Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | PAULO FERREIRA DA CUNHA | ||
Descritores: | RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO IMPUGNAÇÃO PRESSUPOSTOS REJEIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 06/30/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | I. problema que se põe na oposição que deve verificar-se entre Acórdãos para a consideração da ocorrência da necessidade de fixação de jurisprudência não é meramente uma questão de Direito, mas começa nos factos. Cf. Acórdão STJ 206/16.0T9FND.C1-A.S1, de 24/06/2020 (Sumário, VI). II. Importa, pois, cotejar a factualidade em causa em cada um dos Acórdãos em confronto. E depois apreciar se as soluções jurídicas respetivas serão antinómicas ou não. Como é óbvio, não se podem sequer considerar contraditórias, neste contexto, soluções sobre questões de facto diversas. Antes mesmo, pois, de as analisar de iure, há que aquilatar das situações de facto. Cf. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19-04-2017, Proc. n.º 168/13.6TACTX.L1-A.S1. III. In casu, há diferentes questões em apreço nos dois Acórdãos em cotejo. No Acórdão fundamento, como consta do seu sumário (e tal foi a jurisprudência então fixada), o que estava em causa era averiguar se a suspensão do procedimento penal, por motivo de impugnação fiscal, nos termos dos artigos 43, n.º 4, e 50 do Regime Jurídico das Infrações Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA - aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de janeiro, na redação do Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de novembro), resultava diretamente da lei ou dependia de despacho judicial que a declarasse. Já no Acórdão recorrido em causa estava saber se haveria lugar à suspensão do processo penal (mais, concretamente, se haveria lugar à suspensão do referenciado processo 9492/05.0THLSB2), ao abrigo do disposto no artigo 7.º do Código de Processo Penal e do artigo 47 do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT - aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de junho). IV. Há, evidentemente, em ambos os casos questões de suspensão do processo. Mas o recorte jurídico é diverso. A legislação mudou, entretanto. Ora, embora se possa fazer uma interpretação lata ou “generosa” do requisito “no domínio da mesma legislação” (Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI, p. 275; Manuel Simas-Santos / Manuel Leal-Henriques, Recursos Penais, 9.ª ed., Lx., Rei dos Livros, 2020, p. 215), há contudo sempre que verificar se se verificam os requisitos: do julgamento contraditório explícito da mesma questão; da natureza de direito e não de facto da questão julgada de forma oposta num e noutro dos Acórdãos; da identidade (pelo menos) entre questões debatidas em ambos os Acórdãos; da inalterabilidade da legislação, entre a prolação de ambos os acórdãos. (cf. Manuel Simas-Santos / Manuel Leal-Henriques, cit., pp. 216-217). Este último requisito remete-nos, naturalmente, para o art. 437, n.º 3 do CPP. V. Não se poderá minimizar, no caso, o segmento introduzido na lei nova, nem sequer acolhendo-o à sombra dos princípios gerais, que certamente deveriam ser mantidos, no respetivo âmbito legislativo. O segmento da lei nova “introduzido” por ela na ordem jurídica não parece, em termos gerais, despiciendo. Mas avultam aspetos mais líquidos na questão. Além do problema da diversidade de legislação, releva a diferença de questões em causa, remetendo, pelo menos, para os requisitos do julgamento contraditório explícito da mesma questão e da identidade (pelo menos) entre questões debatidas em ambos os Acórdãos. Assim, vejamos: VI. O acórdão fundamento curou de uma oposição de julgados. Em causa estavam o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 8 de junho de 2005, no processo n.º 1599/2005, que decidiu, inter alia, que a suspensão do procedimento penal, por motivo de impugnação fiscal, nos termos dos artigos 43, n.º 4, e 50 do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, resulta diretamente da lei, não dependendo, pois, de despacho judicial a declará-la, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 24 de janeiro de 2001 (publicado na colectânea de jurisprudência, ano XXVI, t. I, de p. 56 a p. 58) que decidiu que a suspensão da prescrição por efeito de existência de processo de impugnação fiscal só ocorre se no processo penal fiscal houver despacho judicial que declare tal suspensão. Já, por seu turno, o Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Lisboa, versou sobre o pedido do recorrente para que fosse ordenada a suspensão do processo, tendo aquele Tribunal concluído que “a fixação dos factos provados e a sua qualificação jurídica, não se questiona nem se pode vir a colocar porque sobre ela já se esgotou a possibilidade de recurso. E não sendo possível decisão do processo de impugnação judicial tributário, condicionante do processo-crime, não há qualquer motivo para declarar a suspensão”. Embora haja um fumus, ou “ar de família” nas questões, não se pode dizer que sejam as mesmas, ou a mesma, tout court. VII. Relevante também para a questão da (im)procedência do presente recurso, que é apresentado como de fixação de jurisprudência, é o facto de o Acórdão fundamento ser já um Acórdão de fixação de jurisprudência. No recurso interposto, considera-se que o Acórdão do STJ se encontra “caducado”, mas, por outro lado, é ele próprio o Acórdão fundamento. Embora a legislação vigente não corresponda inteiramente àquela sobre que ele versava… motivo por que, ao mesmo tempo, o referido aresto não valeria como fixação de jurisprudência (deixando o terreno livre para um recurso como o presente e não contra jurisprudência fixada), mas já como acórdão fundamento… Não parece, porém, coerente uma ordem jurídica admitir que um aresto ao mesmo tempo estará com as devidas consequências, umas de costas voltadas para as outras. VIII. O acórdão indicado como fundamento é um acórdão uniformizador. É-o ainda. Não perdeu parcial e seletivamente essa qualidade. E assim, o procedimento processual legalmente apto a reagir a uma decisão que o contrarie, ainda que não no domínio estrito da mesma legislação, mas dentro do mesmo quadro legislativo (que, contudo, nem será – pelo menos cabalmente – o caso dos presentes autos), seria o recurso previsto no art. 446, do CPP. O qual, aliás, igualmente exige a verificação dos requisitos constantes do art. 437, do CPP. Não é, pois, o presente, o recurso requerido a visar os efeitos pretendidos, dado o caráter do Acórdão fundamento. IX. Assim, rejeita-se o recurso, nos termos dos artigos 440, n.ºs 3 e 4 e 441, n.º 1, do Código de Processo Penal, por não estarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 437 do CPP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I Relatório 1. AA interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, recorrendo do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 12/11/2020, no processo 9492/05.0TDLSB, que não daria provimento ao recurso que havia interposto do despacho que indeferira o seu requerimento de suspensão do processo, até trânsito em julgado das ações que instaurou no Tribunal Tributário ...., alegando que contraria o acórdão (fundamento) do STJ n.º 3/2007 - proc. 256/06 – 3.ª sec., publicado no D.R. I série, de 21/02/2007, proferido na vigência da art. 50, n.º 1, do DL nº 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redação do DL nº 394/93, de 24 de Novembro, que fixou jurisprudência no sentido de que a impugnação judicial tributária determinava, independentemente de despacho, a suspensão do processo penal fiscal. 