Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P2315
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA MADEIRA
Descritores: INDÍCIOS SUFICIENTES
DESPACHO DE PRONÚNCIA
DESPACHO DE NÃO PRONÚNCIA
DIFAMAÇÃO
INJÚRIA
Nº do Documento: SJ200606280023155
Data do Acordão: 06/28/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - «A simples sujeição de alguém a julgamento, mesmo que a decisão final se salde pela absolvição, não é um acto neutro, quer do ponto de vista das suas consequências morais, quer jurídicas. Submeter alguém a julgamento é sempre um incómodo, se não mesmo um vexame.
II - Por isso, no juízo de quem acusa, como no de quem pronuncia, deverá estar sempre presente a necessidade de defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, mormente os salvaguardados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e que entre nós se revestem de dignidade constitucional, como é o caso da Liberdade (art. 3.º daquela Declaração e 27.º da CRP).
III - Nestes termos, vem-se entendendo que a «possibilidade razoável» de condenação é uma possibilidade mais positiva que negativa; «o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é mais provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido» ou os indícios são os suficientes quando haja «uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição».
IV - [o ambiente do processo penal] é dominado por uma atmosfera densificada de emotividade e conflitualidade. O que deve valer como um estímulo ao exercício quotidiano da tolerância e da disponibilidade para aceitar limiares particularmente qualificados de risco permitido e de sacrifício socialmente adequado do bem jurídico mais intensamente coenvolvido, a saber, a honra.
V - De outra forma, abrir-se-ia a porta a limitações tão drásticas como intoleráveis da liberdade de expressão e actuação dos diferentes sujeitos processuais. Estes não podem viver sob a ameaça constante da invocação das reacções criminais em nome da tutela da honra, uma espada de Dâmocles que só poderia redundar em manifestações perversas de auto-censura .
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. Após debate instrutório, desencadeado por acusação particular do assistente AA contra o Procurador-Adjunto BB, o Desembargador da Relação de Guimarães, titular da instrução requerida pelo acusado proferiu o seguinte despacho de não pronúncia [transcrição]:
«Não há nulidades ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e, quanto a este, este Tribunal, por razões de economia e bom senso, tem que dizer desde já, que se está apenas perante uma questão comezinha sem qualquer dignidade penal.
Aliás, a denúncia do ora assistente deveria ter sido morta à nascença pois não faz qualquer sentido que se ponha na mão de particulares um meio de fazer prosseguir uma denúncia absolutamente insustentada, quando o mesmo acontece para os crimes ditos semi-públicos.
As expressões usadas pelo Digno Magistrado do Ministério Público, nada revelam, objectiva a subjectivamente, de ofensivo e antes exprimem, para dar força às alegações, um mero juízo sobre a peça a que se respondia.
Nestes termos, e ainda com apelo aos princípios da economia e de melhor juízo, ao abrigo do disposto no artigo 307.º, n.º 1, do CPP, remete-se no demais para as razões de facto [e] de direito constantes do douto requerimento de abertura de instrução e, por consequência, não se pronuncia o arguido. Custas pelo assistente. Notifique
Inconformado, recorre agora o assistente ao Supremo Tribunal de Justiça, assim delimitando em conclusão o objecto do seu recurso:
1- A simples adesão da veneranda decisão instrutória ora sindicada à tese jurídica, de facto e de direito, que sustentou a abertura da instrução decidenda, sem que ela tenha sido notificada ao assistente e sua defensora, nem acompanhe a decisão em crise, impede aquele, objectivamente, de poder contraditar tal argumentação fundamental, por não se descortinar com a necessária clareza que tese jurídica será essa;
2- Uma tal omissão corresponde à falta de fundamentação exigida, de forma peremptória, pelo n.º 4 do artigo 97.º do CPP.
3- Interpretação diversa da emergente na supra conclusão 1.ª, violará o imperativo plasmado no n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade interpretativa aqui expressamente invocada para todos os efeitos legais.
4- A veneranda decisão instrutória sob recurso aduz ainda uma sui generis interpretação da norma estampada no n.º 1 do artigo 188.º do Código Penal, no que tange à legitimidade para deduzir acusação a qual pertence exclusivamente, in casu, ao ofendido, ora recorrente, como dali emerge insofismavelmente.
5- Outrossim no que tange à dignidade penal da ofensa em juízo a qual, também de forma incontroversa, do n.º 1 do artigo 180.º do citado Código, interpretada no sentido de que todo o cidadão tem direito à tutela da sua honra, consideração e bom nome, contra qualquer ofensa derivada de imputação ou formulação de juízo que sejam desvalorizantes, mesmo sob a forma de simples suspeita.
6- Acresce ainda que a frase que consubstancia o ilícito criminal indiciado, era absolutamente inútil para a boa e eficaz defesa da tese despenalizadora que o Senhor Procurador-Adjunto /arguido tecia, cujo mérito valeria de per se, fosse a queixa ali em apreço justa ou retaliadora.
7- De resto, esta última hipótese em vez de dar lugar a qualquer juízo de valor, da competência exclusiva do magistrado judicial, deveria, a mostrar-se suficientemente indiciada, dar lugar a inquérito penal por prática de ilícito de denúncia caluniosa, o que não foi feito.
8- Ficando assim manifesto à saciedade a mera intenção de formular juízo desvalorizante desnecessário sobre o recorrente, sem qualquer relevância ou eficácia para a posição defendida em juízo, para mais sendo o agente da ofensa licenciado em direito (Procurador Adjunto da República), perfeito conhecedor da lei e das consequências da sua violação, que consciente e voluntariamente, aderiu in limine ao perigo de ofender o recorrente.
9- Ofensa penalizada pelo direito vigente, nos artigos 180.º, n.º 1, e 188.º do CP, direitos de personalidade especialmente tutelados também pelo imperativo constitucional do artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, na interpretação dada pela veneranda decisão recorrida às sobreditas normas penais, considerando-se correctas as que sobressaem do aduzido nas conclusões 4.ª a 8.ª da presente motivação.
10- Vão assim expressamente arguidas para todos os efeitos legais as inconstitucionalidades interpretativas a que se faz referência nas conclusões 3.ª e 9.ª supra.
11- Carecendo, por tudo isto, a veneranda decisão instrutória de revogação e substituição por outra que pronuncie o Senhor Procurador Adjunto/arguido pelo crime de que foi acusado pelo agora recorrente, para submissão a julgamento com as garantias de defesa da lei.
12- Violou, assim, o Meritíssimo Senhor Juiz Desembargador a quo, por erro de interpretação e, ou, aplicação o preceituado nos artigos 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, als. a) e b), ambos do C.Penal, 97.º n.º 4, 307.º, 308.º do CPP, e 205.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Com subscrição da peça por «defensora oficiosa», termina pedindo a revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que pronuncie o arguido pelo crime de difamação «com a agravação prevista».
Responderam o Ministério Público junto do tribunal recorrido e o arguido, em suma defendendo a improcedência do recurso.

2. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O recorrente erigiu em questão prévia a pretensa «violação frontal do preceituado nos artigos 97.º n.º 4, 307.º e 308.º, todos do CPP, em submissão ao imperativo do n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa».
Isto porque a decisão instrutória em causa aderiu aos fundamentos de facto e de direito do requerimento de abertura de instrução, «sem a transcrever». E como tal texto não foi notificado previamente – prossegue – «constitui dificuldade séria para o recorrente e sua patrona irem a debate sem conhecer a matéria a debater, obstáculo maior é poder aceitar ou contestar a tese jurídica que, assim, sustenta a decisão a sindicar, impedindo um são, correcto e eficaz estudo e consequente adução de tese contraditória, se ela couber».
Sem razão atendível, o faz, porém.
Em primeiro lugar, porque a lei, aliás expressamente invocada no despacho em crise, permite ao juiz de instrução que fundamente o despacho de pronúncia ou não pronúncia «por remissão para as razões de facto e de direito enunciadas na acusação ou no requerimento de abertura de instrução» – art.º 307.º, n.º 1, do Código de Processo Penal o que constitui, nesta medida, uma excepção ao dever geral de fundamentação «com especificação dos motivos de facto e de direito» previsto no artigo 97.º, n.º 4.
Mas a fundamentação por remissão, como no caso sucedeu, não é, nem de perto nem de longe, equivalente a «falta de fundamentação» e só esta está prevista no artigo 205.º da Constituição.
Não se pode, assim, censurar um tribunal que adopte a opção processual que a lei lhe faculta.
Aliás, o recorrente não chega ao ponto de afirmar qual o pretenso vício que daí teria resultado e quais as consequências processuais atinentes.
E, a fazê-lo, tê-lo-ia feito em vão.
Por outro lado – e entramos noutra questão preliminar – a partir do momento em que foi notificado do despacho de abertura de instrução e, simultaneamente, para o debate instrutório – fls. 326 e 328 – obviamente que ficou sabendo que fora requerida a abertura daquela fase eventual do processo.
Se nesse momento não recebeu cópia do requerimento em causa, e mesmo que de nulidade processual se tratasse, o tempo para reagir começou então logo a esvair-se – art.º 120.º, n.º 3, c) do CPP.
Só agora o ensaiando atacar a alegada omissão – que, de todo o modo, não constituiria verdadeira nulidade, mas mera irregularidade – fá-lo a destempo, e, portanto, inconsequentemente – artigos 121.º, n.º 2 e 123.º, n.º 1, do mesmo Código.
De resto, sempre o recorrente, devidamente representado como está, teve e tem o processo ao seu dispor para consulta, de modo a que, sentindo-se pouco esclarecido sobre não importa que fragmento do processo, poder consultá-lo ou pedir as necessárias cópias. Para mais, quando, como no caso, diz estar em causa o exercício do seu inquestionável direito de contradição.
Alega ainda, em sede preliminar, que a decisão recorrida aduz uma sui generis interpretação da norma do artigo 188.º n.º 1, do Código Penal, no que respeita
à legitimidade do assistente para deduzir acusação por este tipo de crime. Mas não explicita como é que o despacho recorrido afronta essa legitimidade em cuja posse se arroga, limitando-se algo inconsequentemente também, a mostrar-se «surpreendido».
A verdade é que, com ou sem cabimento processual adequado, o juiz de instrução se limitou neste ponto a um comentário pessoal «não faz qualquer sentido que se ponha na mão de particulares um meio de fazer prosseguir uma denúncia absolutamente insustentada», pois uma coisa é aquilo que o juiz pensa que deve ser, outra aquilo que é. No fundo, esta passagem do despacho impugnado mais não é que uma visão crítica do signatário sobre a lei que temos, o que deve ser a lex ferenda. Nada mais. Sobre a questão da legitimidade ficou-se pelo desabafo.
Tanto assim que, a ser de outro modo, as consequências processuais a extrair da hipotética ilegitimidade do assistente teriam que ser necessariamente outras – art.º 288.º, n.º 1, d), do diploma adjectivo subsidiário.
Portanto, uma tomada de posição puramente inócua e também ela inconsequente.
Ultrapassadas as questões preliminares, cumpre prosseguir.
Como se colhe da peça acusatória particular de fls. …. e segs. o cerne dos factos é este:
Em contra alegações de recurso num processo judicial em que o assistente ali também tinha essa qualidade, o arguido, Procurador-Adjunto, usou da seguinte expressão: “…afigura-se-nos que o presente recurso mais não traduz do que picardia ou vingança sobre a ilustre advogada ora arguida que representou o assistente num processo no âmbito do qual o recorrente foi condenado por sentença que ainda não transitou em julgado…”
Segundo o acusador particular, tal atitude «aderindo ao eminente perigo de ofender o assistente», teria feito incorrer o magistrado acusado na prática de um crime de difamação p. p. no artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal, com a agravação prevista no artigo 183.º, n.º 1, a) e b), do mesmo Código.
As razões «de facto e de direito» a que se arrimou o despacho recorrido são as constantes do requerimento de abertura de instrução [pelo acusado], de fls. …. e segs., que, por razões facilmente atingíveis, se vai transcrever na íntegra:

«Exmo. Senhor Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Guimarães: BB, Procurador-Adjunto, arguido nos autos à margem referenciados, em que é assistente AA,

vem, ao abrigo do disposto no artigo 287°, n. ° 1, ai. a) e n.º 2 do CPP, requerer a abertura de instrução nos termos e com os fundamentos seguintes:

Encerrado o inquérito e depois de notificado nos termos do artigo 285°, no 1 do CPP, o assistente deduziu acusação particular contra o arguido e ora requerente, imputando-lhe a prática de um rime de difamação, p. e p. pelo artigo 180°, nº 1 e 183°, nº 1, ai. a) e b) do CP.

Para tanto, extraiu da resposta elaborada pelo arguido — enquanto magistrado do Ministério Público — no recurso interposto pelo assistente no processo de instrução no ……TABRG, do 2° Juízo Criminal de Braga, o seguinte excerto descontextualizado:

“ (...) afigura-se-nos que o presente recurso mais não traduz do que picardia ou vingança sobre a ilustre advogada 0, -a arguida que representou a assistente num processo no âmbito do qual o recorrente foi condenado por sentença que ainda não transitou em julgado (…)”

a partir do qual concluiu, em suma, que:

“Um tal juízo de valor das atitudes processuais do Assistente extravasa em muito a normal defesa da posição jurídica que o arguido pretendia defender, sendo desnecessário”, por “não ter sustentação fáctica bastante»

e

“Assim o afirmado é objectiva e subjectivamente ofensivo do bom nome e reputação do queixoso”.

Cumpre antes do mais observar que o arguido se limitou a produzir uma peça processual (resposta a um recurso penal ao abrigo do disposto no artigo 413.º do CPP) no estrito cumprimento do seu dever de oficio de magistrado do Ministério Público, jamais tendo tido qualquer contacto pessoal, ou outro (que não seja meramente processual), com a pessoa do assistente, que nem sequer conhece.

A sua intervenção, meramente processual, ocorreu no seguinte contexto:

- No processo comum singular nº ……, do 3.º Juízo Criminal de Braga, o aqui assistente (que ali detinha a qualidade de arguido), foi condenado por douta sentença proferida em 13 de Julho de 2001, pela prática de um crime de injúria, na pena de 150 dias de multa à razão diária de 2.000$00, da qual o mesmo interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por douto acórdão de 5 de Maio de 2003, deu parcial provimento ao recurso, reduzindo a pena para 80 dias de multa à taxa diária de 5 €;

- No dia 15 de Novembro de 2001, quando aquela sentença ainda não tinha transitado em julgado (porque o arguido dela havia recorrido) teve lugar neste tribunal a audiência de julgamento no âmbito do processo comum singular nº …., do 2° Juízo Criminal, em que o ora assistente detinha a mesma qualidade e no qual interveio como defensora da arguida (que a final foi absolvida) a Dr.ª CC, tendo esta formulado a seguinte questão quando procedia à instância de uma testemunha: “Sabe que o assistente foi condenado num processo por difamação?”

- Por causa da formulação desta simples questão (contra a qual o assistente não reagiu em nenhum momento da audiência e que também não foi alvo de censura pela M.ma Juíza que a ela presidia, tal como se pode ver pela acta), o assistente participou criminalmente contra a defensora, Dr.ª CC, dando lugar ao inquérito no …….TABRG, da 1.ª Secção da Procuradoria da República de Braga, findo o qual deduziu acusação particular, não acompanhada pelo Ministério Público, imputando àquela a prática de um crime de difamação p. e p. pelo artigo 180° e 183.º, n°1 do CP.

- A ilustre advogada requereu a abertura de instrução que correu termos no 2° Juízo Criminal de Braga, finda a qual e realizado o debate instrutório foi proferido despacho de não pronúncia;

- Da consulta dos processos supra identificados ressaltava à evidência que o ora assistente havia já movido onze (!) processos crime e disciplinares contra a mesma advogada (mais precisamente os seis processos crime e os quatro processos disciplinares que ele próprio identifica na parte final da sua queixa-crime, sob a epígrafe “rol de processos” a que deve ainda acrescentar-se o dito processo nº ……TABRG, então em fase de instrução), por alegada ‘utilização de meio e linguagem impróprios” (as expressões são da autoria do assistente) no exercício do mandato forense em que ela representava a parte contrária à dele.

- O que o assistente não revelou expressamente na queixa-crime que deu causa aos presentes autos, mas que ressaltava à evidência do dito processo nº ……..TABRG (v. g, do debate instrutório em que interveio o ora arguido como magistrado do MP), é que em nenhum dos processos que ele moveu à Dr.ª CC obteve o reconhecimento de que esta praticou qualquer infracção de natureza criminal ou até disciplinar, tendo-lhe sido desfavoráveis todas as decisões de mérito neles proferidas — tanto quanto foi e é dado a saber ao arguido —, não obstante o facto de esgotar sempre as vias de recurso, inclusive para o Tribunal Constitucional.

- na resposta ao recurso do assistente naquele processo nº ……TABRG, o aqui arguido tomou posição sobre as questões ali suscitadas, tendo assumido o entendimento de que a conduta da arguida não era sequer ilícita (por a questão por ela formulada - «Sabe que o assistente foi condenado num processo por difamação?» - ser inócua no plano da tutela penal, entendimento este que não resultava claro do douto despacho de não pronúncia), no estrito cumprimento do seu dever de oficio de colaboração com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, com objectividade.

- a posição que o arguido tomou no recurso acabou, aliás, por ser sufragada no parecer do Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto e pelo douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.

Já no requerimento de abertura de instrução do dito processo nº ……TABRG do 2.º Juízo Criminal, a arguida, Dr.ª CC, tinha afirmado:

«17 Mercê do exposto, só podemos tirar a ilação que o processo sub judice, não passa de uma perseguição pessoal à ora requerente, em virtude desta ter patrocinado o processo n.º ……e o processo……. 18. Em ambos, como defensora e representante de sujeitos processuais com posições antagónicas às do ora assistente.

19. (...) é inaceitável, que a ora requerente se veja alvo de uma acusação, sem qualquer fundamento. 20. É assim inegável que o processo sub judice esteja apenas a servir de retaliação, em relação ao facto de a ora arguida ter patrocinado causas «contra» o ora assistente, estando apenas a usar o tribunal como forma de se vingar da ora arguida.”

