Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
639/19.0T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
CONFISSÃO
EFEITOS
INEFICÁCIA
DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
IDENTIDADE SUBJETIVA
VERIFICAÇÃO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
INSOLVÊNCIA
CASO JULGADO MATERIAL
Data do Acordão: 06/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Ocorrendo, na impugnação pauliana, uma situação de litisconsórcio passivo necessário, de acordo com o art. 353.º, n.º 2, segunda parte, do CC, a confissão de litisconsorte não é eficaz.

II. A sentença proferida nos autos de reclamação e graduação de créditos apensos ao processo onde foi declarada a insolvência do aqui réu, preenchendo o pressuposto da tríplice identidade prevista no art. 581.º, n.º 1, do CPC, constitui caso julgado dentro e fora do processo de insolvência.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA intentou a presente acção declarativa contra BB e CC, formulando os seguintes pedidos:

«A. Declarar-se nulo e de nenhum efeito as transmissões da propriedade entre 1º e 2ª Ré, tituladas por título de compra e venda de 20/10/2017, celebrada no Cartório Notarial da Notária ... em ... e título de compra e venda de 06/12/2017, celebrado no escritório da Solicitadora DD, em ..., do imóvel registado na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel ... sob o nº 965 e inscrito na matriz predial urbana com o nº 4409, relativo à fracção autónoma designada pelas letras “AE”, destinada a habitação, sita na Avenida ..., ..., ...;

B. Ordenar-se o cancelamento de todos e quaisquer registos efectuados com base em quaisquer actos anulados, designadamente os registos das compras e vendas identificada em 14 e 15 da pi, descritas na Conservatória de Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel ..., pelas Ap. 3428 de 20/10/2017 e Ap. 4904 de 06/12/2017, bem como aqueles que se seguirem e que resultem directamente daquelas «transmissões».

C. Consequentemente, restituir-se o prédio identificado em A. deste pedido à titularidade formal do 1º Réu, entrando na esfera patrimonial deste;

Subsidiariamente, e caso venham a improceder os antecedentes pedidos, o que não se concebe:

D. Deve declarar-se ineficaz em relação ao Autor todos os actos de transmissão do imóvel, designadamente a compra e venda de 20/10/2017, celebrada no Cartório Notarial da Notária ... em ... e título de compra e venda de 06/12/2017, celebrado no escritório da Solicitadora DD, em ..., do imóvel registado na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel ... sob o nº 965 e inscrito na matriz predial urbano com o nº 4409, relativo à fracção autónoma designada pelas letras “AE”, destinada a habitação, relativo à fracção autónoma designada pelas letras “AE”, destinada a habitação, sita na Avenida ..., ..., ...;

E. Bem como qualquer outro anteriormente celebrado entre os RR., com as legais consequências.

F. Em quaisquer das circunstâncias, condenar-se os Réus, solidariamente, nas custas judiciais e demais encargos processuais.

Ainda subsidiariamente e só se vierem a improceder os anteriores pedidos, o que não se concebe:

G. Serem os RR. condenados no pagamento da quantia total de 52.500,00 Euros ao Autor, referente ao valor do crédito da A., acrescido de juros moratórios até efectivo e integral pagamento.»

Alegou, no essencial, factos tendentes a demonstrar o direito de crédito de que é titular perante o 1.º R., a simulação dos contratos de compra e venda celebrados entre o 1.º R., como vendedor, e a 2.ª R., como compradora, e, subsidiariamente, os factos integrantes dos pressupostos de que depende a impugnação pauliana dos mesmos contratos de compra e venda.  

Apenas a 2.ª R. apresentou contestação, na qual, para além de impugnar os factos alegados pelo A., invocou a simulação da dívida por este invocada, e, subsidiariamente, invocou a nulidade por falta de forma do contrato de mútuo de que a dita dívida alegadamente resultou; invocou ainda a não incomunicabilidade da dívida em causa; alegou que foi constituída uma hipoteca sobre o imóvel objecto deste litígio para garantia de uma dívida cujo valor é superior ao valor do prédio; mais alegou que pagou ao 1.º R. o preço do imóvel, entregando-lhe €28.000,00 e assumindo a aludida dívida hipotecária; alegou, por fim, que o 1.º R. possui bens que lhe permitem assegurar o pagamento do crédito do A., sendo proprietário de metade indivisa de outro imóvel cujo valor total ascende a €288.650,00.

Concluiu pugnando pela improcedência da acção.

O A. respondeu às excepções invocadas na contestação da 2.ª R..

Por sentença de 03.05.2022 foi decidido:

«a) julgar extinta a instância inerente ao pedido subsidiário deduzido sob a alínea g) do petitório do autor, no que se refere ao réu BB, por inutilidade superveniente;

b) julgar, no mais, totalmente improcedente a acção, absolvendo-se os réus dos restantes pedidos;

c) julgar improcedente o pedido subsidiário deduzido sob a alínea g) do petitório do autor, no que se refere à ré CC, absolvendo a mesma do referido pedido;

d) julgar improcedente o pedido de condenação do autor como litigante de má-fé, absolvendo o mesmo deste pedido.».

Inconformado, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 14.12.2022, o recurso foi julgado improcedente, confirmando-se, a decisão recorrida.


2. Novamente inconformado, vem o A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

«1. O recurso é interposto nos termos do artigo 671º, nº 3, do CPC, cabendo recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1.ª instância que mantenha parcialmente a decisão, mas com fundamentação essencialmente diferente.

