Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8951/15.1T8STB.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: PLANO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO
RECURSOS
ADMISSIBILIDADE
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/13/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 14.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, 672.º, N.ºS 1, AL. A), E 3, 680.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 13 DE JANEIRO DE 2015, PROCESSOS N.ºS 628/13.9TYNG-F.P1.S1 E 910/13.5TBVVD-G.G1.S1, RESPECTIVAMENTE, E DE 19 DE MARÇO DE 2015, PROCESSO N.º1909/12.4TYLSB-A.L1.S1, IN S.A.S.T., SITE DO S.T.J. ( WWW.STJ.PT ).
Sumário :
I. Em sede insolvencial e questões conexas (caso do PER), quer haja ou não dupla conformidade decisória, o que inclui os incidentes aí suscitados, não admitem recurso, excepto se a parte demonstrar que existe oposição de julgados.

II. Este regime recursório prevenido no artigo 14º, nº1 do CIRE, é um regime especialíssimo, o qual, a se, afasta o regime geral recursivo e ainda todas as impugnações gerais excepcionais prevenidas no artigo 629º do CPCivil, assim como afasta o regime recursório atinente à Revista excepcional.

III. Inexistindo qualquer oposição decisória entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, por ausência de identidade no núcleo essencial da matéria em litígio, a Revista não pode ser conhecida.

(APB)

Decisão Texto Integral:

PROC 8951/15.1T8STB.E1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Nos presentes autos de processo especial de revitalização em que é Requerente e Recorrente Vitória Futebol Clube – SAD, veio esta interpor recurso de Revista excepcional do Acórdão da Relação de Évora que faz fls 2765 a 2772, convolado em Revista normal pela Formação, nos termos do artigo 14º, nº1 do CIRE e por oposição do julgado com um outro Aresto do Tribunal da Relação de Coimbra proferido nos autos nº170/14.0TBCDR.C2.S2, cuja certidão com nota de trânsito em julgado juntou, cfr fls 3008 a 3015.

 

Por despacho singular da Relatora produzido a fls 3031 e 3032, foi decidido não conhecer do objecto do recurso por inexistência de qualquer oposição de julgados.

Inconformada a Recorrente, vem do mesmo apresentar reclamação para a conferência, nos termos do disposto no n°2 do art. 692° do CPCivil ou, se tal não for, requer a declaração de nulidade da decisão sumária proferida por manifesta omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615°, n°l alínea d) do CPCivil, aplicável por força do constante nos artigos 685° e 666° do mesmo diploma, porquanto, tendo apresentado recurso de Revista, o qual assentou em quatro pontos:

a) da ofensa do caso julgado no que diz respeito à decisão de admissibilidade do Processo Especial de Revitalização;

b) da oposição de Acórdãos entre o acórdão objeto de recurso e o acórdão fundamento apresentado;

c) o facto de estarmos perante uma situação em que está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, atendendo às dezenas de exemplos unissonamente em sentido contrário que a recorrente logrou juntar com o seu recurso;

d) da decisão surpresa proferida pelo Tribunal da Relação de Évora;

sendo que, na sua tese, embora existindo oposição de julgados, o recurso seria sempre se admitir nos termos do artigo 629º, nº2, alínea a) do CPCivil, uma vez que foi arguida a ofensa de caso julgado, sendo que, além do mais a decisão é nula porque se não pronunciou sobre os restantes fundamentos invocados.

Os Recorridos não apresentaram qualquer resposta.

A decisão singular da aqui Relatora é do seguinte teor:

«[N]os termos do disposto no normativo inserto no artigo 14º, nº1 do CIRE, no que tange à economia da problemática aqui suscitada, os Acórdãos do Tribunal da Relação proferidos em sede insolvencial e questões conexas (caso do PER), quer haja ou não dupla conformidade decisória, o que inclui os incidentes aí suscitados, não admitem recurso, excepto se a parte demonstrar que o Acórdão a impugnar está em oposição com outro proferido por algum dos Tribunais da Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito decidida de forma diversa e não houver jurisprudência fixada pelo Supremo.

In casu foi determinado o conhecimento da Revista interposta com fundamento em tal normativo, porquanto o fundamento é a oposição de Acórdãos.

A questão solvenda no caso sujeito, incidiu sobre a impossibilidade de se não poder repetir um processo especial de revitalização, existindo já um plano anterior devidamente homologado, sem prejuízo deste plano poder, no âmbito do mesmo processo, ser alterado.

