Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
061871
Nº Convencional: JSTJ00004099
Relator: TEIXEIRA DE ANDRADE
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PUBLICA
MAIS VALIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196803190618711
Data do Acordão: 03/19/1968
Votação: MAIORIA COM 3 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS 1968/04/12, PÁG. 533 - BMJ N175 ANO1968 PAG175
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR TRIB - DIR FISC.
Legislação Nacional: L 2030 DE 1948/06/22 ARTIGO 5 ARTIGO 11 N1 A C D N2 ARTIGO 17 N1 N4 N6.
D 43587 DE 1961/04/08 ARTIGO 44 N3.
CPC67 ARTIGO 763 N1 N2 N3 N4 ARTIGO 766 N3.
CONST33 ARTIGO 92 ARTIGO 109.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1967/03/07 IN BMJ N165 PAG264.
ACÓRDÃO STJ DE 1965/06/11 IN BMJ N148 PAG195.
Sumário :
Os predios rusticos expropriados para obras de urbanização ou abertura de grandes vias de comunicação beneficiam da mais-valia a que se referem o artigo 11 da Lei n. 2030 e artigo 44 do Decreto n. 43587, mesmo que sejam totalmente absorvidos pelas obras ou melhoramentos projectados.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A Camara Municipal de Anadia recorreu para o Tribunal Pleno do acordão de 7 de Março de 1967, por estar em oposição com o de 11 de Junho de 1965, ambos deste Supremo Tribunal, sobre a mesma questão fundamental de direito relativa as condições de aplicabilidade da mais-valia a que se referem o artigo 11 da Lei n. 2030, de 22 de Junho de 1948 e o artigo 44 do Decreto n. 43587, de 8 de Abril de 1961.
O acordão recorrido decidiu que a mais-valia e devida sobre todo o terreno expropriado, haja ou não parcelas sobrantes; e o acordão invocado decidiu que so ha lugar a mais-valia quando na area expropriada se incluem zonas sobrantes a revender com lucro para a entidade expropriante.
Ambos foram proferidos no dominio da mesma legislação e em processos diferentes, tendo o anterior transitado em julgado.
Com base nesses pressupostos, a Secção julgou existir a oposição e mandou seguir o recurso.
Nas suas doutas alegações, a recorrente defende a doutrina do acordão invocado em oposição e os recorridos sustentam a legalidade do acordão sob recurso.
Por sua vez, o ilustre magistrado do Ministerio Publico, em seu proficiente parecer, entende que a mais-valia so tem lugar quando o plano de expropriações relativo a obras de urbanização ou abertura de grandes vias de comunicação abrange predios rusticos destinados a construções, não sendo, porem, indispensavel que eles se destinem a revenda com lucro.
Corridos os vistos, cumpre apreciar o recurso.
Embora a Secção ja tenha julgado haver oposição entre os acordãos em confronto, não dispensa o tribunal pleno de examinar de novo a questão, como se infere do artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil.
Mas e manifesto, em face dos pressupostos ja apontados, que a oposição existe e se verificam as demais condições de admissibilidade do recurso exigidas pelo artigo 763, ns. 1 a 4, do citado Codigo.
Na verdade, os dois acordãos foram proferidos por este Supremo Tribunal em processos diferentes e versaram a mesma questão basica de direito, tendo interpretado e aplicado as mesmas normas legais, diferentemente, a hipoteses juridicas identicas.
Ha, pois, um conflito de jurisprudencia que se passa a resolver.
Preceitua o artigo 11, n. 1, da Lei n. 2030:
"No caso de expropriação de predios rsuticos, destinada a obras de urbanização ou abertura de grandes vias de comunicação, o disposto no artigo anterior tera as modificações seguintes, mas so quanto ao valor do terreno":
Alinea a) "A indemnização tera por base o valor real, aumentado de 20 por cento de mais-valia resultante do novo destino permitido pelas obras ou melhoramentos projectados";
Numero 2 - "Não ficam sujeitos ao regime deste artigo, mas ao do artigo anterior, os predios rusticos que, pela sua situação em local ja completa ou parcialmente urbanizado e proximidade de vias publicas existentes, tenham, independentemente da previsão de novas obras, valor como terrenos para construção".
Resulta da sua leitura que são tres os requisitos essenciais da mais-valia em causa: que os predios expropriados sejam rusticos, não tenham ja valor como terrenos para construção e se destinem a obras de urbanização ou abertura de grandes vias de comunicação.
Por isso, verificados eles - e outros não exige a lei -, e devido o adicional de 20 por cento.
O seu montante calcula-se nos termos da alinea c) do n. 1 do referido artigo 11, que dispõe:
"A mais-valia sera calculada em relação ao conjunto dos terrenos expropriados, quer se destinem a propria obra, quer se destinem a construções adjacentes".
Este preceito e concludente no sentido de que a mais-valia incide sobre todo o terreno expropriado, sem distinção da parte que sera afectada a obras publicas e da que ha-de ser alienada para construções particulares.
A lei não distingue e não ha razão para distinguir.
A atribuição da mais-valia aos expropriados funda-se numa razão de justiça e seria injusto que so incidisse sobre o terreno absorvido pelas obras quando houvesse parcelas sobrantes.
E não menos chocante seria que, não havendo parcelas sobrantes, os donos dos terrenos expropriados nada recebessem de mais-valia e os donos dos terrenos são expropriados valorizados com as obras beneficiassem, desde logo, de 50 por cento dessa valorização e so pagassem os restantes 50 por cento a expropriante, quando resolvessem construir - artigo 17, ns. 1, 4 e 6, da Lei n. 2030.
