Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B4168
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REQUISITOS
REVISÃO DE MÉRITO
REVISÃO FORMAL
TRÂNSITO EM JULGADO
ÓNUS DA PROVA
ORDEM PÚBLICA
Nº do Documento: SJ200602210041687
Data do Acordão: 02/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 3821/04
Data: 06/16/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - A acção com processo especial de revisão e confirmação de sentença é uma uma acção declarativa de simples apreciação em que apenas se verifica se a decisão estrangeira está em condições de produzir efeitos em Portugal, e, assim, tão-somente se averigua se se verificam, ou não, os requisitos para tanto necessários, taxativamente indicados no art.1096º, conforme art.1100º, nº1º, 1ª parte, CPC.

II - Fundado no princípio da estabilidade das relações jurídicas internacionais, está instituído no nosso País sistema de simples revisão formal das sentenças estrangeiras, de que a fundamentação da sentença revidenda não constitui pressuposto, não estando abrangida em qualquer das alíneas do art.1096º CPC.

III - Nesse sistema, o princípio do reconhecimento das sentenças estrangeiras reside na aceitação da competência do tribunal de origem, pelo que, como regra, a revisão de mérito está dele excluída.

IV - Como resulta da 2ª parte do art.1101º CPC é sobre a parte requerida que recai o ónus da prova da não verificação dos requisitos da confirmação estabelecidos nas als.b) a e) do art.1096º, que a lei presume que existem.

V - Assim, o requerente está dispensado de fazer prova directa e positiva desses requisitos, posto que se, pelo exame do processo, ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, o tribunal não apurar a falta dos mesmos, presume-se que existem, não podendo o tribunal negar a confirmação quando, por falta de elementos, lhe seja impossível concluir se os requisitos dessas alíneas se verificam ou não.

VI - É, por conseguinte, à parte requerida que incumbe provar a inexistência de trânsito em julgado segundo a lei do país em que a sentença revidenda foi proferida - al.b), a incompetência do tribunal sentenciador, nos termos indicados na al.c), a litispendência - al.d), e a inobservância do princípio do contraditório e da igualdade das partes no processo que levou à decisão em causa - al. e), tendo-se esses requisitos por verificados em caso de dúvida a esse respeito

VII - A excepção de ordem pública internacional ou reserva de ordem pública prevista na al.f) do art.1096º CPC só tem cabimento quando da aplicação do direito estrangeiro cogente resulte contradição flagrante com, e atropelo grosseiro ou ofensa intolerável dos, princípios fundamentais que enformam a ordem jurídica nacional e, assim, a concepção de justiça do direito material, tal como o Estado a entende.

VIII - Só há que negar a confirmação das sentenças estrangeiras quando contiverem em si mesmas, e não nos seus fundamentos, decisões contrárias à ordem pública internacional do Estado Português - núcleo mais limitado que o correspondente à chamada ordem pública interna, por aquele historicamente definido em função das valorações económicas, sociais e políticas de que a sociedade não pode prescindir, e que opera em cada caso concreto para afastar os resultados chocantes eventualmente advenientes da aplicação da lei estrangeira.

IX - O cabimento da reserva de ordem pública só, por conseguinte, se verifica quando o resultado da aplicação do direito estrangeiro contrarie ou abale os princípios fundamentais da ordem jurídica interna, pondo em causa interesses da maior dignidade e transcendência.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :


Em 31/5/2004, a A, sociedade com sede em Israel, moveu, no Tribunal da Relação do Porto, à B - Produtos Químicos, Lda, com sede nessa cidade, acção com processo especial de revisão e confirmação de sentença proferida em 13/11/2003 no Tribunal dos Magistrados de Jaffa, em Tel-Aviv, que condenou a requerida a pagar à requerente quantia equivalente a € 345. 073, 33, acrescida de juros legais máximos desde essa data até efectivo pagamento, bem como em custas judiciais de valor correspondente a € 4.350,15 e em honorários ao mandatário da requerente nessa acção de montante correspondente a € 16.140, com iguais juros (1).

Contestando o pedido de revisão, a demandada alegou ocorrer falta dos requisitos de deferimento da pretensão deduzida exigidos nas seis alíneas - a) a f) - do art.1096º CPC.

Opôs, com efeito, em indicados termos : - haver dúvidas sobre a autenticidade do documento de que consta a sentença revidenda e sobre a inteligência da decisão ; - não ter a mesma transitado em julgado ; - a incompetência do tribunal sentenciador ; - litispendência ; - inobservância do princípio do contraditório e da igualdade das partes no processo que levou à decisão em causa ; e - contrariedade da decisão alcançada com os princípios de ordem pública ( internacional ) do Estado Português.

