Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1451/07.5TBGRD.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO BERNARDO
Descritores: FOGO DE ARTIFICIO
RESPONSABILIDADE CIVIL
AUTORIA
PRESUNÇÃO DE CULPA
LIMITE DA INDEMNIZAÇÃO
CEGUEIRA PARCIAL
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 07/05/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ RESPONSABILIDADE CIVIL/ MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES /OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
Doutrina: - Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, pág. 686.
- Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, pág. 58.
- José Alberto Gonzalez, Responsabilidade Civil, pág. 50.
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Direito das Obrigações, Tomo III, pág. 739.
- Reglero de Campos, coord., Tratado de Responsabilidad Civil, Tomo III, Parte Especial, pág.526.
- Sinde Monteiro, RLJ, Ano 139.º, pág. 132 e ss..
- Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, pág. 392.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 8.º, N.º3, 342.º, N.º2, 490.º, 493.º, N.º2, 494.º, 497.º, N.º1, 566.º, N.º3.
DL N.º 352/2007, DE 23-10.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 1.3.2001, REVISTA N.º 4074/00;
-DE 19.11.2002, REVISTA N.º 3254/02;
-DE 4.11.2003, PROCESSO N.º 03A3038, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 8.11.2005, PROCESSO N.º 3003/05;
-DE 30.11.2006, PROCESSO N.º 06B3622, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 9.10.2008, PROCESSO N.º 08A2669, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 9.9.2010, PROCESSO N.º 63/10.0YFLSB;
-DE 19.1.2011, PROCESSO N.º 6034/08.OTDPRT.P1.S1, EM WWW.DGSI.PT;
-DE 16.3.2011, PROCESSO N.º2113/05.3TBAVR.C1.S1;
-DE 6.10.2011, PROCESSO N.º 609/2002.P1.S1.
Sumário :

1 . A teoria – aceite em direito penal - do domínio funcional do facto, relativa à determinação da autoria, é válida  mutatis mutandis no domínio da responsabilidade civil.

2. Assim, tendo uma Comissão de Festas e seus membros, porque organizaram uma sessão de fogo de artifício, mantido o domínio funcional das diligências a esta atinentes – não obstante a atuação específica do pirotécnico – vale contra eles a presunção de culpa do artigo 493.º, n.º2 do Código Civil, relativamente a danos provocados pela projeção de objetos ou destroços de um dos tubos onde se encontravam as cargas explosivas, que rebentou.   

3 . Mas, considerando a necessária preparação profissional dos pirotécnicos e a direção da queima do fogo de artifício em si por um deles, o qual, nomeadamente, tendo-se interrompido espontaneamente o fogo, o reascendeu, dando lugar à explosão, justifica-se que, com base no artigo 494.º do mesmo código, se limite a indemnização a pagar pela Comissão de Festas e seus membros a 30% do valor indemnizatório global.

4 . Tendo o autor, com 22 anos de idade, auferindo € 8.400, ficado com IPP de 39%, e ponderadas as demais circunstâncias do caso, nomeadamente, o recebimento antecipado, a continuação da sua atividade laboral, com os mesmos proventos e o necessário esbater da diferença, nestes casos em que não há efetiva perda de proventos, entre quem ganha muito e quem ganha pouco, o montante de € 100.000 euros, relativo a esta parcela não é exagerado.

5 . Tendo em conta que perdeu no acidente, total e irreversivelmente, a visão de um dos olhos, que ficou com deformação estética de 6 numa escala de 1 a 7, que sofreu, durante meses, dores, de intensidade 6 numa escala igual, que sofreu outras lesões, como fratura do malar direito e da órbita direito, que foi intervencionado cirurgicamente, tudo com consequente quadro psíquico muito negativo, é adequado o montante de € 60.000 reportado à indemnização por danos não patrimoniais.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I -

No Tribunal Judicial da Guarda, com distribuição ao 1.º juízo, AA intentou a presente ação declarativa em processo ordinário, contra:

1) Comissão de Festas de Santa Ana, 2002, representada por BB;

2) BB;

3) CC;

4) DD;

5) EE;

6) FF;

7) GG;

8) Companhia de Seguros ..., S.A.

Alegou, em síntese, que:

No dia 16.8.2002, durante as Festas de Santa Ana, em Santa Ana d’Azinha, Guarda, foi atingido com um objeto que foi projetado pelo fogo-de-artifício, tendo sofrido os danos patrimoniais e não patrimoniais que detalhadamente descreve, incluindo a perda de visão do olho direito;

As Festas foram organizadas pela Comissão de Festas da referida localidade;

Os réus 2º a 5º eram os mordomos da festa e como tal os responsáveis pelos festejos;

A ré FF foi a fornecedora do material pirotécnico e o réu GG, seu marido, foi o lançador do fogo;

A Comissão de Festas fez um seguro de responsabilidade civil na Companhia de Seguros ..., no valor de € 50.000,00;

O lançamento e manuseamento do fogo é uma atividade perigosa por natureza.

Pediu, em conformidade:

A condenação dos réus a pagar-lhe € 181 646,00, acrescidos de juros vencidos e vincendos, sendo que os primeiros € 50 000 e respetivos juros vencidos deverão ser pagos apenas pela seguradora e o restante, solidariamente, pelos demais réus.

Os réus FF e GG contestaram, invocando a prescrição do direito do autor e defendendo-se por impugnação: limitaram-se a montar e acionar o fogo no local escolhido pela Comissão, respeitando todas as regras da atividade.

A ré seguradora contestou, deduzindo também a exceção da prescrição e aduzindo que a licença foi pedida pela Comissão de Festas e, nos termos de tal licença, o lançamento e queima de foguetes devia ser feito por HH, tendo, em desrespeito do que constava da mesma, sido lançado por pessoa diversa.

Mais referiu que:

A Comissão de Festas e os seus membros não respeitaram as normas em vigor, quer no que respeita ao horário do lançamento dos foguetes, quer à identidade da pessoa que os devia lançar, quer também à necessária distância em relação ao público, sendo certo que, inicialmente, não era aquele o local indicado para a deflagração do fogo, tendo sido imposto que fosse naquele sítio pela Comissão;

A ré FF vendeu um produto de origem chinesa, quando apenas estava autorizada e licenciada para vender produtos nacionais.

Verifica-se, assim, uma exclusão da responsabilidade dela, seguradora, na medida em que são excluídos os danos resultantes do não cumprimento das disposições oficiais em vigor para o exercício da atividade.

Os réus Comissão de Festas, BB, CC, DD e EE vieram também contestar, invocando a prescrição, bem como a sua ilegitimidade.

Segundo sustentam, a Comissão era representada pelos mordomos, os 2º a 5º réus, que agiram em nome dela, assinando os respetivos contratos ou participações. Eram apenas representantes da Comissão de Festas, entidade jurídica autónoma, pelo que eles são parte ilegítima. A 1ª ré, Comissão de Festas, adquiriu à ré FF todo o material de fogo-de-artifício, tendo esta assumido toda a responsabilidade pela qualidade do material, pelo transporte, pelo seguro de responsabilidade civil relativo ao lançamento, e pelo próprio lançamento que foi efetuado pelo marido desta, o qual é pessoa habilitada para o efeito.

Assim, a Comissão e os seus membros são totalmente alheios ao fornecimento e ao lançamento do fogo;

A 8.ª ré comunicou à Comissão que o sinistro teve origem num defeito existente no fogo.

De qualquer modo, o acidente não ocorreu como o descreveu o autor. Não é verdade que estejamos perante uma atividade perigosa por natureza: terá o seu risco mas não é maior que o da condução de veículos, aeronaves ou barcos. De todo o modo, atuaram com o cuidado que lhes era exigido e observando todos os procedimentos legais: “adjudicaram” o fornecimento do material pirotécnico à ré FF, a qual encarregou seu marido de lançar o fogo e a Comissão obteve todas as licenças necessárias e contratou o seguro.