2. O Autor, ora Recorrente, intentou acção declarativa de condenação contra os Réus, ora Recorridos, pedindo a condenação dos RR, nos seguintes termos:

a. Declarar-se nulo e de nenhum efeito as transmissões da propriedade entre 1º e 2ª Ré, tituladas por título de compra e venda de 20/10/2017, celebrada no Cartório Notarial da Notária ... em ... e título de compra e venda de 06/12/2017, celebrado no escritório da Solicitadora DD, em ..., do imóvel registado na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel ... sob o nº 965 e inscrito na matriz predial urbana com o nº 4409, relativo à fracção autónoma designada pelas letras “AE”, destinada a habitação, sita na Avenida ..., ..., ...;         

b. Ordenar-se o cancelamento de todos e quaisquer registos efectuados com base em quaisquer actos anulados, designadamente os registos das compras e vendas identificada em 14 e 15 da pi, descritas na Conservatória de Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel ..., pelas Ap. 3428 de 20/10/2017 e Ap. 4904 de 06/12/2017, bem como aqueles que se seguirem e que resultem directamente daquelas «transmissões».

c. Consequentemente, restituir-se o prédio identificado em A. deste pedido à titularidade formal do 1º Réu, entrando na esfera patrimonial deste;

Subsidiariamente, e caso venham a improceder os antecedentes pedidos, o que não se concebe:

d. Deve declarar-se ineficaz em relação ao Autor todos os actos de transmissão do imóvel, designadamente a compra e venda de 20/10/2017, celebrada no Cartório Notarial da Notária ... em ... e título de compra e venda de 06/12/2017, celebrado no escritório da Solicitadora DD, em ..., do imóvel registado na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel ... sob o nº 965 e inscrito na matriz predial urbano com o nº 4409, relativo à fracção autónoma designada pelas letras “AE”, destinada a habitação, relativo à fracção autónoma designada pelas letras “AE”, destinada a habitação, sita na Avenida ..., ..., ...;

e. Bem como qualquer outro anteriormente celebrado entre os RR., com as legais consequências.

f. Em quaisquer das circunstâncias, condenar-se os Réus, solidariamente, nas custas judiciais e demais encargos processuais.

Ainda subsidiariamente e só se vierem a improceder os anteriores pedidos, o que não se concebe:

g. Serem os RR. condenados no pagamento da quantia total de 52.500,00 Euros ao Autor, referente ao valor do crédito da A., acrescido de juros moratórios até efectivo e integral pagamento.

3. Não se conformando com a condenação [rectius: com a absolvição], o Recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que o recebeu como de apelação, que veio a julgá-lo improcedente, confirmando, sem voto de vencido, mas com fundamentação diferente – como abaixo mais detalhadamente se exporá -, a sentença que absolveu os RR. dos pedidos, principais e subsidiários.

4. O regime regra é o da inadmissibilidade de recurso de revista para o STJ das decisões da Relação que confirmem, sem voto de vencido, a decisão da 1.ª instância, mas quando a motivação exposta pelos Venerandos Desembargadores ser manifestamente diversa para a confirmação da sentença recorrida, casos em que deixa de existir dupla conformidade entre as decisões do Tribunal de 1ª instância e do Tribunal da Relação.

5. O acórdão da Relação em apreço, como do seu segmento decisório consta, confirmou, sem voto de vencido, mas com fundamentação diferente, a sentença que absolveu os RR. dos pedidos, principais e subsidiários, mas com uma fundamentação manifestamente diversa.

6. Vejamos como. O Tribunal da Relação do Porto julgou parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, aditando factos provados, eliminando outros dos não provados e alterando a redação de outros não provados, nomeadamente:

-Adita-se ao elenco dos factos provados o seguinte:

35. A fracção identificada no ponto 4 tinha, em Setembro de 2016, o valor de 170.000,00 €.

- Eliminam-se os pontos 13, 14 e 21 dos factos não provados.

- Altera-se a redacção do ponto 15 dos factos não provados nos seguintes termos:

15. O valor de mercado da fração identificada em 4 dos factos dados como provados não fosse superior a € 142.000,00 por referência à data de dezembro de 2017.

7. Assim, com a matéria exposta pelo Recorrente, de facto e de direito, o Tribunal da Relação confirmou a verificação de dois requisitos que decorrem dos art. 612º e 616º, ambos do CC, ou seja, ao contrário do decidido pelo tribunal da 1º instância, deu como verificado que o acto impugnado envolveu diminuição da garantia patrimonial, ou seja, diminuição dos valores patrimoniais que, nos termos do artigo 601.º do CC, respondem pelo cumprimento da obrigação e que do acto resultou para o credor a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade, conforme se pode confirmar pela sua motivação.

8. Acresce que também quanto ao pedido subsidiário para condenar os RR. no pagamento da quantia de 52.500,00€, pese embora o Tribunal da Relação do Porto tenha mantido a sua improcedência, fundamentou de forma substancialmente diferente.

9. O Tribunal da 1ª instância, afirma e alicerça-se num Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, que refere que “transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal, a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287º da CPC.” e o Tribunal da 2ª instância, mantém a improcedência do pedido subsidiário quanto ao Réu BB, mas com os seguintes fundamentos: “Ora, nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, al. i), o caso julgado configura uma excepção dilatória, obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância. Nestes termos, ainda que com uma argumentação distinta, impõe-se manter a decisão de absolvição da instância do 1.º réu no que respeita a este pedido.”