O ora arguido interveio naquele processo – por força da distribuição de serviço que lhe cabe no Juízo onde exerce funções – no debate instrutório e posteriormente na fase do recurso interposto pelo assistente, não deixando de tomar posição, como era seu dever, sobre todos os factos que constituíam o objecto da instrução e do recurso, sem ignorar, como não podia ignorar, o quão infundada e insustentável era a tese do assistente e de pugnar pela não pronúncia da arguida, porque assim o reclamavam os interesses da comunidade na boa administração da justiça.

O arguido subscreve na íntegra a douta fundamentação do notável despacho do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto que não acompanhou a acusação particular do assistente e que, com a devida vénia, aqui damos como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.

E pouco ou nada tendo o aqui arguido a acrescentar a esse douto despacho, cumpre-lhe apenas trazer aqui á colação alguns dos mais marcantes ensinamentos sobre a matéria, em abono da perspectiva que tem quanto ao caso sub judice:

O art.º 180° do C. Penal protege o bem jurídico “honra” na sua concepção normativo-social (cfr. Ac. Rel. de Guimarães de 6.122004, Proc. 1327/04-1).

“A honra é vista assim como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior. Na síntética formulação do Supremo Tribunal Federal alemão, o que se protege «é a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora (Tragër) de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência (Geltung) deles decorrentes, a sua boa reputação no seio da comunidade. Fundamento essencial da honra interior e, desta forma, núcleo da capacidade de honra do indivíduo, é a irrenunciável dignidade pessoal (Personenwürde) que lhe pertence desde o nascimento e cuja inviolabilidade a Lei Fundamental reconhece no artigo 1.º (...). Da honra interior decorre a pretensão jurídica, criminalmente protegida, de cada um a que nem a sua honra interior nem a sua boa reputação exterior sejam minimizadas ou mesmo totalmente desrespeitadas (...)“ — Prof. Faria da Costa, in “Comentário Conimbricense do C. Penal, tomo 1, pág. 607.

“Difamar e injuriar mais não é basicamente que imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, entendida aquela como o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um, e esta última como sendo o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, o bom-nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública” – cfr. Ac. Rei. de Guimarães, Proc. 1467/04-1, que cita o Ac. Rel Lisboa de 6.2.96, CJ, 1, 156, e este, por sua vez, cita o Cód. Penal Anotado de Leal. Henriques e Simas Santos (cfr. 2° Volume, r edição, pág. 317).

Há já muito tempo que o Prof. Beleza dos Santos escreveu na RLJ, ano 92°, pág. 165 — e é actualmente entendimento unânime da Doutrina e Jurisprudência — que: “nem tudo aquilo que alguém considere ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível.

“Há pessoas com um amor próprio tal, com uma estima tão grande pelo eu, atribuindo um valor de tal maneira excessivo àquilo que possa tocá-los e ainda ao que dizem ou pensam os outros, que se consideram ofendidos por palavras ou actos que, para a generalidade das pessoas, não constituiriam ofensa alguma. Neste caso, não deve considerar-se existente qualquer difamação ou injúria.” (ibidem)

“Não deve considerar-se ofensivo da honra e consideração de outrem tudo aquilo que o queixoso entenda que o atinge, de certos pontos de vista, mas aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores individuais e sociais.” (ibidem)

“Neste juízo Individual ou do público, acerca do que pode ser ofensivo da honra e da consideração, é comum a todos os meios e países a exigência do respeito de um mínimo de dignidade e de bom-nome. Para além deste mínimo, porém, existe certa variedade de concepções, da qual resulta que palavras ou actos considerados ofensivos da honra, decoro ou bom nome em certo país, em certo ambiente e em certo momento, não são assim avaliados em lugares e condições diferentes. O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio, época ou para certas pessoas, pode não o serem outro lugar ou tempo.” (ibidem)

“O direito criminal não pune por motivos unicamente individuais, mas pela projecção social dos crimes” (ibidem, pág. 166).

Por outro lado, “é necessário não esquecer que um processo é uma luta, quase sempre viva e apaixonada, de interesses ou de sentimentos, e que nem sempre é possível manter nessa luta uma atitude de extrema correcção e de impecável urbanidade” (cfr. Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 550, pág. 117, cit. por Alfredo Gaspar, in “O Advogado e a sua Liberdade de Expressão nos Tribunais”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 48°, Dez.1988, pág. 1025).

«Para que os escritos dos advogados e procuradores se julguem criminalmente difamatórios ou injuriosos, não basta atender à significação própria das palavras, sendo necessário verificar se servem ou não para provar a intenção das partes, isto é, se são exigidos pela defesa ou apenas manifestam a intenção criminosa de ofender alguém na sua honra e consideração” (cfr. Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 35°, pág. 262, cit. por Alfredo Gaspar, no mesmo local).

