Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99B332
Nº Convencional: JSTJ00037101
Relator: LÚCIO TEIXEIRA
Descritores: INVENTÁRIO
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
Nº do Documento: SJ199905180003322
Data do Acordão: 05/18/1999
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N487 ANO1999 PAG321
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 1488/98
Data: 12/03/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROC INVENT.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 2056 ARTIGO 2061 ARTIGO 2101.
CPC95 ARTIGO 295 N1 ARTIGO 299 N1 ARTIGO 1326 N1 ARTIGO 1353 N1 N6.
Jurisprudência Internacional: AC STJ DE 1974/07/26 IN BMJ N239 PAG162.
Sumário : Em processo de inventário para partilha de herança, não é admissível a desistência do pedido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
A e marido requereram, em 14 de Abril de 1994, a abertura de Inventário Facultativo, por decesso do pai daquela, verificado em 10 de Janeiro de 1994, no estado de casado B, em primeiras e únicas núpcias de ambos os cônjuges e no regime da comunhão geral de bens.
São interessados sucessores, além daqueles requerentes e da viúva do "de cujus", o filho do casal C, casado, com D, beneficiário também de doação feita por seu pai.
Realizou-se a conferência de interessados que foi suspensa para realização de segunda avaliação requerida pelo donatário.
Indeferida reclamação dos Requerentes do Inventário contra essa segunda avaliação vieram eles apresentar por requerimento a sua desistência da Instância a que se opôs o filho C, requerendo mesmo o prosseguimento dos autos ainda mais porque também ele havia instaurado inventário com a mesma causa, arquivado entretanto pela litispendência com este.
Indeferida essa desistência da instância, vieram então os mesmos Requerentes deste Inventário formalizar nos autos termo de desistência do pedido, que igualmente viram indeferido por despacho de 15 de Julho de 1996.
Inconformados com esta decisão, dela agravaram estes Requerentes, recursos que foi admitido com subida diferida.
Prosseguindo este Inventário os seus trâmites processuais, elaborou-se o mapa de partilha, sendo esta homologada por sentença de 26 de Janeiro
de 1998.
Também inconformados com esta sentença, os mesmos Requerentes dela apelaram para a Relação de Coimbra que deu provimento ao Agravo, revogando o respectivo despacho recorrido para ser substituído por outro que homologue a desistência do pedido, com as consequências processuais daí advindas, e julgou prejudicado o conhecimento da Apelação.
Inconformados com esta decisão, dela agravaram agora os Interessados C e mulher para este STJ, produzindo alegações e formulando as seguintes conclusões:
1.- Os requerentes do inventário não podem desistir do mesmo.
2.- Ao requererem o inventário declararam inequivocamente que aceitaram a herança e exigiram a partilha.
3.- Com a aceitação torna-se irrevogável o direito dos requerentes.
4.- Porque direito indisponível não é permitida a desistência do pedido.
5.- A desistência do pedido extingue o direito dos desistentes à partilha.
6.- Este direito é irrenunciável.
7.- Não admite desistência ou renúncia.
Ao decidir-se em contrário violaram-se os preceitos dos artigos 2056, 2061, 2101 todos do CCIV e os artigos 295 e 299 do CPC.
Pedem o provimento do recurso.
Não há contra-alegações.
Cumpre decidir segundo a situação de facto acima retida e no âmbito das
conclusões do recurso, considerando que é por essas que se estabelecem os limites objectivos deste - artigos 684, n. 3, e 690 do CPC.
«O inventário-divisório tem como objectivo final a partilha de uma massa de bens pelos respectivos titulares». Assim ensina A.dos Reis in Proc. Esp., 2., pág. 356.
Daqui decorre, desde logo, que o inventáiro-divisório, como é o do caso dos autos, não é propriedade ou instrumento de exercício de direitos exclusivo de qualquer um dos interessados nele.
O processo de inventário, tendo por função primordial a de pôr termo à comunhão hereditária, como se expressa o n. 1 do artigo 1326 do CPC/67, e já assim se expressava o mesmo preceito na versão do CPC/61, uma vez aberto ou instaurado e admitido por todos os interessados nele, como no caso dos autos, é um meio processual cuja disponiblidade a todos estes pertence e só por todos pode ser exercida. É que a todos os herdeiros ou interessados na universalidade em causa, a herança, assiste o direito de a dissolver ou de nela se manter - artigo 2101 do CCIV - e, uma vez que todos aqueles aceitaram partilha-la no processo instaurado, este instrumento ficou ao alcance de todos eles e não só daqueles que o requereram. Essa é mesmo uma das razões fundamentais por que tradicionalmente o nosso legislador sempre tem tratado este meio processual como um processo especial.