Houve resposta, a que se seguiram as alegações das partes e do MºPº, que se pronunciou pela inexistência de qualquer obstáculo à revisão e confirmação pedida.

Por acórdão de 16/6/2005, a Relação do Porto julgou improcedente a oposição deduzida pela re-querida, e, em consequência, concedeu a revisão e confirmação da sentença em questão.

Vem pedida revista dessa decisão ( cfr. art.1102º, nº1º, CPC ).

Em fecho da alegação respectiva, a recorrente deduz 15 conclusões. Delimitativas, em princípio, do âmbito ou objecto deste recurso ( cfr. arts.684º, nºs 2º a 4º, e 690º, nºs 1º e 3º, CPC ), resumem-se, em termos úteis(2), ao que segue (indica-se, entre parênteses a numeração original ) :

1ª ( = 4ª ) - A sentença revidenda nunca foi comunicada, nem notificada à recorrente.

2ª ( = 5ª ) - A recorrida não apresentou qualquer documento comprovativo de ter sido feita à recorrente e/ou ao seu mandatário constituído notificação da marcação da audiência de 13/11/2003, bem
como da alegada decisão então proferida.

3ª ( = 6ª ) - O documento apresentado não reúne os requisitos duma sentença.

4ª ( = 7ª ) - A decisão constante da alegada sentença conduz a um resultado manifestamente in-compatível com os princípios de ordem pública do Estado Português, o que também traduz um dos fundamentos de oposição à revisão e confirmação da sentença em causa.

5ª ( = 8ª ) - Como resulta claro da análise dos documentos apresentados, a recorrente invoca, desde o início, a incompetência internacional do tribunal sentenciador para a resolução do pleito, bem como invoca, desde sempre, a competência dos tribunais portugueses e a aplicabilidade da lei portuguesa.

5ª ( = 9ª ) - A recorrente instaurou nas Varas Cíveis do Porto, que é o tribunal português territorial e internacionalmente competente, acção pendente na 5ª Vara Cível, de que há certidão nos autos, demonstrativa da litispendência invocada na oposição.

6ª ( = 10ª ) - Os termos e fundamentos apresentados nesses autos referem-se ao incumprimento contratual motivado pela recorrida e peticiona-se ( neles ) uma indemnização de clientela e de per-das e danos no valor de € 1.890.894,41, ou seja, um valor muito superior ao alegado crédito da ora recorrida.

7ª ( = 11ª ) - Esse processo constitui, pois, uma causa prejudicial ao pedido de revisão e confirmação de sentença estrangeira, bem como, uma vez que se verifica uma identidade de partes e de pendidos, existe, no caso, a figura da litispendência invocada.

Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

A matéria de facto que o tribunal recorrido julgou provada é como segue :

( a ) - A requerente, sediada em Israel, propôs acção declarativa de condenação contra a requerida, sediada em Portugal, no Tribunal dos Magistrados de Jaffa, em Tel-Aviv, Estado de Israel, pedindo a condenação da demandada no pagamento de NIS 1.582.785,53, correspondente a € 345.073, 33, com fundamento em fornecimento titulado em facturas não pagas.

( b ) - A requerida foi citada para essa acção, em que apresentou a sua defesa e deduziu contestação/reconvenção, tendo contratado para tanto os serviços de advogado com escritório em Tel-Aviv, a que passou procuração, que foi junta aos autos, e pagou as provisões solicitadas e remeteu todos os documentos e provas, conforme instruções e solicitações dele recebidas.

( c ) - O mesmo apresentou no processo pendente no tribunal referido contestação/reconvenção certificada na Embaixada de Israel em Portugal, em termos e com os fundamentos traduzidos em língua inglesa que lhe foram enviados de Portugal, adaptados à lei israelita.

( d ) - Em 1/10/2003, estando presentes os advogados das partes, disse-se, nesse processo, em acta, terem estes, seguindo as recomendações do tribunal, feito manualmente minuta de um acordo rela-tivo a compromisso arbitral, em que a requerida, então Ré, se obrigou a entregar à requerente, então A., os elementos nela indicados - nº1. desse acordo - e a pagar custas, sob pena de a contestação ser desentranhada dos autos.

( e ) - Aprovado esse acordo pelo juiz, foi-lhe, como requerido, atribuída a validade de uma decisão, tendo então sido agendada audiência prévia para 13/11/2003, às 9 horas.

( f ) - Em acta com data de 13/11/2003, consignou-se nesse processo, perante o mesmo juiz, só estar presente o mandatário da A., com ausência do mandatário da Ré, que, na diligência que teve lugar em 1/10/2003, tinha sido notificado para comparecer nesse dia, às 9 horas ; e, depois, com referência às 14,45 horas, que até então ninguém tinha comparecido em representação da Ré.

