Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8/19.2YFLS
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: CHMABEL MOURISCO
Descritores: REFORMA DE ACÓRDÃO
CASO JULGADO
PRINCÍPIO DA COINCIDÊNCIA
Data do Acordão: 06/30/2020
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE CONTENCIOSO
Decisão: INDEFERIDO O PEDIDO DE REFORMA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

Tendo sido ponderados todos os elementos constantes dos autos, referidos no pedido de reforma do acórdão, não se vislumbra que tenha ocorrido qualquer lapso manifesto, na aceção do art.º 616.º, n.º 2, do CPC, que imponha a pretendida reforma do acórdão com o fundamento de que constam do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 8/19.2YFLSB

           

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:

1. AA, veio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 616.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil, e artigo l.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicáveis ex vi artigo do 73.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), requerer a reforma do Acórdão, datado de 30 de abril de 2020, proferido nos autos, que julgou improcedente a ação administrativa de impugnação, por si interposta, contra a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 29/1/2019.

Para o efeito, alegou, em síntese:

̶   Conforme decorre do caso julgado resultante do douto Acórdão de 17.05.2018, proferido no processo n.º 76/17.1YFLSB, junto aos autos, o qual declarou a caducidade do procedimento que descontou na sua antiguidade o período de 15.12.2014 a 14.05.2018, impunha que o CSM deveria ter procedido à retificação oficiosa das referidas Listas de Antiguidade e de se abster de voltar a decidir pela perda de antiguidade do A. no período de 15.12.2014 a 14.05.2018, em cumprimento de execução do julgado;

̶  No entanto assim não sucedeu, tendo, desde então, o CSM vindo de forma ad hoc a fixar a antiguidade do A., ora para efeitos do movimento judicial, ora para efeitos de concurso curricular de acesso aos Tribunais da Relação, como é o caso;

̶  Assim, tendo caducado o direito do CSM de alterar a classificação da natureza jurídica das licenças então atribuídas, não podendo retirar daí o efeito pretendido, descontar o período de tempo de 15.12.2014 a 14.05.20          18, já não o pode fazer posteriormente;

̶  Conclui que o Acórdão, cuja reforma requer, violou o caso julgado, tendo também sido violado o princípio constitucional da tutela da confiança  atenta a natureza das funções que exerceu e a atuação do CSM  que  apontava de forma clara e segura de que não haveria lugar à perda de antiguidade.

2. O recorrido respondeu, pronunciando-se pela manifesta  improcedência do pedido de reforma, que, em seu entender, visa apenas a reapreciação do objeto do recurso, o que é legal e processualmente vedado.

 Cumpre apreciar e decidir:

O art.º 616.º do Código de Processo Civil dispõe:

1 - A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3.

2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

3 - Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação.

Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta  e Pires de Sousa (Código de Processo Civil, anotado, Vol. I, 2018, Almedina, pág. 738 e 739) referem que «1. A regra sobre o esgotamento do poder jurisdicional encontra um desvio nos casos em que exista erro decisório em matéria de custas e de multa e ainda quando se verifique um lapso manifesto relativamente a algum dos aspetos referidos no n.º 2. O lapso manifesto a que se reporta o n.º 2 tem de ser evidente e incontroverso, revelado por elementos que são exteriores ao despacho, não se reconduzindo à mera discordância quanto ao decidido. 2. São considerados pertinentes para efeitos de admissibilidade da reforma (especialmente nos casos em que não é admissível recurso da decisão) os lapsos manifestos do juiz na determinação da norma aplicável ou na sua interpretação, a par das situações, seguramente patológicas também, em que tenham sido desconsiderados documentos com força probatória plena ou outros meios de prova com semelhante efeito (confissão, acordo das partes), com influência direta e causal no resultado».

Lopes do Rego (Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª edição, 2004, anotação ao art.º 669.º, equivalente, com alterações, ao atual 616.º) esclarece:

«I – O n.º 2 amplia o âmbito da reforma da sentença, possibilitando-a mesmo que não vise alterar o decidido quanto a  custas e multa, mas eventualmente a própria decisão de mérito, viciada por manifesto e inquestionável erro de julgamento.

II – De salientar que o Ant. 1993 já havia sentido a necessidade de introduzir alguma limitação no império absoluto do princípio do “esgotamento do poder jurisdicional”, consequente à prolação da decisão, estabelecendo no n.º 2 do art.º 523.º:

“Sendo a decisão proferida por juiz singular, pode ainda qualquer das partes requerer a reforma da sentença, no caso de omissão, por lapso manifesto, de qualquer elemento de facto ou de direito relevante para a decisão”.

O n.º 2 deste art.º 669.º procura especificar, com maior precisão, os poderes de alteração do decidido – e, que, desde logo, podem fundar-se, não propriamente numa “omissão”, mas num ativo erro de julgamento.

Na alínea a) aparece previsto o erro manifesto de julgamento de questões de direito – que pressupõe obviamente, para além do seu caráter evidente, patente e virtualmente incontrovertível, que o juiz se não haja expressamente pronunciado sobre a questão a dirimir, analisando e fundamentando a (errónea) solução jurídica que acabou por adotar (v.g. aplicou-se a norma inquestionável e expressamente revogada, por o julgado se não haver apercebido atempadamente da revogação).

