Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ERNESTO NASCIMENTO | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS PRISÃO ILEGAL PRISÃO PREVENTIVA PRAZO CONTAGEM DE PRAZO DETENÇÃO EXCECIONAL COMPLEXIDADE INCONSTITUCIONALIDADE INDEFERIMENTO | ||
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Data do Acordão: | 09/18/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : |
I. A contagem do prazo máximo de duração da prisão preventiva inicia-se com o momento da prolação do despacho que aplica a medida de coação. II. O tempo de detenção que antecede o despacho judicial de aplicação da prisão preventiva não releva para o termo inicial de tal prazo. III. Dada a natureza substantiva de tal prazo, à fixação do seu termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras: c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês. IV. Se o prazo de 1 anos e 4 meses, até à prolação da decisão instrutória se completaria às 24 horas do dia 13.9.2025, a petição de habeas corpus apresentada a 10.9.2025 foi apesentada quando o prazo se não havia ainda completado. V. Constatando-se que a decisão instrutória veio a ser proferida, na pendência do habeas corpus, a 12.9.2025, não tendo decorrido o prazo máximo da prisão preventiva, nesta fase processual, está o mesmo votado ao insucesso, porque a prisão preventiva não se mantém para além do prazo fixado na lei. VI. Não é inconstitucional a norma contida nos artigos 215.º/1 alínea a), 2 alíneas d) e e), 3 e 218.º/3 CPPenal, na interpretação segundo a qual o período de detenção validada pelo juiz de instrução não se inclui na contabilização do prazo máximo de duração da medida de prisão preventiva. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam na 5.º Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. Em requerimento que deu entrada na 1.ª instância a 10SET2025, dirigido ao Sr. Presidente deste Supremo Tribunal e, no dia seguinte remetido a este Supremo Tribunal, AA, através de defensor, intentou o presente habeas corpus, ao abrigo do disposto nos artigos 31.º/1 da CRP e 222.º/2 alínea c) CPPenal, requerendo a sua imediata restituição à liberdade, alegando em resumo que, - foi detido a 7.5.2024, em situação de fora de flagrante delito, em cumprimento de despacho emitido pela magistrada do MP, titular do inquérito e, no mesmo dia foi constituído arguido; - no dia seguinte foi sujeito a interrogatório de arguido detido; - continuou detido e privado da liberdade até ao dia 13.5.2024, data em que foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, indiciado, pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º/1 e 24.º/1 alínea c) do Decreto Lei 15/93 e de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º/1, 2 e 3 do mesmo diploma legal; - o processo foi declarado de excepcional complexidade; - no dia 13.5.2025 foi acusado pelos ditos crimes; - no dia 21.7.2025 foi declarada aberta a instrução, requerida por vários arguidos, entre eles o requerente; - no dia 6.9.2025 completaram-se 16 meses desde a data em que foi detido; - atá ao dia de hoje 10.9.2025 não foi proferida decisão instrutória; - está assim ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva, aplicável ao caso, nos termos dos artigos 215.º/1 alínea b), 2, 3 e 4 CPPenal; - pelo que a prisão preventiva se extinguiu a 6.9.2025, nos termos do n.º 1 daquela norma; - deveria ter sido libertado a 6.9.2025, nos termos do artigo 217.º/1 CPPenal, pelo que se encontra ilegalmente preso; - não desconhece a existência de abundante jurisprudência que considera que o prazo máximo de duração da prisão preventiva se conta desde a data em que foi proferido o despacho que aplicou essa medida e não desde o dia da detenção que a antecede; - mas não pode conformar-se com tal entendimento; - entende que interpretando o disposto nos artigos 215.º/1 alínea b), 2, 3 e 4 e 217.º/1 CPPenal, no sentido de que a detenção do arguido não é considerada como início de execução da subsequente medida de prisão preventiva, para efeitos de contagem do respectivo prazo máximo, são inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 27.º/1 e 28.º/1, 2 e 4 da CRP. 2. Na mesma data foi prestada a seguinte informação a que alude o disposto no artigo 223.º/1 CPPenal, consigno que: “O arguido AA foi detido, tendo em vista a sua submissão a primeiro interrogatório judicial, a 7/5/2024, como resulta de fls. 3029-3030 (Vol. 10). O interrogatório iniciou-se no dia seguinte, 8/5/2024 mas apenas terminou com a leitura da decisão, a 13/5/2024 (fls. 3095 e seguintes), que lhe aplicou a medida de coacção de prisão preventiva, à qual, após sucessivos reexames, continua sujeito. Tendo-se aí entendido que estava indiciada a prática pelo arguido de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1, al. c) do DL 15/93 e de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º, n.º 1, 2 e 3, do mesmo diploma. A 9/10/2024, no seguimento de promoção do MP nesse sentido, foi declarada a excepcional complexidade do procedimento – fls. 4048 e seguintes. A 13/5/2025 (fls. 5842 do vol. 19), o arguido foi acusado da prática dos sobreditos crimes. Foi já realizado debate instrutório, encontrando-se os autos conclusos para prolação de decisão instrutória. S.m.o., o prazo máximo da medida de coacção a que o arguido está sujeito é de um ano e quatro meses, em conformidade com o disposto no artigo 215.º, n.º 1, al. b) e n.º 3, do CPP, prazo esse que, como resulta do teor literal da norma e é jurisprudência pacífica do STJ, apenas se conta desde a aplicação da medida, e não desde a data em que os arguidos foram detidos para serem submetidos a 1º interrogatório – por ex., acórdãos desse STJ de 19/10/2022, Relatora Teresa de Almeida ou de 31/10/2024, Relator António Augusto Manso. Prazo esse que apenas transcorrerá no próximo dia 13/9/2025, se até então não for proferida decisão instrutória. Destarte, não tem qualquer fundamento legal, à luz do artigo 222.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pelo que, em consequência, mantenho a prisão do arguido”. 3. De seguida foi ordenada a remessa dos autos a este Supremo Tribunal com certidão das seguintes peças processuais: a) despacho de 7.5.2024, proferido pelo Magistrado do MP a validar as detenções; b) do auto de interrogatório dos arguidos de 8.5.2024; c) despacho de 9.10.2024 a declarar, ao abrigo do disposto no artigo 215.º/3 e 4 CPPenal, o processo como de excepcional complexidade, passando o mesmo a ter os seguintes prazos de prisão preventiva: - um ano, sem que tenha sido deduzida acusação; - um ano e quatro meses, sem que tenha sido proferida decisão instrutória, no caso de se ter procedido à instrução; - dois anos e seis meses, sem que tenha havido condenação em primeira instância; - três anos e quatro meses, sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado. d) despacho de acusação de 13.5.2025. Por seu lado, da consulta no citius, da evolução do processado, consta que a 12.9.2025 foi proferida a decisão instrutória. 4. Convocada a Secção Criminal e notificados o Ministério Público e o mandatário/defensor do arguido, procedeu-se à realização da audiência, com o formalismo legal e em conformidade com o disposto nos artigos 11.º/4 alínea c), 223.º/1, 2 e 3 e 435.º CPPenal. Cumpre decidir. II. Fundamentação 1. O circunstancialismo factual relevante para o julgamento, resultante da petição de habeas corpus, da informação e da certidão que a acompanha, é a seguinte: 1. O arguido AA foi detido, em situação de fora de flagrante delito, a 7/5/2024, como resulta de fls. 3029-3030 (Vol. 10). 2. No dia imediato iniciou-se o seu interrogatório judicial de arguido detido. 3. A 13.5.2024 foi proferido despacho a aplicar a medida de coacção de prisão preventiva – indiciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1, al. c) do DL 15/93 e de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º, n.º 1, 2 e 3, do mesmo diploma. 4. Medida que vem sendo reexaminada e mantida sucessivamente. 5. Por despacho de 9.10.2024, no seguimento de promoção do MP nesse sentido, foi declarada a excepcional complexidade do processo. 6. A 13.5.2025 foi proferida acusado pela prática dos ditos crimes. 7. Requerida e aberta a instrução, já teve lugar o debate instrutório, encontrando-se os autos conclusos para prolação de decisão instrutória. 8. A 12.9.2025 foi proferida decisão instrutória. 2. O Direito 2. 1. As razões do requerente. Entende o peticionante que a interpretação do disposto nos artigos 215.º/1 alínea b), 2, 3 e 4 e 217.º/1 CPPenal, no sentido de que o período da detenção - que antecede a prolação do despacho a decretar a prisão preventiva - não é considerado como início de execução da medida de coacção, para efeitos de contagem do respectivo prazo máximo, são inconstitucionais, por violação do disposto nos artigos 27.º/1 e 28.º/1, 2 e 4 da CRP. 2. 2. O texto legal. O habeas corpus é um meio, procedimento, de afirmação e garantia do direito à liberdade, cfr. artigos 27.º e 31.º da CRP, constituindo uma providência expedita e excecional – a decidir no prazo de oito dias em audiência contraditória, cfr. artigo 31.º/3 da CRP – para fazer cessar privações da liberdade ilegais, isto é, não fundadas na lei, sendo a ilegalidade da prisão verificável a partir dos factos documentados no processo. A lei processual penal, dando expressão ao referido artigo 31.º da CRP, prevê duas modalidades de habeas corpus: em virtude de detenção ilegal e em virtude de prisão ilegal. Estabelece o artigo 220.º do CPP, sob a epígrafe “Habeas corpus em virtude de detenção ilegal”: “1 - Os detidos à ordem de qualquer autoridade podem requerer ao juiz de instrução da área onde se encontrarem que ordene a sua imediata apresentação judicial, com algum dos seguintes fundamentos: a) Estar excedido o prazo para entrega ao poder judicial; b) Manter-se a detenção fora dos locais legalmente permitidos; c) Ter sido a detenção efectuada ou ordenada por entidade incompetente; d) Ser a detenção motivada por facto pelo qual a lei a não permite. 2 - O requerimento pode ser subscrito pelo detido ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos. 3 - É punível com a pena prevista no artigo 382.º do Código Penal qualquer autoridade que levantar obstáculo ilegítimo à apresentação do requerimento referido nos números anteriores ou à sua remessa ao juiz competente”. Dispõe o artigo 222.º do CPP, sob a epígrafe “Habeas corpus em virtude de prisão ilegal”: “1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus. 2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”. Quanto às normas invocadas pelo peticionante – artigos 215.º/1 alínea b), 2, 3 e 4 e 217.º/1 CPPenal e 27.º/1 e 28.º/1, 2 e 4 da CRP. Dispõe o artigo 215.º CPPenal, sob a epígrafe de “prazos de duração máxima da prisão preventiva” que, “1 – A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido: (…) b) Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória; (…) 2 – Os prazos referidos no número anterior são elevados, respetivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos (…) 3 – Os prazos referidos no n.º 1 são elevados, respetivamente, para um ano, um ano e quatro meses, dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excecional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao caráter altamente organizado do crime. 4 – A excepcional complexidade a que se refere o presente artigo apenas pode ser declarada durante a 1.ª instância, por despacho fundamentado, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, ouvidos o arguido e o assistente. (…)”. O artigo 217.º, sob a epígrafe de “libertação do arguido sujeito a prisão preventiva” dispõe que, “1 - O arguido sujeito a prisão preventiva é posto em liberdade logo que a medida se extinguir, salvo se a prisão dever manter-se por outro processo. 2 - Se a libertação tiver lugar por se terem esgotado os prazos de duração máxima da prisão preventiva, o juiz pode sujeitar o arguido a alguma ou algumas das medidas previstas nos artigos 197.º a 200.º, inclusive. 3 - Quando considerar que a libertação do arguido pode criar perigo para o ofendido, o tribunal informa-o, oficiosamente ou a requerimento do Ministério Público, da data em que a libertação terá lugar”. Por seu lado, os artigos 27.º e 28.º da Constituição estabelecem o seguinte: - artigo 27.º - direito à liberdade e à segurança; “1 – Todos têm direito à liberdade e à segurança. 2 – Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança. 3 – Excetua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes: (…) b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos; (…) f) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente; (…) 4 – Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada imediatamente e de forma compreensível das razões da sua prisão ou detenção e dos seus direitos. 5 – A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer”; - artigo 28.º - prisão preventiva “1 – A detenção será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coação adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa. 2 – A prisão preventiva tem natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei. 3 – A decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação da liberdade deve ser logo comunicada a parente ou pessoa da confiança do detido, por este indicados. 4 – A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei”. 2. 3. Aproximação ao caso concreto. Sobre a questão relativa ao termo inicial do prazo máximo de duração da prisão preventiva existe amplo consenso interpretativo, quer, na jurisprudência, quer, na doutrina, convergindo no entendimento de que para efeitos de contagem dos prazos de duração máxima de prisão preventiva só releva o tempo decorrido após a sua aplicação judicial, não se incluindo o tempo da detenção. Isto é, a contagem do prazo inicia-se com o momento da prolação do despacho que aplica a medida de coação de prisão preventiva. No sentido de que o tempo de detenção que antecede o despacho judicial de aplicação da prisão preventiva não releva para o termo inicial dos prazos definidos no artigo 215.º CPPenal, cfr, entre muitos outros – só entre os mais recentes – acórdãos de 2.10.2014, processo 107/13.4P6PRT, de 14.6.2018, processo 57/15.0T9SEI-C.S1, de 28.11.2018, processo 257/18.0GCMTJ, 22.09.2021, processo 189/19.5JELSB, de 8.2.2024 processo 369/22.6PBSNT, de 8.2.2024 processo1821/23.1PBLSB, de 1.4.2024 processo1246/23.9PTLSB, de 2.4.2025 processo 1581/24.9JABRG e de 30.4.2025, processo 446/22.3GAVFR. Esta interpretação resulta, desde logo, do claro e inequívoco texto legal - “a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido (…)”. E assenta na distinção entre a detenção - precária, cautelar e condicional, com regime e prazo próprios - e a prisão preventiva - uma das medidas de coação, reguladas no seu conjunto de modo autónomo. Como se refere no acórdão de 4.06.2012, no processo 59/12.8YFLSB.S1, “entendemos que, na esteira de Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 698, a detenção se distingue da prisão preventiva. Esta resulta de decisão judicial interlocutória e deve observar os prazos do artigo 215.º. Por seu turno a detenção resulta de acto de autoridade judiciária, órgão de polícia criminal, entidade policial ou qualquer pessoa e deve observar os prazos do artigo 254.° A detenção prevista nos artigos 254.º a 261.º é uma medida cautelar, de privação de liberdade pessoal, cfr. Pareceres do Conselho Consultivo da PGR, n.º s 111/90 e 35/99, DR, II Série, de 24.1.2001, posta ao serviço de objectivos bem explicitados na lei, designadamente para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser presente a julgamento em processo sumário ou ser presente ao juiz competente para o primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção – artigo 254.º/1 CPPenal – ou, ainda, para assegurar a presença imediata, ou não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas , do detido perante a autoridade judiciária em acto processual – artigo 254.º/2. Na verdade, a lei concebe a simples detenção como uma "medida caracterizada pela precariedade e condicionalidade, pois circunscreve-se à privação de liberdade entre o momento da medida detentiva e a validação judicial subsequente, estando sempre dependente desta", e distinguindo-a, assim da prisão preventiva que, embora também de carácter subsidiário e provisório, "aponta para uma privação de liberdade resultante de uma decisão judicial, tendo como marcos temporais a decisão judicial de validação da detenção e a decisão condenatória" Mas sendo, assim, adquirindo a detenção foros de autonomia em relação á prisão preventiva e dotada de finalidade, prazo e fundamentação própria é evidente que a mesma não pode ser absorvida pela prisão preventiva para efeitos da contagem do prazo desta. A detenção está sujeita a um prazo próprio de concessão de legalidade - 48 horas - findo o qual a privação de liberdade pode, e deve, ser defendida através de um instrumento específico que é o habeas corpus em virtude de detenção ilegal, artigo 220.º CPPenal. Em contrapartida a prisão preventiva está sujeita ao prazo máximo do artigo 215.º e a sua violação tutelada pelo instrumento inscrito no artigo 222.º do mesmo diploma.” 2. 3. Baixando ao caso concreto. Do que vem de ser dito é inequívoco que o prazo máximo da prisão preventiva é de 1 ano e 4 meses, em conformidade com o disposto no artigo 215.º/1, alínea b) e 3 CPPenal. Dada a natureza substantiva dos prazos previstos no artigo 215.º CPPenal é aplicável à sua contagem o disposto no artigo 279.º CCivil que dispõe que, “À fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras: c) O prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data; mas, se no último mês não existir dia correspondente, o prazo finda no último dia desse mês”. Tendo-se iniciado a contagem do prazo a 13.5.2024, apenas se completa a 13.9.2025. E, não como pretende o arguido, que se tenha iniciado a 7.5.2025 e se completou a 6.9.2025. Donde, o prazo máximo, atenta a actual fase processual, - não se mostra excedido o referido prazo máximo de prisão preventiva; - não se suscitam dúvidas de que não foi ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva; - apenas se atingirá no p. f. 13.9.2025 - se até então não fosse proferida decisão instrutória. E, como vimos já, foi, de facto, proferida a 12.9.2025. Assim, não tem qualquer fundamento legal, a alegação de que a prisão preventiva se mantém para além do prazo fixado na lei. Este é o resultado da interpretação das aludidas normas legais. 2. 4. Atentemos agora na questão da sua inconstitucionalidade. Sobre esta questão já se pronunciou o Tribunal Constitucional no acórdão 61/2023 de 27.2.2023, processo 1/23, tendo decidido, “- não julgar inconstitucional a norma contida nos artigos 215.º/1 alínea a), 2 alíneas d) e e), 3 e 218.º/3 CPPenal, na interpretação segundo a qual o período de detenção validada pelo juiz de instrução não se inclui na contabilização do prazo máximo de duração da medida de prisão preventiva sem que tenha sido deduzida acusação (e, consequentemente, do correspondente prazo máximo de duração da medida de obrigação de permanência na habitação)”. Daqui se colhe a seguinte fundamentação: “(…) A letra da lei não dá apoio à tese da relevância da detenção na contagem do prazo da prisão preventiva e da OPHVE (…) uma vez que o n.º 1 do artigo 215.º do CPP determina a contagem do prazo máximo “desde o […] início” da medida aplicada. Por outro lado, as apontadas diferenças entre os institutos poderão ter contribuído para que a questão agora suscitada pelo recorrente não encontre grande desenvolvimento doutrinário, apesar de ser, por vezes, suscitada perante o STJ (como demonstra a jurisprudência citada na decisão recorrida, obtendo daquele supremo tribunal resposta unívoca no sentido da irrelevância do período da detenção) – cfr., por exemplo, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição, Lisboa, 2011, p. 616, e Maria do Carmo Silva Dias, em anotação ao artigo 215.º do CPP, in Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, tomo III, 2.ª edição, Coimbra, 2022, p. 498, expressamente aderindo à contagem do prazo desde o início da aplicação da medida em causa. (…) O recorrente não aponta à norma objeto de recurso a falta de proporcionalidade do prazo em si mesmo considerado (aliás, nem se perspetiva como o poderia afirmar com razoabilidade, porquanto tal implicaria concluir que o prazo de 1 ano não seria desproporcionado, mas já o seria o prazo de 1 ano e 1 dia). O que, para o recorrente, merece censura jurídico-constitucional é a irrelevância do período de detenção para a contabilização do prazo máximo da medida de OPHVE, ou, partindo de outro ponto de vista, o diferente tratamento dado, para esse efeito, a uma situação de privação de liberdade e a outra. Uma primeira razão dessa diferença estará, evidentemente, na (…) diferença de natureza, pressupostos e finalidades entre a detenção e a medida de coação aplicada. O recorrente entende, todavia, que essa diferença não justifica a solução. (…) O argumento não procede, uma vez que uma evolução não justifica a outra. A equiparação da OPH à prisão preventiva para efeitos de aplicação da medida de habeas corpus decorre da consideração de em ambos os casos estar em causa um estatuto coativo com um intenso efeito de privação da liberdade. Esta conclusão resulta da comparação entre duas medidas de coação, mas nada nos diz quanto ao período de detenção que pode ser prévio a qualquer delas. Dito de outro modo, o que haveria de retirar do argumento do recorrente seria, eventualmente, que, se a detenção anterior fosse relevante para contabilizar o prazo máximo de duração da prisão preventiva, então também deveria relevar para a contabilização da duração máxima da OPHVE. Mas o recorrente não demonstra a primeira conclusão, pelo que por esta via não se alcançará a segunda, totalmente dependente daquela. Acrescenta o recorrente que a jurisprudência seguida na decisão recorrida se baseia “apenas” na letra da lei, que distingue as modalidades de privação da liberdade, todavia, mantém-se para a pessoa visada o mesmo quadro de privação da liberdade que se inicia com a detenção – detido ou preso, num estabelecimento prisional, numa esquadra policial ou em qualquer centro de detenção, a privação da liberdade é sempre a privação da liberdade. Sucede que nem essa identidade é tão absoluta como o recorrente afirma, nem releva, só por si, para a solução que defende. A identidade não é absoluta porque, apesar de se tratar, em ambos os casos, de privar uma pessoa da liberdade, os respetivos contornos são substancialmente diferentes. No caso da detenção, a pessoa visada sabe – ou está, em princípio, em condições de saber – que o fundamento da privação da liberdade é precário, limitado no tempo a 48 horas e será sujeito à apreciação de um órgão jurisdicional imparcial, mediante (o) contraditório (possível) e com possibilidade de recurso, servindo apenas para possibilitar a sua audição e determinação de estatuto coativo e podendo resultar em aplicação ou não aplicação de uma medida de coação privativa da liberdade. No caso de aplicação de medida de coação privativa da liberdade – que depende da prévia constituição como arguido, e deve respeitar os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (artigos 192.º e 193.º do CPP) – a pessoa visada foi confrontada com os factos em que a mesma se fundamenta, incluindo aqueles que demonstram os perigos a acautelar, foi ouvida e teve a possibilidade de discutir a sua posição em recurso e sabe que poderá ser prolongada no tempo até ao limite, de meses ou anos, legalmente previsto, enquanto os perigos em causa se mantiverem. Os modos como uma e outra se projetam sobre o arguido – e, consequentemente, a própria experiência de privação da liberdade – mostram-se, assim, bem distintos, designadamente, quanto à finalidade, quanto aos fundamentos e segurança destes, quanto aos meios de reação, quanto aos prazos e quanto à intensidade da restrição. Ainda que se admita que, numa dimensão estritamente física, ambas as medidas têm idênticas consequências, daí não se pode retirar que, por força da Constituição, tenham, necessária e rigorosamente o mesmo regime e produzam sempre as mesmas consequências – assim poderia ser, eventualmente, se