( g ) - Tendo o advogado da A. apresentado nessa altura requerimento no sentido de que fosse pro-ferida sentença à revelia, com fundamentos constantes desse requerimento, foi proferido despacho que, na ausência do mandatário da Ré, devidamente notificado, e nos termos do mesmo requerimento, indeferiu a contestação da Ré.

( h ) - Na mesma data e processo, foi, em seguida, proferida, na ausência das partes, a decisão condenatória revidenda, fundada no indeferimento da contestação, e com base na petição, assinada pelo juiz.

( i ) - Essa decisão foi notificada ao mandatário da requerida.

( j ) - Segundo a lei processual israelita, o prazo ( regra ) para apresentação de recurso duma decisão do tribunal é de 45 dias a contar da respectiva data, e começa independentemente de a decisão ter sido proferida na presença ou na ausência das partes (desde que devidamente notificadas para estarem presentes ).

( l ) - Após a realização de uma audiência e até à data em que foi confrontada com este pedido de revisão de sentença estrangeira, a requerida nunca obteve qualquer resposta ou esclarecimento ( do seu advogado constituído ) sobre o estado e desenvolvimento do processo referido.

( m ) - Na 2ª Secção da 5ª Vara Cível do Tribunal Judicial da comarca do Porto pende acção com processo ordinário de condenação em que é A. a requerida nestes autos e Ré a neles requerente, fundada em incumprimento contratual, e em que é pedida indemnização de clientela e de perdas e danos no montante de € 1.890, 894,41.

Apreciando, então, e decidindo, sendo do CPC todas as disposições citadas ao diante sem outra indicação :

A alegação da recorrente abre assim : "O presente recurso de revista é apresentado por violação da lei substantiva, erro na interpretação, aplicação e determinação da norma aplicável, violação da lei do processo e nulidades previstas nos arts.668º e 716º".

Começa-se por notar, a um tempo, não se mostrar, afinal, arguida nenhuma dessas nulidades, e a outro, que, como observado no acórdão sob revista, se está perante uma acção declarativa de sim-ples apreciação em que apenas se verifica se a decisão estrangeira está em condições de produzir efeitos em Portugal, e, assim, tão-somente se averigua se se verificam, ou não, os requisitos para tanto necessários taxativamente indicados no art.1096º, conforme art.1100º, nº1º, 1ª parte. Ora :


Sucessivamente percorridas pela recorrente as várias alíneas do art.1096º, diga-se, a romper ainda, que nenhuma dúvida pode - seriamente, pelo menos - suscitar-se sobre a autenticidade do documento de que consta a sentença revidenda, de que se vê ter sido proferida pelo Tribunal dos Magistrados de Jaffa, Tel-Aviv, e que é sem para tal oferecer fundamento capaz que a recorrente diz que "não reúne os requisitos de uma sentença".

Sempre tal, aliás, de apreciar em face da lex fori, nada a esse respeito se adianta.

O documento aludido foi traduzido para inglês e autenticado por notário autorizado, seguindo-se tradução em vernáculo.

Como resulta da matéria de facto apurada, os fundamentos da defesa não foram apreciados por-que, notificado o advogado da ora recorrente para a audiência marcada para 13/11/2003, não compareceu, e essa falta a fez incorrer em revelia com essa consequência.

Expressamente fundada no indeferimento da contestação, e baseada na petição - esses os seus fundamentos -, nenhuma dúvida suscita também a compreensão da decisão condenatória contida na sentença revidenda : essa condenação é perfeitamente clara, sendo-o também os seus preditos fundamentos (3).

Importa, agora, recordar ainda - repisar, enfim - quanto elucidado já no acórdão impugnado, a saber, nomeadamente, o seguinte (4):

- Fundado no princípio da estabilidade das relações jurídicas internacionais, está instituído no nosso País sistema de simples revisão formal das sentenças estrangeiras, de que a fundamentação da sentença revidenda não constitui pressuposto, não estando abrangida em qualquer das alíneas do art.1096º (5) .

- Nesse sistema, o princípio do reconhecimento das sentenças estrangeiras reside na aceitação da competência do tribunal de origem, pelo que, como regra, a revisão de mérito está dele excluída.

- Como resulta da 2ª parte do art.1101º, era sobre a ora recorrente que recaía o ónus da prova da não verificação dos requisitos da confirmação estabelecidos nas als.b) a e) do art.1096º, que a lei presume que existem.

