uma vez que não satisfaria minimamente o interesse da autora, que pretendia comprar o lote para nele proceder à construção prevista e não para ser proprietária de um lote de terreno inútil para efeitos construtivos, não tendo interesse em adquiri-lo quando sabia que nele não podia efectuar qualquer construção.
VIII - Esta impossibilidade da prestação ou impossibilidade definitiva de cumprimento por parte da ré, que se traduz numa impossibilidade objectiva, não pode ser imputada à ré, muito menos a título de culpa.
IX - Tal impossibilidade, a ser considerada como superveniente, tem como efeito a extinção da obrigação com a correspondente desoneração da ré, à qual nenhuma responsabilidade pelo incumprimento pode ser exigida. Também a autora fica desonerada da contra-prestação, tendo o direito de exigir a restituição da parte do preço paga, nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa (arts. 790.º e 795.º do CC).
X - A considerar-se a impossibilidade originária, então o negócio seria nulo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado (arts. 401.º, n.º 1, e 289.º, n.º 1, do CC).

Decisão Texto Integral: