Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S1430
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES CARDOSO
Descritores: AVENÇA
CONTRATO DE TRABALHO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
SUBSÍDIO DE FÉRIAS
SUBSÍDIO DE NATAL
SUBSÍDIO DE MATERNIDADE
JUROS DE MORA
Nº do Documento: SJ20080710014304
Data do Acordão: 07/10/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - Constitui contrato de trabalho subordinado o contrato celebrado entre uma jurista e a Direcção-Geral de Viação, que, embora designado como contrato de avença, tendo por objecto a elaboração de propostas de decisão em autos de contra-ordenação resultantes de infracções ao direito estradal, era efectuado sem qualquer autonomia técnico-jurídica ou discricionária, com sujeição a um rigoroso horário de trabalho e deveria ser cumprido nas próprias instalações daquela Direcção-Geral.
II – O Tribunal do Trabalho é o competente para conhecer desta relação laboral de direito privado - art. 85.º, n.º 1, al. b), da LOFTJ, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.
III – As obrigações de pagar a retribuição de férias, subsídios de férias, subsídios de Natal e subsídios de maternidade inserem-se num contrato com prestações de execução continuada (contrato de trabalho) e têm prazo certo (art. 3.º da LFFF, art. 2.º da Lei n.º 88/96, de 3 de Julho, e art. 13.º do DL n.º 154/88, de 29 de Abril.
IV – Assim, se não forem cumpridas no tempo devido, o devedor fica constituído em mora independentemente de interpelação, nos termos dos arts. 804.º, n.º 2, e 805.º, n.º 1, alínea a), do CC e art. 2.º do DL n.º 69/85, de 18-03, sendo devidos juros de mora desde as datas dos respectivos vencimentos.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

AA intentou a presente acção emergente de contrato de trabalho contra o Estado Português, pedindo que:
a) O contrato celebrado entre a A. e o R. seja qualificado como contrato de trabalho subordinado;
b) Seja declarada a nulidade do seu despedimento.
E, em consequência, o R. seja condenado:
a) A pagar-lhe uma indemnização de antiguidade, no montante de € 8.978,40, acrescida de juros moratórios à taxa legal contados desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento;
b) A pagar-lhe a quantia de € 997,60 referente ao valor de retribuições vencidas, acrescida de todas as vincendas até à data do trânsito em julgado da sentença, acrescida de juros à taxa legal até ao efectivo e integral pagamento;
c) A pagar-lhe a importância de € 78.404,66, a título de subsídios de Natal, subsídios de férias, indemnização por férias não gozadas e juros moratórios vencidos às taxas legais sobre estes, bem como nos juros moratórios vincendos desde a data da citação e até ao efectivo e integral pagamento;
d) A pagar-lhe a importância de € 8.208,78, a título de ressarcimento pelas duas licenças de maternidade não gozadas e respectivos juros moratórios vencidos, bem como nos vincendos desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
e) A pagar-lhe a importância de € 7.500,00, a título de indemnização por danos morais.

Alegou, em síntese, que:
1. Em 6 de Setembro de 1994, subscreveu com o R. um contrato que foi designado de "Contrato de Avença", embora o seu clausulado tenha resultado, não da negociação entre as partes, mas sim de imposição da DGV;
2. Desde o início que a prestação de trabalho se realizava obrigatoriamente nas instalações da DGV, competindo-lhe analisar os processos contra-ordenacionais no âmbito das infracções estradais e propor as respectivas decisões, mediante a utilização obrigatória do sistema informático do R. denominado " SIGA", obedecendo às ordens e instruções daquele, através de normas e directivas emanadas do mesmo, que delimitavam ao pormenor, com rigor, sem qualquer margem de autonomia, o conteúdo e forma das decisões a proferir, pelo que tem de se entender que está ligada ao R. por um contrato de trabalho subordinado;
3. Em consequência, tem direito a férias e ao respectivo subsídio, sendo certo que o R. a impediu sempre do gozo das mesmas; que tem ainda direito ao subsídio de Natal;
4. Foi privada do gozo de duas licenças de maternidade, de 120 dias consecutivos cada, pelo que lhe deve ser pago o dobro da remuneração;
5. A forma como o R. pôs termo ao vínculo laboral consubstancia um despedimento ilícito;
6. Está perante uma situação de desemprego, sem meios que lhe permitam fazer face ao sustento das suas filhas, com quem vive sozinha, o que lhe provoca uma permanente angústia e revolta, porquanto investiu quase toda a sua vida profissional ao serviço do R., tendo o seu prestígio ficado abalado junto de todos os que a rodeavam, colegas e demais funcionário da DGV.