2. Da sua Motivação de Recurso, extrairia as seguintes Conclusões: “I. As normas do artigo 50°, n° 1 do RGIFNA e do artigo 47°, n° 1 do RGIT têm a mesma redacção, com excepção do segmento "era que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados", presente na segunda. II. O RGIT não alterou nenhum dos princípios subjacentes ao RJIFNA que justificam a suspensão ope legis do processo criminal por crime fiscal, no caso de impugnação tributária dos actos tributários que constituem matéria conexa e prévia aos factos imputados ao arguido no primeiro. III. À luz da lei actual, o âmbito do despacho do juiz penal circunscreve-se claramente à apreciação da conexão entre a matéria fiscal em apreciação na impugnação tributária e a matéria objecto da acusação penal, sendo que, no caso de concluir pela existência dessa conexão, estará vinculado por lei a emitir despacho, com natureza declarativa. IV. O segmento normativo referido na conclusão I não atribui ao Juiz do processo criminal poderes de tal modo amplos que, ao abrigo do princípio da suficiência do processo penal consignado no artigo 7o, n° 2 do CPP, lhe reconheçam o arbítrio para tudo conhecer e tudo decidir, mesmo em matéria do domínio de um ramo especial do direito (de elevada complexidade e especialidade), submetido a regime especial e a tribunais de competência específica, inseridos fora do organização dos tribunais comuns. V. Semelhante reconhecimento importaria a subversão das regras de competência dos tribunais próprios para o julgamento de tais matérias e a instalação do perigo da prolação de decisões contraditórias entre os tribunais fiscais e os criminais, sobre questões conexas e prévias às que compete conhecer ao tribunal criminal, com os inevitáveis abalos na segurança, certeza e justiça das decisões. VI. Esta doutrina foi consagrada no Acórdão do STJ indicado como estando em oposição ao acórdão recorrido. VII. Este último fixou jurisprudência no quadro legislativo do RJIFNA no sentido de que a impugnação judicial tributária determinava, independentemente de despacho, a suspensão do processo penal fiscal e, enquanto esta suspensão se mantivesse, a suspensão da prescrição do procedimento penal por crime fiscal. VIII. Este entendimento é actual no quadro normativo do RGIT, desde que exista conexão entre a matéria fiscal em apreciação na impugnação tributária e a matéria objecto da acusação penal. IX. Apesar de ser este o caso nos presentes autos, o acórdão recorrido considerou que o juiz do processo criminal andou bem ao considerar desnecessária a discussão sobre a situação tributária do arguido na impugnação para proceder à qualificação criminal dos factos que lhe foram imputados na acusação, ao abrigo do referido princípio da suficiência. X. Existe, assim, oposição entre os dois acórdãos. XI. Pelas razões invocadas em prol da justificação deste recurso, deverá ser fixada jurisprudência no sentido de que na vigência do RGIT, depois da Lei n.° 53-A/2006, de 29/12, o respectivo artigo 47°, n° 1 deverá ser interpretado no sentido de que a impugnação judicial tributária determina, independentemente de despacho, a suspensão do processo penal fiscal e, enquanto esta suspensão s e mantiver, a suspensão da prescrição do procedimento penal por crime fiscal, desde que se verifique a existência de conexão entre a matéria fiscal em apreciação na impugnação tributária e a matéria objecto da acusação penal. Termos em que requer a V. Exas. que, sempre com o necessário suprimento, se dignem conceder provimento ao presente recurso, procedendo-se à fixação de jurisprudência no sentido indicado na última conclusão, com os efeitos previstos no artigo 445° do CPP.” 3. O Digno Magistrado do Ministério Público no Tribunal que proferiu o Acórdão recorrido, apresentou Resposta ao recurso, tendo finalizado com as seguintes Conclusões: “Em conclusão, dir-se-á que: - o tema dos acórdãos que o recorrente considera em oposição são diferentes; - são distintas as questões neles suscitadas e diversas as disposições legais num e noutro consideradas para as solucionar; - são igualmente diferentes os pressupostos concretos sobre os quais versou a aplicação de tais disposições legais; - consequentemente, não estão verificados os requisitos de que a lei faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, devendo o presente recurso, por isso, ser julgado improcedente. V. Exªs, porém, farão, como sempre a costumada JUSTIÇA”. 4. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se, em direto e douto Parecer, entendendo não se verificarem os requisitos substantivos da oposição de julgados, considerou dever ser rejeitado o presente recurso, designadamente nos termos seguintes: “da simples leitura da motivação do recurso ressalta não estarem verificados os pressupostos para a sua admissão, previstos no nº 1 do art. 437, atrás transcrito. O próprio recorrente afirma, desde logo, que os acórdãos, recorrido e fundamento, foram proferidos na vigência de legislação diversa, quando é requisito para que se verifique a oposição de julgados que às decisões esteja subjacente o mesmo quadro legislativo. Acresce que as questões de direito a resolver não são também as mesmas, como bem demonstra o Magistrado do Mº Pº no Tribunal recorrido na resposta que apresentou e que subscrevemos. Por outro lado, o acórdão indicado como fundamento pelo recorrente é um acórdão uniformizador pelo que o procedimento processual para reagir a uma decisão que o contrarie, dentro do mesmo quadro legislativo, que, como se disse, não é o caso dos autos, seria o recurso previsto no art. 446, do CPP, que, todavia, exige, igualmente, a verificação dos requisitos previstos no art. 437, do CPP.” * Em conformidade, por não estarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 437.º do CPP deve o recurso ser rejeitado, nos termos dos artigos 440.º, n.ºs 3 e 4 e 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.” 5. Foi cumprido o disposto no art. 417, n.º 2 do CPP, tendo o Apresentante vindo aos Autos, contrariando a tese do Ministério Público pela forma seguinte: “1 – O douto parecer do MP defende a rejeição do recurso, por entender que não se verifica o pressuposto próprio deste recurso extraordinário, a saber, a efectiva oposição de julgados, uma vez que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento foram proferidos na vigência de legislação diversa, as questões a resolver não serão as mesmas e o acórdão fundamento é um acórdão uniformizador, pelo que o recurso indicado para reagir a uma decisão que o contrarie é o previsto no artigo 446º do CPP, o qual também exige a verificação dos requisitos consignados no artigo 437º do mesmo código. 2 – Contra este parecer vai o entendimento do recorrente, porquanto: a) As normas do artigo 50º, nº 1 do RGIFNA e do artigo 47º, nº 1 do RGIT têm a mesma redacção, com excepção do segmento “em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados”, presente na segunda. b) O RGIT não alterou nenhum dos princípios subjacentes ao RJIFNA que justificam a suspensão ope legis do processo criminal por crime fiscal, no caso de impugnação tributária dos actos tributários que constituem matéria conexa e prévia aos factos imputados ao arguido no primeiro. c) Neste conspecto, não existe alteração do quadro legislativo aplicável à resolução da questão levantada pelo recorrente e que foi objecto ad decisão recorrida. d) O âmbito do despacho do juiz penal circunscreve-se à apreciação da conexão entre a matéria fiscal em apreciação na impugnação tributária e a matéria objecto da acusação penal, sendo que, no caso de concluir pela existência dessa conexão, estará vinculado por lei a emitir despacho, com natureza declarativa. e) O segmento normativo referido em a) não atribui ao Juiz do processo criminal poderes de tal modo amplos que, ao abrigo do princípio da suficiência do processo penal consignado no artigo 7º, nº 2 do CPP, lhe reconheçam o arbítrio para tudo conhecer e tudo decidir, mesmo em matéria do domínio de um ramo especial do direito (de elevada complexidade e especialidade), submetido a regime especial e a tribunais de competência específica, inseridos fora da organização dos tribunais comuns. f) Semelhante reconhecimento importaria a subversão das regras de competência dos tribunais próprios para o julgamento de tais matérias e a instalação do perigo da prolação de decisões contraditórias entre os tribunais fiscais e os criminais, sobre questões conexas e prévias às que compete conhecer ao tribunal criminal, com os inevitáveis abalos na segurança, certeza e justiça das decisões. g) Esta doutrina foi consagrada no Acórdão do STJ indicado como estando em oposição ao acórdão recorrido. h) Este último fixou jurisprudência no sentido de que a impugnação judicial tributária determina, independentemente de despacho, a suspensão do processo penal fiscal e, enquanto esta suspensão se mantenha, a suspensão da prescrição do procedimento penal por crime fiscal. i) Este entendimento é actual no quadro normativo aplicável, desde que exista conexão entre a matéria fiscal em apreciação na impugnação tributária e a matéria objecto da acusação penal. j) Apesar de ser este o caso nos presentes autos, o acórdão recorrido considerou que o juiz do processo criminal andou bem ao considerar desnecessária a discussão sobre a situação tributária do arguido na impugnação para proceder à qualificação criminal dos factos que lhe foram imputados na acusação, ao abrigo do referido princípio da suficiência. k) Existe, assim, oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento. l) Ao recurso previsto no artigo 446º do CPP são inteiramente aplicáveis as disposições do capítulo iniciado no artigo 437º do CPP (artigo 446º, nº 1, parte final), sendo que a única especialidade reside na possibilidade de interposição directa do recurso para o STJ, a qual, de resto, não teria aplicação prática neste recurso, uma vez que a decisão recorrida vem dimanada do Tribunal da Relação. m) Pelo que não é válida a conclusão de que o recorrente empregou forma de processo diferente da determinada por lei. Por tudo conclui que se encontram verificados todos os pressupostos processuais (gerais e específicos deste recurso), pelo que não subsiste nenhuma razão que obste à sua admissão e conhecimento.” 6. Ocorreriam, neste Processo, vários pedidos de esclarecimento, informação e afins, que levaram à produção de várias peças processuais, tendo todos ficado respondidos e sanados neste Supremo Tribunal de Justiça, designadamente, pelo despacho de 15 de maio p.p. da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta e pelo Despacho do Relator de 8 de junho pp. (todos in Citius). Sem vistos, dada a presente situação pandémica, cumpre apreciar e decidir em conferência. II Dos Acórdãos Particularmente relevantes se afigura os seguintes segmentos dos Acórdãos em cotejo, sem prejuízo, como é óbvio, da atenção que merece a integralidade dos mesmos: A Do Acórdão recorrido Com interesse para a decisão a proferir, saliente-se, no Acórdão recorrido, sem prejuízo da sua integralidade, que se omite, brevitatis causa: “(…) No processo supra identificado, do Tribunal Judicial da Comarca de … Juízo Central Criminal de …. - Juiz …, o requerente AA, ali identificado, vem interpor recurso do despacho judicial de 15/06/2020, que lhe indeferiu o requerimento com pedido de suspensão dos autos até trânsito em julgado das acções que instaurou no Tribunal Tributário ….. (…) No caso, a questão a resolver prende-se com a possibilidade da suspensão do processo por causa prejudicial. Antes de mais vejamos o teor do despacho recorrido, que de seguida se transcreve: 1. Requerimento de fls. 10 270 a 10 276: Mediante o mencionado requerimento, o arguido AA veio requerer a suspensão do presente processo até trânsito em julgado das acções que instaurou no Tribunal Tributário de .... (Procs. n.°s 2527/..., 2528/..., 2529/..., 2642/... e 2579/...). Para fundamentar o seu pedido, o arguido AA veio invocar o disposto no art. 7. °, n. ° 2, do CPP, em conjugação com o art. 47. °, n. ° 1, do RGIT. Apreciando e decidindo: Conforme decorre, desde logo, da epígrafe do art. 7. ° do CPP, o legislador consagrou o princípio da suficiência do processo penal, o que significa que o julgamento das matérias de natureza penal, por parte de um tribunal com competência especializada na área criminal, não estará, por regra, dependente da apreciação de questões ainda que relacionadas por parte de tribunais com competência noutras áreas. Usando as palavras textuais do próprio legislador: "(...) o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessem à decisão da causa (...) " - vide art. 7. °, n. ° 1, do CPP. Todavia, o legislador admite como excepção a este princípio, que o processo penal possa vir a ser suspenso, até que seja proferida decisão sobre uma questão que deva ser apreciada por um tribunal com competência especializada noutra área de actuação, quando esse julgamento for determinante para a existência do crime imputado ao acusado no processo de natureza criminal - vide art. 7. °, n. ° 1, do CPP. Conforme se retira deste dispositivo (assim como, inclusive, da jurisprudência que o arguido AA invoca para sustentar o pedido apresentado), a excepção da suspensão do processo penal apenas encontra fundamento quando o tribunal criminal entenda que a existência do crime imputado ao acusado está dependente da apreciação de uma outra questão jurídica que poderá ser melhor apreciada por um tribunal com competência noutra área de actuação. Em face do que se deixa exposto, torna-se desnecessário explicitar que, caso o processo criminal já esteja definitivamente julgado, a pendência de acções com outra natureza, ainda que relacionadas com a matéria penal, nunca terão a virtualidade de suspender a marchar daquele, por já não estar em causa a "existência de um crime ". Dito por outras palavras: não está em causa a "existência de um crime " quando o tribunal com competência em matéria criminal decida apreciar a acusação (ou a pronúncia), seja no sentido de inocentar ou seja no sentido de condenar o arguido, ainda que possam estar pendentes outras acções judiciais relacionadas com essa matéria. Isto significa que, in casu, tendo o tribunal de primeira instância procedido ao julgamento da matéria constante da acusação e concluído, com transitado em julgado, pela culpabilidade do arguido AA relativamente aos crimes que lhe foram imputados pelo Ministério Público, não colhe qualquer sustento legal a pretendida suspensão deste processo até que o Tribunal Tributário .... aprecie definitivamente as acções instauradas pelo arguido AA. Aliás, essas decisões do Tribunal Tributário .... não tem a virtualidade de afastar o caso julgado formado neste processo, obtido com o trânsito da decisão judicial que condenou o arguido AA pela prática dos crimes que lhe foram imputados pelo Ministério Público, após apreciação dos diversos recursos interpostos. Como dispõe o n.° I do art, 467. ° do CPP, "as decisões penais condenatórias transitadas em julgado têm força executiva em todo o território português e ainda em território estrangeiro, conforme os tratados, convenções e regras de direito internacional". Em face do exposto, estando transitada em julgado a decisão condenatória proferida nestes autos, mostrando-se definitivamente reconhecida a existência (ou cometimento) de crimes e não tendo as eventuais decisões do Tribunal Tributário de .... a virtualidade de afastar o caso julgado e a força executiva da decisão condenatória, indefere-se o pedido apresentado pelo arguido AA para suspensão dos presentes autos até trânsito em julgado das acções que instaurou no Tribunal Tributário .. ... (Procs. n.°s 2527/..., 2528/..., 2529/..., 2642/...e 2579/...). Notifique. Conhecendo. Entende o recorrente que "a suspensão do processo penal será obrigatória quando for absolutamente necessária para a decisão da questão prejudicada (crime fiscal ou tributário), de modo a apresentar-se como um antecedente lógico-jurídico, com carácter autónomo e condicionante do conhecimento da questão prejudicial. O que se verificará quando (i) a questão aí versada revista carácter estritamente tributário, na medida em que vise a tutela judicial dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria fiscal relacionada com a conduta imputada ao arguido e (ii) tal questão tenha, concomitantemente, natureza substantiva e esteja conexionada com o acto tributário, cujo tipo legal fiscal imputado aos arguidos se vise tutelar, sendo, por isso, determinante na sua qualificação e/ou na escolha da pena a aplicar. Os crimes referidos supra traduzem-se na falta de entrega ao Estado de quantias que o arguido recebeu ou reteve, em sede, respectivamente, de IVA e de IRS, apuradas em liquidações adicionais oficiosas. Uma vez que se encontram pendentes impugnações dessas liquidações na jurisdição tributária, as decisões que sobre elas vierem a ser proferidas constituirão o correspondente antecedente lógico-jurídico autónomo, condicionante da decisão do processo penal. As questões versadas nessas impugnações têm natureza exclusivamente tributária e substantiva e estão conexionadas com os actos tributários que determinaram a condenação do arguido pelo tipo penal do artigo 105° do RGIT, sendo a respectiva decisão, por isso, essencial para a determinação da concreta medida da pena unitária. " Mas, não lhe assiste razão, como explicaremos em seguida. Nos termos do n° 1 do art. 47° do RGIT (na redacção introduzida pela Lei 53-A/2006 de 29 de Dezembro), "se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças". Na redacção anterior a 2006, do n.° 1 do art. 47.