No mesmo sentido foi o parecer da Camara Corporativa sobre a proposta que originou a Lei n. 2030, ao salientar que,
"diferentemente do que sucedia no regime da Lei de 1912, os beneficiados com a percentagem da maior valia não são apenas os proprietarios cujos terrenos venham a ser objecto de venda para construção, mas tambem aqueles cujos predios são aproveitados na propria obra ou em algum fim de interesse publico. Todos serão contemplados com a parte que lhes couber na valorização" - Diario das Sessões,
1947-1948, pagina 408-(16).
Tambem nos trabalhos preparatorios do Decreto n. 43587 se reconhece que todo o terreno expropriado beneficia da mais-valia.
Com efeito, deles consta que, tendo os Serviços de Urbanização suscitado a conveniencia de se esclarecer a alinea c) do artigo 11 da Lei n. 2030, sobre o assunto observou-se.
"Ha duas especies de terrenos que beneficiam da mais-valia: os que se destinam a obra publica de Urbanização, em si mesma, e os que se destinam a construções adjacentes nos termos do artigo 5 da Lei n. 2030.
Pela Lei de 1912 - artigo 6 - so beneficiavam da mais-valia os donos dos predios que fossem objecto de venda para construção; pela Lei n. 2030 tambem são contemplados os predios utilizados na propria obra ou em algum fim de interesse publico.
Como se disse no respectivo parecer da Camara Corporativa, todos serão contemplados com a parte que lhes couber na valorização".
Apos reconhecer ser esse o entendimento que emerge da alinea c) do artigo 11 da Lei n. 2030 e que a mais-valia tera, portanto, de ser calculada sobre todo o terreno expropriado, sem qualquer restrição, atendendo-se a simples diferença entre o valor do terreno como rustico e o valor em função do seu novo destino, mais consta desses trabalhos:
"Pareceu-nos que a consagração de tal doutrina, emergente da lei, se obteria adoptando a nova redacção que se propos para o n. 3 do artigo 43 do Projecto".
Ora a redacção proposta corresponde, com pequenas modificações formais, a do n. 3 do artigo 44 do Decreto n. 43587, o qual estatui:
"A mais-valia e sempre computada na simples diferença existente entre o valor do terreno como predio rustico e aquele que lhe corresponde em função do seu novo destino economico como terreno de urbanização, devendo os peritos fazer alusão a estes valores limites".
Deve, pois, esta disposição ser interpretada de harmonia com o entendimento dado a alinea c) do n. 1 do artigo 11 da Lei n. 2030, nem seria licito atribuir-lhe outro alcance, porque os decretos regulamentares limitam-se a dar boa execução as leis e não podem alterar as bases gerais dos regimes juridicos nelas formulados - artigos
92 e 109 da Constituição Politica.
Assim, por força da letra e do espirito da lei, a mais-valia em causa não depende de haver parcelas sobrantes, nem da sua venda lucrativa.
A alinea d) do n. 1 do mesmo artigo 11, ao estabelecer que a mais-valia sera ulteriormente corrigida pelos resultados medios pela venda em praça de terrenos abrangidos na area a expropriar, visa apenas corrigir, para mais ou menos, a avaliação previa da mais-valia quando haja venda de parcelas sobrantes e não subordinar a atribuição da mais-valia a existencia dessas parcelas a vender com lucro para o expropriante.
A percentagem da mais-valia atribuida aos expropriados não e uma participação nos lucros do expropriante, mas uma comparticipação na valorização dos predios rusticos expropriados em função do seu novo destino economico como terrenos de urbanização, quer se destinem as proprias obras, quer se destinem a construções adjacentes.
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirma-se o acordão recorrido, sem custas por as não dever a recorrente, e lavra-se o assento seguinte:
Os predios rusticos expropriados para obras de urbanização ou abertura de grandes vias de comunicação beneficiam da mais-valia a que se referem o artigo 11 da Lei n. 2030 e artigo 44 do Decreto n. 43587, mesmo que sejam totalmente absorvidos pelas obras ou melhoramentos projectados.

Lisboa, 19 de Março de 1968

Antonio Teixeira de Andrade (Relator) - Jose Cabral Ribeiro de Almeida - Lopes Cardoso - Torres Paulo
- Ludovico da Costa - Joaquim de Melo - H. Dias Freire - Fernando Bernardes de Miranda - Francisco Soares - Adriano Vera Jardim - J. S. Carvalho Junior - Eduardo Correia Guedes - Gonçalves Pereira (Vencido. O artigo 44 do Decreto n. 43587 não institui a mais-valia como principio absoluto; faz depender essa aplicação duma sobrevalorização do predio rustico expropriado resultante de novo destino pelas obras ou melhoramentos projectados.
O fundamento moral e juridico do instituto de mais-valia esta no facto de se reputar injusto a entidade expropriante apropriar-se de terrenos transformados, merce de obras de urbanização, em terrenos de construção e depois ir revender parte desses terrenos com grandes lucros. Sobre esses lucros, os expropriantes pagam 20 por cento aos expropriados).
Albuquerque Rocha (Vencido. Salvo o devido respeito a decisão que fez vencimento, inutilizou a alinea c) do n. 1 do artigo 11 da Lei n. 2030, atento o sentido atribuido ao texto desse numero conjugado com a da sua alinea a).
Todavia, por isso, o projecto de assento sugerido pelo Ministerio Publico).
Oliveira Carvalho (Vencido pelas razões constantes do voto do excelentissimo Colega Gonçalves Pereira).