Na alínea b) aparece essencialmente previsto o erro manifesto da apreciação das provas, traduzido no esquecimento de um elemento que, só por si, implicava decisão diversa da proferida (v.g. o juiz omitiu a consideração de um documento, constante dos autos e ditado de força probatória plena, que só por si era bastante para deitar por terra a decisão proferida).

III – O regime estabelecido neste preceito tem especial sentido e utilidade nos casos em que a decisão proferida – e inquinada por erro manifesto de julgamento – não admite recurso ordinário – permitindo, através da alteração do decidido com base em manifesto lapso do julgador, a realização da justiça material (embora com sacrifício do princípio da imutabilidade das decisões judiciais).»

No caso concreto dos autos, o Acórdão, cuja reforma se requer, considerou o Acórdão do STJ, de 17.05.2018, proferido na ação de impugnação nº 76/17.1YFLSB, cuja decisão transitou em julgado em 1 de junho de 2018.

Na verdade, foram transcritos os factos essenciais ponderados no referido processo para que se pudesse apreciar e decidir a exceção do caso julgado, suscitada pelo recorrente, o que foi efetuado nos seguintes termos:

«O recorrente sustenta que se verifica a violação do caso julgado, porque no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/05/2018, proferido no recurso contencioso n.º 76/17.1YFLSB, foi decidido a caducidade do procedimento que visava descontar a antiguidade do requerente no período de tempo em causa, tendo sido anulada a deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 6/6/2017 que descontou na sua antiguidade o período entre 12/12/2014 e 14/5/2018, tendo ainda o referido aresto se pronunciado sobre a questão da antiguidade propriamente dita, referindo, designadamente, que o disposto no art.º 74.º, alínea a), do Estatuto dos Magistrados Judiciais deve ser interpretado de acordo com o disposto nos artigos 280.º e 283.º da Lei n.º 35/2014, de 20/6/2014, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

O Conselho Superior da Magistratura respondeu que a decisão agora impugnada em nada desrespeita a força de caso julgado do referido acórdão, não se logrando retirar do mesmo qualquer determinação ao sentido da necessária fixação de antiguidade do recorrente, para efeitos do 8.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação.

No recurso contencioso n.º 76/17.1YFLSB, em que foi proferido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/5/18, o recorrente impugnou a deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 6/6/17, na qual se concluiu que iria ser descontada na sua antiguidade o período que mediou entre 15/12/2014 e 14/5/2018.

O referido acórdão julgou procedente o recurso interposto, declarando a anulação da aludida deliberação com fundamento na caducidade do procedimento administrativo.

Face a esta decisão foram consideradas prejudicadas as demais questões suscitadas pelo recorrente.

No caso em apreço, o recorrente impugnou a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 29 de janeiro de 2019, no âmbito do processo administrativo n.º 2018…., que visava a fixação da antiguidade do recorrente para efeitos de admissão à segunda fase do 8.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação.

O caso julgado que se gerou pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/5/18, proferido no âmbito do recurso contencioso n.º 76/17.1YFLSB, cinge-se à questão que ali foi apreciada e decidida, e que consistiu na declaração de anulação do procedimento administrativo referente à impugnação da deliberação do Conselho Superior da Magistratura de 6/6/17, na qual se concluiu que iria ser descontada na sua antiguidade o período que mediou entre 15/12/2014 e 14/5/2018.

Face a este quadro, não se vislumbra que a referida deliberação tenha de alguma forma contrariado o citado acórdão do STJ.»

Por outro lado, também foram apreciados todos os elementos juntos aos autos, tais como o conjunto das deliberações do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, com vista a apreciar se ocorreu a violação do princípio da confiança, tendo-se concluído que o Conselho Superior da Magistratura ao deferir o pedido subsidiário formulado pelo recorrente de licença sem remuneração genérica, não tendo emitido qualquer deliberação a fixar a antiguidade do recorrente, o que só fez em 29/1/2019, para efeitos de admissão à segunda fase do 8.º Concurso Curricular de Acesso aos Tribunais da Relação, não violou o princípio da boa-fé na sua vertente da tutela da confiança, pois não foram criadas ao recorrente quaisquer expetativas quanto à fixação da antiguidade, não sendo assim de aplicar o disposto no invocado art.º 163.º do Código de Procedimento Administrativo.

Tendo sido ponderados todos os referidos elementos não se vislumbra que tenha ocorrido qualquer lapso manifesto, na aceção do art.º 616.º, n.º 2, do CPC, que imponha a pretendida reforma do acórdão com o fundamento de que constam do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

Pelo exposto, acorda-se em indeferir a reforma do Acórdão.

Custas a cargo do recorrente.

Lisboa, 30 de junho de 2020.

Joaquim Mourisco (relator)

Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que os Exmos. Juízes Conselheiros adjuntos Helena Isabel Moniz, Graça Amaral, Oliveira Abreu e Maria da Graça Trigo votaram em conformidade.

Os Exmos. Juízes Conselheiros adjuntos Pedro de Lima Gonçalves e Manuel Augusto de Matos votaram em conformidade juntando declaração de voto.

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Declaração de voto:

Votei o Acórdão, sem prejuízo da posição assumida no Acórdão objecto de reclamação.

Pedro de Lima Gonçalves

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Declaração de voto:

Voto a decisão, sem prejuízo da declaração de voto que formulei no acórdão cuja reforma é agora peticionada.

Manuel Augusto Matos