10. Claramente existe uma diferença de natureza existente entre uma inutilidade superveniente da lide, prevista no art. 276º, al. e), do CPC e a absolvição da instância perante a excepção dilatória do caso julgado, prevista no art. 577º, al. i) do CPC, tendo uma fundamentação diversa.

11. Assim, atentas as alterações à matéria de facto, a verificação de 2 requisitos da impugnação pauliana, bem como a argumentação diversa do pedido subsidiário quanto ao Réu BB, não pode negar-se a falta de absoluta conformidade entre a sentença e o acórdão da Relação proferidos, o que aponta no sentido da inexistência de dupla conforme, pelo que admissível o recurso de revista nos termos do art. 671, nº 3 do CPC.

12. Os Digníssimos Desembargadores mantiveram a decisão da 1ª Instância, quanto à não verificação do requisito da má-fé, relativamente à 2ª Ré CC, não podendo o Recorrente conformar-se com tal decisão.

13. O Recorrente requereu a eliminação do facto não provado 21, e a inserção dos factos não provados 22. e 14. na matéria de facto dados como provados, tendo os Venerandos Desembargadores eliminado o facto não provado 22., mantido como não provado o facto 21. e eliminado o facto não provado 14.

14. Ora o facto não provado 21, refere-se que: Aquando das compras e vendas impugnadas nestes autos, a R. CC soubesse da situação de insolvência do R. BB; que soubesse que tais negócios implicavam o início do processo de insolvência daquele réu; e que soubesse que essas vendas prejudicavam o autor ou qualquer outro credor.

15. E o facto não provado 22: Aquando das compras e vendas impugnadas nestes autos, a R. CC não soubesse da situação de insolvência do R. BB, e bem assim que não soubesse que tais negócios implicavam o início do processo de insolvência daquele réu.

16. Perante os factos provados 20 e 28, não se alcança o iter cognitivo para dar como não provado, pelo menos, que a Ré CC soubesse que essas vendas prejudicavam o autor ou qualquer outro credor, aí se encontrando a má-fé, quer para o devedor, quer o terceiro adquirente, para que se consiga enquadrar a conduta da Ré CC, com o objectivo claro de dissipar o património do Réu BB, de modo a frustrar a cobrança de creditos do A. ou de outros credores.

17. No facto provado 28, o Tribunal da 1ª instância deu como provado que “Os contratos de compra em venda celebrados pelos RR. e supra descritos impediram que os credores do R. BB pudessem penhorar/apreender o imóvel objecto desses contratos para tentarem cobrar os seus créditos pelo produto da sua venda.”, pelo que não se alcança o iter cognitivo para dar como não provado, pelo menos, que a Ré CC soubesse que essas vendas prejudicavam o autor ou qualquer outro credor, também a má-fé, quer para o devedor, quer o terceiro adquirente, para que se consiga enquadrar a conduta da Ré CC, à semelhança da do Réu BB, em má-fé, acto doloso, com o objectivo claro de dissipar o património do Réu BB, de modo a frustrar a cobrança de creditos do A. ou de outros credores.

18. Quanto às mensagens Whatsapp, não se pode extrair que a Ré CC não soubesse da dívida perante o A./Recorrente, e de seguida, que se refira que de determinados factos, não se pode extrair o conhecimento da Ré CC, sem de facto conduzir ou referir qualquer conclusão desses factos, não podendo resultar que da simples descredibilização da mensagem de whatsapp, resulta que a Ré CC não tivesse conhecimento da dívida, conduz ao inevitável conhecimento.

19. Aliás, constitui prova suficiente a confissão do Réu, reduzida a escrito, onde confessa que decidiram ambos os RR. ficcionar os negócios impugnados para que a fracção não respondesse pelos débitos do depoente, designadamente não respondesse pelo crédito do autor, para que se possa afirmar com convicção, que a Ré CC tinha conhecimento objectivo de que ao efectuar as referidas compras e vendas, prejudicaria o autor ou qualquer outro credor, agindo aliás com esse único intuito.

20. A própria desvalorização da mensagem de whatsapp junta aos autos na audiência de 18/11/2021, não se demonstrando que a Ré CC não tivesse conhecimento da dívida ao Autor aquando dos negócios simulados, confirmando que os contratos de compra e venda realizados por ambos os RR. impediram que os credores do R. BB pudessem penhorar/apreender o imóvel objecto desses contratos para tentarem cobrar os seus créditos pelo produto da sua venda, que ambos os RR. sabiam da existência do crédito do A.., pelo que atenta a contradição entre os factos não provados 21 e 22, deveria o facto não provado 21 passar a constar dos factos provados.

21. Entende também o Recorrente que o facto não provado 14, de que a Ré CC tivesse solicitado algum empréstimo ao A., foi mal analisado e valorado pelo Tribunal, quer pela 1ª instância, quer pela 2ª.

22. A testemunha EE afirmou, assim como o A. declarou, que também a Ré CC solicitou um empréstimo ao A., juntamente com o Reu BB, tal como resulta do depoimento da testemunha e ainda das declarações de parte do A., ora Recorrente, mas que ainda assim foram desvalorizados e nem sequer analisados pelo Tribunal da 2ª instância, pelo que também esse facto devia ter sido dado.

23. Assim, em sede de revista, o Supremo Tribunal de Justiça pode, no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 674º, nº 3, segunda parte, apreciar o erro na fixação dos factos provados quando se verifique ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, sendo que por força do disposto no n.º 3 do artigo 682.º do CPC, «o processo só volta ao Tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou quando ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.”

