Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A2629
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FARIA ANTUNES
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
REGISTO
ACÇÃO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
NULIDADE
PRAZO DE ARGUIÇÃO
Nº do Documento: SJ200610240026291
Data do Acordão: 10/24/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I- Não teria sentido a suspensão da instância de uma qualquer acção sujeita a registo, tendo ela prosseguido depois dos articulados sem cumprimento de tal formalidade e com a decisão da 2ª instância já proferida.
II- A nulidade da não suspensão da instância por falta de registo da acção após os articulados devia ter sido arguida na 1ª instância.
III- Estando o prédio, adquirido onerosamente na constância do casamento, registado em nome do marido, também a mulher com ele casada segundo o regime de comunhão de adquiridos goza da presunção de propriedade.
IV- Falecido o marido e adjudicado em partilhas o prédio à viúva e à única filha do casal, gozam ambas da presunção de propriedade pois, inexistindo qualquer outro registo posterior ao indicado em III, está afastado o perigo de violação do princípio nemo plus iuris in alium transfere potest quam ipse habet.
V- Não só os acontecimentos externos, mas também os internos ou psíquicos, como a intenção real das pessoas, constituem matéria de facto da exclusiva competência das instâncias.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"AA" e BB propuseram acção ordinária contra CC, pedindo que este seja condenado a desocupar o andar que ocupou ilegitimamente, restituindo-o livre e devoluto de pessoas e bens às autoras, suas legítimas proprietárias.
A 1ª instância julgou a acção procedente:
a) Reconhecendo o direito das autoras à propriedade da fracção correspondente ao 1º andar esquerdo do prédio urbano designado pelo número de apólice 82, na Rua de Campo de Ourique, Freguesia de Santa Isabel, inscrito na matriz sob o artigo 1.460 e descrito na 7ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 8.153;
b) Condenando o réu a restituir às AA a identificada fracção, livre de pessoas e bens.
O réu apelou para a Relação de Lisboa que, com um voto de vencido, confirmou a sentença.
Recorre agora o mesmo de revista, formulando as seguintes conclusões:
1ª- São duas as questões que apresenta, referindo-se a primeira à falta de título que legitime as recorridas a apresentarem-se na qualidade de proprietárias;
2ª- Não existe qualquer inscrição no registo predial a favor delas, o que levou a que o Tribunal da 1ª instância, por duas vezes (em sede de despacho saneador e em sede de julgamento), as tivesse notificado para virem aos autos fazer prova do facto de serem proprietárias da fracção, tendo-se elas limitado a juntar uma certidão do Registo Predial da qual consta como proprietário o ex-cônjuge de uma das recorridas, e uma certidão de um processo de inventário que correu termos no Tribunal;
3ª- Ora, segundo o artº 2º, nº 1, a) do Cód. de Reg. Predial, é sujeito a registo o facto jurídico que determine a aquisição do direito de propriedade, sendo que o registo definitivo constitui presunção de que existe o direito e pertence ao titular inscrito (artigo 7º) e provando-se o registo por meio de certidão (artigo 110º), o que não aconteceu neste caso;
4ª- Sendo unânime a Jurisprudência ao considerar que não existindo a presunção legal resultante do registo do direito de propriedade, é a parte obrigada a alegar e a provar os factos que permitam o reconhecimento de tal direito;
5ª- No entanto, não só as recorridas não alegaram factos, como muito menos os provaram, chegando-se ao ponto de não constar dos factos provados um único do qual se retire a existência do direito propriedade por parte das recorridas, isto apesar de não operar a presunção do artigo 7º do CRP, na medida em que a alegada propriedade das AA não consta do registo;