Desconheciam a origem dos ferimentos do autor, não obstante e à cautela participaram o acidente à seguradora.

O autor veio responder às contestações das rés, concluindo pela improcedência das exceções e reafirmando o alegado na petição inicial.

II -

No despacho saneador foram julgadas improcedentes as exceções da ilegitimidade e da prescrição.

III –

Efetuou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença, que cuja parte decisória é do seguinte teor:

“Face ao exposto, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente, nos termos supra expostos, e em consequência:

Absolver os réus Comissão de Festas de Santa Ana, BB, CC, DD e EE e Companhia de Seguros ..., S.A do pedido contra si deduzido pelo autor AA.

Condenar os réus FF e GG a pagar ao autor AA a quantia de € 40 000,00 (quarenta mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia atualizada à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a presente decisão e até integral pagamento.

Condenar os réus FF e GG a pagar ao autor AA a quantia de € 100 000,00 (cem mil euros) a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, quantia atualizada à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a presente decisão e até integral pagamento.

Condenar os réus FF e GG a pagar ao autor AA a quantia de € 10 500 (dez mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos demais danos patrimoniais já verificados, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação e até integral pagamento.

Absolver os réus GG e FF do demais peticionado pelo autor.”

IV -

Apelaram o autor e estes réus.

O Tribunal da Relação de Coimbra decidiu nos seguintes termos:

“Pelo exposto, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação do A., com revogação parcial da sentença, condenando solidariamente os 1º a 7º réus a pagar ao autor AA:

A quantia de € 45 000,00 (quarenta e cinco mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantia atualizada à presente data, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a presente decisão e até integral pagamento;

A quantia atualizada de € 60.000,00 (sessenta mil euros) a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a decisão final até integral pagamento.

A quantia de € 5.500,00 (cinco mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos demais danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor desde a citação até integral pagamento.

Mais acordam em condenar a ré seguradora a pagar, solidariamente com a ré sua segurada, até cinquenta mil euros do total dessas quantias.”

V –

Pedem revista:

O autor;

Os réus:

... e

Comissão de Festas e seus membros.

VI –

Como nos vários recursos são deduzidos argumentos que se interpenetram vamos abordá-los em conjunto.

A - Conclui o autor as alegações do seguinte modo:

1 - Os danos patrimoniais futuros terão que ser avaliados em 12 meses x 48 anos x 600,00 x 0,39 (IPP) x 0,75 (desconto de ¼ para não haver enriquecimento sem causa) = 117.936,00.

2 - Os danos não patrimoniais decorrentes de traumatismo craniano, cegueira irreversível do olho direito, quantum doloris de 6 em 7, dano estético de 6 em 7, e traumatizado, não podem ser liquidados em menos de € 80.000,00 – e é pouco.

3 – a indemnização definitiva deverá, pois, ser:

a)         Danos patrimoniais: 5.500,00 €

b)        Danos patrimoniais futuros: 117,936,00 €;

c)         Danos não patrimoniais: 80.000 €;

 Tudo num total de 203,436, 00 €.

4 – Violou ou mal interpretou o Tribunal “a quo” os artigos 494.º, 496.º, 499.º e 566.º do Código Civil.

5 – E o princípio da equidade. 

B –

A ré seguradora conclui as alegações como segue:

a) O Tribunal Recorrido tirou conclusões que não são baseadas em factos julgados provados, e uma dessas conclusões, é a de que a troca das pessoas para deitar o fogo de artificio não é um facto alheio à comissão de festas, não havendo factos provados com base nos quais o Tribunal recorrido se possa ter alicerçado para tal concluir, não consta do elenco dos factos provados que a Comissão de Festas soubesse não estar o fogo de artificio a ser lançado pelo Réu HH mas sim pelo GG, e quem era a pessoa indicada na licença para proceder à montagem e lançamento do fogo.

b) Quem causou danos ao Autor no exercício de uma atividade perigosa, foi a pessoa que montou e lançou o fogo de artifício, não recaindo sobre a Comissão de Festas qualquer presunção de culpa que pudesse ser ilidida, incumbindo outrossim ao Réu GG ilidir a presunção legal do art 493 n.º 2 C. Civil, porque foi ele que, com a sua atuação, causou os danos, e exerceu uma atividade perigosa sem estar mencionado na licença policial como pessoa habilitada para tal.

c) Refere o Acórdão Recorrido que "não está provado que o Autor se posicionava a 30 metros, mas sim a pelo menos 30 metros", acrescentando "podiam ser muitas dezenas", afirmação esta que não pode ser considerada, na medida em que, embora ficasse provado que o A estava pelo menos a 30 metros, também ficou provado que estando ainda o Autor muito próximo dessa árvore, é que o mesmo foi atingido e caiu e ficou prostrado no chão (sublinhado nosso), sendo que, a expressão muito próximo, contraria o entendimento de poderem ser muitas dezenas de metros.

d) Constando da licença que "o lançamento dos foguetes e a queima do fogo de artificio só poderia ser feita por HH, como pessoa tecnicamente habilitada e indicada pela firma fornecedora" (grifado nosso), não foi cumprida uma disposição oficial em vigor para o exercício da atividade de pirotecnia, pelo que se verifica uma causa de exclusão da cobertura dos danos por força do disposto no art. 16º, n.º 2 da Apólice do Seguro, sendo que a expressão "só poderá" determina uma rejeição oficial da queima do fogo de artificio poder ser feita por outra pessoa que não o anunciado na licença.

e) O Tribunal Recorrido, ao concluir que "o facto de atuar como lançador quem não constava da licença como devendo sê-lo não é causa adequada do sinistro" não o faz baseado em quaisquer factos julgados provados.

f) A responsabilização da Comissão de Festas só em abstrato poderia ser equacionada, se nos socorrêssemos da figura do risco, em que haveria a responsabilidade do comitente pela atuação do comissário prevista no art. 500 C. Civil, daí que, e muito bem, a Meritíssima Juiz na 1.ª Instância tenha afastado a responsabilidade pelo risco, baseando a condenação dos RR GG e mulher na responsabilidade extracontratual alicerçada na culpa.

g) Não era exigível à Comissão de Festas que, contrariamente ao defendido no Acórdão recorrido, tomasse mais providências do que as que efetivamente tomou, pelo que, a haver responsabilidade da desta, O QUE NÃO SE ACEITA, sempre a mesma teria que ser baseada na culpa, e esta teria que ser repartida com a dos Réus GG e FF em diferenciada proporção.

h) Foram violados, entre outros, o disposto nos arts 493 n.º 2 e 500 C. Civil.

C –

Por sua vez, a Comissão de Festas e seus membros concluiu as alegações do seguinte modo:

a) O Tribunal Recorrido tirou conclusões que não são baseadas em factos julgados provados, e uma dessas conclusões, é a de que a troca das pessoas para deitar o fogo de artificio não é um facto alheio à comissão de festas, não havendo factos provados com base nos quais o Tribunal recorrido se possa ter alicerçado para tal concluir, não consta do elenco dos factos provados que a Comissão de Festas soubesse não estar o fogo de artificio a ser lançado pelo Réu HH mas sim pelo GG, e quem era a pessoa indicada na licença para proceder à montagem e lançamento do fogo.

b) Quem causou danos ao Autor no exercício de uma atividade perigosa, foi a pessoa que montou e lançou o fogo de artifício, não recaindo sobre a Comissão de Festas qualquer presunção de culpa que pudesse ser ilidida, incumbindo outrossim ao Réu GG ilidir a presunção legal do art 493 n.º 2 C. Civil, porque foi ele que, com a sua atuação, causou os danos, e exerceu uma atividade perigosa sem estar mencionado na licença policial como pessoa habilitada para tal.