Realizada a audiência de partes, o R. apresentou a sua contestação em que pugna pela absolvição do pedido, alegando, por excepção e por impugnação, em resumo, que:
1. O contrato celebrado entre as partes foi executado como de prestação de serviços;
2. A entender-se que, na prática, o contrato foi celebrado como contrato de trabalho subordinado, então o mesmo é nulo, já que a relação jurídica de emprego na Administração Pública apenas se pode constituir por nomeação e por contrato de pessoal e este só pode revestir as formas de contrato administrativo de provimento e de contrato de trabalho a termo certo;
3. Mesmo a entender-se que foi celebrado um contrato de trabalho a termo certo, nunca o mesmo se podia transformar em contrato de trabalho sem termo, uma vez que a lei não admite tal tipo de contratação para a Administração Pública, pelo que o mesmo seria nulo, nunca podendo assim configurar uma rescisão ilícita;
4. De qualquer forma as partes tinham consciência que celebraram um contrato de avença, não sendo razoável admitir que a A., enquanto jurista, desconhecesse a natureza daquele contrato;
5. A A. tinha poderes e autonomia para propor e proceder a uma apreciação jurídica, segundo as normas aplicáveis ao caso concreto, não havendo qualquer fiscalização por parte da DGV e que o contrato da avença só foi celebrado em virtude de à data da entrada em vigor do Código da Estrada de 94 a DGV não se encontrar apetrechada, ao nível dos recursos Humanos, para fazer face ao exercício das novas competências que lhe foram atribuídas por aquele Código.

A A. respondeu à contestação, no tocante à matéria da excepção de nulidade do contrato, concluindo pela sua improcedência.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento da causa e, decidida a matéria de facto, foi proferida sentença cuja parte decisória se transcreve:
“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente nos termos supra enunciados a presente acção que AA intentou contra (a) o Estado Português, e, em consequência, condeno:
a) O R. a pagar à A. a quantia de vinte e seis mil novecentos e trinta e cinco euros (€ 26.935,00), a título de férias, subsídio de férias e de Natal, relativos ao período em que durou a relação de trabalho, acrescid[a] de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento;
b) O R. a pagar à A. a quantia de seis mil novecentos e oitenta e três euros (€ 6.983,00), a título de duas licenças de maternidade, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.”

Inconformadas, ambas as partes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, vindo este, pelo acórdão proferido nos autos, a negar provimento ao recurso do R. e a conceder parcial provimento ao recurso da A., condenando o R. no pagamento da quantia global de € 29.665,43, a título de indemnização pelo não gozo de férias, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a data da citação até integral pagamento.

Mais uma vez inconformados, A. e R. recorreram de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.

A A. formulou, nas suas Alegações, as seguintes conclusões:
“1. Sobre as quantias referentes a remunerações não pagas (férias, subsídio de férias e natal) e sobre os montantes respeitantes ao subsídio de maternidade, cujo vencimento ocorreu em momento preciso (cfr. art. 2º, n° 1 e 6º do DL n° 874/76, de 28/12 e art. 1º e 2º do DL n° 88/96, de 03/07), a R constituiu-se em mora, independentemente de interpelação, no momento do respectivo vencimento, sendo devidos juros moratórios desde aquelas datas até efectivo e integral pagamento (cfr. art. 805° e 806° do C.Civil).
2. Por tal razão a ora recorrente liquidou e peticionou, desde logo e relativamente àqueles valores (cfr. art. 34° da P.I. e alíneas e. e f. do pedido) os juros moratórios vencidos: o valor de € 78.404,66 peticionado na alínea e., corresponde ao somatório das quantias especificadas no art. 34° da P.I., onde se computam juros moratórios vencidos no valor global de € 19.999,72; o valor de € 8.208,78 peticionado na alínea f., corresponde ao somatório das quantias especificadas em 44° e 55° da P.I., computando-se os juros moratórios vencidos na quantia de € 227,98.
3. A Autora peticionou juros moratórios vencidos no valor global de € 20.227,70 (vinte mil duzentos e vinte e sete euros e setenta cêntimos), tendo especificado no seu articulado o respectivo cômputo.
4. Sobre as quantias referentes a remunerações não pagas (férias, subsídio de férias e natal) e sobre os montantes respeitantes ao subsídio de maternidade, cujo vencimento ocorreu em momento preciso (cfr. art. 2º, n° 1 e 6º do DL n° 874/76, de 28/12 e art. 1º e 2º do DL n° 88/96, de 03/07), a R constituiu-se em mora, independentemente de interpelação, no momento do respectivo vencimento, sendo devidos juros moratórios desde aquelas datas até efectivo e integral pagamento (cfr. art. 805° e 806° do C.Civil).
5. Por tal razão a ora recorrente liquidou e peticionou, desde logo e relativamente àqueles valores (cfr. art. 34° da P.I. e alíneas e. e f. do pedido) os juros moratórios vencidos: o valor de € 78.404,66 peticionado na alínea e., corresponde ao somatório das quantias especificadas no art. 34° da P.I., onde se computam juros moratórios vencidos no valor global de € 19.999,72; o valor de € 8.208,78 peticionado na alínea f., corresponde ao somatório das quantias especificadas em 44° e 55° da P.I., computando-se os juros moratórios vencidos na quantia de € 227,98.
6. Ao decidir pela condenação da R. no pagamento à A de juros moratórios contados apenas desde a data da citação, o douto Acórdão faz errada aplicação do direito, por violação dos preceitos legais supra citados
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido e condenando-se a ré a pagar à autora a quantia de € 20. 227,70 a título de juros de mora vencidos, contados, desde a data do respectivo vencimento, sobre os montantes devidos a título de férias, subsídio de férias e de natal e licenças de maternidade, com o que farão V. Exas. Justiça”.