° não constava "em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados" o que veio esclarecer que tal suspensão não é automática, não bastando a pendência de impugnação judicial tributária ou oposição à execução, para determinar a suspensão imediata do processo penal tributário. Ou seja, torna-se agora necessário analisar se na impugnação judicial apresentada está em causa matéria em que se discuta situação tributária de cuja conclusão dependa a qualificação criminal dos factos imputados. Por sua vez, o n° 2 do art. T do Cód. Proc. Penal diz que "quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida essa questão no tribunal competente ". Isto é: para que se reconheça o carácter de "questão prejudicial" é imprescindível que o julgamento dessa questão seja necessário para se poder conhecer da existência do crime. Ou seja, a suspensão do processo penal fiscal, em consequência de uma impugnação judicial só reveste carácter obrigatório se a mesma for absolutamente necessária para a decisão da questão prejudicada (crime fiscal ou tributário), de modo que se lhe apresente como um antecedente lógico-jurídico, com carácter autónomo e condicionante do conhecimento da questão principal. No caso, O recorrido foi condenado por Acórdão desta Relação proferido em 10/11/2015.1 Invoca que fez juntar ao processado um requerimento com idêntica pretensão daquele que foi objecto do despacho de que agora recorre, antes do trânsito em julgado da decisão proferida pela Relação (req. De 11/1/2016, sendo o último acórdão da Relação de 8/3/2016), mas relativamente a esse requerimento, atempadamente nada foi requerido, estando agora precludida a sua apreciação neste recurso. Agora em causa está apenas o requerimento que deu origem ao despacho recorrido. Assim, no caso em análise a qualificação criminal dos factos e a sua subsunção aos crimes de abuso de confiança fiscal já foram definitivamente fixados, encontrando-se esta matéria já completamente definida e esgotada a possibilidade de recurso. E, a matéria criminal foi objecto de contraditório, tendo sido observadas as regras devidas do julgamento, da decisão e da sindicância dessa decisão por tribunal superior. E, ainda que assim não acontecesse, sempre será de notar que que as impugnações tributárias invocadas pelo recorrente, se movem dentro da questão da competência da entidade fiscal aplicadora, nada tendo a ver com a legalidade das liquidações (como está documentado nos autos) e não se vislumbra a conexão das mesmas com o circunstancialismo fáctico integrante da matéria criminal. Isto é, nada impedia o julgamento da matéria crime tipificada nos ilícitos imputados ao recorrente e, a eventual divergência de liquidação seria sempre matéria cuja prova era permitida em sede do processo e do julgamento crime. Aliás, diga-se, com muito mais garantias de defesa que as permitidas no processo fiscal. Desta forma, é certo que a fixação dos factos provados e a sua qualificação jurídica, não se questiona nem se pode vir a colocar porque sobre ela já se esgotou a possibilidade de recurso. E não sendo a possível decisão do processo de impugnação judicial tributário, condicionante do processo-crime, não há qualquer motivo para declarar a suspensão. Pelo que bem decidiu o despacho recorrido. Assim se entendendo, nada há a censurar no despacho recorrido que se mantém, improcedendo assim o recurso do arguido. II - DECISÃO. Nos termos e pelos fundamentos, expostos, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. (…)” B Do Acórdão fundamento Importa-nos especialmente o seguinte passo do Acórdão fundamento, sem prejuízo da sua integralidade, que aqui se omite, brevitatis causa: “2 - Em causa neste recurso extraordinário para fixação de jurisprudência está a aplicação do chamado Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (adiante designado simplesmente por RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro). Mais concretamente, em discussão está o regime de suspensão do procedimento penal por crime fiscal em virtude de impugnação judicial fiscal. No RJIFNA, aquela matéria era regulada nos respectivos artigos 15.º e 50.º Segundo aquele primeiro preceito legal: «1 - O procedimento criminal por crime fiscal extingue-se, por efeito da prescrição, logo que sobre a prática do mesmo sejam decorridos cinco anos. 2 - O prazo de prescrição do procedimento por crime fiscal suspende-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos do n.º 4 do artigo 43.º e do artigo 50.º» De acordo com o artigo 50.º, na redacção do Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, aplicável in casu, por vigente à data dos factos imputados: «1 - Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição de execução, nos termos do Código de Processo Tributário, o processo penal fiscal suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças. 2 - Se o processo penal fiscal for suspenso, nos termos do número anterior, o processo que deu causa à suspensão tem prioridade sobre todos os outros da mesma espécie.» Actualmente, o Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, regula a matéria no seu artigo 21.º («Prescrição, interrupção e suspensão do procedimento criminal»). Segundo o n.º 4 deste preceito legal, «[o] prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 42.º e no artigo 47.º», sendo que, segundo o n.º 1 desta disposição, «se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças» e, pelo n.º 2, «se o processo penal tributário for suspenso, nos termos do número anterior, o processo que deu causa à suspensão tem prioridade sobre todos os outros da mesma espécie». 3 - Relativamente à matéria em causa, e fundado nos indicados preceitos legais, do acórdão fundamento consta que: «[...] Temos assim que a suspensão da prescrição se verifica por força - é um efeito - da suspensão do processo penal fiscal e esta última é determinada pela existência de processo de impugnação judicial ou de oposição de executado onde se discuta o acto tributário que definiu o montante do imposto que com o crime fiscal o arguido deixou de pagar. Isto quer dizer que não basta a pendência de impugnação judicial ou de oposição de executado para que possa ter-se como verificada a suspensão da prescrição; esta só ocorrerá se o processo penal fiscal for declarado suspenso por virtude daquelas impugnação ou oposição. Na verdade, a causa determinante da suspensão da prescrição é a suspensão do processo criminal fiscal e esta só ocorre se existir despacho judicial que, reconhecendo a existência de fundamento legal para o efeito, a declare.» Por sua vez, discorre o acórdão recorrido: «[...] É nosso entendimento que a suspensão do processo criminal é obrigatória, resultando da própria lei, sem necessidade de despacho a declará-la. Se a suspensão do processo penal é imposta pela lei e se essa suspensão implica a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal, parece-nos evidente a desnecessidade de qualquer despacho a declarar a suspensão do prazo da prescrição. A letra da lei não permite interpretação diferente. Ela impõe a obrigatoriedade da suspensão do processo penal e do prazo da prescrição, sem necessidade de qualquer despacho. Nos casos de suspensão do prazo de prescrição referidos no artigo 120.º do CP/95, como no artigo 119.º do CP/82, não é necessário qualquer despacho a declarar tal suspensão. Ela resulta, como no caso em apreço: da própria lei, sem necessidade de qualquer decisão.» (Cf., em situações similares, a posição do acórdão recorrido foi subscrita nos Acórdãos da Relação do Porto de 9 de Fevereiro de 2005, Colectânea de Jurisprudência, I, pp. 212 e segs., e de 30 de Junho de 2005, Colectânea de Jurisprudência, III, pp. 140 e segs., e nos Acórdãos deste Supremo Tribunal de 17 de Janeiro de 2002, processo n.º 4118/2001, 5.ª Secção, de 6 de Novembro de 2002, processo n.º 2096/2002, e de 22 de Janeiro de 2003, processo n.º 972/2002 - 3.ª Secção.) 4 - A delimitação do sentido e alcance de uma norma jurídica decorre sempre da sua interpretação: a interpretação constitui uma tarefa permanente na actividade jurisdicional, e a aplicação da norma pressupõe a determinação do seu sentido e alcance. Interpretar uma norma não é mais do que fixar o sentido com que há-de valer, determinando o alcance decisivo da respectiva estatuição. A letra ou texto da norma é, naturalmente, o ponto de partida de toda a interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa: eliminar tudo quanto não tenha apoio ou correspondência no texto da norma. Nos limites permitidos pelo texto pode haver, então, que proceder a uma interpretação declarativa, extensiva ou restritiva, ou até correctiva se o texto não tiver sido suficientemente esclarecedor ou permitir mais de uma leitura; a letra é o ponto de partida, mas também é um elemento irremovível da interpretação na procura do sentido com que a norma deve valer, de acordo com critérios de apreensão sistemáticos, históricos, racionais e teleológicos. O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo em que se integra a norma a interpretar, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam questões semelhantes (lugares paralelos); compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretada no ordenamento geral, assim como a sua concordância com o espírito ou a unidade intrínseca do sistema. (Cf., v. g., Inocêncio Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, vol. I, 1999, pp. 235 e segs., e José de Oliveira Ascenção, O Direito - Introdução e Teoria Geral, 1991, pp. 363 e segs.) Cumpre apelar, em primeira linha, ao elemento literal. Deste ponto de vista, verifica-se que nos referidos artigos 15.