24. Torna-se assim necessário que o Supremo Tribunal de Justiça aprecie a matéria de facto, de modo a que o Tribunal recorrido a possa alterar e ampliar, para que assim se possa proferir uma decisão de direito com uma base sólida e de modo a comprovar a má-fé da Ré CC, terceira adquirente, bem como a condená-la no pedido subsidiário.

25. Acresce que entende o Tribunal recorrido que o pedido subsidiário contra os RR., não deve proceder, mantendo a fundamentação quanto à Ré CC, mas aplicando uma fundamentação diversa quanto ao Réu BB.

26. Os Venerandos Desembargadores sustentam a sua tese no facto de ocorrer não a extinção da instância como fundamente o Tribunal da 1ª instância, mas sim na tese alicerçada nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, al. i), o caso julgado configura uma excepção dilatória, obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.       

27. Às acções declarativas intentadas contra o insolvente, ou por este intentadas (quer por via principal, quer por via cruzada) é aplicável o regime do artigo 81.º daquele diploma e in casu, a acção judicial de impugnação pauliana continua idónea à obtenção do efeito jurídico pretendido pelo Recorrente, não se verificando, assim, a inutilidade superveniente da lide, nem a excepção de caso julgado.

28. No processo de insolvência, as acções executivas a correr suspendem-se ou extinguem-se, mas tal solução não é extensível às acções declarativas.

29. Se o credor, com uma acção declarativa de condenação a correr, reclamar o seu crédito no processo de insolvência, como aconteceu no caso dos autos, não se extingue a instância nem ocorre a excepção dilatória de caso julgado.

30. O que já não sucede com uma acção declarativa a correr e o credor tiver reclamado o seu crédito no processo de insolvência, como é o caso dos autos, não se extinguindo a instância declarativa ou sequer ocorrendo caso julgado.

31. Nesse caso, o crédito deve ser contemplado e devidamente graduado e acautelado no processo de insolvência, nomeadamente como crédito sujeito a condição suspensiva.

32. Ainda quanto ao Acórdão Uniformizador referido na 1ª instância e cuja fundamentação não foi adoptada pela 2ª, este perdeu a validade, porque respeita a uma situação decidida ao abrigo de um quadro legislativo diferente.

33. Com a nova redacção do n.º 1 do art.º 50.º, o legislador tomou posição clara sobre o assunto, considerando expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão, pelo que o citado Acórdão Uniformizador, no domínio do actual quadro legislativo, salvo o devido respeito, perdeu actualidade e validade.

34. Pelo que nunca poderia ser mantida a decisão de improcedência, mas com fundamento diverso.

35. De uma errada aplicação das normas e do direito, em ambas as instâncias, mas com fundamentos dispares, podem os Colendos Conselheiro pronunciar-se, atenta a necessidade de segurança e certeza jurídica, para findar de uma vez este diferendo das instâncias, na sua fundamentação.

36. Devendo ocorrer a revogação da decisão recorrida, condenando-se ambos os RR no pedido principal, atenta a manifesta má-fé que se verifica também na Ré/Recorrida CC, pelo que verificados todos os requisitos exigidos para a impugnação pauliana e se assim não se entender, no pedido subsidiário, condenar ambos os RR/Recorridos, atentos os factos provados e o supra alegado quanto não verificação da excepção dilatória do caso julgado.».

A Recorrida contra-alegou (sem, contudo, formular conclusões), pugnando pela inadmissibilidade do recurso e, subsidiariamente, pela manutenção da decisão do acórdão recorrido.


3. Antes de mais, importa considerar se se verifica dupla conformidade entre as decisões das instâncias impeditiva da admissibilidade do recurso de revista (cfr. art. 673.º, n.º 3, do Código de Processo Civil) ou se, ainda que o acórdão recorrido tenha confirmado a decisão da 1.ª instância, o fez com fundamentação essencialmente diferente.

Estando em causa pedidos inteiramente autónomos dirigidos contra ambos os RR. (o pedido D) de declaração de ineficácia dos contratos de compra e venda celebrados entre o 1.º R. e a 2.ª R. com fundamento na verificação dos pressupostos da impugnação pauliana; e o pedido G) de condenação dos RR. no pagamento do crédito pecuniário invocado), tal deverá ser aferido em função de cada pedido.

No que se refere ao pedido D), de declaração de ineficácia dos contratos de compra e venda celebrados entre o 1.º R. e a 2.ª R. com fundamento na ocorrência dos pressupostos da impugnação pauliana, foi o mesmo julgado improcedente pela 1.ª instância, considerando não estar provado que os actos impugnados envolvessem a diminuição da garantia patrimonial do devedor, assim como não estar provada a má fé da 2.ª R. adquirente.

Diversamente, o Tribunal da Relação, tendo alterado pontos essenciais da matéria de facto, considerou provado que os contratos impugnados envolveram a diminuição da garantia patrimonial do devedor, assim como que desses actos resultou para o credor a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade; julgou, porém, o recurso improcedente, por falta de prova da existência de má fé por parte da 2.ª R. adquirente.

Afigura-se que, a respeito da decisão do pedido D), a diferença de fundamentação entre as decisões das instâncias é suficientemente significativa para configurar fundamentação essencialmente diferença, pelo que, nos termos do n.º 3 do art. 671.º do CPC, o recurso é, nesta parte, é admissível.

No que se refere ao pedido G), de condenação no pagamento do crédito pecuniário invocado pelo A., há que distinguir.