a detenção não tivesse, ela própria, um regime muito rigoroso e preclusivo de prazos máximos, aliás muito curtos – até 48 horas –, perfeitamente ajustados à sua finalidade. Como sugestivamente refere o Ministério Público, nas suas alegações, o recorrente não consegue explicar porque é que, isoladamente considerado, o prazo da detenção e o prazo da prisão preventiva não seriam desnecessários nem desproporcionados, mas passariam a sê-lo quando ocorressem um seguidamente ao outro. Ou seja, a proporcionalidade da detenção, na sua dimensão temporal, já se encontra assegurada pelo seu próprio regime de duração máxima (tal como a proporcionalidade da medida de OPHVE resulta do correspondente limite). Pode, ainda, acrescentar-se, quanto ao argumento da identidade da experiência de privação da liberdade, que o mesmo se poderia dizer de outras medidas previstas no n.º 3 do artigo 27.º da CRP – em todas elas se experimentam privações da liberdade “semelhantes”, se admitirmos o critério equalizador do recorrente, sem que, obviamente, os seus regimes se confundam ou sobreponham. Por outro lado, se é verdade, como sustenta o recorrente, que a lei, em inúmeras situações, já expressamente equipara detenção, prisão preventiva e OPH, como acontece no artigo 80.º do CP (quanto a desconto no cumprimento da pena de prisão) e no artigo 225.º do CPP (quanto ao direito à indemnização), essa equiparação resulta de uma afinidade relevante para os apontados efeitos, mas ela não existe para todos ou quaisquer outros. Acresce que o artigo 27.º, n.º 3 da CRP, ao referir a “detenção ou prisão preventiva”, agrega-as numa exceção da proibição da privação da liberdade, mas não as equipara, propriamente (como acaba por ser revelado na distinção feita no artigo 28.º), nem exige – e não seria razoável exigir – que obedeçam em tudo ao mesmo regime infraconstitucional. O mesmo se pode dizer, mutatis mutandis, do artigo 5.º, n.º 1, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Embora nesse preceito se encontrem agregadas matérias relacionadas com a detenção e a prisão preventiva (ou, por identidade de razão, a OPHVE) – “[ninguém] pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal […] se for preso e detido a fim de comparecer perante a autoridade judicial competente, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infração, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infração ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido” –, o mesmo sucedendo com o n.º 3 do mesmo artigo “[qualquer] pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo” – o tratamento dado a um e a outro instituto na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos é bem distinto. Desde logo porque se tem entendido que a admissibilidade da detenção é independente da posterior verificação dos seus pressupostos, sendo por isso essencial que essa verificação seja expedita. Ou seja, o artigo 5.º, n.º 1, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos não exige sequer que a autoridade policial tenha indícios suficientes para uma completa imputação dos factos (cfr. Petkov e Profirov c. Bulgária, 2014, e §52; Erdagöz c. Turquia, 1997, §51), podendo o interrogatório servir para confirmar ou afastar a suspeita que conduziu à detenção (Mehmet Hasan Altan c. Turquia, 2018, §125, Brogan e outros c. Reino Unido, 1988, §§52-54, e Labita c. Itália, 2000, §155; O’Hara c. Reino Unido, 2001, §36), o que significa que a posterior decisão de aplicação de uma medida de coação terá outros fundamentos e consistência, para além de ser adotada por um órgão jurisdicional independente e imparcial, o que não sucede tipicamente com a mera detenção. Ademais, servindo o controlo judicial para salvaguardar tratamento indevido do detido e abuso do poder de quem procede à detenção (Ladent c. Polónia, 2008, §72), então a decisão emergente deste controlo há de necessariamente ter uma natureza, propósito e salvaguardas distintas da detenção que a precedeu. Daí que, por exemplo, a detenção não deva, por regra, exceder quatro dias até à apresentação a um juiz (Oral e Atabay c. Turquia, 2009, §43), mas a prisão preventiva decretada pelo juiz possa estender-se por períodos consideravelmente mais extensos, se adequados às circunstâncias do caso (Buzadji c. Moldova, 2016, §§89-91, e McKay c. Reino Unido, 2006, §§41-43). Estas considerações permitem afastar, também, a afirmação do recorrente no sentido de que não existe nenhuma razão substancial para que o período de detenção validado judicialmente, que antecede o decretamento da prisão preventiva, não esteja submetido ao mesmo regime que o artigo 215.