O R., por seu turno, terminou as suas Alegações com as seguintes conclusões:
“A - A Autora, advogada de profissão, celebrou com a DGV um contrato de prestação de serviços, obrigando-se a proporcionar ao Estado o resultado do seu trabalho de consultoria e formulação de pareceres nos processos de contra-ordenação no âmbito de aplicação do Código da Estrada.
B - Aliás, tal contrato foi outorgado na mesma data em que mais 111 juristas firmaram com a DGV outros tantos contratos da mesma natureza.
C - Esses contratos de prestação de serviços foram celebrados entre o Réu e esses 112 juristas, designadamente a Autora, devido à entrada em vigor do novo Código da Estrada e subsequente transferência de competências, no âmbito de contra-ordenações, dos tribunais judiciais para a DGV, a qual não dispunha de recursos humanos para cumprir tais tarefas.
D - Findo o contrato, a Autora intentou no Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção contra o Estado Português, invocando a existência desse contrato de avença mas concluindo que o mesmo era, afinal, um contrato de trabalho subordinado sem termo.
E - Na 1ª instância foi declarada a existência de um contrato de trabalho subordinado, e julgando-se a acção parcialmente procedente, condenado Estado no pagamento de um montante, a título de férias, subsídio de férias e de Natal e duas licenças de maternidade.
F - Essa decisão foi alterada pelo douto Acórdão ora impugnado que deu provimento à apelação da Autora, condenando o Réu também ao pagamento da quantia global de € 29.665,43, a título de indemnização pelo não gozo de férias.
G - E se pronunciou pela competência do TT, ao arrepio de anterior jurisprudência sobre idêntica matéria, designadamente, o Ac. desta Relação de 2001.07.12, Proc. 6744/01, o Ac. do TC de 28.3.2001 e o Ac. do T. de Conflitos, de 11.7.2000.
H - Ora, da matéria de facto consta provado que, na mesma data, o Estado firmou idêntico contrato com mais 111 juristas e que tal ocorreu devido à entrada em vigor do Código da Estrada de 1994 e do novo regime sancionatório por ele instituído, já que a DGV não estava apetrechada, do ponto de vista dos recursos humanos, para o exercício das novas competências que a lei lhe atribuía.
I - E que, tanto o contrato da Autora como os dos restantes 111 juristas correspondiam, quanto ao seu clausulado e condições de execução, exactamente, ao nome que lhes foi dado pelas partes: contrato de avença (ou contrato de prestação de serviços em regime de avença).
J - Obrigando-se a Autora (tal como os restantes advogados) a proporcionar ao Réu o resultado do seu trabalho de consultoria e a formulação de pareceres jurídicos, nos processos contra-ordenacionais, no âmbito de aplicação do Código da Estrada (vd. ponto 1 dos factos provados).
L - Gozando a Autora de total autonomia de procedimentos (o dito programa SIGA é um mero auxiliar informático para facilitar o processamento aos juristas avençados), bem como de liberdade de escolha de horários de trabalho e de presença ou não nas instalações da DGV, sem estar sujeita ao exercício de qualquer poder disciplinar, por parte do Réu.
M - Sem que existisse, enfim, qualquer subordinação jurídica da Autora em relação ao Réu.
N - A Autora (como os restantes 111 juristas avençados pela DGV) era inteiramente responsável pela organização da actividade que desenvolvia por forma à obtenção dos resultados a que se havia comprometido com a assinatura do contrato de avença.
O - Cujo conteúdo, efeitos e consequências não poderia deixar de conhecer, sobretudo pela sua formação académica e actividade profissional.
P - E nem poderia aceitar-se, até por total falta de razoabilidade que o Estado, devido ao súbito e transitório aumento de serviço na DGV, tivesse celebrado com esses 112 juristas outros tantos contratos de trabalho sem termo, como é pretensão da Autora.
Q - O que, para além de inconstitucional (cf. Ac. do TC 12/99, de 12.1) violaria manifestamente legislação ordinária em vigor, designadamente ao DL 427/89, de 7.12.
R - Pelo que a acção deveria ter sido julgada totalmente improcedente, e, designadamente no que concerne aos pedidos relativos a férias, subsídios de férias e de Natal, bem como ao montante de € 29.665,43 que o Estado foi condenado a pagar à Autora, a título de indemnização pelo não gozo de férias.
S - Diga-se, aliás que, ao que parece, nem a própria Autora estará muito convencida da natureza e durabilidade da relação de trabalho que invoca na petição inicial, já que, se assim fosse, não teria instaurado, pelo mesmo motivo, a acção 4/03 no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa.
T - De qualquer modo, as conclusões do aresto do Tribunal de Conflitos têm inteira aplicação no presente caso - tal como também foi entendido [no] Acórdão proferido no supra mencionado Proc. 6744/01 - pelo que, como aí é referido, qualquer que seja o critério classificativo que se adopte, para conhecer das acções que emergem de relações de trabalho como a dos presentes autos, não é competente o Tribunal de Trabalho.
U - Ao decidir que a relação jurídica entre a Autora e o Réu configurava um contrato de trabalho subordinado de natureza privada, o douto Acórdão recorrido fez incorrecta interpretação e aplicação da lei e violou, designadamente, o art. 1º da LCT, o DL 427/89, de 7.12, bem como os arts 1º, 3º, 9º e 51° do ETAF,(DL 129/84, de 27.4), devendo ser revogado e substituído por outro que declare o Tribunal de Trabalho incompetente, em razão da matéria, para conhecer da presente acção, ou, caso assim se não entenda, que declare que a relação de trabalho que existiu entre a Autora e o Réu tem a natureza de um contrato de prestação de serviços, em regime de avença, com as legais consequências”.
Colhidos os “vistos” legais, cumpre decidir:

II. Fundamentação de facto

O acórdão recorrido considerou assente a seguinte factualidade:
1. Em 06/09/94, a A. celebrou com a Direcção-Geral de Viação (DGV) um contrato que as partes denominaram de "Avença", através do qual a A. se obrigava a proporcionar àquele organismo "...o resultado do seu trabalho de consultoria e de formulação de pareceres nos processos de contra-ordenação do âmbito de aplicação do Código da Estrada'", competindo-lhe"... designadamente, a obrigação de analisar os processos contra-ordenacionais, bem como propor a respectiva decisão", recebendo "...como contrapartida dos serviços prestados (...) a quantia mensal de 200.000$00. ", conforme as cláusulas 1ª, 3ª e 7ª do contrato junto por cópia a fls. 37 e 38, assinado com outra jurista mas idêntico ao assinado pela A.
2. A contratação da A. surgiu na sequência da entrada em vigor do Código da Estrada de 1994 e do novo regime sancionatório por este instituído e foi acompanhada da contratação, nos mesmos termos, de outros 111 juristas para o desempenho das mesmas funções nas diversas Direcções/Delegações Distritais de Viação.
3. Quer a denominação do contrato referido em 1., como o seu conteúdo e condições, não resultaram de qualquer processo negocial entre as partes outorgantes;
4.... antes se tratou de um contrato tipo assinado, na época, pela totalidade dos 112 juristas.
5. A vigência do contrato assinado pela A. (e demais juristas) iniciou-se em 02/11/94, com o visto do Tribunal de Contas;
6. ... e prolongou-se, ininterruptamente, até 21 de Outubro de 2003, data em que foi afixado nas instalações da DGV, sitas na R. Domingos Monteiro, n.° 7, em Lisboa, o "Aviso" junto por cópia a fls. 39, assinado pelo Director Regional de Viação Lisboa e Vale do Tejo, com o seguinte teor: "Informam-se os Srs. Juristas abaixo indicados que, por terem cessado o contrato de avença, no cumprimento da determinação do Tribunal, a partir do próximo dia 21 de Outubro de 2003 (terça-feira) não serão distribuídos novos processos:
(...)
Paula .....
(...).
A Direcção Geral de Viação desenvolverá, nos termos da Lei, os procedimentos recomendáveis para que, num futuro próximo, possam vir a ser supridas as actuais impossibilidades legais da celebração de novos contratos.
Solicita-se que a partir da data referida em epígrafe deixem de frequentar as instalações da Direcção Geral de Viação, enquanto juristas com contrato de avença ".
7. A prestação da A. para com o R. realizou-se nas instalações da DGV, inicialmente na R. Câmara Pestana, n.° 42 e, posteriormente, na R. Domingos Monteiro, n.° 7, em Lisboa.
8. A A. comparecia diariamente nas instalações antes referidas, no horário de funcionamento administrativo da DGV, entre as 8.00 e as 20.00 horas, e embora não tivesse um horário fixo, aí permanecia o período de tempo necessário para analisar e apresentar propostas nos processos contra-ordenacionais que diariamente lhe eram distribuídos.
9. Ao chegar às instalações da DGV, eram-lhe entregues o maço de processos que o sistema informático lhe havia distribuído para o dia, encimado por uma folha com o seu nome, o número de cada um dos processos, a identificação dos arguidos e infracção praticada (conforme documentos juntos por cópia a fls. 40 a 45), folha que a A. deveria rubricar e devolver à funcionária da DGV, sendo-lhe igualmente entregue uma caixa/arquivo com o nome e número da A., contendo os autos dos dias anteriores que não tinham sido ainda terminados, os já terminados mas devolvidos para correcção de pormenores ou alteração da proposta de decisão, os pendentes por razões diversas, nomeadamente a aguardar resposta a diligências solicitadas, instruções de serviço e quaisquer outras informações, directivas, etc., que a entidade patronal entendia pertinentes.
10. A A. dirigia-se então a um terminal de computador autorizada pelo sistema informático denominado "SIGA" (Sistema de Informação e Gestão de Autos), que gere automaticamente todo o processamento dos autos de contra-ordenação estradal desde o seu registo inicial até à sua finalização, aí procedendo ao tratamento dos processos através do preenchimento dos correspondentes espaços (campos) vazios nos modelos pré-definidos apresentados pelo sistema, seguindo instruções constantes, designadamente, de um "Manual do Utilizador" e de uma "Lista de Códigos do SIGA".
11. No final de cada dia, a A. tinha de entregar à funcionária da DGV a sua caixa/arquivo e os processos que lhe tinham sido distribuídos nesse dia devidamente tramitados ou, em caso de não ter despachado todos, colocar os pendentes na referida caixa/arquivo.
12. Era proibido pela DGV retirar quaisquer autos das instalações, bem como guardar autos nas gavetas das secretárias ou deixá-los em cima da secretária para o dia seguinte.
13. Para acesso ao programa informático "SIGA", a A. era possuidora de um "username" e de uma "password", pessoais e intransmissíveis, fornecidos pela DGV.
14. A DGV emitiu os ofícios, ordens de serviço, circulares, avisos/circulares e despachos juntos por cópia a fls. 50 a 190, cujo teor se dá por reproduzido.