Tanto a 1.ª instância como o Tribunal da Relação absolveram a 2.ª R. deste pedido com fundamentação essencialmente idêntica (não ser ela a devedora), verificando-se assim dupla conformidade entre as decisões, pelo que o recurso não é, nesta parte, admissível.

Quanto ao 1.º R., constata-se que a 1.ª instância proferiu decisão de absolvição da instância por inutilidade superveniente da lide, enquanto o Tribunal da Relação manteve tal decisão, mas com fundamento em verificação da excepção de caso julgado. Dúvidas não subsistem quanto à existência de fundamentação essencialmente diferente, razão pela qual o recurso é, também nesta parte, admissível.


4. Vem provado o seguinte (mantem-se a numeração e redacção do acórdão reocorrido):

1. Por documento datado de 25 de Maio de 2017, intitulado “Declaração de dívida”, BB declarou, entre outras coisas, o seguinte: “(…) declara-se, por este meio, devedor a AA (…) da quantia de € 52.500,00 (cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

2. O 1º réu emitiu, à ordem do A., um cheque datado de 3/01/2018, na quantia de 22.500,00€.

3. O A. apresentou o cheque a pagamento, no dia 03/01/2018, tendo o mesmo sido recusado por falta de provisão.

4. Através de realização de escritura pública de compra e venda, outorgada no dia 20/10/2017, no Cartório Notarial da Notária ... em ..., o primeiro réu declarou vender à segunda ré metade indivisa da Fracção autónoma designada pelas letras “AE”, destinada a habitação, sita no Edifício ..., Avenida ..., descrita na Conservatória do Registo Civil, Predial e Automóveis ... sob o nº 965 da freguesia de ... e inscrito na matriz urbana sob o artigo 4409, tudo nos moldes e condições vertidas no documento (escritura pública) junto aos autos a 13/10/2021 com o requerimento referência ...32, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

5. Através de realização de documento particular autenticado de compra e venda, outorgado no dia 06/12/2017, no escritório da Dra. DD, Solicitadora, o primeiro réu declarou vender à segunda ré a sua metade indivisa do imóvel identificado no ponto anterior, tudo nos moldes e condições vertidas a fls. 131 a 136 do documento n.º 4 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

6. No dia 16/01/2018, por documento intitulado “Rectificação”, no escritório da Dra. DD, Solicitadora, o réu BB, na qualidade de primeiro outorgante, e a ré CC, na qualidade de segundo outorgante, declararam o vertido a fls. 103 a 105 do documento n.º 4 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente que: “Que por contrato de compra e venda com termo de autenticação lavrado em seis de Dezembro de 2017, pelas Solicitadora DD (…), o primeiro vendeu à segunda metade indivisa da fracção autónoma designada pelas letras “AE” (…). Que rectificam o referido contrato de compra e venda no sentido de ficar a constar que o preço foi de oitenta e cinco mil euros e não de cinquenta e sete mil euros, conforme por lapso foi declarado. Que do preço referido de oitenta e cinco mil euros, o montante de cinquenta e sete mil euros, foi pago pela obrigação que a segunda assumiu de pagar integralmente e à sua custa a totalidade do saldo devedor do empréstimo existente junto do “Banco 1..., S.A.,” e o valor de vinte e oito mil euros foi pago em cheque com o n.º seis zero seis três nove seis zero zero oito quatro (…), datado de 6/12/2017. Que o referido cheque foi entregue pela compradora ao vendedor na data em que foi lavrado o contrato de compra e venda, comprometendo-se o primeiro a apresentar o cheque a pagamento após o dia 31/12/2017. Que pelo presente documento particular rectificam, assim, o referido contrato de compra e venda, quanto ao valor do preço (…)”.

7. As referidas compras e vendas foram registados e descritas na Conservatória de Registo Civil, Predial, Comercial e Automóvel ..., pelas Ap. 3428 de 20/10/2017 e Ap. 4904 de 06/12/2017.

8. Sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...02..., da freguesia de ..., pela Ap. 3429 de 20/10/2017, foi constituída uma hipoteca com capital de € 114.262,34 e montante máximo assegurado de 165.109,08€, a favor do Banco 1..., S.A., para garantia de empréstimo.

9. Pelo menos em 12/04/2017, encontrava-se registada a favor de dos réus, desde 7/04/2017, por aquisição à S..., Unipessoal, Lda., o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e de Automóveis, ..., sob o número 308/19910822, e inscrito na matriz sob o artigo 2371, sobre o qual incidiam, até àquela data, os ónus e encargos inscritos no documento n.º 12 junto com a contestação da ré CC, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

10. O referido imóvel, prédio urbano destinado a armazém, é composto pelo Edifício de rés do chão, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ....

11. Em 28/03/2019, os réus constavam como proprietários na caderneta predial do prédio identificado nos dois pontos anteriores, nos moldes vertidos no documento n.º 13 junto com a contestação da segunda ré, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

12. No documento intitulado “Relatório de Avaliação de Imóvel”, datado de Março de 2019, foi declarado o vertido no documento n.º 14 junto com a contestação da segunda ré, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

13. O 1º Réu, no decurso dos anos de 2016 e 2017, solicitou ao A. vários empréstimos, no valor global de 52.500,00€.

14. Sendo um dos empréstimos no montante unitário de 22.500,00€, e o restante, no montante de 30.000,00€, que foram sendo entregues ao 1º Réu, faseadamente, de acordo com as necessidades e sempre que tal solicitava ao A.