6ª- Só podendo o recorrente manifestar total concordância com o voto de vencido, constante do acórdão recorrido;
7ª- Nem vale o argumento utilizado pelo acórdão recorrido de que o recorrente se conformou com a alegada propriedade da fracção por parte das recorridas, desde logo porque estas nunca alegaram ser proprietárias (como poderia o recorrente impugnar um facto não alegado?) e depois porque, nem por isso, deixaram de ser aquelas notificadas, já em sede de julgamento, para vir fazer prova da propriedade da fracção;
8ª- E se foram notificadas, é porque o Tribunal de 1ª Instância entendeu que tal facto era essencial e controvertido;
9ª- Por outro lado, segundo o artigo 3º, nº 2 do CRP, as acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, sendo que esta acção é sujeita a registo (o que as AA não fizeram), desde logo porque elas não constam do registo como proprietárias da fracção;
10ª- Este facto é de conhecimento oficioso, acarretando a repetição de todos os actos praticados após os articulados;
11ª- Existe um segundo ponto em causa neste recurso, que é o facto do recorrente ter um título válido que lhe permite ocupar a fracção;
12ª- Esse título é o contrato de arrendamento celebrado com as recorridas em Fevereiro de 2000;
13ª- Nessa altura o recorrente já nada tinha a ver com a acção de despejo movida pelas recorridas (por não ser parte) - alíneas A) a G) - e já não estava vinculado a qualquer contrato de arrendamento com as recorridas (e quando também a sua ex-cônjuge já havia falecido, essa, sim, então arrendatária) - alínea E);
14ª- Para além de não viver na fracção há vários anos, aquando da data em que passou a viver novamente na fracção - alínea L);
15ª- Perante estes factos era de todo legítima a expectativa do recorrente de estar a celebrar um novo contrato de arrendamento;
16ª- Não se compreendendo o porquê do acórdão recorrido não atender também às legítimas expectativas do recorrente, movendo-lhe antes um processo de intenções quando afirma que este sabia "perfeitamente a vontade real das Autoras" e que "só por oportunismo se ofereceu para realizar o pagamento das rendas". Em que factos assenta o acórdão tais afirmações?;
17ª- Também não se compreende a afirmação do acórdão recorrido quando afirma que as recorridas entenderam que enquanto pendesse a acção de despejo, deveriam tolerar a presença do recorrente no locado e ir recebendo a contrapartida. Na verdade, a que título deveriam as recorridas tolerar a presença do recorrente, quando este já não era parte na acção de despejo nem era arrendatário (alíneas E. e F.)?;
18ª- Peca o acórdão recorrido ao proteger as expectativas das recorridas mas não do recorrente, movendo um processo de intenção a este, sem ter base factual para tal;
19ª- Existe efectivamente um contrato de arrendamento e um título válido para a ocupação da fracção autónoma, que é susceptível de evitar o pedido de restituição;
20ª- Foram violados pelo acórdão recorrido os artºs 1311º do CC, 2º nº 1 al. a), 3º nº 2, 7º e 110º do Código de Registo Predial,
Devendo o mesmo ser revogado e o recorrente absolvido pedido, ou, caso assim não se entenda, ser ordenada a baixa do processo à 1ª instância, declarando-se sem efeito todos os actos praticados após os articulados, em virtude dos termos do artigo 3º, nº 2 do CRP, e notificando-se as recorridas para juntarem certidão do registo predial comprovativa de que são as titulares do direito de propriedade da fracção em causa bem como para procederem ao registo da acção.
Contra-alegaram as recorridas pugnando pela manutenção do decidido.
Corridos os vistos, urge decidir.