º, n.º 2, e 50.º, n.º 1, do RJIFNA, o legislador consignou que «o prazo de prescrição do procedimento por crime fiscal suspende-se» no caso de suspensão do processo penal fiscal, «se estiver a correr processo de impugnação judicial [...] nos termos do Código de Processo Tributário», sendo que tal suspensão perdura «até que transitem em julgado as respectivas sentenças». Ou seja, na leitura das palavras, o legislador aponta a pendência do processo de impugnação judicial tributário como uma causa de suspensão do processo penal por crime fiscal e, consequentemente, por referência expressa, do procedimento criminal. Indica, pois, uma causa própria de suspensão, pura e simples e directa, do processo penal por crime fiscal, isto é, sem a fazer depender de qualquer condição. Nomeadamente não estipula a necessidade de um despacho judicial a determinar no contexto indicado a suspensão do processo por crime fiscal. Na imediata expressão verbal, a suspensão do processo penal por crime fiscal decorre, pois, automática e exclusivamente da pendência do processo de impugnação judicial tributário; e a suspensão do processo do processo penal determina ex vi legis suspensão do procedimento criminal. A suspensão de processo penal fiscal em virtude da pendência de processo de impugnação judicial ou oposição à execução afigura-se obrigatória e não apenas facultativa como no processo penal comum. A obrigatoriedade da suspensão do processo penal fiscal é fundamental, pois que o montante do imposto discutido na impugnação judicial ou a oposição à execução fiscal é decisivo quer para a definição da existência de fraude fiscal [alínea a) do n.º 3 do artigo 23.º] quer para a determinação da multa aplicável em alternativa à prisão (nºs 4 e 5 do artigo 23.º e 1, 4 e 5 do artigo 24.º). A suspensão do processo penal fiscal nos termos desta norma prolonga-se até ao trânsito em julgado das decisões da impugnação judicial ou oposição à execução. Durante a suspensão fica suspenso o prazo da prescrição do procedimento criminal artigo 15.º, n.º 2. (Cf., Alfredo José de Sousa, Infracções Fiscais, em anotação ao artigo 50.º do RJIFN.) Depois, importa ter presente o elemento sistemático. Neste contexto, há que considerar o sistema jurídico no seu todo, nomeadamente o sistema jurídico-penal em sentido amplo, num claro e necessário propósito de conjugação, naquilo em que seja possível, entre o RJIFNA e o regime penal e processual-penal comum, por um lado, e entre tais regimes e o processo de impugnação tributária, por outro lado. Naquela primeira vertente, consigna-se que o RJIFNA constitui indubitavelmente um regime penal e processual especial. Além do mais, tal especificidade justifica que às infracções fiscais sejam primeiramente aplicáveis as normas constantes do RJIFNA e subsidiariamente as normas do regime penal e processual-penal comum. Quer isso significar que estas últimas normas apenas serão aplicáveis às infracções fiscais sempre que o RJIFNA seja omisso na matéria e desde que tal aplicação não contrarie as normas e os princípios daquele regime. Ora, dada a omissão do RJIFNA de qualquer expressão sobre a necessidade de despacho judicial declarativo da suspensão do processo penal fiscal e uma vez que no procedimento penal comum a eficácia da suspensão não depende da prévia existência de despacho judicial a declará-la, a aplicação subsidiária do indicado regime comum determinará que a suspensão do processo penal fiscal há-de decorrer da simples verificação da pendência do processo de impugnação tributário, sem necessidade de despacho judicial. Dito de outro modo, a apontada omissão do RJIFNA justifica que se aplique a este o regime penal comum em matéria de suspensão do prazo de prescrição do procedimento penal fiscal e no que respeite à natureza do despacho judicial que eventualmente for proferido: a suspensão decorre da lei, sem necessidade de despacho judicial, o qual terá, pois, se for ou tiver sido proferido, natureza meramente declarativa ou de accertamento, e não constitutiva. A aplicação do regime penal comum mais se justifica até por nesse regime se prever uma situação similar àquela que ora está em causa e também aí a suspensão não depender de despacho judicial que a declare: conforme decorre do artigo 120.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, no procedimento penal comum a suspensão do prazo prescricional ocorre, além do mais, durante o tempo em que o procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a um juízo não penal, sendo que nesse caso a suspensão não está dependente de despacho judicial a declará-la. Se o legislador entendesse que a suspensão do processo penal fiscal, em virtude de impugnação judicial tributária, dependia de um tal despacho, que, assim, assumiria natureza constitutiva, seguramente que o teria consignado para ser diverso do regime penal comum. Tanto mais quanto é certo que expressamente afastou tal regime no que diz respeito ao prazo de prescrição do procedimento criminal por crime fiscal: contrariando o estipulado no artigo 118.º, n.º 1, do Código Penal, onde o prazo prescricional é determinado em função do limite máximo da pena fixada na moldura penal abstracta, o indicado artigo 15.º, n.º 1, do RJIFNA declara um prazo único de prescrição de cinco anos, sem levar em conta a moldura penal abstracta respectiva. Por outro lado, a especificidade do direito fiscal, enquanto ramo de direito, justifica o afastamento do chamado princípio da suficiência do processo penal no domínio do direito penal fiscal em termos tais que a impugnação judicial tributária deve ser necessária e exclusivamente apreciada no processo e nas instâncias próprias; por isso, a pendência aí de tal impugnação constitui causa ope legis de suspensão do processo penal por crime fiscal e, em consequência, por directa imposição da lei, de suspensão do respectivo prazo prescricional, sem necessidade, pois, de despacho judicial que o declare. É manifesto que o direito fiscal constitui um ramo de direito público, imbuído de princípios e normas próprios, do ponto de vista quer substantivo quer adjectivo. Uma tal peculiaridade do direito fiscal justificou a criação de uma ordem jurisdicional própria - os tribunais administrativos e fiscais. Dadas as apontadas especialidades do direito fiscal, a impugnação judicial tributária constitui objecto próprio de apreciação e decisão na competência da jurisdição administrativa e fiscal. Mais constitui matéria da competência exclusiva de tal jurisdição, assim se afastando, neste limite, o princípio da suficiência do processo penal. Nestes termos, se o conhecimento de matéria penal fiscal depender da prévia apreciação de impugnação judicial tributária, esta constitui uma questão prejudicial ope legis ao conhecimento penal e, por isso, suspende o processo penal fiscal até que transite em julgado a decisão proferida em sede fiscal quanto à respectiva impugnação, sem necessidade, pois, de despacho judicial nesse sentido. Apreciado assim o complexo normativo em causa numa perspectiva sistemática, conclui-se que suspensão do procedimento penal por crime fiscal em virtude de impugnação fiscal constitui um imperativo legal, não assumindo, consequentemente, qualquer relevância processual a necessidade de fazer depender aquela suspensão de despacho judicial expresso. Entender o contrário, como o acórdão fundamento e o recorrente, seria admitir ou que o processo penal fiscal pudesse ter um desfecho apesar da impugnação tributária e sem conhecimento desta, o que poderia constituir um acto inútil, caso tal impugnação fosse parcial ou integralmente deferida, ou que no processo penal fiscal se conhecesse da impugnação fiscal, com o risco de uma contradição de julgados e numa perspectiva assistemática contrária à especificidade dos planos pretendida pelo legislador. Nestes termos, a coerência sistemática supõe que a impugnação fiscal determine a suspensão do processo por crime fiscal até ao desfecho da impugnação e, por tal suspensão, a suspensão do procedimento criminal sem necessidade de despacho