c) Refere o Acórdão Recorrido que "não está provado que o Autor se posicionava a 30 metros, mas sim a pelo menos 30 metros", acrescentando "podiam ser muitas dezenas", afirmação esta que não pode ser considerada, na medida em que, embora ficasse provado que o A estava pelo menos a 30 metros, também ficou provado que estando ainda o Autor muito próximo dessa árvore, é que o mesmo foi atingido e caiu e ficou prostrado no chão (sublinhado nosso), sendo que, a expressão muito próximo, contraria o entendimento de poderem ser muitas dezenas de metros.

d) Constando da licença que "o lançamento dos foguetes e a queima do fogo de artificio só poderia ser feita por HH, como pessoa tecnicamente habilitada e indicada pela firma fornecedora" (grifado nosso), não foi cumprida uma disposição oficial em vigor para o exercício da atividade de pirotecnia, pelo que se verifica uma causa de exclusão da cobertura dos danos por força do disposto no art 16º, n.º 2 da Apólice do Seguro, sendo que a expressão "só poderá" determina uma rejeição oficial da queima do fogo de artificio poder ser feita por outra pessoa que não o anunciado na licença.

e) O Tribunal Recorrido, ao concluir que "o facto de atuar como lançador quem não constava da licença como devendo sê-lo não é causa adequada do sinistro" não o faz baseado em quaisquer factos julgados provados.

f) A responsabilização da Comissão de Festas só em abstrato poderia ser equacionada, se nos socorrêssemos da figura do risco, em que haveria a responsabilidade do comitente pela atuação do comissário prevista no art 500 C. Civil, daí que, e muito bem, a Meritíssima Juiz na 1.ª Instância tenha afastado a responsabilidade pelo risco, baseando a condenação dos RR GG e mulher na responsabilidade extracontratual alicerçada na culpa.

g) Não era exigível à Comissão de Festas que, contrariamente ao defendido no Acórdão recorrido, tomasse mais providências do que as que efetivamente tomou, pelo que, a haver responsabilidade da desta, O QUE NÃO SE ACEITA, sempre a mesma teria que ser baseada na culpa, e esta teria que ser repartida com a dos Réus GG e FF em diferenciada proporção.

h) Foram violados, entre outros, o disposto nos arts 493 n.º 2 e 500 C. Civil.

TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente, ser o Acórdão recorrido revogado, confirmando-se a sentença proferida na 1.ª Instância.

Contra-alegaram os recorridos FF e GG, pugnando pela manutenção do decidido.

 E contra-alegou a Comissão de Festas e seus membros, reafirmando serem alheios ao sinistro.

VII –

Nas alegações, incluindo as respetivas conclusões, apresentadas pelo autor, questiona-se o quantum indemnizatório relativo aos danos patrimoniais futuros, pretendendo-se o montante de € 117.936,00.

Certo é, todavia, que, nas conclusões das alegações da apelação, ele não questionou o montante que fora fixado na 1.ª instância (de € 100.000,00), antes referindo que “A condenação relativa aos danos patrimoniais é aceite pelo autor”.

Conhecendo dos recursos da defesa, a Relação baixou tal montante para € 60.000,00.

É princípio de ouro que os recursos visam – com ressalvas que aqui manifestamente não cabem – a reapreciação de questões já colocadas no tribunal recorrido e não a apreciação de questões novas (por todos, ainda com atualidade, veja-se Castro Mendes, Recursos, 27).

Assim, há que considerar que transitou em julgado a fixação máxima de € 100.000,00 relativa a esta parcela, podendo apenas no presente recurso de revista, situar-se a decisão em tal valor ou em valor inferior.

Ante as conclusões das alegações, ficam, pois, as questões consistentes em saber se:

A responsabilidade deve ser apenas assacada a quem montou e lançou o fogo-de-artifício e não à Comissão de Festas e seus membros;

Não recaindo sobre estes qualquer presunção de culpa;

Tendo sido considerado provado que o autor estava muito próximo do local do lançamento do fogo, não pode admitir-se que a expressão “ pelo menos a 30 metros” possa ser interpretada no sentido de se poder considerar que poderia estar a muitas dezenas de metros;

Não tendo o lançamento de foguetes e a queima de fogo-de-artifício sido levadas a cabo pela pessoa tecnicamente habilitada e indicada pela sociedade fornecedora, existe uma causa de exclusão da cobertura dos danos nos termos do artigo 16.º, n.º2 da Apólice de seguro;

A responsabilização da Comissão de Festas só poderia ser equacionada com base no risco, que, no presente caso, não tem lugar;

Era ao réu GG que cabia ilidir a presunção estabelecida no artigo 493.º, n.º2 do Código Civil.

Não era exigível à Comissão de Festas que tomasse mais providências do que as que, efetivamente, tomou;

Mesmo que pudesse ser assacada qualquer responsabilidade à Comissão de Festas com base na culpa, esta teria de ser repartida com a dos réus GG e FF.

A parcela indemnizatória reportada aos danos patrimoniais futuros deve ser majorada, tendo sempre como limite o valor fixado em 1.ª instância;

Deve ser também majorada – para € 80.000,00 - a parcela indemnizatória relativa aos danos não patrimoniais.

VIII –

Vem provada a seguinte matéria de facto:

1. No ano de 2002 foi constituída informalmente a denominada Comissão de Festas de Santa Ana para organização das festas de Santa Ana desse mesmo ano de 2002, na localidade e freguesia de Santa Ana da Azinha, área desta comarca da Guarda (alínea A) dos factos assentes).

2. A referida Comissão de Festas era integrada ou dela fizeram parte os réus BB, CC, DD e EE, seus mordomos ou representantes e responsáveis pelos festejos (alínea B) dos factos assentes).

3. No âmbito das referidas festas de Santa Ana, que se realizaram em 16 de Agosto de 2002, os réus mencionados em B), e em representação da ré Comissão de Festas, organizaram o respectivo programa de festas e nele incluíram o lançamento de foguetes e um espectáculo de fogo de artifício (alínea C) dos factos assentes).

4. E assim contrataram o fornecimento e o lançamento dos foguetes e fogo de artifício com os réus FF e GG (alínea D) dos factos assentes).

5. Os mesmos réus e membros da Comissão de Festas, e enquanto tal, pediram autorização para o referido lançamento de foguetes e do fogo de artifício para a mencionada festa à entidade competente, no caso o Governo Civil da Guarda (alínea E) dos factos assentes).

6. E celebraram ainda e previamente um contrato de seguro de responsabilidade civil com a ré seguradora Companhia de Seguros ..., S.A., por eventuais danos que aquele lançamento de foguetes e fogo de artificio causasse a terceiros, através de um contrato de seguro titulado pela apólice nº 002828262, e através do qual transferiam a sua responsabilidade civil para a ré seguradora até ao limite de € 50.000,00 (alínea F) dos factos assentes).

7. Como programado pela Comissão de Festas e seus membros mencionados, no dia 16 de Agosto de 2002, pelo menos entre as 23 e as 24 horas, teve lugar um espectáculo de fogo de artifício (alínea G) dos factos assentes).

8. O mencionado fogo de artifício consistia e consistiu no rebentamento para o ar de um conjunto de artefactos pirotécnicos a partir de tubos previamente colocados ou instalados no solo (alínea H) dos factos assentes).

9. Nesse dia 16 de Agosto de 2002, já à noite, o autor deslocara-se para a referida localidade e freguesia de Santa Ana da Azinha, provindo da localidade e freguesia de Adão, também da área desta comarca, para assistir às mencionadas festas e nomeadamente ao espectáculo de fogo de artifício que ai se realizaria (alínea I) dos factos assentes).

10. O espectáculo do fogo de artificio foi dirigido ou controlado pelo réu GG que foi quem procedeu à montagem e lançou os foguetes e/ou procedeu a queima do fogo de artificio e bem assim quem manuseou o material explosivo (alínea J) dos factos assentes).