15. O A., acreditando na boa-fé do 1º Réu, e atendendo à relação de confiança que então existia entre os dois, acedeu e foi-lhe concedendo esses empréstimos no decurso dos anos de 2016 e 2017, sendo certo que o 1º Réu sempre se comprometeu a devolver os referidos montantes ao A., no mais curto prazo.

16. Foi em virtude dos factos expostos que o 1º réu emitiu a declaração referida no anterior ponto 1.

17. O cheque referido no anterior ponto 2 era para liquidação parcial do valor em dívida.

18. Questionado sobre o descrito no ponto 3 dos factos provados, o 1º Réu informou o A. que de facto não dispunha dessa quantia, mas que ia proceder ao pagamento dos referidos montantes, sempre assumindo a sua dívida perante o A, quer a titulada pelo cheque, quer a restante.

19. Foi interpelado para proceder ao pagamento da quantia.

20. À data da celebração da escritura pública e do documento particular autenticado de compra e venda referidos nos anteriores pontos 4 e 5, os réus sabiam da existência do crédito do autor supra mencionado.

21. O montante garantido pela hipoteca referida em 8 dos factos provados era, à data de 1/03/2019, de 110.784,93€, sem contar com encargos e juros inerentes ao identificado mútuo.

22. Entre Junho e Agosto de 2018 ocorreu a rutura dos RR. enquanto casal unido de facto, tendo-se os mesmo separado.

23. Em 2015 os RR. fixaram o exercício das responsabilidades parentais dos seus filhos menores.

24. A R. CC entregou ao R. BB o cheque referido em 6 dos factos provados a titular a quantia de € 28.000,00, tendo-se declarado naquele documento que entrega era feita com o objectivo declarado nesse mesmo documento.

25. O referido cheque bancário foi descontado em 05 de janeiro de 2018 e obteve pagamento.

26. Nesse mesmo documento foi declarado que a R. CC assumiu como contrapartida pela referida venda o pagamento integral do crédito hipotecário em dívida ao Banco 2..., S.A., que à data ascendia a € 114.000,00.

27. Entre 1/01/2018 e 21/09/2020 (data da apresentação de articulado superveniente da ré CC), a ré CC pagou mensalmente ao Banco 2..., S.A., as prestações, juros e encargos, respeitantes ao mútuo referido em 8, num montante global em concreto não apurado.

28. Os contratos de compra em venda celebrados pelos RR. e supra descritos impediram que os credores do R. BB pudessem penhorar/apreender o imóvel objecto desses contratos para tentarem cobrar os seus créditos pelo produto da sua venda.

29. A ré CC e os seus filhos menores vivem no imóvel descrito em 4 e 5.

30. O A. reclamou o seu crédito na ação que decretou a insolvência do R. BB, que corre os seus regulares trâmites no Juízo ... do Juízo do Comércio ..., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, com o processo nº 1132/19.....

31. No referido processo, o administrador da insolvência do réu BB declarou resolver em benefício daquela massa insolvente os contratos de compra e venda referidos nos anteriores pontos 4 e 5.

32. A ré CC impugnou a referida resolução por apenso àquele processo de insolvência, adquirindo tal apenso o n.º 1132/19...., do Juiz ... do Juízo de Comércio ... do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este.

33. No referido apenso, no dia 14/07/2020, foi celebrada transação, homologada por sentença, nos termos e condições descritas no documento n.º 2 junto aos autos em 21/09/2020 com o articulado superveniente da ré CC, dando-se aqui por integralmente reproduzido o conteúdo daquele documento.

34. Posteriormente, no processo de insolvência, o Banco 2..., S.A., desistiu da reclamação de créditos que havia apresentado naqueles autos, tendo-se considerado por verificada a condição prevista na cláusula B) daquela transação.

35. A fracção identificada no ponto 4 tinha, em Setembro de 2016, o valor de 170.000,00 €. [aditado pela Relação]


Factos dados como não provados:

1. À data da propositura da acção, a inscrição referida em 9 dos factos provados se mantivesse.

2. Ao celebrarem os negócios referidos nos pontos 4 a 8 dos factos provados, o 1º Réu e respectiva unida de facto 2ª Ré tivessem agido com o intuito de dissiparem o património que integra a esfera patrimonial do Réu, com vista a não satisfazer o crédito do A.

3. Os réus tivessem articulado um plano que visou despossar o 1º Réu de todo o seu património, designadamente da fracção identificada nos pontos 4 a 8 dos factos provados.

4. A verdadeira intenção do 1ª e 2ª Réus não tivesse sido mais do que ocultar o verdadeiro património do 1º Réu, impedindo-o de honrar as suas obrigações, em prejuízo do A.

5. Nem o 1º Réu tivesse querido vender nem a 2ª Ré tivesse querido comprar a fracção, ficando o A. impedido de cobrar o valor dos aludidos empréstimos.

6. Os pagamentos declarados nos mencionados negócios não tivessem ocorrido.

7. A fracção identificada nos factos assente tivesse um valor de 249.000,00€.

8. O documento (confissão de dívida) onde fizeram constar a quantia reclamada nestes autos tivesse sido forjada, de forma a trazer um alegado título que justificasse a possibilidade de intentar a presente ação com a finalidade única e exclusiva de “sacar este bem” à primeira Ré.

9. Se vendido fosse o imóvel descrito nos pontos 4 a 8 dos factos provados, não ultrapassaria nunca o valor do crédito hipotecário e o valor patrimonial de 96.451,10€.