que o declare. Finalmente, o elemento teleológico. A prescrição do procedimento penal funda-se em razões quer de natureza processual quer de natureza substantiva. Quanto àquelas, dir-se-á que o decurso do tempo torna mais penosa a investigação, aumentando o risco de erros judiciários. Substancialmente, a prescrição do procedimento penal radica no enfraquecimento e mesmo na cessação de necessidades de prevenção do ilícito penal, necessidades essas quer gerais quer especiais: decorrido um certo tempo da prática do tipo de ilícito penal sem que o respectivo procedimento seja instaurado ou sem que o mesmo tenha o seu teminus, justifica-se a correspondente extinção por estar atenuado, ou mesmo desaparecer, o juízo de censura comunitário e a apreensão deste por parte do agente (cf., v. g., Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pp. 699 e segs.). Ora, havendo impugnação judicial tributária, a pendência desta confere persistência ao conflito que o procedimento penal fiscal constitui, pelo que inexiste enfraquecimento, e muito menos cessação, das necessidades de prevenção do crime durante a pendência daquela impugnação judicial. Persistindo em discussão matéria conexa e prévia à apreciação do ilícito penal fiscal, nem se mostra apaziguado por qualquer forma o juízo comunitário de censura, nem o agente pode alegar um tal desfasamento relativamente ao facto que justifique a impertinência da reacção penal. Nestes termos, a simples pendência do processo de impugnação tributária justificará por si só a suspensão do processo penal fiscal. Naquelas circunstâncias, fazer depender de despacho judicial a suspensão do processo penal fiscal seria esquecer a situação de conflitualidade que a pendência da impugnação tributária encerra e a prejudicialidade ope legis da questão que constitui seu objecto. E o prazo de prescrição do procedimento criminal por crime fiscal suspende-se, nos termos dos artigos 15.º, n.º 2, e 50.º do RJIFNA (Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, aplicável no caso) por «efeito da suspensão do processo», se estiver a correr processo de impugnação judicial. 5 - Em suma, com recurso a critérios de interpretação, fundados nos elementos literal, sistemático e teleológico de interpretação (artigo 9.º do Código Civil), a norma do artigo 50.º, n.º 1, do RJIFNA deve ser interpretada no sentido de que a suspensão da prescrição do procedimento penal fiscal decorre ope legis da suspensão do processo em virtude de impugnação judicial tributária, não dependendo, pois, de prévio despacho judicial que a declare. V - Pelo exposto, confirma-se o acórdão recorrido, fixando-se a seguinte jurisprudência: «Na vigência do artigo 50.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, a impugnação judicial tributária determinava, independentemente de despacho, a suspensão do processo penal fiscal e, enquanto esta suspensão se mantivesse, a suspensão da prescrição do procedimento penal por crime fiscal.» (…)”. III Fundamentação A Questões Processuais Prévias 1. Não se vislumbram quaisquer motivos que impeçam o conhecimento do recurso por este Supremo Tribunal de Justiça. No pertinente aos pressupostos processuais comuns, não parece suscitarem-se quaisquer questões que obstem ao conhecimento do recurso, em nenhum dos itens a considerar, in casu: legitimidade do recorrente ou tempestividade do recurso, devendo apenas notar-se que, nos termos do art. 438, n.º 3 do CPP, ele não tem efeito suspensivo e sobe nos termos indicados no art. 439 n.º 2, do CPP. B Do Direito em Geral 1. Importa, antes de mais, ter presente o sistema normativo em que se enquadra a presente questão. Dispõe o art. 437, n.º 1, do CPP, sobre o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que “Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.”. Mais prevê o n.º 2 do mesmo preceito legal que “É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça”. E de acordo com o n.º 3 do mesmo normativo, se entende que “Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida.”, sendo que, nos termos do n.º 4 “Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado”. De acordo com o n.º 5 do mesmo preceito legal, têm legitimidade para interpor este recurso extraordinário, o arguido, o assistente e as partes civis, sendo o mesmo obrigatório para o Ministério Público. Para além disso, estabelece o art. 438.º, do CPP, no seu n.º 1, que “O recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em primeiro lugar”, mais prevendo, no seu n.º 2, que “No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.”. 2. Neste contexto legal, a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da existência de determinados pressupostos formais e substanciais. Para usar as palavras do Acórdão deste STJ, de 13-02-2013, proferido no processo n.º 561/08.6PCOER-A.L1.S1 “entre os requisitos de ordem formal contam-se: legitimidade do recorrente, que é restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis; interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis; não ser admissível recurso ordinário; interposição no prazo de 30 dias a partir do trânsito da decisão proferida em último lugar; identificação do acórdão que está em oposição com o recorrido, não podendo ser invocado mais do que um acórdão; trânsito em julgado de ambas as decisões. São requisitos de ordem substancial: existência de oposição entre dois acórdãos do STJ, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão de uma Relação e um do STJ; a oposição referir-se à própria decisão e não aos fundamentos; identidade fundamental da matéria de facto”. 3. Donde se poderá concluir que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação dos seguintes requisitos formais e substanciais (arts. 437 e 438, n.ºs 1 e 2, do CPP). Brevitatis causa, de entre vária jurisprudência, atente-se na síntese do Sumário do Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 27/01/2010, proferido no Proc.º n.º 6463/07.6TDLSB.L1-A.S1:
“I - A oposição relevante de acórdãos só se verifica quando, nos acórdãos em confronto, existam soluções de direito antagónicas e, não apenas, contraposição de fundamentos ou de afirmações, soluções de direito expressas e não implícitas, soluções jurídicas tomadas a titulo principal e não secundário. II - As soluções jurídicas opostas devem reportar-se a uma mesma questão fundamental de direito, no quadro da mesma legislação aplicável e de uma mesma identidade de situações de facto. III - A justificação da oposição de julgados, enquanto pressuposto do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, constitui um ónus do recorrente e corresponde à explicitação por ele, da causa de pedir quanto à fixação pretendida: por essa via, o recorrente indica as razões em que funda a alegada oposição de julgados, mencionando claramente a questão jurídica controversa. IV - Têm-se por verificados os pressupostos de interposição do aludido recurso, se acórdãos fundamento e recorrido foram proferidos no âmbito da mesma legislação, ambos se referem à mesma norma, aludem a uma situação de facto idêntica e concluem diferentemente relativamente à questão de direito, ocorrendo manifesta oposição de julgados.” Sintetizando: 3.1. São requisitos de ordem formal: 1. a legitimidade do recorrente (sendo esta restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis); e interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis (já que tal recurso é obrigatório para o MP); 2. a identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição, e, se este estiver publicado, o lugar da publicação; com justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência; 3. O trânsito em julgado de ambas as decisões; 4. a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito da decisão proferida em último lugar; 3.2. São requisitos de ordem substancial: 1. existência de oposição entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão da Relação e um do Supremo Tribunal de Justiça; 2. verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões; 3. oposição referida à própria decisão e não aos fundamentos (as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções opostas para a mesma questão fundamental de direito); 4. as decisões em oposição sejam expressas; 5. identidade de situações de facto. 