11. A montagem, lançamento e queima do fogo de artifício decorreu no largo das festas, sito na Catraia de Sortelhão, na freguesia de Santa Ana da Azinha, Guarda (alínea K) dos factos assentes).

12. A certa altura do decurso do espectáculo do fogo de artifício, o mesmo foi interrompido (alínea L) dos factos assentes).

13. O que motivou a intervenção do réu GG que se aproximou dos tubos onde se encontravam as cargas explosivas e, através de uma cana, reacendeu o fogo (alínea M) dos factos assentes).

14. Na sequência do reinício do fogo de artifício feito pelo réu GG, um dos tubos rebentou, causando grande estrondo (alínea N) dos factos assentes).

15. E sequencialmente rebentaram também outros dois tubos que continham cargas explosivas (alínea O) dos factos assentes).

16. Como consequência directa e necessária dos rebentamentos mencionados em N) e O), foram projectados os destroços ou objectos que estavam englobados nos referidos tubos, parte destes, um taco em madeira que normalmente constitui ou está colocado no fundo de cada tubo e/ou pedras e outros objectos que foram atingidos pelas explosões ou seu impacto (alínea P) dos factos assentes).

17. Projecção essa de diversos objectos que se dispersaram em diversas direcções e descontroladamente e a certas distâncias (alínea Q) dos factos assentes).

18. O local onde os tubos do fogo de artificio estavam instalados ou colocados no solo estava vedado por uma fita de plástico, indicativa de zona de perigo e a partir do qual as pessoas que assistissem ao espectáculo do fogo de artificio não poderiam ultrapassar (alínea R) dos factos assentes).

19. Para o lançamento e queima do fogo de artifício programado, a Comissão de Festas de Santa Ana da Azinha de 2002 obteve a respectiva licença da Polícia de Segurança Publica da Guarda, à qual foi dado o nº 50/102 (alínea S) dos factos assentes).

20. Desta licença constava que a sessão do fogo de artifício se realizaria no dia 16 de Agosto de 2002, pelas 23 horas (alínea T) dos factos assentes).

21. E, ainda, que o lançamento e queima de foguetes e de fogos de artifício só poderia ser feita por HH, como pessoa tecnicamente habilitada e indicada pela firma fornecedora (alínea U) dos factos assentes). FL 65 E 64…

22. Tal largo das festas tem um coreto para actuação de bandas de música e um pavimento cimentado para bailes (resposta ao facto 2º da base instrutória).

23. O réu e pirotécnico GG montou o fogo de artifício e foguetes com especial incidência nos chamados "vulcões/granadas" (resposta ao facto 3º da base instrutória). Ver 38º/1 DL 376/84 de 30.11…

24. Sendo este tipo de fogo de origem chinesa (resposta ao facto 4º da base instrutória).

25. No decurso do espectáculo do fogo de artifício mencionado em C) e H) e quando os rebentamentos chegaram aos vulcões, o fogo ao invés de subir e rebentar no ar, rebentou lateralmente e pela base (resposta ao facto 5º da base instrutória).

26. O que provocou que fossem projetados elementos corpóreos sobre o público que ao mesmo assistia (resposta ao facto 6º da base instrutória).

27. Os mesmos vulcões são cartuchos em cartão prensado de forma cilíndrica com cerca de 60 centímetros de altura, tapados num dos topos ou extremidades com tacos de madeira com 10 centímetros de diâmetro e com a espessura de 4 centímetros e pregados ao cartucho por 4 pregos, sendo este topo a base e o assentamento do vulcão na arte da queima (resposta ao facto 8º da base instrutória).

28. No interior do cilindro são colocadas as “misturas” de pólvora e lágrimas que ficam no fundo e que, em condições normais e sem qualquer defeito de fabrico, devem rebentar e subir pelo lado livre ou aberto (resposta ao facto 9º da base instrutória).

29. Os vulcões instalados no tubo referido em 3 ao invés de rebentarem e subirem pelo topo aberto ou livre, rebentaram pelo lado oposto e que estava obstruído pelo taco de madeira (resposta ao facto 11º da base instrutória).

30. E em consequência tendo projetado o mesmo taco de madeira, com o peso aproximado de 250 gramas, e os pregos com que os referidos tacos estavam pregados ao cartucho (resposta ao facto 12º da base instrutória).

31. O rebentamento e queima do fogo de artifício iniciou-se cerca das 23h 30m -23h 40m do dia 16 de Agosto de 2002 (resposta ao facto 13º da base instrutória).

32. Antes do início do espetáculo de fogo de artifício em causa foi anunciado nos microfones dos altifalantes da festa para serem retirados os veículos automóveis e para se afastarem todas as pessoas do público para além da fita que delimitava o perímetro de segurança, porque se ia dar início ao fogo de artifício (resposta ao facto 15º da base instrutória).

33. Para a deflagração dos vulcões em causa e utilizados na queima e lançamento do fogo de artifício instalados pelo réu GG na mencionada festa da Santa Ana, a distância legal e recomendada para o público é de pelo menos de 75 metros (resposta ao facto 17º da base instrutória).

34. A sessão ou espetáculo do fogo de artifício durou cerca de 10 ou 13 minutos (resposta ao facto 26º da base instrutória).

35. Depois da sessão de fogo os réus FF e GG afastaram-se do local e procederam à desmontagem das estruturas utilizadas para o fogo-de-artifício que previamente haviam montado (resposta ao facto 28º da base instrutória).

36. A determinada altura, já depois de terminado o fogo-de-artifício, a Comissão de Festas anunciou/apelou, através da instalação sonora, a presença de um médico (resposta ao facto 29º da base instrutória).

37. Só nessa altura, depois da comunicação pela instalação sonora é que os réus FF e GG e a população em geral que ali se encontrava tomaram conhecimento da existência de uma pessoa ferida que se encontrava prostrada debaixo de uma árvore, situada a uma distância de pelo menos 30 metros do local onde o fogo de artifício ocorreu (resposta ao facto 30º da base instrutória).

38. O autor chegou à localidade de Santa Ana da Azinha num velocípede a motor, acompanhado de um amigo (resposta ao facto 31º da base instrutória).

39. E estando ainda o autor próximo dessa árvore onde estacionara o velocípede com motor em que para ali se fizera transportar, é que o mesmo foi atingido e caiu e ficou prostrado no chão (resposta ao facto 32º da base instrutória).

40. O autor ficou fora da fita de plástico que delimitava a zona de perigo mencionada em R) (resposta ao facto 34º da base instrutória).

41. Estava o autor a assistir ao fogo de artifício atrás de um grande aglomerado de pessoas (resposta ao facto 35º da base instrutória).

42. Quando foi atingido repentina e inesperadamente na cabeça por um objeto (resposta ao facto 36º da base instrutória).

43. O objeto que atingiu o autor na cabeça foi um taco dos colocados normalmente no fundo de um tubo do fogo de artifício ou uma pedra arremessada por uma das explosões/rebentamentos dos tubos mencionadas em N) e O) (resposta ao facto 37º da base instrutória).

44. Como consequência direta e necessária de o autor ter sido atingido por um dos destroços mencionados em P) e sua subsequente queda no solo, ficou o mesmo inconsciente e só retomando a mesma já nos HUC para onde havia sido transportado (resposta ao facto 38º da base instrutória).

45. Em consequência direta e necessária do acidente sofreu o Autor gravíssimas lesões que o levaram a ser transportado para o Hospital da Guarda (resposta ao facto 39º da base instrutória).

46. Com perda de consciência e devido ao seu grave estado foi transferido, de imediato, para os Hospitais da Universidade de Coimbra, para o S.M.I. destes hospitais (resposta ao facto 40º da base instrutória).

47. Com traumatismo crâneo-encefálico e facial e traumatismo do olho esquerdo e olho direito (resposta ao facto 41º da base instrutória).

