Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
25560/18.6T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PUALA LOBO
Descritores: ADVOGADO
PERDA DE CHANCE
MANDATO FORENSE
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ATO ILÍCITO
JUÍZO DE PROBABILIDADE
INDEMNIZAÇÃO
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
ACESSO AO DIREITO
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
A não interposição de recurso de uma decisão judicial só por si não configura qualquer acto ilícito ou prestação profissional insuficiente por parte do patrono nomeado.
Decisão Texto Integral:
I – Relatório

I.1 – Questões a decidir


AA, intentou a presente acção declarativa com processo comum contra BB, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 30.000,01 € a título de danos patrimoniais e de 91.999,99€ a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal, por este, na qualidade de advogado nomeado no âmbito de apoio judiciário, não ter apresentado recurso da sentença que julgou improcedente a acção em que reclamava a condenação da aí demandada no pagamento de 30 001,00 euros, prejudicando o direito do aqui Autor a ver apreciada essa decisão judicial, e a consequente possibilidade de ser proferida decisão que revogasse essa sentença e de ser ressarcido do valor aí peticionado o que lhe causou também diversos danos não patrimoniais.

A acção foi julgada improcedente quer no Tribunal de 1.ª instância, quer no Tribunal da Relação de Lisboa.

O autor apresentou recurso de revista excepcional invocando que a fundamentação adoptada pelas duas instâncias é substancialmente diversa e que está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Apresentou, para esse efeito alegações que terminam com as seguintes conclusões:

1. Nos termos do preceituado no artigo 671º, nº3 do C.P. Civil:

“Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acordão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

2. No âmbito da fundamentação proferida pelo Meritíssimo Juiz de primeira instância, é analisada a responsabilidade civil do Advogado, nomeado no âmbito do apoio judiciário, em sede de responsabilidade civil contratual, analisando-se igualmente, se o incumprimento das obrigações assumidas pelo Advogado nomeado (no caso concreto o Réu).

3. Já no que diz respeito ao M.D. Acordão ora Recorrido, a fundamentação assenta, essencialmente, no seguinte: “Está em causa uma pretensão de indemnização com fundamento na omissão de interposição de recurso pelo réu enquanto patrono do autor. No fundo, trata-se de uma pretensão indemnizatória fundada na perda de chance

4. Ora, perante tal divergência de fundamentação, terá de ser admita a presente revista excecional do M.D. Acórdão do Tribunal da Relação, ora Recorrido, nos termos do disposto no artigo 671º n.º 1 do C.P.C.

5. Por outro lado, o artigo 672º, aplicável ex vi do aludido nº3 do artigo 671º do C.P.C., dispõe que:

“1 – Excecionalmente, cabe recurso de revista do acórdão da Relação referido no nº 3 do artigo anterior quando: a) Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;

6. Ora, no caso dos autos, resulta desde logo verificado que: nem em sede de Petição Inicial, nem em sede de Sentença proferida em primeira Instância, alguma vez foi qualificado o caso inerente aos presentes autos, como uma pretensão indemnizatória fundada na perda de chance. Esta, foi uma qualificação jurídica que surgiu apenas e tão só, em sede de fundamentação do M.D. Acordão ora Recorrido.

7. A pretensão do Autor e ora Recorrente, assenta no facto ilícito praticado pelo Réu, que não cumpriu os seus deveres de patrono nomeado, prejudicando de forma direta os direitos do Autor.

8. Mas, ainda que se entenda que a qualificação jurídica dos factos constantes dos autos, possa integrar a chamada “perda de chance”, verifiquemos o seguinte:

Os presentes autos deram entrada em 19/11/2018.

As várias audiências de Discussão e Julgamento ocorrerem no primeiro semestre de 2021.

Tendo, a M. D. Sentença de primeira instância, sido proferida em Fevereiro de 2022.

9. Ora, considerando que o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, invocado pelos Venerandos Desembargadores, para fundamentar o Douto Acordão Recorrido e, confirmar a decisão de primeira instância, é datado de de 5/7/2021, como poderá tal Acórdão ser aplicável ao caso em apreço.

10. Não poderemos deixar de relembrar que, os Acórdãos Uniformizadores de Jurisprudência, não são fontes de direito, pelo que não lhes poderá ser conferida uma força vinculativa a todos os casos concretos.

11. Por outro lado, não sendo fonte de direito, sempre se dirá que, para que um Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, seja aplicado a situações anteriores à sua publicação, terá que lhe ser atribuída eficácia retroativa, o que não se verifica no caso em apreço.