15. Em 10 de Janeiro de 2003, por despacho do Exm° Director Geral de Viação consubstanciado na ordem de serviço n.° 1/2003, foram "aprovados os procedimentos constantes do designado "Manual de Procedimentos de Contra-Ordenações Rodoviárias", que se encontra dividido em três tomos e três apêndices", sendo o Tomo III referente ao "Procedimento Jurídico" e a que respeitam os documentos juntos por cópia a fls. 191a 200.
16. O referido "Manual de Procedimentos de Contra-Ordenações Rodoviárias" era de aplicação obrigatória para a A. e demais juristas contratados pelo R.
17. O referido Manual estipulava que "após análise do auto de contra-ordenação e de todos os elementos e documentos que constem do processo, o jurista socorrer-se-á do SIGA para elaborar a proposta de decisão, seleccionando o modelo de decisão que se lhe afigurar mais adequado ao caso em apreço.".
18. A A. não tinha autonomia em termos de sustentação das propostas de decisão por si elaboradas, encontrando-se vinculada às determinações dos seus superiores hierárquicos em sede de alterações a introduzir nas propostas.
19.... chegando tais determinações a ser transmitidas à A. (e demais juristas) por meros funcionários administrativos da DGV, através de post-it’s colados nas capas dos processos.
20. Relativamente a cada um dos 30 processos que lhe eram distribuídos diariamente, a A. digitava, perante cada auto e nos campos respectivos constantes do programa SIGA, o código do auto, o tipo de entidade autuante, o nome do infractor e respectiva identificação (B. I, número de contribuinte, etc.), número da carta de condução, morada data da infracção, tipo de veículo, descrição da infracção pelo autuante, norma e diploma legal infringidos, valor mínimo e máximo da coima e norma e diploma legal sancionatórios.
21. A A. procedia ainda a notificações, pedidos de diligências e informações e devoluções, no âmbito da tramitação dos processos de contra-ordenação.
22. O quantitativo paga pelo R. à A. (Esc. 200.000$00/€ 997,60) não sofreu alterações durante todo o período de vigência do contrato.
23. A Chefia de Divisão de Contra-Ordenações da Delegação Distrital de Viação de Lisboa controlava a quantidade de processos despachados diariamente pelos juristas, entre os quais a A.;
24.... bem como verificava se as decisões eram elaboradas de acordo com o que era determinado pela DGV, chamando a atenção, verbalmente ou por escrito, sempre que fosse necessário corrigir e alterar a solução proposta pelo jurista.
25. A A. e demais juristas contratados pelo R. tinham que preencher mapas mensais, com a indicação da actividade desenvolvida, como os juntos por cópia a fls. 231 a 235.
26. Durante o período de tempo em que se manteve a relação entre A. e R., a A. nunca gozou férias, nem recebeu subsídios de férias e de Natal.
27. A A. tem duas filhas, nascidas em, respectivamente, 17 de Novembro de 1996 e 11 de Abril de 2003.
28. A A. solicitou junto da Chefe da 2.ª Divisão de Contra-Ordenações da Delegação Distrital de Viação de Lisboa o gozo de férias e licenças de maternidade, o qual lhe foi indeferido.
29. Aquando do nascimento da 2.ª filha, a A. requereu, por escrito, que lhe fosse concedido o gozo de licença de maternidade, nos termos do documento junto por cópia a fls. 244 a 246;
30. Tal pedido foi-lhe indeferido, nos termos constantes da comunicação junta por cópia a fls. 243.
31. No dia 20.10.2003, a A. tomou conhecimento, através da respectiva Chefe de Divisão de Contra-Ordenações da Delegação Distrital de Viação de Lisboa, de que iria ser afixado o "Aviso" referido em 6., bem como do teor do mesmo.
32. No dia seguinte, quando se apresentou nas instalações da DGV, deparou com o referido "Aviso" afixado numa vitrina das instalações da DGV, à Rua Domingos Monteiro, em Lisboa;
33.... tendo sido impedida de entrar pelo segurança habitualmente de serviço à entrada das instalações.
34. A A., quer em 21.10.2003, como hoje, vive sozinha com duas filhas (de 8 e 2 anos de idade) a cargo.
35. Os únicos rendimentos da A. resultavam dos quantitativos que lhe eram pagos pelo R.
36. 0 marido da A., de quem se encontra separada de facto, contribuía com € 150,00 mensais para o sustento das filhas.
37. A A. confiou que seria integrada nos quadros da DGV.
38. Aquando dos factos referido em 32. e 33., a A. ficou revoltada, angustiada e apreensiva quanto ao futuro imediato.
39. A A. suportava o pagamento de despesas fixas na ordem dos € 800,00 mensais.
40. Após os factos referidos em 32. e 33., a A. sentiu dificuldades económicas.
41. A A. é considerada pelos seus colegas uma boa profissional.
42. A A. poderia não comparecer nas instalações da DGV, desde que avisasse com 48 horas de antecedência e fosse acordado que não se tornava necessário fazê-lo.
43. Mesmo que a A. não comparecesse, o sistema continuava a distribuir-lhe 30 processos por dia.
44. Quando os juristas contratados pelo R. e colocados na DGV em moldes semelhantes aos da A. necessitassem de se ausentar por períodos longos, por exemplo, por motivo de doença, o R. suspendia-lhes o contrato.
45. Posteriormente à cessação do contrato com o R., a A. celebrou um contrato de prestação de serviços com a Câmara Municipal de Lisboa, em virtude do qual vem auferindo rendimentos em montante concretamente não apurado.

III. Fundamentação de Direito

Comecemos pelo recurso do R..
A questão fundamental a resolver é a de saber se o vínculo jurídico que ligou a A. e o R. se caracteriza como um contrato de prestação de serviços, na modalidade de contrato de avença, conforme a designação que foi adoptada pelas partes no documento contratual, ou constitui antes um contrato de trabalho subordinado de direito privado.
Esta problemática já foi apreciada e decidida nos acórdãos deste Supremo Tribunal, de 12-12-2001 - Recurso n.º 2462/01, de 12-12-2001 - Recurso n.º 1598/01, de 07-10-2003 - Recurso n.º 2651/03, de 15-02-2005 - Recurso n.º 3583/04 e de 10-03-2005 - Recurso n.º 3953/04, todos da 4.ª Secção, perante matéria de facto em tudo idêntica à apurada no presente processo, pois que em todos se tratava igualmente de contratos celebrados entre a DGV e outros juristas dos 111 referidos no ponto 2. da matéria fáctica acima arrolada.
Em todos os referidos acórdãos foi entendido que integra relação jurídica de trabalho subordinado, e não relação jurídica de prestação de serviços, na modalidade de contrato de avença, a constituída entre os apontados juristas e o Estado (Direcção-Geral de Viação), em idênticas circunstâncias de facto.
Escreveu-se, a este propósito, no mencionado acórdão deste Supremo Tribunal, 15 de Fevereiro de 2005 (publicado em www.dgsi.pt, Processo 04S3583):
“O contrato de avença encontra-se definido no artigo 17º do Decreto-Lei n.º 41/84, de 3 de Fevereiro (e, nos mesmos termos, no artigo 7º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 409/91, de 17 de Outubro), como aquele que "tem por objecto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal (...)", o que já sugere fortemente que o prestador de serviços exerce a sua actividade como um profissional livre, e, por isso, com total independência e autonomia técnica, não sendo o facto de o cliente avençado ser uma entidade pública que altera o carácter da profissão liberal exercida, ou confere ao profissional a qualidade de agente administrativo (Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, I vol., 10ª edição, Coimbra, págs. 585-586).
Por outro lado, o que avulta no enunciado definitório do contrato de prestação de serviços, que consta do artigo 1154º do Código Civil (e de que a avença é uma das suas modalidades), é a referência do objecto do contrato ao resultado do trabalho, por contraposição à actividade subordinada que caracteriza o contrato de trabalho.
A colocação do acento tónico no resultado do trabalho implica - tal como ensina Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 11ª edição, Coimbra, pág. 139) - que "o processo conducente à produção do resultado, a organização dos meios necessários e, desde logo, a ordenação da actividade (trabalho) que o condiciona, estão, em princípio, fora do contrato, não são vinculados - mas antes determinados pelo próprio fornecedor do mesmo trabalho", o que significa que o beneficiário final apenas controla o produto, e não a actividade de execução, que é autónoma.
Por outro lado, como se depreende do disposto no artigo 1º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), e igualmente resulta do artigo 10º do novo Código do Trabalho, a subordinação jurídica dimana do facto de o trabalhador se encontrar submetido à autoridade e direcção do empregador. No entanto, a subordinação é um conceito-tipo que se determina por um conjunto de características (idem, pág. 142), de tal modo que ela é configurável, perante uma situação concreta, não através de um juízo subsuntivo ou de correspondência unívoca, mas mediante um mero juízo de aproximação, a partir da recolha e identificação de vários indícios externos (neste sentido, também, entre muitos, os acórdãos 22 de Fevereiro e de 26 de Setembro de 2001, nos Processos n.ºs 3109/00 e 1809/01).
No elenco dos indícios de subordinação é geralmente dado importante relevo ao "momento organizatório" da subordinação, ou seja, às condições em que se encontra organizada a actividade laboral no âmbito do contrato: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo da prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição e à propriedade dos instrumentos de trabalho. E são, por fim, referidos indícios de carácter formal, tal como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por conta de outrem (idem, pág. 143).