“ (...) [o ambiente do processo penal] é dominado por uma atmosfera densificada de emotividade e conflitualidade. O que deve valer como um estímulo ao exercício quotidiano da tolerância e da disponibilidade para aceitar limiares particularmente qualificados de risco permitido e de sacrifício socialmente adequado do bem jurídico mais intensamente coenvolvido, a saber, a honra” (cfr. Prof. Figueiredo Dias e Prof. Costa Andrade, in “Limites do Direito de Defesa — O Direito de Defesa em Processo Penar, Revista da Ordem dos Advogados, ano 52.º, Abril 1992, pág. 273 e sgs.).

«De outra forma, abrir-se-ia a porta a limitações tão drásticas como intoleráveis da liberdade de expressão e actuação dos diferentes sujeitos processuais. Estes não podem viver sob a ameaça constante da invocação das reacções criminais em nome da tutela da honra, uma espada de Damocles que só poderia redundar em manifestações perversas de auto-censura (...)“ (ibidem).

À semelhança do que vale para outras e relevantes manifestações de liberdade: a liberdade de expressão, de criação, de informação, de participação no debate político, etc.”, também no domínio do processo penal, as razões dos sujeitos processuais “impõem o recuo da tutela penal da honra” (ibidem, sendo da nossa autoria o que não está em itálico). “Não é considerado ilícito o uso das expressões e imputações indispensáveis à defesa da causa” (artigo 154°, n°5 do CPC).

Esta regra é de validade extensiva a todas as jurisdições, induindo a penal (cfr. neste sentido, cfr. Alfredo Gaspar, “O Advogado e a sua Liberdade de Expressão nos Tribunais”, Revista da Ordem dos Advogados, ano 48°, Dez.1988, pág. 1004).

Numa linguagem simplista é dever do MP não apenas “perseguir os criminosos” (exercendo a acção penal), mas também “pugnar pela absolvição dos inocentes” (v.g., recorrendo de quaisquer decisões no “exclusivo interesse do arguido” - cfr. artigo 401°, n.º 1 al. a) do CPP).

As expressões em causa, que o assistente retirou do seu contexto, atribuindo-lhes um sentido e significação — que manifesta e objectivamente não têm! — para alicerçar a sua queixa e a subsequente acusação particular, não configuram qualquer ofensa à honra.

Tais expressões, no contexto em que foram escritas, traduzem apenas um juízo crítico objectivo sobre o exercício do direito de recurso pelo assistente no âmbito do aludido processo no ……..TABRG.

O juízo em causa insere-se num contexto meramente processual argumentativo e serviu de remate ou conclusão de premissas anteriormente expostas (cfr. nossa resposta à motivação de recurso, que aqui se dá como reproduzida).

É manifesto que o arguido erigiu a motivação do recurso do assistente — e não o seu autor — como objecto ou exclusiva destinatária da sua crítica (atente-se no uso das expressões impessoais: “afigura-se-nos que o presente recurso mais não traduz do que...

O estilo (cada um tem o seu) e a linguagem (mais impressiva, mas ostensivamente moderada e respeitosa para com o tribunal e os outros sujeitos processuais) utilizados pelo arguido, reflectem tão só um empenhado e vigorosamente crítico exame da motivação do recurso do assistente, deixando completamente na sombra a pessoa deste, que nem sequer conhece.

Com a queixa que apresentou e a subsequente acusação particular que deduziu, o assistente reagiu de forma excessiva, grave e ofensiva contra o magistrado do MP – aqui arguido – que se limitou, no estrito cumprimento do seu dever, a sustentar no âmbito do recurso uma posição contrária à dele (posição esta que, aliás, veio a ser sufragada pelo Tribunal Superior), o que muito o terá desagradado, reagindo como reagiu.

Em conclusão:

A) O juízo de valor crítico da forma como o assistente exerceu o direito de recurso (motivação) é atípico, pois não preenche a tipicidade do crime de difamação, e tem referência objectiva a factos que ressaltavam à evidência do processo onde foi produzido (a existência de sete processos crime e quatro processos disciplinares todos instaurados por iniciativa do assistente contra a advogada da parte contrária, que tinha logrado contribuir para a condenação dele no processo …… e para a absolvição da sua constituinte no processo….., por alegada “utilização de meios e linguagem impróprios” no exercício do mandato forense, sendo que — tanto quanto era e é dado saber ao arguido — em nenhum desses processos obteve o reconhecimento de que esta praticou qualquer infracção de natureza criminal ou até disciplinar, tendo-lhe sido desfavoráveis todas as decisões de mérito neles proferidas até à presente data, não obstante o facto de esgotar sempre as vias de recurso, inclusive para o Tribunal Constitucional);

B) Sem conceder, ainda que pudesse entender-se que tal juízo de valor é objectivamente ofensivo da honra e consideração do assistente (o que não se concebe, até pelo objecto de tal juízo de valor ser a motivação do recurso do assistente e não a pessoa deste), o mesmo encontrar-se-ia justificado nos termos do artigo 31.º, n°2 alínea b) do Código Penal;

C) Atípicos ou justificados, nunca os factos imputados ao arguido na acusação particular deduzida pelo assistente poderiam fundamentar a sua responsabilidade penal.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V.ª Ex.ª, Venerando Juiz Desembargador, doutamente suprirá, deve, após realização das diligências de instrução requeridas e outras que se considerem pertinentes, ser proferido despacho de não pronúncia, dessa forma se pondo termo à infundada e, por isso, intolerável compressão da liberdade e perturbação da paz jurídica do arguido.