48. E em estado de consciência avaliado em E1M5V4, segundo a escala de Glasgow (resposta ao facto 42º da base instrutória).

49. Apresentando múltiplos focos de contusão, hemorragia sub-aracnoideia e edema cerebral (resposta ao facto 43º da base instrutória).

50. E a nível facial apresentava o autor fratura do malar direito, fratura do seio frontal direito e parede posterior, anterior e do pavimento da órbita direita (resposta ao facto 44º da base instrutória).

51. E apresentava ainda traumatismo dos globos oculares direito e esquerdo (resposta ao facto 45º da base instrutória).

52. Entretanto, agravou-se o seu estado de consciência para E1M5V2 (resposta ao facto 46º da base instrutória).

53. Por aumento do foco de contusão hemorrágica frontal direito (resposta ao facto 47º da base instrutória).

54. O que determinou intervenção neurocirúrgica para remoção e drenagem da lesão (resposta ao facto 48º da base instrutória).

55. E foi o autor colocado em prótese ventilatória de 17 de Agosto a 20 de Agosto (resposta ao facto 49º da base instrutória).

56. A 21 de Agosto de 2002 foi transferido do Serviço de Medicina Intensiva (SMI) para o Serviço de Neurotraumatologia (resposta ao facto 50º da base instrutória).

57. Foi reobservado pelos Serviços de Cirurgia Maxilo-Facial e Oftalmologia (resposta ao facto 51º da base instrutória).

58. E fez angiografia carotídea (resposta ao facto 52º da base instrutória).

59. E foi transferido para o Serviço de Oftalmologia em 27 de Agosto de 2002 (resposta ao facto 53º da base instrutória).

60. Em 11 de Setembro de 2002 foi tentada ao autor a reconstituição do seu globo ocular direito, que apresentava ferida escleral e hifema (resposta ao facto 54º da base instrutória).

61. E foi operado (resposta ao facto 55º da base instrutória).

62. Mas, tendo sido proposto para cirurgia de catarata traumática, não foi operado por não haver indicação cirúrgica dado ter a retina totalmente descolada (resposta ao facto 56º da base instrutória),

63. O autor ficou cego do olho direito (resposta ao facto 57º da base instrutória).

64. Sendo esta situação de cegueira irreversível (resposta ao facto 58º da base instrutória).

65. Ao nível psiquiátrico e psicológico, ficou o autor com ansiedade generalizada, estreitamento de interesses, pobreza relacional, debilidade emocional, cefaleias de tensão, angustia - fixação e evocação - lembranças introspetivas e recorrentes do invento traumático, sentimentos de pessimismo e de inferioridade (resposta ao facto 61º da base instrutória).

66. Esta situação confere ao autor uma incapacidade permanente geral de 39 pontos (resposta ao facto 62º da base instrutória).

67. O Autor ficou deformado fisicamente com o acidente e as intervenções cirúrgicas a que foi submetido (resposta ao facto 63º da base instrutória).

68. E nunca mais terá a "figura" que possuía à altura do acidente (resposta ao facto 64º da base instrutória).

69. A cegueira do olho direito e notoriamente visível, com olheira funda (resposta ao facto 65º da base instrutória).

70. O dano estético numa tabela de 1 a 7, fixa-se em 6 (resposta ao facto 66º da base instrutória).

71. O Autor sofreu durante meses as dores inerentes as descritas graves lesões sofridas (resposta ao facto 67º da base instrutória).

72. O quantum doloris, numa tabela de 1 a 7 fixa-se em 6 (resposta ao facto 68º da base instrutória).

73. O Autor tinha a data dos factos 22 anos de idade (resposta ao facto 69º da base instrutória).

74. E trabalhava na "J..." como escriturário, onde auferia o salário mensal de € 600,00 (resposta ao facto 70º da base instrutória).

75. O autor esteve sem trabalhar cerca de 120 dias (resposta ao facto 71º da base instrutória).

76. O autor perdeu ainda as roupas e calçado que vestia, na altura do acidente, no valor de € 100,00 (resposta ao facto 72º da base instrutória).

77. Para executar o trabalho que mantém ao serviço da sua entidade patronal, necessita o autor de redobrado esforço quer a nível físico quer mental em virtude da incapacidade para o trabalho com ficou definitivamente afetado (resposta ao facto 73º da base instrutória).

78. Durante estes últimos anos o Autor precisou de se deslocar ao Hospital Sousa Martins - Guarda, aos Hospitais da Universidade de Coimbra - Coimbra, ao Tribunal, e a médicos oftalmologistas e psiquiatras (resposta ao facto 74º da base instrutória).

79. Com o que despendeu no mínimo a importância de € 2.000,00 (resposta ao facto 75º da base instrutória).

80. E em medicamentos uma importância de pelo menos € 1 000 (resposta ao facto 76º da base instrutória).

81. O Autor, na sequência do acidente e por causa dele ficou abalado psicologicamente, desmotivado, triste, angustiado (resposta ao facto 77º da base instrutória).

82. Ficou marcado negativamente na sua fisionomia, evitando sair, passear, conviver, dançar e fazer desporto (resposta ao facto 78º da base instrutória).

………………………………..

IX –

1 . Já está decidido, no despacho saneador, com trânsito em julgado, que:

A Comissão de Festas, por ter personalidade judiciária, ainda que não personalidade jurídica, pode ser responsabilizada e condenada nos presentes autos.

Por não ter personalidade jurídica, os seus membros também podem ser responsabilizados e condenados.

 2 . Ficou provado que todos organizaram o programa das festas, nele tendo incluído o lançamento de foguetes e um espetáculo de fogo de artifício, tendo contratado tal com os réus FF e GG.

Diligenciaram, como tinham que diligenciar, pela obtenção da autorização respetiva junto da entidade competente e celebraram um contrato de seguro com a também aqui ré.

3 . O artigo 490.º do Código Civil (Diploma a que pertencem também os demais preceitos que se vão referir sem menção de inserção) dispõe que:

Se forem vários os autores, instigadores ou auxiliares do acto ilícito, todos eles respondem pelos danos que hajam causado.

A Comissão de Festas e seus membros nada instigaram, como é manifesto.

Nem pode entender-se que tiveram qualquer papel de auxiliares, tendo facilitado a produção do dano ou prestando, quanto a ele, qualquer ajuda material ou psicológica.

É na autoria que nos temos de situar.

“A teoria penal da autoria e da participação é transponível mutatis mutandis para a responsabilidade civil. Por inteiro ou quase, para a responsabilidade extracontratual, dada a forte analogia…” – José Alberto Gonzalez, Responsabilidade Civil, 50.

Em direito penal, tende-se claramente para a consideração do autor como aquele que domine funcionalmente o facto, a consagração da chamada “Tatherrschaft” – por todos, veja-se a síntese desta posição no Ac. deste Tribunal de 19.1.2011, processo n.º 6034/08.OTDPRT.P1.S1, nota 4 de pé de página, disponível em www.dgsi.pt - e não vemos que tal entendimento, para a responsabilidade civil, possa ser afastado pelo artigo 490.º ou por qualquer outro preceito.

4. A partir daqui, ou se entende que:

A Comissão de Festas e seus membros mantiveram o domínio e possibilidade de intervenção na queima do fogo de artifício;

Esta era levada a cabo com total autonomia pelo ou pelos réus com quem contrataram.

Na primeira hipótese, coloca-se a questão da sua responsabilização a título de culpa;

Na segunda, se fosse caso disso, ainda haveria que determinar se tinha lugar uma relação comitente/comissário, em ordem a responsabilizar ou não a Comissão e seus membros a título de risco.

5 . A segunda hipótese não se coaduna, de todo por todo, com os factos provados.

A queima de fogo de artifício não se resume ao lançar fogo aos objetos pirotécnicos, mas inclui, como manifestamente tem de incluir, toda uma envolvência circunstancial em ordem a, clara e concretamente, prevenir acidentes, quer pessoais, quer patrimoniais.