Todavia, cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de um certo grau de relatividade. O juízo de aproximação ou semelhança terá de ser formulado no contexto geral, a partir de uma maior ou menor correspondência com o conceito-tipo, podendo suceder que cada um dos referidos índices assumam um sentido significante muito diverso de caso para caso (idem, pág. 144).
4. No caso vertente, o juízo de globalidade inclina-se indiscutivelmente para a qualificação do contrato em causa como contrato de trabalho, sobretudo em função dos elementos factuais que enquadram o modo de organização da actividade profissional.
Assim, quanto ao local de prestação de trabalho: o autor executava o seu trabalho em instalações do réu, concretamente nas instalações da Delegação Distrital de Lisboa da Direcção-Geral de Viação (n.º 4 da matéria de facto); quanto ao horário de trabalho: o autor comparecia diariamente nas instalações da Direcção-Geral, no horário de funcionamento administrativo, de segunda a sábado, e mais tarde de segunda a sexta-feira, entre as 8h e as 20h (n.º 4 da matéria de facto); quanto à natureza e modo de prestação do trabalho: o trabalho consistia na elaboração de propostas de decisão nos autos de contra-ordenação resultantes de infracções ao direito estrada, utilizando o autor, para o efeito, o sistema informático de processamento de contra-ordenações que era constituído por "modelos de proposta de decisão" pré-elaborados (nºs 5, 6, 11 e 13 da matéria de facto); o autor limitava-se a introduzir nos campos em branco os elementos de identificação do arguido e os respeitantes à infracção, sua descrição e disposições legais aplicáveis (n.º 13 da matéria de facto); o autor elaborava as propostas de decisão mediante orientações, instruções e ordens precisas do réu directamente emanadas dos responsáveis hierárquicos (n.ºs 14 a 20 e 30 a 40 da matéria de facto); o trabalho do autor era sujeito a fiscalização, sendo que tal fiscalização era levada a cabo, designadamente, por juristas do quadro que anotavam falhas, lapsos ou erros técnicos eventualmente cometidos pelo autor (n.ºs 21, 43 e 44 da matéria de facto); quanto à remuneração: o trabalho era remunerado através do pagamento de 200.000$00 mensais ilíquidos, doze vezes por ano (n.º 28 da matéria de facto).
Resulta com toda a evidência dos factos assentes que o autor não tinha qualquer autonomia técnico-jurídica ou discricionária, não lhe sendo permitido interpretar disposições legais e aplicar a medida da coima e sanção que entendesse adequadas, para além de que se encontrava sujeito a um rigoroso horário de trabalho, que deveria ser cumprido nas próprias instalações da Direcção-geral de Viação. É assim claro, como se concluiu no aludido acórdão de 12 de Dezembro de 2001, relativamente a um caso em tudo similar, que o autor não actuava como profissional liberal, mas antes como um trabalhador subordinado.
São insuficientes para alterar esta conclusão as circunstâncias de o contrato ter sido denominado como contrato de avença, de o autor não ter recebido os subsídios de férias e de Natal, de passar "recibos verdes" como quitação do pagamento das respectivas remunerações, e de o valor dessas retribuições se encontrar sujeito a IVA (n.ºs 1, 2, 25 a 27 da matéria de facto).
Em face dos elementos materiais fortemente indiciários de que o contrato existente entre as partes foi executado como um verdadeiro contrato de trabalho, a subsistência de certos requisitos formais mais consentâneos com a originária qualificação do contrato destina-se apenas, como tudo indica, a manter a aparência de um contrato de avença, assegurando simultaneamente, para o Estado, uma posição contratual menos gravosa. E constituiria um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, que o incumprimento pelo contraente público dos deveres inerentes à efectiva natureza jurídica da relação contratual viesse a relevar para efeito de atribuir ao contrato uma qualificação diversa daquela que lhe é própria segundo os critérios materiais de classificação”.
Sendo a matéria de facto, no caso em apreço, em tudo idêntica à apreciada no acórdão acabado de transcrever e não sendo invocadas outros argumentos, para além dos aí analisados, não se verificam razões que imponham solução diferente.
Bem andou, pois, o acórdão recorrido ao considerar que, no caso em apreço, o litígio não emergia de uma relação de emprego público, mas antes de uma relação laboral de direito privado para conhecimento da qual é competente o Tribunal de Trabalho.