- Era, por conseguinte, à ora recorrente que incumbia provar a inexistência de trânsito em julgado segundo a lei do país em que a sentença revidenda foi proferida - al.b), a incompetência do tribunal sentenciador, nos termos indicados na al.c), a litispendência arguida - al.d), e a inobservância do princípio do contraditório e da igualdade das partes no processo que levou à decisão em causa - al. e), tendo-se esses requisitos por verificados em caso de dúvida a esse respeito (6).

- Deste jeito, o requerente está dispensado de fazer prova directa e positiva desses requisitos, posto que se, pelo exame do processo, ou por conhecimento derivado do exercício das suas funções, o tribunal não apurar a falta dos mesmos, presume-se que existem, não podendo o tribunal negar a confirmação quando, por falta de elementos, lhe seja impossível concluir se os requisitos dessas alíneas se verificam ou não. Finalmente :

- A excepção de ordem pública internacional ou reserva de ordem pública prevista na al.f) do art. 1096º só tem cabimento quando da aplicação do direito estrangeiro cogente resulte contradição flagrante com e atropelo grosseiro ou ofensa intolerável dos princípios fundamentais que enformam a ordem jurídica nacional e, assim, a concepção de justiça do direito material, tal como o Estado a entende.

- Só há que negar a confirmação das sentenças estrangeiras quando contiverem em si mesmas, e não nos seus fundamentos, decisões contrárias à ordem pública internacional do Estado Português - núcleo mais limitado que o correspondente à chamada ordem pública interna (7), por aquele historicamente definido em função das valorações económicas, sociais e políticas de que a sociedade não pode prescindir, mas operando em cada caso concreto para afastar os resultados chocantes eventualmente advenientes da aplicação da lei estrangeira.

- O cabimento daquela reserva só, por conseguinte, se verifica quando o resultado da aplicação do direito estrangeiro contrarie ou abale os princípios fundamentais da ordem jurídica interna, pondo em causa interesses da maior dignidade e transcendência, sendo, por isso, "de molde a chocar a consciência e a provocar uma exclamação "(8).

Isto estabelecido :

Como notado em ( d ) a ( f ), supra, consta da acta da diligência realizada com a presença dos advogados das partes que teve lugar em 1/10/2003 despacho que, no final, agendou audiência prévia para 13/11/2003 - despacho esse que então se declarou proferido na presença das partes, como dito, representadas pelos seus advogados.

O acórdão sob recurso julgou também provada a notificação da sentença revidenda ao advogado da ora recorrente ; e tal assim, por certo, não apenas com base nas traduções a fls.150 e 177, mas, ainda, no documento - impresso preenchido e carimbado - a fls.161 (9).

Mais se adiantou então que, como é tal que sucede no direito português, conforme art.253º, nº1º, CPC, não há razão para duvidar que também no direito israelita as notificações para audiência e da sentença final sejam feitas aos advogados, e não às partes.

Efectuada a notificação da sentença ao respectivo advogado, a parte vencida fica, segundo a lei, em condições de poder recorrer, não tendo o historial e vicissitudes da relação da ora recorrente com o mandatário forense que constituiu para a representar em Israel qualquer influência na sorte desta acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira.

Alegado pela recorrida não conhecer-se no direito israelita o instituto do trânsito em julgado, que por isso não podia ser certificado, disse-se já ser sobre a recorrente que, conforme art.1101º, 2ª parte, recaía o ónus da prova da não verificação do trânsito em julgado segundo a lei do país em que a sentença revidenda foi proferida e, assim, do fundamento de oposição à confirmação da sentença revidenda previsto na al.b) do art.1096º (10) .

Em tema de competência, a al.c) do art.1096º estabelece que para a sentença estrangeira ser confirmada é preciso que provenha de tribunal cuja competência não tenha sido provocada por fraude à lei - o que não se mostra arguido - e que não verse sobre matéria da competência exclusiva dos tribunais portugueses. Em causa, tal como deduzida, acção de dívida de fornecimentos, e irrelevante para este efeito a defesa nela apresentada, torna-se de imediato patente face ao disposto no art. 65º-A não ser esse por igual o caso (11)
.

A litispendência arguida supõe a tríplice identidade exigida no art.498º, nº1º, e não a há de pedido, nem de causa de pedir, - que a recorrente, aliás, omite na conclusão 11ª da alegação respectiva -, entre a acção em que foi proferida a sentença revidenda, fundada em contratos de compra e venda internacional e em que se reclama o competente preço e acréscimos legais, e a intentada posteriormente - cfr., a propósito, parte final da al.d) do art.1096º - em tribunal nacional, fundada em contrato de distribuição exclusiva e de comissão e em que, nomeadamente, se pede indemnização de clientela.