10. O imóvel descrito em 9 e 10 dos factos provados representasse um activo de pelo menos 288.650,00€.

11. O cheque referido em 24 dos factos provados, apresentado a pagamento, não tivesse sido pago.

12. O montante referido em 27 dos factos provados fosse de € 12.107,86.

13. [eliminado pela Relação] [O contrato de compra e venda referido em 5 dos factos provados tivesse diminuído o passivo do R. BB].

14. [eliminado pela Relação] [A R. CC tivesse solicitado algum empréstimo ao A.].

15. O valor de mercado da fração identificada em 4 dos factos dados como provados não fosse superior a € 142.000,00 por referência à data de dezembro de 2017. [alterado pela Relação; anterior redacção: O valor de mercado da fração identificada em 4 dos factos dados como provados fosse superior a € 142.000,00 por referência à data de dezembro de 2017].

16. Existisse uma relação de proximidade entre o A. e o R. BB.

17. O desconto referido em 25 dos factos provados só tivesse ocorrido naquela altura, porque só aí a R. CC conseguiu reunir o montante devido, indicando ao R. BB que já podia depositar o cheque.

18. As vendas referidas nos factos provados não tivessem sido prejudiciais para o R. BB, muito menos para qualquer um dos seus eventuais (ou alegados) credores.

19. Em 2015 tivesse ocorrido a rutura dos RR. enquanto casal unido de facto.

20. O autor não tivesse apresentado a devida reclamação de créditos no processo de insolvência do réu BB.

21. Aquando das compras e vendas impugnadas nestes autos, a R. CC soubesse da situação de insolvência do R. BB; que soubesse que tais negócios implicavam o início do processo de insolvência daquele réu; e que soubesse que essas vendas prejudicavam o autor ou qualquer outro credor.

22. [eliminado pela Relação] [Aquando das compras e vendas impugnadas nestes autos, a R. CC não soubesse da situação de insolvência do R. BB, e bem assim que não soubesse que tais negócios implicavam o início do processo de insolvência daquele réu].

23. Os empréstimos referidos em 13 tivessem sido solicitados para fazer face a dívidas pessoais do réu BB e decorrentes da sua área de actividade.

- Esclareça-se que o Tribunal da Relação, embora, no parágrafo sexto da página 48, tenha indicado o facto não provado 21 como sendo um dos pontos a eliminar, pretendeu efectivamente eliminar o ponto 22 e manter o ponto 21 nos factos dados como não provados como resulta da conclusão do parágrafo segundo da mesma página, no qual se conclui que «Procede, deste modo, o pedido de eliminação deste ponto 22 dos factos não provados», assim se fundamentando tal conclusão:

«Refira-se, antes de mais, que não existe qualquer contradição na decisão do Tribunal a quo vertida naqueles dois pontos [21 e 22]. Tal contradição apenas ocorreria se o Tribunal recorrido tivesse julgado provados os factos vertidos nesses dois pontos, visto que a prova de um deles exclui lógica e necessariamente a prova do outro. Mas tal contradição lógica não ocorre na hipótese contrária. Ao julgar não provados os dois conjuntos de factos, o Tribunal recorrido está apenas a afirmar que considera não ter sido feita prova bastante de que a ré CC soubesse ou de que não soubesse da situação de insolvência do réu BB, que os negócios que celebraram implicassem o início do processo de insolvência daquele réu e que prejudicassem o autor ou qualquer outro credor.

Não obstante, discordamos da opção do Tribunal recorrido de se pronunciar sobre ambos. Relevando esses factos a respeito do dolo e da má-fé, enquanto requisitos dos pedidos subsidiários de impugnação pauliana (cfr. artigo 612.º do CC) e de indemnização dos danos (artigo 616.º, n.º 2, do CC), cujo ónus da prova cabia ao autor, importa apenas a apurar a versão correspondente a esse ónus, ou seja, que a ré sabia da situação de insolvência do réu BB, que os negócios que celebrou com este implicavam o início do processo de insolvência do mesmo e que prejudicavam o autor. Procede, deste modo, o pedido de eliminação deste ponto 22 dos factos não provados, embora, uma vez mais, sem relevância prática.».

- Esclareça-se também que o lapso formal na indicação do ponto eliminado em nada afectou a interposição do recurso de revista, no qual, correctamente, o Recorrente identifica o ponto 21 como estando inserido nos factos dados como não provados, pretendendo que o mesmo seja dado como provado.


6. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.

Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

- Alteração da decisão de facto (devendo os factos não provados 21 e 14 serem dados como provados), e consequente reapreciação da decisão de direito no sentido da procedência do pedido D) formulado pelo A. – declaração de ineficácia dos contratos de compra e venda celebrados entre o 1.ª R. e a 2.ª R. com fundamento na verificação dos pressupostos da impugnação pauliana;

- Condenação do 1.º R. no pedido subsidiário G) – pagamento do crédito pecuniário do A. –, declarando-se não verificada a excepção de caso julgado.


7. Pretende o Recorrente que seja alterada a decisão de facto, devendo os factos não provados 21 e 14 serem dados como provados; e, consequentemente, ser reapreciada a decisão de direito, julgando-se procedente o pedido D) formulado pelo A. em sede de petição inicial.

Vejamos.

O ponto 21 da factualidade dada como não provada pela 1.ª instância, e mantida pelo Tribunal da Relação, tem o seguinte teor:

«Aquando das compras e vendas impugnadas nestes autos, a R. CC soubesse da situação de insolvência do R. BB; que soubesse que tais negócios implicavam o início do processo de insolvência daquele réu; e que soubesse que essas vendas prejudicavam o autor ou qualquer outro credor.».