JUNTA: certidão das principais peças do Processo nº …….TABRG, do 2.º Juízo Criminal de Braga.»

A questão é, assim, a de saber se foi ou não acertada a parcimoniosa decisão de não pronúncia do acusado.
Em suma, saber se os «indícios» de que dispõe actualmente o processo se podem considerar «suficientes» para conduzir a julgamento, tal como defende o recorrente.
Isto sem necessidade de acompanhar a posição algo radical do despacho em crise quando, perfunctoriamente, retira dignidade penal à expressão utilizada.
Pois bem.
Como se decidiu no recurso n.º …….. com o mesmo relator, citando o Acórdão da Relação do Porto, de 20/10/93, também subscrito por quem ora relata este, «a simples sujeição de alguém julgamento, mesmo que a decisão final se salde pela absolvição, não é um acto neutro, quer do ponto de vista das suas consequências morais, quer jurídicas. Submeter alguém a julgamento é sempre um incómodo, se não mesmo um vexame.
Por isso, no juízo de quem acusa, como no de quem pronuncia, deverá estar sempre presente a necessidade de defesa da dignidade da pessoa humana, nomeadamente a necessidade de protecção contra intromissões abusivas na sua esfera de direitos, mormente os salvaguardados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e que entre nós se revestem de dignidade constitucional, como é o caso da Liberdade (art.º 3.º daquela Declaração e 27.º da Constituição da República).
E por isso é que, quer a doutrina, quer a jurisprudência, vêm entendendo aquela «possibilidade razoável» de condenação é uma possibilidade mais positiva que negativa; «o juiz só deve pronunciar o arguido quando, pelos elementos de prova recolhidos nos autos, forma a sua convicção no sentido de que é provável que o arguido tenha cometido o crime do que o não tenha cometido» ou os indícios são os suficientes quando haja «uma alta probabilidade de futura condenação do arguido, ou, pelo menos, uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição (…)».
No caso, a imagem global do facto permite afoitamente uma resposta negativa à questão posta.
Independentemente de saber se a expressão em causa constitui, objectivamente, uma ofensa directa à honra do assistente/acusador, cumpre desde logo salientar que o preenchimento típico do crime em causa se não basta com um remoto perigo antes se exigindo logo uma efectiva ofensa da honra de quem quer, ainda que por meio de simples suspeita ou através da reprodução da imputação ofensiva.
Parece, pois, que o assistente vem laborando em erro quando acusando, pretende, como se viu, que o crime se consuma mediante a simples alegada «adesão» do acusado «ao eminente perigo de ofender o assistente» – ponto 7 da acusação particular. E isto bastaria para deitar por terra toda a construção subjacente ao recurso.
Mas seja assim ou não, o certo é que os indícios de que se fala, nomeadamente no artigo 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ao menos do elemento subjectivo da pretensa infracção ou seja dolo – e só de dolo se pode falar «o crime de difamação é um crime doloso, o que quer significar que só estão arredadas do seu âmbito subjectivo as condutas negligentes (…)»(1) – não se prefiguram nos factos recolhidos.
Importa, com efeito, relevar devidamente o contexto de tudo isto: o remanso algo recatado de um processo judicial – processo penal – em que o acusado, no exercício das suas funções, e numa peça forense de resposta a um dos muitos recurso movidos pelo ora recorrente – que pelos vistos nem sequer conhecia pessoalmente – em jeito de conclusão produziu a afirmação em causa.
Citando palavras sábias há muito produzidas a propósito da linguagem processual, e para além de tudo o que já consta do processo, nomeadamente no falado requerimento de abertura de instrução, há que ter em devida conta que «não pode admitir-se que o advogado, ou o solicitador, ou a parte use de linguagem desbragada e despejada com prejuízo do respeito devido às instituições, às leis e ao tribunal; mas é absolutamente indispensável que esta censura não se exerça em detrimento do sagrado direito de defesa [ou contradição, acrescenta-se agora]. Tem de reconhecer-se ao advogado a liberdade de dizer, por escrito ou oralmente, tudo o que for necessário à defesa da causa que lhe está confiada.