4. Especificamente no que concerne aos requisitos substanciais, para que se verifique a oposição de julgados, é necessária a existência de decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, proferidas no domínio da mesma legislação, e bem assim que estas decisões se apresentem como julgados expressos e não meramente implícitos. Ou seja, a exigência de oposição de julgados é de considerar-se preenchida quando, nos acórdãos em confronto, manifestamente e de modo expresso (e não apenas tacitamente), sobre a mesma questão fundamental de direito, se acolham soluções opostas, no domínio da mesma legislação. Neste sentido, poder-se-á ver, inter alia, o Acórdão do STJ de 27-04-2017, Proc. n.º 1/17.0YFLSB.S1-A – 5.ª Secção: “II - Para definir a oposição de julgados exige-se que, além de antagónicas, as asserções de direito tenham que ser expressas, pois o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência só se justifica em casos absolutamente nítidos de contradição entre tribunais superiores sobre determinada questão jurídica, devidamente fundamentada em qualquer deles. III - Os dois acórdãos têm de assentar em soluções opostas, a oposição deve ser expressa e não tácita, ou seja, tem de haver uma tomada de posição explícita e divergente quanto à mesma questão de direito.” . 5. A estes requisitos de ordem substancial, a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça aditou (o que parece decorrer da própria natureza das coisas, que subjaz ao juízo) a necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito. Ou seja, impõe-se que as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as situações. Quer isto dizer que a mesma norma ou segmento normativo tem de ser aplicada(o) com sentidos opostos a situações fácticas “iguais” ou, pelo menos, equivalentes. Mesmo que a diferença factual de ambos os processos, a do Acórdão recorrido e a do Acórdão fundamento, seja inelutável, por dizer respeito a acontecimentos históricos diversos, terá de se tratar de diferenças factuais inócuas que nada interfiram com a feição jurídica do caso – terá de haver, por assim dizer, uma homologia substancial, para além dos epifenómenos, dos pormenores, dos detalhes, que naturalmente sempre mudam, de caso para caso. Se assim não fosse, não poderia nunca aplicar-se este requisito, pela diversidade normal e evidente das coisas humanas e sociais. Veja-se quanto a esta matéria, v.g., o Acórdão do STJ de 27-06-2019, Proc. n.º 4/18.7GBSBG.C1-A - 5.ª Secção, que refere expressamente a “identidade substancial” como mínimo relevante: IV - Para além dos requisitos formais, o recurso de fixação de jurisprudência terá que cumprir requisitos substanciais que se traduzem numa oposição expressa, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão de direito, tendo subjacente uma identidade de situações de facto ou pelo menos uma identidade substancial, de tal forma que em ambos os casos se exigisse uma mesma solução de direito” . Compreende-se que assim seja, com as cautelas hermenêuticas aduzidas, já que a falta de identidade dos factos poderia explicar a prolação de soluções jurídicas díspares: apenas sobre a mesma situação de facto se pode verificar se existe ou não oposição de soluções de direito, isto é, apenas perante identidade (ou pelo menos profunda homologia) de pressupostos de facto se pode avaliar da existência/inexistência de oposição de soluções de direito. Sendo a identidade absoluta difícil de encontrar, excecionam-se, naturalmente, os casos em que as diferenças factuais são inócuas e, por isso, em nada interferem com a feição ou aspeto jurídico do caso. 6. Naturalmente, de acordo com o art. 441, n.º 1, do CPP, se ocorrer motivo de inadmissibilidade ou o tribunal concluir pela não oposição de julgados, o recurso é rejeitado; se concluir pela oposição, o recurso prossegue. C Factos e Direito no Caso 1. O problema que se põe na oposição que deve verificar-se entre Acórdãos para a consideração da ocorrência da necessidade de fixação de jurisprudência não é meramente uma questão de Direito, mas começa, precisamente, nos factos. Como já foi reconhecido por este Supremo Tribunal de Justiça, v.g. no Acórdão STJ 206/16.0T9FND.C1-A.S1, de 24/06/2020: “A identidade das situações de facto subjacente aos dois acórdãos em conflito é que permitiria estabelecer uma comparação que venha a concluir que, quanto à mesma questão de direito, existem soluções opostas e a necessidade de a questão decidida em termos contraditórios ser objeto de decisão expressa (as soluções em oposição têm de ser expressamente proferidas).” (Sumário, VI). Importa, pois, cotejar a factualidade em causa em cada um dos Acórdãos em confronto. E depois apreciar se as soluções jurídicas respetivas serão antinómicas ou não. Como é óbvio, não se podem considerar contraditórias, neste contexto, soluções sobre questões de facto diversas. Antes mesmo, pois, de as analisar de iure, há que aquilatar das situações de facto. Como claramente se expressa no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 19-04-2017, Proc. n.º 168/13.6TACTX.L1-A.S1: "A oposição de julgados, como pressuposto do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, implica que os acórdãos em confronto - recorrido e fundamento – se hajam debruçado e pronunciado sobre a mesma questão de direito, com consagração de soluções divergentes, perante situações ou casos idênticos, devendo a oposição reflectir-se expressamente nas decisões, razão pela qual só ocorre oposição relevante quando se verifiquem decisões antagónicas e não apenas mera contraposição de fundamentos ou de afirmações. II - Só se pode considerar ocorrer identidade de situações ou casos quando a matéria de facto (os factos dados por provados na decisão proferida sobre a matéria de facto) é coincidente. III - Não sendo a matéria de facto igual ou equivalente não se poderá concluir que a divergência do resultado decisório resulta de diferente interpretação e aplicação da mesma norma jurídica, ou seja, que se verifica oposição em termos de direito." (sublinhado nosso). 5. Não é, evidentemente, esta a sede para desenvolver teorização sobre os factos imputados ao recorrente (nem o seu enquadramento criminal), mas estritamente de a essa matéria ter presente, em pano de fundo, apenas no que possa interessar ao quid sub judice: ou seja, aquilatar se se encontram preenchidos ou não, no caso, os requisitos para a admissão no Supremo Tribunal de Justiça deste recurso para fixação de jurisprudência. 6. Uma comparação a empreender tem de verificar a homologia de situações e crimes, com soluções jurídicas contudo diversas. Uma vez elencados os traços gerais sobre a admissibilidade do recurso para fixação de jurisprudência, analisemos o caso em apreço. 7. Note-se, antes de mais, as diferentes questões em apreço. Diz o Sumário do Acórdão fundamento (e tal foi a jurisprudência então fixada): “Na vigência do artigo 50.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, a impugnação judicial tributária determinava, independentemente de despacho, a suspensão do processo penal fiscal e, enquanto esta suspensão se mantivesse, a suspensão da prescrição do procedimento penal por crime fiscal” Ou seja, o que estava em causa era, na situação que deu lugar ao Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, averiguar se a suspensão do procedimento penal, por motivo de impugnação fiscal, nos termos dos artigos 43, n.º 4, e 50 do Regime Jurídico das Infrações Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA - aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de janeiro, na redação do Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de novembro), resultava diretamente da lei ou dependia de despacho judicial que a declarasse. Já no Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Lisboa, em causa estava saber se haveria lugar à suspensão do processo penal (mais, concretamente, se haveria lugar à suspensão do referenciado processo 9492/05.0THLSB2), ao abrigo do disposto no artigo 7.º do Código de Processo Penal e do artigo 47.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT - aprovado pela Lei n.º 15/2001 de 5 de junho). 8. Há, evidentemente, em ambos os casos questões de suspensão do processo. Mas o recorte jurídico é diverso. Aliás, como é aliás enfatizado no douto Parecer da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, “O próprio recorrente afirma, desde logo, que os acórdãos, recorrido e fundamento, foram proferidos na vigência de legislação diversa, quando é requisito para que se verifique a oposição de julgados que às decisões esteja subjacente o mesmo quadro legislativo.” Não se ignora que, na sua resposta (cumprido o art. 417, n.