De acordo com o disposto nos arts. 662.º, n.º 4 e 674.º, n.º 3, do CPC, o Supremo Tribunal de Justiça não tem competência para reapreciar a matéria de facto, salvo nas hipóteses previstas na parte final do referido art. 674.º, n.º 3, isto é, se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Ora, no presente recurso, o Recorrente, para além de manifestar a sua discordância com o juízo realizado pelo tribunal a quo e que não pode ser sindicado por este Supremo Tribunal, invoca confissão do 1.º R. para dar como provado o referido facto. Estando em causa, nesta parte, a invocada violação de norma legal que fixa a força de determinado meio de prova, cumpre apreciar.

De acordo com o art. 353.º, n.º 2, segunda parte, do Código Civil, a confissão de litisconsorte não é eficaz se o litisconsórcio for necessário. Ora, na impugnação pauliana ocorre precisamente uma situação de litisconsórcio passivo necessário (cfr., por todos, Antunes Varela/Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, pág. 131), pelo que a invocada confissão do 1.º R. alienante não produz efeitos em relação à 2.ª R. adquirente. De qualquer forma, mesmo no litisconsórcio voluntário a confissão apenas produz é eficaz contra o interesse do confitente (cfr. a primeira parte do referido art. 353.º, n.º 2, do CC); ora, no caso dos autos, o confitente foi apenas o 1.º R.  pelo que a confissão nunca teria força probatória plena contra a 2.ª R..

Quanto ao ponto 14 da matéria de facto («A R. CC tivesse solicitado algum empréstimo ao A.»), eliminado pela Relação, o Recorrente pretende que o mesmo seja dado como provado sem invocar a verificação de qualquer das hipóteses previstas na parte final do art. 374.º, n.º 3, do CPC, pelo que tal pretensão não pode ser equacionada.

Mais pretende ainda o Recorrente que, a respeito desse ponto 14 eliminado pelo tribunal a quo, este Tribunal determine a ampliação da matéria de facto ao abrigo do previsto no art. 682.º, n.º do CPC. Incorre o Recorrente no equívoco de entender que este regime constitui uma faculdade das partes, quando, em rigor, constitui faculdade do Tribunal. Não considerando este Supremo Tribunal que se verifique uma situação de insuficiência da matéria de facto nem que nela ocorram «contradições (...) que inviabilizam a decisão jurídica do pleito», não cabe fazer uso de tal faculdade.

Improcede, assim, a pretensão relativa à alteração e/ou determinação de ampliação da decisão de facto.


8. Quanto à questão relativa à condenação do 1.º R. no pedido subsidiário G) (pagamento do crédito pecuniário do A.), declarando-se não verificada a excepção de caso julgado, subscrevem-se os termos em que o tribunal a quo fundamentou a decisão de improcedência e que aqui se transcrevem na parte essencial:

«[N]ão se questiona que o réu seja responsável pelo pagamento do crédito pecuniário invocado pelo autor. Contudo, a condenação do réu a satisfazer esse crédito (já) não pode ser feita nestes autos.

(...)

Como vemos, o processo de insolvência gera títulos executivos cujo valor não se circunscreve àquele processo, entre eles se contando a sentença de verificação e graduação de créditos ou a decisão proferida em acção de verificação ulterior, eventualmente em conjugação com a sentença homologatória do plano de insolvência, sendo certo também que as obrigações constituídas neste plano podem ter eficácia externa, como é expressamente assumido pelo legislador nos artigos 192.º, n.º 2, e 217.º.

No caso concreto, vimos que o crédito do autor já foi declarado por sentença já transitada em julgado, proferida nos autos de reclamação e graduação de créditos apensos ao processo onde foi declarada a insolvência do aqui 1.º réu, a qual está dotada de força executiva naquele processo de insolvência e fora dele.

Tal situação, mais do que gerar a inutilidade superveniente do pedido de condenação do réu no pagamento do mesmo crédito, impede a (re)apreciação desse pedido, por força do caso julgado da decisão anterior (e não da autoridade do caso julgado, como começámos por defender nos primeiros escritos acima citados), visto que, para além da identidade parcial de pedidos e causas de pedir – dizemos parcial, no sentido de que o pedido em apreço nestes autos, no que concerne ao 1.º réu, e a respectiva causa de pedir repetem parte dos pedidos e causas de pedir dos referidos autos de reclamação e graduação de créditos –, existe igualmente identidade parcial de sujeitos, pois a qualidade jurídica do aqui autor/credor e do aqui 1.º réu/devedor corresponde à qualidade jurídica do ali reclamante/credor e reclamado/devedor, sem prejuízo da intervenção de outros sujeitos processuais em ambas as acções.

Ora, nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.º 2, e 577.º, al. i), o caso julgado configura uma excepção dilatória, obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância.

Nestes termos, ainda que com uma argumentação distinta, impõe-se manter a decisão de absolvição da instância do 1.º réu no que respeita a este pedido.». [negritos nossos]

Não existindo dúvida de, pelas razões explanadas no acórdão recorrido, a sentença, transitada em julgado, proferida nos autos de reclamação e graduação de créditos apensos ao processo onde foi declarada a insolvência do aqui 1.º R., preenchendo o pressuposto da tríplice identidade prevista no art. 581.º, n.º 1, do CPC, constitui caso julgado dentro e fora do processo de insolvência, improcede também nesta parte, a pretensão do Recorrente.


9. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a decisão do acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 22 de Junho de 2023


Maria da Graça Trigo (relatora)

Catarina Serra

Paulo Rijo Ferreira