Nenhuma relação de prejudicialidade, por fim, existe entre a sentença a proferir nessa acção e a decisão alcançada nestes autos, em que, como observado no acórdão recorrido, a causa de pedir vem a ser a própria sentença revidenda.

É claro que a audiência agendada para 17/6/2003 aludida nos autos, "não se integra no ordena-mento jurídico português", mas sim no israelita : obviamente tendo esse tribunal aplicado, como lhe competia, a lei do processo que lhe é própria.

A recorrente contestou, fez-se representar numa primeira audiência, e o seu advogado, devidamente notificado, faltou à subsequente, fazendo-a incorrer em revelia com as consequências estabelecidas pelas próprias partes naquela primeira audiência, em acordo homologado pelo juiz.

Desmerece, por conseguinte, consideração a arguição de violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes em que a recorrente outrossim insiste.

Não se vê que, entre nós, a condenação por dívida representada em facturas relativas a fornecimentos brigue com qualquer princípio fundamental do nosso sistema jurídico ( que, pelo contrário, exigiria o seu pagamento, conforme regra pacta sunt servanda ou princípio da pontualidade no cumprimento das obrigações estabelecido no art.406º, nº1º, C.Civ.) ou que possa, seja como for, chocar seja quem for. E dos fundamentos dessa condenação se adiantou já não haver que cuidar nesta acção, dado o sistema de simples revisão formal das sentenças estrangeiras em vigor no País.

Como vem de ver-se, o decidido no acórdão em recurso não sofre censura. Daí, agora, a decisão que segue :

Nega-se a revista.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 21 de Fevereiro de 2006
Oliveira Barros, relator
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
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(1) Em NIS ( novo shekel israelita ), unidade monetária em que foram fixadas, essas quantias são de, respectivamente, 1.582.785,53, 19.953,30 e 74.019.

(2) As 3 primeiras constituem repetição de factos que, no eventualmente relevante, o acórdão recorrido deu por assentes. É de igual modo manifesta a inutilidade das 4 últimas, em relação às quais manifestamente vale a lição de Rodrigues Bastos, "Notas ao CPC", III, 299 - nota 3. ao art.690º.
(3) Fazem lembrar a antiga condenação de preceito, própria das acções sumárias e sumaríssimas ( cfr. arts.784º, nº2º, e 795º, nº1º, CPC, na redacção anterior à reforma operada em 1995/96 ).

(4) As próprias referências de doutrina e jurisprudência adiante indicadas em nota são as nele adiantadas.

(5) Ac. STJ de 14/11/91, BMJ 411/484.

(6) Alberto dos Reis, "Processos Especiais", II, 163, ARL de 14/2/75, BMJ 244/312, Ac. STJ de 19/2/81, BMJ 304/ 368, e ARE de 17/10/85, CJ, X, 4º, 300.

(7) Conforme parecer de Oliveira Ascensão publicado na CJ, X, 4º, 21-I, 23-27 e 30-1., 1º.

(8) Baptista Machado, "Lições de Direito Internacional Público", 3ª ed. (1999), 253, 263 e 267, ARC de 1/3/99, CJ, XXIV, 2º, 73,

(9) As traduções referidas destinam-se, por sua natureza, a permitir a compreensão do teor dos documentos juntos, que a recorrente afirma - ou persiste em - não alcançar ( cfr pág.6 da alegação respectiva, a fls.294 dos autos, 2º par., inciso
"cujo teor judicial não se compreende "( sic ). Diz o mesmo, sem o adjectivo, no penúltimo parágrafo dessa página.)
(10) V. Alberto dos Reis, ob. e vol.cits, 162 e 163.

(11) Só esse - e não também o art.65º - releva, como já, aliás, por último entendido antes da reforma processual de 1995/96 - cfr. ARP de 9/2/93, CJ, XVIII, 1º, 230 ( - I ) e 231. A competência exclusiva visa a protecção de determinados interesses - relevou fundamentalmente a de interesses económicos nacionais - através duma reserva de jurisdição, e, portanto, de soberania. A relevância prática da competência exclusiva dos tribunais portugueses, e, portanto, do funcionamento duma norma de retenção, traduz-se, precisamente, em que "como nessa hipótese a jurisdição portuguesa não aceita a competência de mais nenhuma jurisdição para apreciar um objecto subsumível à previsão duma das nor-mas de retenção, nenhuma decisão proferida numa jurisdição estrangeira preenche as condições para ser ou se tornar eficaz na ordem jurídica portuguesa "- Miguel Teixeira de Sousa, "A Competência Declarativa nos Tribunais Co-muns "(1994), 59.