Claro que, para defender eficazmente os interesses do seu constituinte, o advogado não precisa de insultar, agredir ou vexar quem quer que seja, nem tão pouco de ofender a dignidade do tribunal, o decoro da lei ou o prestígio das instituições. Mas há circunstâncias especiais em que se compreende e justifica um certo vigor de linguagem, em que, mesmo a pessoa mais disciplinada e comedida, é naturalmente levada a usar de expressões severas e enérgicas(2)
Já este Supremo Tribunal, pela pena ilustre de Osório de Castro se expressava a propósito de um acórdão no mesmo sentido proferido no ano de 1917: «(…) Não queiramos nunca nesta terra uma advocacia subserviente e tímida ante o atropelo da lei ou a prepotência dos que têm o dever de a aplicar. É de altas consciências que o futuro dos povos depende, e desgraçados deles se a reclamação de justiça não puder ser veemente e livre. Afundar-se-iam, em breve, na ignávia de um regime de compères, a que nem faltaria, de resto, a linguagem despejada» (3).
Descendo ao caso:
Não há o mínimo indício de que o magistrado acusado tenha tido intenção ou, sequer, consciência de ofender a honra do recorrente.
Mas «a existência de sete processos crime e quatro processos disciplinares todos instaurados por iniciativa do assistente contra a advogada da parte contrária, que tinha logrado contribuir para a condenação dele no processo ………e para a absolvição da sua constituinte no processo………, por alegada “utilização de meios e linguagem impróprios” no exercício do mandato forense, sendo que — tanto quanto era e é dado saber ao arguido — em nenhum desses processos obteve o reconhecimento de que esta praticou qualquer infracção de natureza criminal ou até disciplinar, tendo-lhe sido desfavoráveis todas as decisões de mérito neles proferidas até à presente data, não obstante o facto de esgotar sempre as vias de recurso, inclusive para o Tribunal Constitucional», de que falam os autos, decerto cimentou o vigor de linguagem, circunstância em que, segundo o Mestre citado, «mesmo a pessoa mais disciplinada e comedida, é naturalmente levada a usar de expressões severas e enérgicas».
Tudo, sem que se vislumbrem indícios de o magistrado/arguido querer beliscar a honra do recorrente.
Perante o acervo de factos que o processo reúne, o juízo a formular é, assim, sem dúvida, o de que, a ser submetido a julgamento, o arguido teria poucas ou nulas hipóteses de condenação, surgindo a possibilidade de absolvição como praticamente certa.
Deste entendimento das coisas, não resulta qualquer atropelo aos direitos do assistente constitucionalmente garantidos, mormente os previstos no artigo 26.º, n.º 1, da Constituição. Nem foram violados os artigos citados pelo recorrente, nomeadamente, 180.º e 183.º do Código Penal, assim como o não foram os artigos 97.º e 307.º e 308. do Código de Processo Penal.
Em jeito de encerramento, importa afirmar que quem lida no processo, especialmente no processo penal, tem que assumir um certo «poder de encaixe», sob pena de a necessária discussão não passar de um débil arremedo de justiça.
Fazendo uso, com a devida vénia, de uma citação do requerimento de abertura de instrução, repita-se que “ (...) [o ambiente do processo penal] é dominado por uma atmosfera densificada de emotividade e conflitualidade. O que deve valer como um estímulo ao exercício quotidiano da tolerância e da disponibilidade para aceitar limiares particularmente qualificados de risco permitido e de sacrifício socialmente adequado do bem jurídico mais intensamente coenvolvido, a saber, a honra.” (4).
(…) «De outra forma, abrir-se-ia a porta a limitações tão drásticas como intoleráveis da liberdade de expressão e actuação dos diferentes sujeitos processuais. Estes não podem viver sob a ameaça constante da invocação das reacções criminais em nome da tutela da honra, uma espada de Damocles que só poderia redundar em manifestações perversas de auto-censura (...)“. (5)
Em suma: foi acertada e legal a decisão de não o pronunciar.

3. Termos em que, negando provimento ao recurso, e embora fundamentos algo diversos, confirmam a decisão de não pronúncia.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 10 unidades de conta.

Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Junho de 2006

Pereira Madeira (relator)
Simas Santos
Santos Carvalho
__________________________
1- José de Faria Costa Comentário Conimbricense, Tomo I, págs. 612.
2- Alberto dos Reis, Comentário, vol. 2.º págs. 124
3- RL, 59.º, págs. 32.
4- Cfr. Figueiredo Dias e Costa Andrade, in “Limites do Direito de Defesa — O Direito de Defesa em Processo Penal, Revista da Ordem dos Advogados, ano 52.º, Abril 1992, pág. 273 e sgs.).
5- Ibidem.