Recurso da A.:

Este recurso foi expressamente circunscrito, nos termos das conclusões da Alegação da Recorrente, à decisão proferida sobre a condenação do R. no pagamento de juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias referentes a remunerações não pagas (férias, subsídio de férias e de Natal) e sobre os montantes respeitantes ao subsídio de maternidade, apenas desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
Entende a recorrente que tais juros são devidos desde a data do respectivo vencimento, por virtude de este ter ocorrido em momento preciso.

No acórdão recorrido referiu-se, no tocante a esta matéria:
“Pretende finalmente a recorrente que sobre as quantias referentes a remunerações não pagas (férias, subsídio de férias e de Natal) e sobre os montantes respeitantes ao subsídio de maternidade, cujo vencimento ocorreu em momento certo, o Réu constituiu-se em mora, independentemente de interpelação, no momento do respectivo vencimento. Mas - adiante-se já - não lhe assiste razão.
Com efeito, como se alcança da petição inicial, a Autora formula o pedido de juros de mora sobre aquelas remunerações e subsídio apenas a partir da data da citação, pelo que está vedado ao tribunal condenar em quantidade superior ao peticionado ( cfr. art. 661, n° 1 do CPC ), improcedendo o recurso, nesta parte."

Inconformada, a Recorrente solicitou, ainda na Relação, que esta parte do acórdão fosse aclarada, alegando que a afirmação feita, no sentido de que, na petição, a Autora formulara o pedido de juros de mora apenas a partir da citação, não correspondia à realidade, uma vez que, na petição inicial, pedira efectivamente juros desde o vencimento.

Pelo acórdão rectificativo, de 13/12/2007, a Relação reconheceu que, efectivamente, a afirmação constante acórdão e acima transcrita não correspondia à realidade, dado que a Autora formulara, de facto, o pedido de juros até à citação, mas indeferiu o pedido de aclaração, nos seguintes termos:
“Contudo, não estamos perante um simples erro material, mas sim em face de um verdadeiro erro de julgamento, dado que se não teve em conta a totalidade do pedido da Autora, considerando-se, por lapso de avaliação, apenas uma parte do pedido de juros.
E, relativamente a essa omissão, estando o poder jurisdicional desta Relação esgotado - art°s 666°, n° 1 e 716° do CPC, a Autora apenas poderá obter a respectiva modificação por via de recurso”.
(...)

É este o quadro em que a Recorrente, com o presente recurso, pretende ver corrigido o erro de julgamento expressamente admitido, mas não colmatado, pela Relação.

Verifica-se que, efectivamente, nos arts. 34.º e 55.º da petição inicial e nas alíneas e) e f) do respectivo pedido, a A. liquidou e peticionou os juros moratórios vencidos sobre as quantias referentes a remunerações não pagas (férias, subsídio de férias e natal) e sobre os montantes respeitantes ao subsídio de maternidade, no valor global de € 20.227,70 (vinte mil duzentos e vinte e sete euros e setenta cêntimos), correspondendo a quantia de € 19.999,72 a juros vencidos sobre as remunerações não pagas (férias, subsídio de férias e natal) e a quantia de € 227,98 sobre os subsídios de maternidade.
O R. impugnou o direito da A. aos juros pedidos, por entender que não existiu qualquer contrato de trabalho subordinado sem termo, mas não contestou a liquidação dos mesmos a partir das datas de vencimento, feita pela A.

Nos termos do disposto no art.º 3.º do Dec. Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro, o direito a férias adquire-se com a celebração do contrato de trabalho e vence-se no dia 1 de Janeiro de cada ano civil.
Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente a um período de férias proporcional ao tempo de serviço prestado no ano da cessação, bem como ao respectivo subsídio.
O subsídio de Natal, nos termos do disposto no art.º 2.º do Dec. Lei n.º 88/96, de 3 de Julho, deverá ser pago até 15 de Dezembro de cada ano.
Quanto ao subsídio de maternidade, o mesmo tem início no primeiro dia de impedimento para o trabalho em que não seja atribuída remuneração (art. 13.º do Dec. Lei n.º 154/88, de 29 de Abril).
Verifica-se, assim, que o vencimento das remunerações não pagas (férias, subsídio de férias e subsídio de Natal) e do subsídio de maternidade ocorreu em datas certas, nos termos das citadas disposições legais, pelo que o R. se constituiu em mora, independentemente de interpelação, nas datas dos respectivos vencimentos.
Com efeito, como foi decidido nos acórdãos deste Supremo Tribunal, de 05-07-2001 (Recurso n.º 1432/01), 8-01-2006 (Recurso n.º 2840/05), 10-03-2005 (Recurso n.º 1512/04) e 23-11-2005 (Recurso n.º 2131/05), todos da 4.ª Secção, estas obrigações inserem--se num contrato com prestações de execução continuada (contrato de trabalho) e têm prazo certo, pelo que, se não forem cumpridas no tempo devido, o devedor fica constituído em mora independentemente de interpelação, nos termos dos arts. 804.º, n.º 2, 805.º, n.º 1 – alínea a), do CC e art. 2.º do DL n.º 69/85 de 18.03.
São assim devidos juros de mora vencidos, à taxa legal, sobre as importâncias em que o R. foi condenado a pagar à A., a título de remunerações não pagas (férias, subsídio de férias e Natal) e de duas licenças de maternidade.
Há, todavia, que considerar que, relativamente às primeiras, tendo a A. pedido, na petição inicial, o montante global de € 58.404,94, no cômputo das duas instâncias, só obteve condenação do R. no montante de € 56.590,43, pelo que os juros vencidos não deverão ser no montante de € 19.999,72, mas de € 19.378,37.
Do mesmo modo, no tocante às licenças por maternidade, a A. peticionou € 7.980,80, mas só obteve € 6.983,00, pelo que os juros vencidos não serão no montante de € 227,98, mas de 199,48.
A R. tem, assim, direito a juros vencidos no montante global de € 19.577,85.

IV. Decisão

Pelo exposto, decide-se negar a revista do R.. e conceder parcialmente a revista da A., condenando-se o R. a pagar à A. a quantia de € 19.577,85, a título de juros de mora vencidos sobre as importâncias relativas a remunerações não pagas (férias, subsídio de férias e Natal) e a duas licenças de maternidade, desde as datas dos respectivos vencimentos e até á citação, confirmando-se no mais o acórdão recorrido.

Custas da revista do R. a cargo deste.

Custas da revista da A. na proporção do decaimento.

Lisboa, 10 de Julho de 2008

Alves Cardoso (relator)

Bravo Serra

Mário Pereira