º, n.ºs 1 a 3 consagra, porque o limite à duração da prisão preventiva foi estabelecido para que a privação da liberdade não ultrapasse o tempo que a lei considera razoável que não seja ultrapassado e, para esse efeito, é irrelevante que se esteja preso ou detido – ao contrário do que afirma, existe uma razão simples, que é a circunstância de o regime de detenção já ter os seus próprios limites, ajustados à sua natureza, não carecendo, por isso, de os encontrar numa medida de finalidade e conteúdo diversos. Tratando-se de uma restrição expressamente prevista na Constituição e não se prefigurando que o regime em causa se subtraia aos contornos previstos nos seus artigos 27.º e 28.º, não é válida a conclusão do recorrente no sentido de que “[…] a norma em causa consagra uma restrição ao direito à liberdade não só desnecessária, como substancialmente contrária a tal valor, perante o qual não faz sentido distinguir a detenção judicialmente validada da prisão judicialmente decretada”, resultando afastada a invocada violação dos artigos 18.º, n.º 2, e 27.º, n.os 2 e 3, da CRP. Consequentemente, também se afasta a violação do artigo 31.º da Lei Fundamental, que, na argumentação do recorrente era meramente consequencial – a violação do direito ao habeas corpus decorria de uma suposta violação dos artigos 18.º, n.º 2, e 27.º, n.ºs 2 e 3, da CRP não tutelada por tal especialíssimo mecanismo processual. Inexistindo esta violação, inexiste também aquela. Assim, e à semelhança do que se extrai dos Acórdãos n.ºs 298/99 e 462/2004 para hipóteses em grande medida paralelas – no caso dos presentes autos com ainda mais evidência do que naqueles outros, porque os institutos em confronto se contêm dentro do mesmo processo penal e porque não há lugar a eventuais objeções (expressas em declarações de voto apostas àquelas decisões) relacionadas com a possibilidade de dilação temporal da detenção, que só se colocaria perante detenções em país estrangeiro, e com particularidades dos regimes de cooperação judiciária em matéria penal –, deve considerar-se que a Constituição não impõe a relevância do período de detenção para efeitos de contabilização do período máximo de duração da medida de OPHVE”. Perante a força argumentativa destas considerações, com a qual concordamos e, por isso, acolhemos, também, nós não podemos deixar de entender que a aponta interpretação do texto legal, no sentido de que o período da detenção que antecede a prolação do despacho de aplicação da prisão preventiva não entra na contagem do prazo máximo de duração da medida de coacção. Não se verifica a alegada inconstitucionalidade que imponha o deferimento da providência. E, assim, concluímos. A providência terá de ser indeferida. III. Decisão Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir, por falta de fundamento legal, a presente providência de habeas corpus apresentada pelo peticionante AA. Custas pelo requerente, fixando-se em 4 UC, a taxa de justiça, cfr. n.º 9 do artigo 8.º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa. Processado em computador, elaborado e revisto integralmente pelo Relator (artigo 94.º/2 CPPenal), sendo assinado pelo próprio, pelos dois Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos e pela Senhora Juíza Conselheira Presidente. Supremo Tribunal de Justiça, 18SET2025 Ernesto Nascimento - Relator Vasques Osório - Juiz Conselheiro Adjunto Jorge Jacob - Juiz Conselheiro Adjunto Helena Moniz – Juíza Conselheira Presidente |