A Relação deu como provada a seguinte matéria de facto:
As Autoras intentaram contra o Réu uma acção de despejo, a qual correu os seus termos na 2ª Secção, do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o nº 2931/1994, acção que terminou com uma sentença que julgou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide (certidão de fls. 102/130 e alínea A));
Aquela acção tinha por base um contrato de arrendamento celebrado em 1/10/1965 pelo Réu e o anterior proprietário do imóvel, sendo o fundamento da acção o abandono do local arrendado pelo Réu (mesma certidão e B));
A sentença de extinção referida em a) surgiu na sequência da entrega de um requerimento do aqui Réu, CC, em 25/10/2000, tal como se encontra certificado a fls. 119 a 121 dos autos (C));
Na pendência da acção referida em A) veio o Tribunal de Família de Lisboa, por sentença de 28/5/1998, transitada em julgado em 22/6/1998, atribuir a casa morada de família que correspondia ao imóvel em causa, à ex-mulher do Réu, DD, na sequência do processo de divórcio litigioso iniciado por esta contra o Réu em 1992 no mesmo Tribunal - cfr. autos de atribuição da casa de morada de família nº 8157-A/1997, 3ª Secção, 1º Juízo, tal como se certifica a fls. 131 a 134 (D));
Em conformidade, o mesmo Tribunal notificou as Autoras - no âmbito do referido contrato de arrendamento e na qualidade de senhorias -, nos termos do disposto no artigo 84º, do Regime de Arrendamento Urbano, que a partir daquela data a arrendatária do referido imóvel passaria a ser DD, com os direitos e deveres que antes correspondiam ao seu ex-cônjuge CC - cfr. documento inserto a fls. 15 (E));
Em consequência da notificação recebida do Tribunal de Família, e na pendência daquela acção de despejo, as Autoras chamaram à acção a referida DD - cfr. documentação certificada a fls. 110 a 112 (F));
A identificada DD faleceu em 31/12/1999 (G));;
Após esse falecimento as aqui Autoras apresentaram na acção aludida em A) e B) um requerimento de incidente de habilitação, datado de 8/3/2000, no qual pediram a habilitação do filho daquela chamada, sendo que esse incidente de habilitação veio a ser julgado inútil por via do trânsito da sentença de extinção descrita em A) (H));
O Réu liquidou as rendas em vigor, com os acréscimos das actualizações anuais, e as Autoras procederam à emissão dos respectivos recibos até Abril 2001, correspondente à renda de Maio desse mesmo ano, sendo que a partir de Junho de 2001 o Réu procedeu ao depósito das rendas na Empresa-A, nos moldes documentados a fls. 75 a 92, perante a recusa das Autoras em receber essas rendas (I));
A primeira Autora remeteu ao Réu a carta documentada a fls. 93 pela qual lhe dava notícia do aumento da renda mensal do andar em questão para o ano de 2001 (J));
O Réu encontra-se na posse do referido andar, sendo que em Maio de 2001 as Autoras solicitaram àquele a entrega imediata da respectiva casa arrendada (K));
O mesmo Réu tinha deixado de habitar naquele andar arrendado em data anterior ao divórcio identificado (L));
As Autoras intentaram providência cautelar não especificada, contra o Réu, onde requeriam a entrega do imóvel, providência esta que correu os seus termos na 3ª Secção, da 12ª Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sob o nº 82/2001 - cfr. certidão de fls. 158 a 164 (M));
Essa providência viria a ser julgada improcedente por sentença transitada em julgado, nos moldes certificados a fls. 158 a 164 (N));
"DD" Figueiredo deixou de viver permanentemente no 1º esquerdo do nº ... da Rua de Campo de Ourique, em 1996 e "foi para a terra no Norte" porque estava doente mas continuou a proceder ao pagamento das rendas todos os meses, quer pessoalmente, quer através de uma amiga, sendo certo que veio a falecer no referido apartamento (1º);
Na sequência do exposto em K) o Réu afirmou às Autoras que não entregava a casa porque os recibos sempre haviam sido passados em seu nome (2º);
Em Fevereiro de 2000, após o exposto em L), o Réu voltou a instalar-se no mesmo andar, contra a vontade de AA, que ficou surpreendida com tal ocupação, não tendo entrado no referido imóvel para retomar a sua posse logo após o falecimento de DD em 31.12.1999, por imposição do seu cunhado que a alertou para a circunstância de "haver um processo em Tribunal" que ainda não estava decidido (3º);
As Autoras tiveram conhecimento de que o Réu se instalara no 1º esquerdo do nº 82 da Rua de Campo de Ourique e que não ignorava que o fazia contra a sua vontade, uma vez que estava pendente uma acção de despejo contra si (4º).