A Comissão de Festas e seus membros organizaram os festejos e nele incluíram o lançamento de foguetes e um espetáculo de fogo de artifício (ponto n.º3 do elenco factual) que programaram (ponto n.º7).

Nessa conformidade, pediram autorização ao Governo Civil da Guarda e celebraram o contrato de seguro reportado à sua responsabilidade (pontos 5 e 6).

Mas a sua atuação, porque organizadores, não ficava por aí. Aparte a atuação estritamente técnica, podiam e deviam continuar as suas diligências até ao momento em que findasse o espetáculo. Assim, não obstante se ter dado como provado que “o espetáculo do fogo de artifício foi dirigido ou controlado pelo réu GG”, em caso algum, se pode conceber que ele atuasse “motu proprio”, não admitindo, por exemplo, uma contraordem da Comissão ou dos seus membros, no sentido de, por qualquer razão, mormente de segurança, não levar a cabo a queima, suspender esta ou alterar a zona de envolvência humana.

Concretamente, tinham uma palavra, se necessário soberana, sobre a distância a que devia ser colocada a fita separadora do público.

No Tomo III, Parte Especial, a páginas 526, do Tratado de Responsabilidad Civil, coordenado por Reglero de Campos, abre-se um número (o 4) dedicado a “Accidentes en espectáculos de pirotecnia” donde consta:

“Los riesgos evidentes que representan estos espectáculos entendemos que permitirían hacerlos recair sobre el organizador y o manipulador de los explosivos, pues resulta evidente que el que assiste a los mismos como espectador no pretende assumir peligro alguno y sobre la base de que la seguridad está garantizada. Así lo hace la… al responsabilizar al Ayuntamiento organizador del espectáculo pirotécnico, de las lesiones provocadas a dos personas que se refugiaram en el interior del edifício municipal donde se encontraba almacenado material pirotecnico que se incendió al impactar desde el exterior un cohete.” 

Decerto que tudo envolvia conhecimentos técnicos baseados na aprendizagem ou na experiência de quem lida profissionalmente com pirotecnia. Todavia, isso não permite que quem organiza se alheie, antes exigindo que, recolhidos tais elementos técnicos, mantenha o seu ascendente sobre as cautelas a ter.

É que, a própria ideia de organização encerra os chamados deveres de organização, nos quais cabem os de evitar os perigos a terceiros (cfr-se, a este propósito, ainda que reportando-se ao empresário ou órgão de pessoa coletiva, Sinde Monteiro, RLJ, Ano 139.º, 132 e seguintes).

6 . Aliás, se quisermos ver as coisas sob o prisma da natureza do contrato efetuado com os réus FF e GG (ponto n.º4), não chegamos a entendimento diferente. A organização dum espetáculo, como era o lançamento de foguetes e a queima de fogo de artifício tem por objeto uma coisa incorpórea, a qual, por isso, não preenche o requisito da “obra nova” do artigo 1207.º do Código Civil (cfr-se Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, 392 e Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, 58). Falece, assim, a autonomia que assiste ao empreiteiro (comunemente aceite, ainda que a propósito da relação comitente/comissário)

Fica-nos, pois, o contrato genérico de prestação de serviços no qual cabem os casos em que a vontade das partes confere ou não confere autonomia ao prestador. Dicotomia a preencher, para o nosso caso, de acordo com as considerações já feitas assentes nos factos provados.

7. Não colhendo a argumentação baseada na alieniedade relativamente ao que aconteceu, vale contra a Comissão e seus membros a presunção de culpa estatuída no artigo 493.º, n.º2. Reporta-se o preceito a atividades perigosas por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados e a atividade de queima ou lançamento de fogo de artifício é claramente uma atividade dessa natureza. A possibilidade de inflamação/explosão, a projeção de elementos perigosos e tudo o mais revela claramente que não se pode ter tal atividade como de perigosidade normal. E tanto assim é, que o seu fabrico, transporte, manuseamento e queima ou lançamento são vistos, pela própria lei, com especiais cautelas (cfr-se, entre outros, os Decretos-Leis n.ºs 376/84, de 30.11, 156/2004, de 30.6 e 180/2005 de 3.11.

Como perigosa para estes efeitos a tem tido este Tribunal em sucessivos arestos (alguns reportados apenas ao lançamento de foguetes, o que para aqui equivale): de 4.11.2003, processo n.º 03A3038, 9.10.2008, processo n.º 08A2669, 8.11.2005, processo n.º 3003/05, da 6.ª Secção e 6.10.2011, processo n.º 609/2002.P1.S1, da 7.ª Secção, podendo ver-se os dois primeiros em www.dgsi.pt, nenhum se conhecendo em sentido contrário.

8. Esta presunção de culpa não foi ilidida pela Comissão e seus membros, em dois pontos:

Um referente à distância a que havia que manter o público;

Outro respeitante à pessoa que levou a cabo o lançamento.

Não se sabe exatamente a que distância foi colocada a fita delimitadora da presença do público. Mas sabe-se que o autor foi atingido estando até atrás de um grande aglomerado de pessoas e atrás dessa fita (ponto 40).

Já caberia à defesa, atenta a mencionada presunção, demonstrar que a distância correspondia ao que uma pessoa de diligência normal, colocada perante o que iria ter lugar, colocaria as pessoas. Dito de outro modo, que a distância a que se encontrava o sinistrado só em casos de razoável imprevisibilidade, colocaria este em perigo.

Nada disto foi demonstrado, nem sequer os 75 metros a que se alude no ponto 33. Não interessa mesmo a discussão levantada nas alegações de recurso sobre as deduções que a Relação fez relativamente à distância a que se encontrava o Pedro Pereira. A Comissão e seus membros, é que, tinham que demonstrar que impuseram uma distância ao público que correspondia à que o referido cidadão de normal diligência, depois de devidamente informado, imporia.

Outrossim, a licença concedida pela PSP estava limitada ao lançamento e queima feitos por HH, como pessoa tecnicamente habilitada e indicada pela firma fornecedora (ponto n.º 21) e foi o réu Teixeira que a levou a cabo. No ponto 23.º consta que este é pirotécnico, mas falece a precisão de que ele, sendo pirotécnico, estava habilitado para tal.

Também aqui fica um vazio que vale contra a Comissão e seus membros, atento o mencionado preceito.

9. Esta não correspondência entre a pessoa indicada na licença e a que veio a proceder ao lançamento e queima do fogo de artifício constitui o argumento da seguradora no sentido de, com base na cláusula do artigo 16.º das Condições Especiais da Apólice, pretender a exclusão da responsabilidade.

Tal artigo dispõe o seguinte:

“Além das exclusões contidas nas Condições Gerais ficam excluídos os danos:

a)         ……….

b)        ……….

c)         Resultantes do não cumprimento das disposições oficiais em vigor para o exercício desta actividade.

d)        ………….”

Na própria redação da cláusula está contida a relação de causalidade. Não se refere que não tem lugar indemnização quando forem violadas disposições oficiais em vigor para o exercício desta atividade – caso, aliás, em que subsistiria discussão sobre se tal valeria independentemente da causalidade – mas expressamente se consignou que ficam excluídos os danos “resultantes do não cumprimento…”.

Aqui não há que ter em conta qualquer inversão do ónus de prova. Vale o comando do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil. Para a exclusão, havia a seguradora que ter demonstrado que o réu Teixeira não tinha preparação profissional para levar a cabo tal atividade e que essa impreparação foi causa adequada do sinistro.

Não se demonstrou nem uma coisa nem outra.

10. A culpa presumida assacada à Comissão de Festas e seus membros situa-se num envolvência factual da qual faz parte a atuação dos réus J... e FF.