º 2 do CPP), o recorrente tem um entendimento próprio do requisito da identidade de legislação, neste tipo de recursos, designadamente considerando que: “a) As normas do artigo 50º, nº 1 do RGIFNA e do artigo 47º, nº 1 do RGIT têm a mesma redacção, com excepção do segmento “em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados”, presente na segunda. b) O RGIT não alterou nenhum dos princípios subjacentes ao RJIFNA que justificam a suspensão ope legis do processo criminal por crime fiscal, no caso de impugnação tributária dos actos tributários que constituem matéria conexa e prévia aos factos imputados ao arguido no primeiro. c) Neste conspecto, não existe alteração do quadro legislativo aplicável à resolução da questão levantada pelo recorrente e que foi objecto da decisão recorrida.” Embora sufraguemos a perspetiva segundo a qual não é necessário que se esteja estritamente no domínio da mesma legislação em ambos os Acórdãos (recorrido e fundamento), e se possa fazer uma interpretação lata ou “generosa” do requisito “no domínio da mesma legislação” (Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI, p. 275; Manuel Simas-Santos / Manuel Leal-Henriques, Recursos Penais, 9.ª ed., Lx., Rei dos Livros, 2020, p. 215), há que verificar se se verificam os requisitos: - do julgamento contraditório explícito da mesma questão; - da natureza de direito e não de facto da questão julgada de forma oposta num e noutro dos Acórdãos; - da identidade (pelo menos) entre questões debatidas em ambos os Acórdãos; - inalterabilidade da legislação, entre a prolação de ambos os acórdãos. (cf. Manuel Simas-Santos / Manuel Leal-Henriques, cit., pp. 216-217). Este último requisito remete-nos, naturalmente, para o art. 437, n.º 3 do CPP, que assim dispõe: “Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.”. Não cremos que se possa minimizar o segmento introduzido na lei nova, nem sequer acolhendo-o à sombra dos princípios gerais, que certamente haveriam de ser mantidos, no respetivo âmbito legislativo. O segmento “em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados” não parece, em termos gerais, despiciendo. Contudo, não se insistirá nesta questão, que pode ter as suas subtilezas hermenêuticas, porquanto avultam outros aspetos mais líquidos na questão. 9. Além do problema da diversidade de legislação, releva a diferença de questões em causa, remetendo, pelo menos, para os requisitos do julgamento contraditório explícito da mesma questão e da identidade (pelo menos) entre questões debatidas em ambos os Acórdãos. Assim, vejamos: O acórdão fundamento curou de uma oposição de julgados. Em causa estavam o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 8 de junho de 2005, no processo n.º 1599/2005, que decidiu, inter alia, que a suspensão do procedimento penal, por motivo de impugnação fiscal, nos termos dos artigos 43, n.º 4, e 50 do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, resulta diretamente da lei, não dependendo, pois, de despacho judicial a declará-la, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 24 de janeiro de 2001 (publicado na colectânea de jurisprudência, ano XXVI, t. I, de p. 56 a p. 58) que decidiu que a suspensão da prescrição por efeito de existência de processo de impugnação fiscal só ocorre se no processo penal fiscal houver despacho judicial que declare tal suspensão. Já, por seu turno, o Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação de Lisboa versou sobre o pedido do recorrente para que fosse ordenada a suspensão do processo, tendo aquele Tribunal concluído que, e passamos a transcrever: “…a fixação dos factos provados e a sua qualificação jurídica, não se questiona nem se pode vir a colocar porque sobre ela já se esgotou a possibilidade de recurso. E não sendo possível decisão do processo de impugnação judicial tributário, condicionante do processo-crime, não há qualquer motivo para declarar a suspensão”. Embora haja um fumus, ou “ar de família” nas questões, não se pode dizer que sejam as mesmas, ou a mesma, tout court. 10. Relevante também para a questão da (im)procedência do presente recurso, que é apresentado como de fixação de jurisprudência, é o facto de o Acórdão fundamento ser precisamente, já, um Acórdão de fixação de jurisprudência. O Recurso refere, nomeadamente, o seguinte, com uma tese de dupla validade / invalidade do mesmo. Com efeito: “B) O acórdão em oposição: Foi proferido na vigência do artigo 50°, n° 1, do D.L. n° 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do D.L. n° 394/93, de 24 de Novembro e fixou jurisprudência no sentido de que a impugnação judicial tributária determinava, independentemente de despacho, a suspensão do processo penal fiscal e, enquanto esta suspensão se mantivesse, a suspensão da prescrição do procedimento penal por crime fiscal. Este acórdão encontra-se caducado enquanto acórdão de fixação de jurisprudência, uma vez que a sua doutrina valia para o quadro legal revogado pelo RGIT. Mas, o referido artigo 50°, n° 1, com excepção do segmento "em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados" tinha uma redacção precisamente igual à do artigo 47°, n° 1 do RGIT. Este acórdão perfilhou o entendimento de que, em suma, com recurso a critérios de interpretação, fundados nos elementos literal, sistemático e teleológico de interpretação, a norma do artigo 50°, n° 1 do RJIFNA deve ser interpretada no sentido de que a pendência do processo de impugnação judicial tributário é causa de suspensão do processo penal por crime fiscal, indicando uma causa própria de suspensão, pura, simples e directa do processo penal fiscal, sem a fazer depender de qualquer condição, nomeadamente, a necessidade de um despacho a determinar a suspensão do processo por crime fiscal; esta última decorre, automática e exclusivamente, da pendência do processo de impugnação judicial tributário, sendo obrigatória e não apenas facultativa como no processo penal comum.” Por um lado, considera-se que Acórdão se encontra “caducado”, mas, por outro lado, é ele próprio o Acórdão fundamento. Embora a legislação vigente não corresponda inteiramente (como se viu, mesmo considerando apenas a literalidade de um artigo) àquela sobre que ele versava… motivo por que, ao mesmo tempo, o referido aresto não valeria como fixação de jurisprudência (deixando o terreno livre para um recurso como o presente e não contra jurisprudência fixada) mas valeria (a que título, se poderia perguntar) como acórdão fundamento (simpliciter? exautorado na sua caracterização própria original?). A construção pode ser interessante, e consentir alguma argumentação engenhosa, mas não parece coerente uma ordem jurídica admitir que um aresto ao mesmo tempo estará vivo e morto, com as devidas consequências, umas de costas voltadas para as outras. É verdade que o processo, se poderá deduzir, por exemplo, da evolução do pensamento de um Benjamin Cardozo (The Nature of the Judicial Process), será mais criação que descoberta. Mas haverá certamente limites, como os da lógica do “ser” e do “não ser”, do valer e do não valer. No caso vertente, acompanhamos a interpretação (que é, aliás, também a do Ministério Público) considerando, sobre este aspeto, que o acórdão indicado como fundamento é um acórdão uniformizador. É-o ainda. Não perdeu parcial e seletivamente essa qualidade. Mesmo o direito “histórico” continua a ser direito positivo, embora com a sua vigência prejudicada, ou, pelo menos modulada. E assim, o procedimento processual legalmente apto a reagir a uma decisão que o contrarie, ainda que não no domínio estrito da mesma legislação, mas dentro do mesmo quadro legislativo (que, contudo, nem será – pelo menos cabalmente – o caso dos presentes autos), seria o recurso previsto no art. 446, do CPP. O qual, aliás, igualmente exige a verificação dos requisitos constantes do art. 437, do CPP. Não é, pois, o presente, o recurso requerido a visar os efeitos pretendidos, dado o caráter do Acórdão fundamento. IV Dispositivo Nestes termos, acorda-se em conferência, na 3.ª Secção (Criminal) do Supremo Tribunal de Justiça, em rejeitar o recurso, nos termos dos artigos 440, n.ºs 3 e 4 e 441, n.º 1, do Código de Processo Penal, por não estarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 437 do CPP. Custas pelo recorrente, com 2 UCs de taxa de justiça Supremo Tribunal de Justiça, 30 de junho de 2021 Ao abrigo do disposto no artigo 15.º-A da Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, o relator atesta o voto de conformidade da Ex.ma Senhora Juíza Conselheira Adjunta, Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida. Dr. Paulo Ferreira da Cunha (Relator) Dr.ª Maria Teresa Féria de Almeida (Juíza Conselheira Adjunta) _____ 1. Sendo que, em 08/03/2016 foi ainda proferido acórdão que conheceu de nulidades arguidas em relação ao acórdão principal. |