12. Ora, as questões supra identificadas, são questões, cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, são claramente necessárias para uma melhor aplicação do direito e que fundamentam a presente revista nos termos do disposto, no artigo 672º do C.P.C.

13. Permitir a aplicação ao caso concreto, cuja P.I. entrou em 2018, de um Acórdão uniformizador de Jurisprudência publicado em 2021, resulta numa impossibilidade inequívoca, e total frustração das expectativas do Autor, que atuou no tráfego jurídico, antes da publicação de tal Acordão.

14. Ora, o Autor e ora Recorrente, em 2018, ao intentar a sua ação judicial, alegou a factualidade, que à data lhe era exigida, não lhe sendo imposta qualquer obrigação, de provar o êxito do recurso que não foi interposto pelo Réu.

15. Contrariamente ao expresso no M.D. Acordão recorrido, o Acórdão uniformizador de Jurisprudência publicado em 5/7/2021, nunca poderia ser aplicado ao caso concreto.

16. A considerarmos que, no caso em apreço, estamos perante uma “perda de chance” e, tendo em conta a data dos factos, assim como a data da propositura da presente ação, teria que ser, necessariamente, considerado como provado o direito à indemnização do Autor, pela oportunidade perdida, como um direito em si mesmo.

Direito este, violado por uma conduta (no caso concreto)omissiva do Réu.

17. Não se trata de indemnizar lucros cessantes ao abrigo da teoria da diferença, não se atendendo à vantagem final esperada, mas sim de indemnizar o direito que o Autor tinha, em ver apreciados, no Recurso, os seus argumentos, as suas razões e provas que as suportariam,

18. E, dessa forma, intervir ativamente no desenvolvimento e resultado do processo, bem como a oportunidade do mesmo ver a sua pretensão apreciada pelo tribunal superior.

19. O que constitui, só por si, um prejuízo ou dano autónomo, indemnizáveis, na medida em que o Réu fez com que o Autor perdesse, a oportunidade ou a “chance”, de exercer um direito.

Requereu que o recurso de Revista, seja julgado procedente por provado, pelos fundamentos de facto e de direito atrás invocados e, em consequência, revogado o Acordão Recorrido que confirmou a decisão de primeira instância, absolvendo o Réu do pedido, com todas as demais e legais consequências.

Não foram apresentadas contra-alegações.

I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

Contrariamente ao que parece resultar das alegações do recorrente o recurso de revista excepcional não está previsto para as situações em que não se verifique dupla conforme.

Quando as decisões das instâncias, apesar de coincidentes no resultado – aqui absolvição do réu do pedido – têm ou um voto de vencido ou uma fundamentação essencialmente diferente são passíveis de recurso de revista “normal/ não excepcional” posto que, cumulativamente preencham os requisitos gerais de admissibilidade dos recursos enunciadas no n.º 1 do art.º 629.º do Código de Processo Civil.

O recurso de revista excepcional pretende mitigar a irrecorribilidade das decisões que, estando preenchidos os requisitos gerais de admissibilidade dos recursos enunciadas no n.º 1 do art.º 629.º do Código de Processo Civil, o recurso apenas não seja admissível por se verificar a dupla conforme das decisões das instâncias se, cumulativamente se verificar uma das situações enunciadas no n.º 1 do art.º 672. Mas se a lei enuncia de forma geral e abstracta: interesse de particular relevância social, questão, cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, ou contradição entre acórdãos, não basta que o recorrente escolha e copie para as suas alegações uma destas hipóteses. Se o fizer verá rejeitado o seu recurso.

Para a admissibilidade da revista excepcional importa que indique as concretas circunstâncias que permitirão, do ponto de vista jurídico, enquadrar o objecto do recurso, numa ou várias dessas categorias.  

Nem a situação dos autos tem qualquer enquadramento no recurso de revista excepcional, pois, como o recorrente claramente indica as decisões das instâncias não configuram uma situação de dupla conforme, neste caso afastada pela utilização de fundamentação essencialmente divergente, nem, em todo o caso passou da mera cópia do texto legal, sem qualquer concretização que a tornasse verossímil, pelo que a revista excepcional sempre teria de se considerar inadmissível.

Nos termos conjugados do disposto nos art.º 629.º, n.º1, 631.º, n.º1, 671.º, n.º1 e 674.º, n.º1, b) do Código de Processo Civil o recurso de revista “normal/ não excepcional” é admissível.

                                                   *

I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar as seguintes questões:

1. Obrigação de indemnização por não interposição de recurso de decisão judicial.

                                                            

                                                *

I.4 - Os factos

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1. Em 11 de Novembro de 2010, o ora Autor foi notificado, no âmbito do Processo de Pedido de Apoio Judiciário n.º 18...1/2010 a que corresponde o processo da Segurança social n.º 201...59, de que lhe havia sido nomeado o Sr. Dr. BB a fim de o patrocinar para instaurar acção.

2. No âmbito de tal nomeação, foi instaurada Acção Administrativa Comum, sob a forma ordinária, que correu termos sob o n.º 1280/11...., na ... Unidade Orgânica do então Tribunal Administrativo ..., na qual era peticionado pelo aqui Autor, o valor de €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), decorrente de danos por responsabilidade civil extracontratual - denegação do direito do acesso à justiça e aos Tribunais.

3. Em 2/11/2011, o Réu foi notificado, por via postal da sentença proferida no âmbito dos autos supra identificados, no âmbito da qual foi julgada essa acção totalmente improcedente e a aí ré absolvida do pedido formulado pelo autor, conforme cópia da sentença junta de fls.16 a 24.

4. Lê-se na sentença proferida no âmbito da Acção Administrativa Comum que correu termos sob o n.º 1280/11...., na ... Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo ...:

- “ para que a este acto da R. pudesse ser assacada a ilicitude pretendida pelo A. , necessário seria que o mesmo não encontrasse respaldo na lei. E o que é certo é que o próprio artigo 34º, nº 5, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto, que permite à Ré a recusa de nova nomeação de patrono oficioso quando o fundamento da escusa do patrono anterior seja a inexistência de fundamento legal da pretensão.

Recorde-se que o A. solicitara apoio judiciário especificamente para requerer a reabertura de inquérito, na qualidade de assistente, no âmbito do processo-crime que alegadamente corria termos no Tribunal ... sob o nº 168/97.... (…).e , quando da decisão de recusa, tomada por despacho de 19/04/2010, oportunamente notificado ao ora A. (…)  já a R. tomara conhecimento da decisão transitada em julgado, proferida pelo Tribunal da Relação de Évora em 24/06/2003, que julgou extinto por prescrição o referido processo-crime ( … ). De resto, foi precisamente esse o fundamento que tanto a R. alegou para recusar a nomeação de novo advogado ao A., como o próprio patrono utilizara , junto da R. , aquando da sua apresentação do pedido de escusa (…).

Ora, se é certo que a decisão de arquivamento dos autos , em processo-crime, não constitui decisão definitiva, dado que ao assistente é sempre facultada possibilidade de requere a reabertura de inquérito, no caso de se verificar a superveniência de elementos de prova ( artigo 279º do Código de Processo Penal ) , não é menos verdade que esta possibilidade de reabertura do inquérito a todo o tempo tem como limite a prescrição do procedimento criminal.(…)

Significa isto que a pretensão do A. subjacente ao seu pedido de nomeação de patrono não podia, com efeito, ser satisfeita.”

5. Não foi interposto recurso da sentença referida no número anterior.


Foram considerados não provados os seguintes factos:

1. Na sequência da decisão proferida nos autos identificados no ponto 2º dos Factos Provados o Autor e Réu reuniram em finais de 2011, tendo ficado acordado entre ambos que o Réu iria recorrer da decisão em causa.

2. O Autor informou o Réu que pretendia Recorrer da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo ... e o Réu, por sua livre iniciativa, decidiu não apresentar o Recurso.

3. Sendo que deixou de dar ao Autor qualquer informação sobre o andamento do Processo, nem tão pouco forneceu informação ao Autor, de que efectivamente, não tinha apresentado Recurso.

4. Tal facto, criou no Autor, um sentimento de ansiedade e angústia, pois não sabia o que se passava com o seu processo, e só posteriormente por intermédio de outro patrono nomeado teve a informação de que o Recurso nunca tinha dado entrada nos autos.

5. Em virtude da omissão do Réu, o Autor, passou a sofrer de insónias constantes, revelando o sono muito agitado e sobressaltado.

6. Como consequência directa da não apresentação de Recurso por parte do Réu, assim como na omissão de informações ao Autor, este passou a sofrer de cefaleias, dores de cabeça, distúrbios do sono, tonturas, vertigens, formigueiros, perda de memória e alteração da visão, num crescente emocional desde 2012.


*

II - Fundamentação

1.  Obrigação de indemnização por não interposição de recurso de decisão judicial

Como se colhe da análise da matéria de facto o autor, sempre beneficiando de apoio judiciário e de patrono oficioso nomeado nesse âmbito, pago pelo erário público, próximo do longínquo ano de 1997 terá apresentado uma queixa-crime, na qualidade de ofendido, vindo, depois a constituir-se assistente no processo-crime que alegadamente corria termos no Tribunal ... sob o nº 168/97.....

Entre 1997 e 2023 decorreram 16 anos ao longo dos quais o autor se multiplicou em acções, recursos e formulações de pedidos de apoio judiciário, culminando agora, para satisfação exacerbada do seu direito ao recurso com um recurso de revista perante o Supremo Tribunal de Justiça.

Sem se discutir a justeza da sua actuação inicial, tanto mais que os detalhes não constam do processo, houve um inquérito que foi arquivado e o autor pretendeu reabri-lo. Entretanto o procedimento criminal que se abrira em 1997, foi julgado extinto por prescrição, por decisão transitada em julgado, proferida pelo Tribunal da Relação de Évora em 24/06/2003 de que o autor tomou conhecimento.

Face a esta decisão o patrono que lhe havia sido nomeado pediu escusa do cargo e o autor exigiu que a Ordem dos Advogados lhe nomeasse novo patrono, vindo esta a recusar fazê-lo, em 19/04/2010, dada essa mesma prescrição do procedimento criminal que impedia, do ponto de vista legal, qualquer reabertura de inquérito.

Inconformado com a situação o autor, novamente com patrono oficioso nomeado intentou acção administrativa comum contra a Ordem dos Advogados Portugueses, que correu termos sob o n.º 1280/11...., na ... Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo ... na qual era peticionado pelo aqui Autor, o valor provisório de €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), decorrente de danos por responsabilidade civil extracontratual - denegação do direito do acesso à justiça e aos Tribunais. Esta acção foi julgada improcedente constando da sua fundamentação, entre o mais que:

(…) Sendo deferida pelos serviços de segurança social, a pretensão do autor em obter apoio judiciário na modalidade de isenção de taxa de justiça e patrocínio judiciário a ré, como lhe competia, nomeou patrono oficioso, tendo este pedido escusa, aliás, o próprio autor viria posteriormente a solicitar a sua substituição. E, sendo a mesma deferida pelo Presidente do Conselho distrital, foi de imediato nomeado novo patrono oficioso. Quando este último, por sua vez, solicitou escusa e sendo a mesma deferida, foi nomeado um terceiro patrono oficioso. Isto é, até aquele momento, não se vislumbra qualquer irregularidade no procedimento administrativo. A ré no exercício das suas competências, providenciou sucessivamente pela assistência jurídica ao autor, nomeando-lhe em 3 ocasiões patrono oficioso e só depois deste último pedir a escusa e de esta lhe ser concedida a que é recusou nomear novo advogado.

(…) Recorde-se que o A. solicitara apoio judiciário especificamente para requerer a reabertura de inquérito, na qualidade de assistente, no âmbito do processo-crime que alegadamente corria termos no Tribunal ... sob o nº 168/97.... (…). e, quando da decisão de recusa, tomada por despacho de 19/04/2010, oportunamente notificado ao ora A. (…)  já a R. tomara conhecimento da decisão transitada em julgado, proferida pelo Tribunal da Relação de Évora em 24/06/2003, que julgou extinto por prescrição o referido processo-crime ( … ). De resto, foi precisamente esse o fundamento que tanto a R. alegou para recusar a nomeação de novo advogado ao A., como o próprio patrono utilizara, junto da R., aquando da sua apresentação do pedido de escusa (…).

O último dos muito patronos entretanto nomeados, que se foram afastando destas lides de cariz acentuadamente compulsiva, pedindo escusa do desempenho desse cargo com a invocação de motivos sempre aceites pela Ordem dos Advogados Portugueses, face à decisão do Tribunal Administrativo ... proferida no processo n.º 1280/11...., na ... Unidade Orgânica, decidiu da mesma não interpor recurso.

Não se provou que o recorrente tenha acordado com o réu em finais de 2011 interpor recurso dessa decisão, que o réu tenha deixado de dar ao Autor qualquer informação sobre o andamento do Processo, ou que não o tenha informado de que não havia interposto tal recurso. Tão pouco que, o autor haja desenvolvido um sentimento de ansiedade e angústia, pois não sabia o que se passava com o seu processo, e só posteriormente por intermédio de outro patrono nomeado teve a informação de que o Recurso nunca tinha dado entrada nos autos ou tivesse passado a sofrer de insónias constantes, revelando o sono muito agitado e sobressaltado, cefaleias, dores de cabeça, distúrbios do sono, tonturas, vertigens, formigueiros, perda de memória e alteração da visão, num crescente emocional desde 2012, que a perícia psiquiátrica efectuada em 25 de Maio de 2020 reporta iniciadas a momento anterior a 2012.