A atuação que conduziu ao sinistro tem de ser vista como um todo, pela própria natureza dos factos que lhe subjazem. Para ocorrer o que ocorreu tiveram que concorrer, quer as atuações da Comissão e seus membros, quer a do pirotécnico. A responsabilidade pelo local de colocação da fita delimitadora da presença do público e, bem assim, pela atuação deste réu em detrimento da pessoa indicada na licença da PSP, tanto foi da Comissão e seus membros, como destes mesmos réus.

Estamos perante um caso de concurso necessário, que conduz, sem qualquer dúvida, à solidariedade prevista no n.º1 do artigo 497.º (Assim, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Direito das Obrigações, Tomo III, 739).

11 .

Só que, a solidariedade ali imposta, pode assumir contornos assentes noutra norma que para aqui chamamos.

Referimo-nos ao artigo 494.º, que permite que, nos casos de mera culpa, com recurso à equidade, a indemnização seja fixada em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

In casu temos, ainda que concorrentemente, por um lado, a atuação da Comissão de Festas e seus membros que organizaram e contrataram, nos termos referidos, uma atividade necessária e legalmente imbuída de conhecimentos técnicos altamente especializados e, por outro, a atuação desse técnico.

Sem prejuízo do que supra ficou dito quanto à autoria, não podemos ignorar que o espetáculo (em sentido estrito) foi dirigido ou controlado pelo réu GG que foi quem procedeu à montagem e lançou os foguetes e/ou procedeu à queima de fogo de artifício e, bem assim, quem manuseou os material explosivo.

E que, a dado passo, o espetáculo foi interrompido e que foi este réu que, através duma cana, reacendeu o fogo, tendo, na sequência do reacendimento, um dos tubos e depois mais dois rebentado e dado origem ao acidente (pontos 10.º e 12.º a 16.º do elenco factual).

Se a Comissão de Festas e seus membros não deixaram de ter o domínio funcional de todo o processo festivo, incluindo do espetáculo pirotécnico, é manifesto que a sua culpa é claramente inferior à do réu GG.

A proporção de 70% para este e de 30% para aqueles parece-nos adequada.

12.  Esta proporção só serve para relevar nos termos do dito artigo 494.º, o que afasta qualquer questão que poderia levantar-se relativamente aos limites do recurso de revista, baseada no entendimento, que vem sendo seguido, de que a culpa, quando reportada estritamente a factos, está fora de tais limites.

Ora, nada impede que, havendo vários responsáveis, mesmo em regime de solidariedade, se proceda à diminuição do montante indemnizatório relativamente apenas a algum ou alguns deles. O próprio texto do artigo, ao mandar atender à situação económica do agente, pressupõe essa diferenciação, que terá de se considerar extensiva aos casos cuja decisão assente no grau de culpabilidade ou nas demais circunstâncias do caso.

Nada se sabe sobre a situação económica dos membros da Comissão de Festas e não muito sobre a do lesado. Mas sabe-se da desproporção das culpas, da não profissionalização contraposta à especificidade de conhecimentos para ser levado a cabo o espetáculo e, bem assim, da decisão tomada exclusivamente pelo pirotécnico de reacender o fogo depois da interrupção.

Havia, manifestamente, uma autonomização que, embora não afastando a autoria e consequente responsabilização, não pode passar indiferente ao julgador a cuja sensibilidade apela o mencionado artigo 494.º, quer considerando o grau de culpa, quer as demais circunstâncias do caso.

Aliás, se virmos as mesmas coisas doutro prisma, constatamos que seria profundamente injusto condenar do mesmo modo quem organizou, mas nada percebe de fogo de artifício e quem é profissional, levando a cabo a atuação material da queima.

 Por isso, entendemos que a indemnização a que devem ser condenados a Comissão de Festas e seus membros não deve ultrapassar os 30% da total a que tem direito o autor.

X –

1 . Na 1.ª instância, fixou-se o montante relativo à parcela indemnizatória respeitante aos danos patrimoniais futuros em € 100.000,00, mas a Relação baixou-a para € 60.000,00.

2 . Para cálculo deste tipo de danos, tem-se socorrido a jurisprudência de tabelas de incapacidade para o trabalho. Primeiro das próprias dos acidentes de trabalho e, com o Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23.10, tabelas próprias para o direito civil.

Com base em tais tabelas calcula-se a IPP.

Depois procura-se um capital que, de rendimento, nomeadamente de juros, proporcione o que – em teoria ou efetivamente - deixou de se auferir e se extinga no fim presumível de vida ativa do lesado.

Finalmente, corrige-se, para mais, ou para menos o montante encontrado de acordo com os demais dados do caso concreto.

Assim se preenche o dispositivo do artigo 566.º, n.º3, sempre do mesmo código.

3. Este critério conduz, todavia, na maior parte dos casos, a uma distinção inusitada entre quem ganha bem e quem ganha mal (ou nada ganha).

Disso se deu conta já no Acórdão deste Tribunal de 30.11.2006, processo n.º 06B3622, disponível no referido sítio, onde se escreveu, a dado passo:

“Como já vem sendo referido, nos casos de IPP pode acontecer que:

O lesado veja diminuída a sua capacidade de ganho efetiva (o que é muito raro salvo nas incapacidades de grau muito elevado);

O lesado não veja diminuídos os seus proventos.

No primeiro caso, há que ressarcir os prejuízos (ainda que em grande parte futuros) que o juiz tem diante dele. São bastante concretos e nada há a dizer sobre o seu cálculo em correspondência com a realidade salarial.

Mas no segundo o juiz ficciona.

Não há prejuízos efetivos. A capacidade de trabalho foi afetada, mas o montante auferido mantém-se.

Nestes últimos casos, importaria distinguir:

A incapacidade para o trabalho com incidência profissional;

A Incapacidade de trabalho geral.

Havendo incidência profissional determinada, ainda se poderiam aferir os prejuízos prováveis a partir do montante da remuneração laboral auferida pelo lesado.

Mas, se se tratar de incapacidade de trabalho geral, entendemos que, com alguma dificuldade, se poderá encontrar um montante equitativo a partir de tal vencimento, usando o mencionado critério.

Se fizermos girar este em torno do vencimento auferido – quando não há qualquer diminuição deste nem incidência laboral – passa a acolher-se uma distinção salarial que afinal nada tem a ver com salário perdido. Este mantém-se íntegro.

Se um trolha ou um médico especialista perderem, p. ex., alguns dos dedos dos pés, e continuarem a trabalhar e a ganhar como dantes – como é claro que continuam – receberá este – pela IPP – cerca de dez vezes mais do que aquele.

A necessidade de reponderação desta posição da jurisprudência portuguesa nota-se com mais acutilância se comparada, por exemplo, com o que se passa em Espanha.

Como é sabido, consagrou-se com a ley 30/95 de 8.11 o sistema de “baremo” relativo às indemnizações emergentes de acidentes de viação com veículos a motor que já vinha assumindo foros de realidade no plano administrativo.

Existem, assim, tabelas que muito resumidamente e no que aqui nos interessa se caracterizam pelo seguinte:

De acordo com as sequelas permanentes e utilizando a tabela publicada, é atribuído ao lesado um certo número de pontos.

Depois esses pontos multiplicam-se pelos valores constantes de outra tabela, que variam em função da idade.

Sobre o montante encontrado, haverá um aumento percentual que pode ir de 10 a 75% de acordo com o vencimento do mesmo lesado.

Pode haver outros acrescentos de acordo com outros fatores (nomeadamente o grau de incidência profissional da incapacidade), mas a relevância do vencimento auferido situa-se apenas no acrescento entre os dez e os 75% do valor inicialmente encontrado.

Ou seja, no exemplo que demos, a indemnização ao médico não ultrapassaria a arbitrada ao trolha em mais de 65% do valor, igual para ambos, inicialmente encontrado.

Realidade bem diferente dos 1000% portugueses (incidentes até sobre o valor final a arbitrar ao trolha) que referimos a propósito de tal exemplo.”