A propósito, lê-se no Acórdão sob recurso o seguinte sic «[n]ão é permitida a apresentação de novo PER sobre a mesma matéria mas é permitida a alteração do acordo antes homologado (art.º 988.º, Cód. Proc. Civil). Em relação à primeira, deve-se notar que a matéria a submeter a acordo entre os credores é a mesma; em rigor, é sempre a mesma. Os créditos podem variar, os credores podem variar, mas o objecto do processo é igual: a obtenção de um acordo que possibilite a revitalização do devedor. Ora, não faz sentido que se permita a apresentação de um novo plano quando um outro (homologado) já foi apresentado. Tal permissão assentaria num argumento pouco sério: já que este PER não resultou, o devedor apresenta outro. O argumento, bem como a respectiva conclusão, implica a violação do que foi acordado pois que, parece-nos manifesto, a aprovação de um novo plano implica a revogação do anterior. O caso julgado ínsito na decisão de homologação do plano obriga todos os devedores (é claro o art.º 17.º-F, n.º 6) bem como o devedor que é o principal interessado neste processo.»

No Acórdão fundamento, a problemática suscitada versou sobre a possibilidade de se dar inicio a um novo processo especial de recuperação sem a limitação temporal a que alude o normativo inserto no artigo 17º-G, nº6 do CIRE, no caso em que tenha havido encerramento de processo especial de recuperação por não ter sido homologado determinado plano com vista à revitalização do devedor, quando ainda se mantenham os requisitos da mesma.

Aliás, veja-se a propósito a fundamentação aí produzida a respeito «[E] será de concluir, atento o descrito enquadramento normativo [cf., sobretudo, II. 3. e 7., supra], que, se, por vicissitudes várias, o processo especial de revitalização vier a ser encerrado na sequência da não homologação de determinado plano de recuperação visando a revitalização do devedor, permanecendo o devedor em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação (art.º 17º-A, n.º 1) - e verificando-se os demais requisitos legalmente previstos -, tal estado de coisas, não obstará a que possa ter início, de imediato, novo processo especial de revitalização. A situação em apreço estará, pelo menos, bem próxima desta realidade. Por conseguinte, nenhum obstáculo se colocará à existência e ao prosseguimento dos presentes autos - nada impedirá que se dê início a novo processo especial de revitalização, sem a limitação temporal prevista no n.º 6 do art.º 17º-G, do CIRE, aplicável aos casos de extinção do processo sem aprovação de plano de recuperação.».

Daqui se abarca que não existe identidade no núcleo essencial da matéria em litígio, o que determina o não conhecimento do objecto do recurso, nos termos do artigo 652º, nº1, alínea h), aplicável ex vi do artigo 679º, este como aquele do CPCivil e 17º do CIRE.».

Prima facie, sempre adiantamos que se mantém na íntegra tudo o que se deixou exposto naquela decisão. 

Mas, vejamos ainda.

Insiste a Recorrente que o recurso de Revista em tela seria sempre admissível porquanto conforme alegou, o mesmo tem como fundamento, além do mais a ofensa de caso julgado.

A Recorrente interpôs recurso de Revista excepcional do Acórdão da Relação de Évora, tendo o seu requerimento sido objecto do Acórdão da Formação a que alude o artigo 672º, nº3 do CPCivil que faz fls 2953 a 2955 do seguinte teor:

«[1] Vitória Futebol Clube - S.A.D. instaurou, em 25 de Outubro de 2015, o presente processo especial de revitalização, ao abrigo do disposto no art.° 17.°-A do CIRE.

Em 17 de Março de 2016, o AJP comunicou a conclusão das negociações com aprovação por maioria do plano de recuperação votado, juntando cópias digitalizadas da acta de abertura de votos, mapa resumo da votação e plano de recuperação votado, e declarações de voto.

Diversos credores, entre os quais I, R, B, N, J, C, M e E requereram que o plano não fosse homologado.

No final, foi proferida sentença que homologou o referido plano.

Desta sentença apelaram os citados credores, tendo o Tribunal da Relação, proferido a seguinte decisão:

Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e revoga-se a decisão recorrida.