Como foi mencionado na sentença do Tribunal Administrativo ... proferida no processo n.º 1280/11...., o art.º 34.ºn.º 5 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho -  Acesso ao Direito e aos Tribunais com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08 estabelece que :” Sendo concedida a escusa, procede-se imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, excepto no caso de o fundamento do pedido de escusa ser a inexistência de fundamento legal da pretensão, caso em que pode ser recusada nova nomeação para o mesmo fim”.

Ora constando daquele processo factos que configuravam esta situação a solução jurídica do caso não poderia ser diversa da definida naquela decisão.

Para que fosse instaurado recurso dessa decisão é exigência legal que ele tenha fundamento, e fundamento jurídico sério, com base na lei e não em estados de alma ou em atabalhoadas leituras dos preceitos legais.

Contrariamente ao aventado pelo autor, pela pena e com o acompanhamento da Sr.ª advogada que o patrocina o direito de acesso aos tribunais e à justiça não é um fim em si mesmo, mas um meio de alcançar a definição dos direitos de cada cidadão. Se o cidadão não tem um direito ameaçado, mesmo que beneficie de apoio judiciário e, por isso acabe por nunca pagar nada, não pode, nem deve em termos éticos, jurídicos e de cidadania fazer com que os tribunais tenham repetidamente de formular o mesmo juízo de improcedência por a pretensão carecer de qualquer fundamento legal.

A circunstância de estarem previstos na lei vários recursos, cuja regulamentação parece nem sequer se dominar bem, não atribui aos cidadãos, sobretudo quando acompanhados por advogados, especialistas do direito e conhecedores dos deveres deontológicos e de cidadania o direito de percorrer todos eles repetidamente formulando a mesma pretensão que já repetidamente foi considerada sem fundamento.

O autor propôs esta acção de indemnização para ser ressarcido dos danos que diz ter sofrido, mas não provou os danos. Invoca um acto ilícito do réu – não interposição de recurso de uma decisão – mas não indica que erro teria essa decisão para que o recurso pudesse ter sido interposto e provavelmente julgado improcedente.

As decisões judiciais não têm todas que ser objecto de recurso. O recurso é, em algumas acções uma possibilidade admitida por lei e pode vir a conduzir a uma decisão mais favorável ao recorrente que a decisão recorrida, mas, muitas das decisões judiciais nem são sequer passíveis de recurso.

Os factos provados mostram que o réu não interpôs recurso de uma decisão. Mas não interpor recurso não é um facto ilícito e por isso, desacompanhado de qualquer outro facto insusceptível de gerar responsabilidade contratual ou extracontratual. O autor não indicou qual o fundamento legal que existiria para recorrer de tal decisão, nem o tribunal pode configurar que fundamento pudesse ser. Não interpor um recurso que com toda a probabilidade seria julgado manifestamente improcedente, a menos que o autor entenda que tem direito constitucional a um erro judiciário, desde que lhe seja favorável, não é configurável como acto ilícito praticado pelo réu.

A matéria de facto ficou assente pelas instâncias e apenas sobre ela pode o Supremo Tribunal de Justiça aplicar o direito

Ilícito teria sido ter interposto um recurso cuja falta de fundamento se não ignorava em desobediência dos seus deveres estatutário do advogado.

 O art.º 90.º da Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro - ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS – indica como especial dever do advogado para com a comunidade:

 “Não advogar contra o direito, não usar de meios ou expedientes ilegais, nem promover diligências reconhecidamente dilatórias, inúteis ou prejudiciais para a correcta aplicação de lei ou a descoberta da verdade;”

O advogado tem o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, art.º 97.º da Lei n.º 145/2015, de 09 de Setembro, mas não há qualquer interesse legítimo do autor a ser defendido com a interposição do dito recurso.

O sistema judiciário não tem por função satisfazer os caprichos mais ou menos agressivos dos cidadãos, servir de entretenimento e refúgio aos desencantos ou desilusões, ou emitir pareceres teóricos sobre questões jurídicas, mas dirimir conflitos de acordo com a lei.

Na ausência de demonstração, por parte do autor de que o réu praticou qualquer acto ilícito, o recurso apresenta-se manifestamente infundado.


* * * * *

III – Deliberação


Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


*

Lisboa, 2 de Março de 2023

Ana Paula Lobo (Relatora)

Afonso Henrique Cabral Ferreira

Maria Graça Trigo