4 .

Vale isto para dizer que vamos seguir o iter referido em 2, mas excluindo a rigidez que emerge da ideia de que, por esta parcela, o sinistrado receberia, por exemplo, dez vezes mais, se, em vez de auferir, € 600,00  mensais auferisse € 6.000,00.

5 .

Aqueles € 600,00 proporcionam € 8.400 anuais.

39% (ponto 66 do elenco factual) correspondem a € 3.276,00.

O autor tinha 22 anos, idade que, por estar tão longe do fim presumível de vida ativa, reduz ao mínimo a importância do esgotamento do capital.

Os juros rondam os 3% anuais.

Assim, os € 100.000,00 euros fixados em 1.ª instância – com o alcance que referimos em VII - não chegam para proporcionar o que (teoricamente) corresponde à diminuição de proventos.

Na correção monetária, há que ter em conta, no sentido descensional, que o autor continua efetivamente a trabalhar e a auferir o mesmo vencimento (ponto 77) e que vai receber o montante antecipadamente (e muito) relativamente ao faseamento próprio do decurso da vida laboral.

No sentido ascensional, fica o que foi dito em 3 e 4.

Por outro lado, não colhe o cálculo que a Relação fez com base no regime próprio dos acidentes de trabalho. Nada na lei permite o recurso aos cálculos próprios de tal regime, não havendo qualquer paralelismo que o justifique. Além do mais, há a ter em conta que nos acidentes de trabalho, o lesado é indemnizado mesmo que o facto danoso tenha sido originado por culpa própria (exceto nos casos, muito raros, de descaracterização) o que, de certo modo, justifica indemnizações mais baixas.

Tudo ponderado – incluindo o que referimos em VII – fixamos, por aqui, o montante de € 100.000,00. 

 XI –

Passemos agora ao quantum relativo aos danos não patrimoniais.

A lesão principal do autor cifra-se na perda de um olho.

Com Calvão da Silva (Responsabilidade Civil do Produtor, 686) entendemos que é de afastar a ideia de “pecuniarizar ou monetarizar o corpo ou as partes do corpo, atribuindo a cada uma um valor; a perda de um braço vale x; a perda de uma mão vale y; a perda de uma perna vale z.”

Tanto mais que a perda de cada uma das partes do corpo surge, por via de regra, associada a outras lesões, que a idade dos sinistrados varia, assim como varia o sofrimento emergente para cada um.

Mas, por outro lado, até por força do disposto no artigo 8.º, n.º3 do Código Civil, o julgador não deve deixar de atender aos montantes que vêm sendo fixados pelos Tribunais, e mormente, por razões de hierarquia, por este Tribunal, para casos análogos ou mesmo semelhantes.

No Acórdão de 1.3.2001, revista n.º 4074/00, da 7.ª Secção, fixou-se a indemnização por danos não patrimoniais em 8.000.000$00 (€ 39.900,00) a um jovem de 17 anos de idade, saudável, amante do desporto, que, em consequência dum acidente de viação, perdeu um dos olhos, passando usar uma prótese de vidro, ficando acentuadamente deformado na face, por cicatrizes, lesões essas que lhe determinaram uma incapacidade funcional de 60% e que se tornou introvertido, triste, com tendência para o isolamento e dificuldades na vida de relação.

No Acórdão de 19.11.2002, revista n.º 3254/02 da 6.ª Secção (cujo texto se pode ver no mencionado sítio) fixou-se a compensação em 6.000.000$00 (€ 29.900,00) a sinistrado de acidente de viação com 12 anos de idade, que sofreu dores e internamento hospitalar, apresenta cicatriz na coxa que o desfeia e, sobretudo, perdeu inteiramente a visão de um dos olhos.

No Acórdão de 9.9.2010, processo n.º 63/10.0YFLSB, também disponível no apontado sítio, considerou-se adequado o montante de € 45.000,00 relativamente a mulher de 49 anos com cegueira de um olho por rebentamento duma garrafa de cerveja defeituosa, acrescida de dores angústias, internamento hospitalar e intervenção cirúrgica.

No Acórdão de 16.3.2011, processo n.º2113/05.3TBAVR.C1.S1, fixou-se, sempre por danos não patrimoniais, a compensação de € 65.000,00 a um sinistrado de 38 anos (à data da cessação da baixa por doença) que ficou sem o olho direito e ainda com lesão do maxilar, afundamento da parte frontal e cicatrizes várias, o que lhe desfigurou a face, tudo concorrendo para que passasse a marginalizar-se na mais absoluta solidão, sofrendo constantes mudanças de humor e irritações, deixando de cuidar de si, deambulando pelas ruas sem destino, em permanente irrequietude.

No nosso caso, as lesões, para além da perda total e irreversível de visão do olho direito, determinaram um quantum doloris muito elevado (6 na escala de 1 a 7) e prolongado no tempo (n.ºs 71.º e 72.º do elenco factual) e, bem assim, um prejuízo estético também muito relevante (6 em idêntica escala). Tudo acompanhado dum “status psíquico” que merece bem ser tido em conta (n.ºs 65, 81 e 82) e, bem assim, dos inerentes tratamentos circunstanciadamente descritos nos pontos 42 e seguintes.

São de majorar os € 45.000,00 que nos chegam, fixando, antes o valor de € 60.000,00.

XII -

Face a todo o exposto:

Nega-se a revista da seguradora;

Concede-se parcial provimento à do autor, majorando-se as quantias relativas:

Aos danos patrimoniais futuros para os € 100.000,00 fixados na 1.ª instância;

Aos danos não patrimoniais para € 60.000,00.

Concede-se parcial provimento também à da Comissão de Festas e seus membros, determinando-se que a respetiva responsabilidade se limita a 30% do total das quantias indemnizatórias (juros incluídos) atribuídas àquele.

Custas:

Da revista da seguradora por ela;

De cada uma das demais na proporção do vencimento e decaimento.

Lisboa, 5.7.2012

João Bernardo

Oliveira Vasconcelos

Serra Baptista (com declaração de voto que junto)

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Declaração de voto

Pese embora o devido reconhecimento da grande valia intelectual e técnica do Exmo Colega relator, e não obstante com a indemnização arbitrada a título de danos futuros concordar, não me revejo em grande parte das considerações vertidas no acórdão sobre os critérios utilizados para alcançar tal indemnização.

Continuando a acreditar no método que tenho adoptado e que, por todos, com maior desenvolvimento se pode consultar no acórdão deste STJ de 19/4/2012, Pº 3046/09.0TBFIG.S1 (in www.dgsi.pt).         

Sendo certo que o lesado que fica, em consequência do acidente, a sofrer de determinada incapacidade permanente, necessariamente dada como assente nas instâncias, tem direito a indemnização por danos futuros, desde que sejam previsíveis (art. 564.º, nº 2 do CC), sendo tal incapacidade um dano indemnizável de per si, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado.

Variando o ganho laboral de indivíduo para indivíduo, consoante a actividade que exerça e os proventos que a respeito aufira, o que, necessariamente influenciará a indemnização a arbitrar.

Consagrando-se, assim, a denominada teoria da diferença (arts 506.,º nºs 1 e 2 do CC) e a equidade como critérios privilegiados de compensação dos danos futuros.

Sendo certo que as tabelas financeiras por vezes utilizadas para o alcance da indemnização devida, terão sempre mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a devida ponderação judicial com base na equidade.

Devendo ter-se preferencialmente em conta a esperança média de vida da vítima, atingindo actualmente a dos homens cerca de 78 anos, pois, mantendo-se o dano fisiológico para além da vida activa, é razoável que, num juízo de equidade sobre o dano ora em causa, se apele à esperança média de vida.

Tendo-se sempre presente, alem de tudo o mais, que a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no período provável da sua vida.

Serra Baptista