2 Veio a insolvente interpor de revista excepcional, pelo seguinte modo:

VITÓRIA FUTEBOL CLUBE, S.A., recorrida melhor identificada nos autos referidos em epígrafe, não se conformando com o acórdão proferido nos autos, o qual alterou a decisão da primeira instância, revogando a sentença de homologação proferida, vem por este meio interpor recurso do mesmo, primeiramente por o mesmo configurar uma ofensa de caso julgado e em segundo plano por estarem reunidos os demais pres-supostos para o efeito. O recurso é de REVISTA EXCEPCIONAL POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS nos termos do disposto nos artigos 14.° do C1RE e 672° e sgs. do CPC o qual é de subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo - apresentando a correspondente motivação

(...)

3 Como vem sendo entendido nesta Formação:

"É entendimento desta Formação o de que o sistema regra de filtragem dos recursos para o STJ - dupla conforme e revista excepcional - cede perante sistema específicos de filtragem ou de subida respeitantes a determinadas questões.

É o caso do art.° 14° n° 1 do CIRE quanto ao processo de insolvência, que é o regime aplicável aos presentes autos.

Assim, falece a esta Formação competência para apreciar a admissão do recurso, para o que é competente o Exmo. Relator, apenas podendo decidir pela inadmissibilidade da revista excepcional." - cf. Revista excepcional n° 1012/13.0TYLSBA.L1.S1-.

É a hipótese dos autos.

Deste modo o recurso, tal como qualificado pela recorrente, não pode ser aceite.

Pelo exposto, acordam em não admitir a revista excepcional, mais determinando que os autos sejam distribuídos como revista normal.».

Quer isto dizer que a Formação, no seguimento do entendimento professado nesta sede, remeteu os autos à distribuição como Revista normal, por entender que se aplicaria o artigo 14º, nº1 do CIRE.

Como ficou expresso no despacho singular da Relatora, em sede de PER, aplica-se o regime especial de recursos aludido no artigo 14º, nº1 do CIRE, de onde, seja qual for a motivação recursiva, a decisão final nele proferida, haja ou não dupla conformidade decisória, apenas permite a impugnação com fundamento em oposição de acórdãos.

Trata-se de um regime especialíssimo o qual, a se, afasta o regime geral recursivo e ainda todas as impugnações gerais excepcionais prevenidas no artigo 629º do CPCivil, assim como afasta o regime recursório atinente à Revista excepcional, de onde a decisão da Formação tomada nestes autos uma vez que o legislador quis limitar as impugnações judiciais nesta sede insolvencial, e por isso a desconsideração da invocada relevância jurídica da questão por aquele Colectivo, bem como pela decisão singular, sendo que a esta tal motivo sempre seria estranho porque apanágio do disposto no artigo 672º, nº1, alínea a) do CPCivil inaplicável na especie, cfr entre outros os Ac STJ da Formação a que alude o artigo 672º, nº3, de 13 de Janeiro de 2015 em que foram Relatores Moreira Alves e Nuno Cameira proferidos nos processos nºs 628/13.9TYNG-F.P1.S1 E 910/13.5TBVVD-G.G1.S1, respectivamente, e de 19 de Março de 2015 processo nº1909/12.4TYLSB-A.L1.S1 (Relator Moreira Alves), in SAST, site do STJ.

Daqui deflui, que a apreciação da admissibilidade recursiva no caso sujeito, estava como está, compaginada ao problema da oposição de julgados, independentemente de, quiça, em sede de conhecimento do objecto do recurso poder vir a ser apreciado o fundamento esgrimido de ofensa de caso julgado, o qual aqui, enquanto fundamento autónomo de recurso – artigo 629º, nº2, alínea a) do CPCivil – sucumbe, face ao disposto no artigo 14º, nº1 do CIRE.

Assim como soçobra a questão da decisão surpresa, fundamento material do objecto do recurso, que transcende o fundamento formal para a respectiva impugnação, a qual se resume, aqui, apenas e tão só à problemática da oposição de julgados, que inexiste como demonstrado já ficou na decisão singular da Relatora, aqui em crise.

Destarte, indefere-se a reclamação apresentada, julgando-se findo o recurso pelo não conhecimento do respectivo objecto, desentranhando-se e entregando-se à Recorrente os documentos apresentados com a reclamação, que fazem fls 3053 a 3069 e 3089 a 3104, por manifestamente impertinentes tendo em atenção o preceituado no artigo 680º, nº1 do CPCivil.

Custas pela Recorrente, com taxa de justiça em 3 Ucs.

 

Lisboa, 13 de Julho de 2017

Ana Paula Boularot - Relator

Pinto de Almeida

José Rainho