Este mesmo princípio de que o inventário divisório, uma vez instaurado por algum ou por todos os seus interessados, mas por todos admitido e com intervenção nele, só por todos eles pode ser disposto, afirma-se até na "unanimidade" dos interessados exigida pelo artigo 1353, n. 1, do CPC/61 e 97, e n. 6 do CPC/97.
É este mesmo princípio que faz o legislador pôr o processo de inventário a girar, não em torno de partes ou intervenientes antagónicos, o elemento subjectivo do processo comum, mas à volta de interessados no mesmo objectivo comum, como é o da partilha da herança, visão tipificadora de processo especial torneado em função da colaboração dos seus sujeitos, que não da oposição entre eles. Aqui, e neste âmbito, não há conflito de interesses, mas concurso deste na dissolução da universalidade herança.
Já de todo o exposto resulta que a figura processual comum da desistência do pedido não se ajusta ao processo especial de inventário.
A desistência do pedido é um instituto processual que arranca da arrogância prévia por um autor, não um simples interessado, contra um réu, não outro mero interessado, de um direito cujo reconhecimento judicial pretende. Ora, no processo de inventário, o seu requerente ou requerentes não afirmam qualquer direito seu contra os restantes interessados.
A sua exacta função como requerentes, quando em correlação com os outros interessados, é tão-só a de manifestar o seu direito à partilha e a de chamar os restantes co-interessados ao processo para que com ele colaborem na realização desse fim. Se estes o aceitarem e intervierem no processo, aquela finalidade volve-se em comum e o processo torna-se num instrumento adjectivo de todos , não sendo mais lícito a qualquer deles, isoladamente, extingui-lo, designadamente pelo exercício duma pretensa desistência do pedido. É que, com a interveniência dos interessados no inventário, ao pedido de partilhas nele formulado pelos seus requerentes aderiram também aqueles outros, pelo que estes se tornaram também titulares do mesmo pedido de partilhas. Estes passaram também, por esse modo, a exercitar o seu igual direito de partilhas nesse processo, pelo que lhes é ineficaz a declaração unilateral dos seus requerentes de que desistem do pedido.
Para uma situação paralela, a da notificação para preferência, este STJ, no seu AC. de 26 de Julho de 1974, in BMJ 239/162 posicionou-se na mesma linha sustentando que "A desistência do pedido não pode operar-se quando a sua concretização represente o prejuízo de um direito já nascido para o sujeito passivo da relação processual". Esta doutrina serve perfeitamente ao processo de inventário, ao caso concreto dos autos.
Depois, se tal desistência de pedido fosse admitida, não podia ela deixar de produzir o seu efeito típico de extinção do direito pretendido feito valer, imposto pelo n. 1 do artigo 295 do CPC. É que não pode estar-se a exercitar um instituto legal típico e a aplicarem-se-lhe efeitos acomodados ou atípicos, e, pior ainda, por mera conveniência ou egoísmo do desistente: Se lhe não serve ou não gosta da partilha processualmente desenhada pôe-se-lhe termo pela desistência do pedido, sem extinção do direito seu objecto, podendo o desistente repetir a acção, como defende o Acórdão recorrido.
Não, e depois, a desistência do pedido neste inventário, formulada apenas pelos seus Requerentes, envolvendo o seu direito de exigir partilha, se admissível, teria necessariamente como efeito a perda desse seu direito. Acontece, porém, que tal direito é um direito indisponível e essa sua natureza proíbe a desistência que o contrarie, como é o caso aqui - artigo 299, n. 1 do CPC.
Por outro lado, como muito bem, técnica e sensatamente, diz a M. Juíza da Primeira Instância, os ora desistentes do pedido, ao requererem o presente inventário e ao prosseguirem nele até se mandar proceder à elaboração do mapa de partilhas, manifestaram inequívoca e expressamente a sua aceitação da herança e tal declaração é irrevogável, como o dispõe o artigo 2061 do CCIV.
Ora, sendo, como é, irrevogável a aceitação da herança havida pelos requerentes - desistentes, tal volveu-se em seu direito indisponível e, por aquela disposição legal imperativa, proibido lhe está pelo artigo 299, n. 1 do CPC, a afirmação de vontade relativa a tal revogabilidade pela via da desistência do pedido.
Nestes termos, procedem as conclusões do recurso, entendendo-se que o Acórdão recorrido violou efectivamente os artigos 2056, 2061 e 2101 do CCIV e os artigos 295 e 299 do CPC, impondo-se a sua revogação.
Pelo exposto, dando provimento ao Agravo, revoga-se o Acórdão recorrido, decidindo-se, como na 1. Instância, não se homologar o referido termo de desistência do pedido, e ordenando-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação de Coimbra para conhecimento da Apelação entretanto considerado prejudicado.
Custas pelos Agravantes.

Lisboa, 18 de Maio de 1999.
Lúcio Teixeira,
Dionísio Correia,
Sousa Guedes.