Conclui o recorrente que o artº 3º, nº 2 do CRP determina que as acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, que esta acção de reivindicação é forçosamente sujeita a registo e que as recorridas não o fizeram porque não constam do registo como proprietárias da fracção que esse facto é de conhecimento oficioso e acarretando necessariamente a repetição de todos os actos praticados após os articulados, pedindo, além do mais, que seja ordenada a baixa do processo à 1ª instância, declarando-se sem efeito todos os actos praticados após os articulados, e que as recorridas sejam notificada para juntarem aos autos certidão do registo predial comprovativa de que são titulares do direito de propriedade da fracção em causa, bem como para procederem ao registo da acção.
Argui portanto o recorrente a nulidade da não suspensão da acção findos os articulados, por falta de registo da demanda, a que sustenta estar sujeita.
Todavia, a existir tal nulidade, devia ter sido invocada perante o juiz da 1ª instância, o que não foi feito, não podendo ser esgrimida ex novo, como acontece, em sede de recurso de revista.
Não teria de resto sentido a suspensão da instância de uma qualquer acção sujeita a registo, tendo ela prosseguido depois dos articulados sem cumprimento de tal formalidade e com julgamento e decisão da 2ª instância já proferida, como se decidiu em acórdão do STJ, de 22.11.95 (relator o Conselheiro Nascimento Costa, proc. 087169, em www.dgsi.).
Improcedem consequentemente as 9ª e 10ª conclusões recursórias.
O mesmo se diga da 7ª conclusão da revista.
Embora se trate de uma verdadeira acção de reivindicação de propriedade, o certo é que não se discutiu nos articulados a titularidade do prédio reivindicado, alegada pelas AA e não impugnada pelo réu.
Na verdade, na petição inicial as AA articularam que o réu/recorrente mantém o intuito de ocupar ilicitamente o prédio mormente a oposição das legítimas proprietárias e com óbvia ofensa do direito de propriedade destas (item 30º), e que pretendem que o ele lhes entregue o prédio devoluto de pessoas e bens pois está a ocupá-lo ilegítima e abusivamente sem qualquer título, contra a vontade e com violação do direito de propriedade (item 32º), culminando por pedir a condenação do R. a desocupar o andar que ilegitimamente ocupa, restituindo-o livre e devoluto de pessoas e bens às suas legítimas proprietárias e aqui AA.
E o réu/recorrente, por seu turno, articulou na contestação que as AA invocam que ele ocupa, ilegal e abusivamente, sem qualquer título, o imóvel em causa, em oposição das legítimas proprietárias e com ofensa ao direito de propriedade destas (item 4º), não é verdade que ocupe ilícita, ilegal e abusivamente, sem qualquer título, imóvel em causa, em oposição das legítimas proprietárias e com ofensa ao direito de propriedade destas (item 9º), não está a ocupar ilícita, ilegal e abusivamente, sem qualquer título, o imóvel em causa, em oposição das legítimas proprietárias e com ofensa ao direito de propriedade destas (item 44º).
É certo que as AA. não aduziram factos usucapientes da propriedade (ou compropriedade) do prédio objecto da reivindicação, e que este também se não encontrava nem encontra registado em nome delas, por forma a poderem usufruir da presunção juris tantum que deriva do artº 7º do CRP.
Contudo, o litígio cingiu-se, nos articulados, à existência ou não de um novo arrendamento na titularidade do réu, sendo pacífica a alegação da AA. de serem proprietárias do imóvel em causa.
No mesmo despacho em que procedeu ao saneamento da causa e à elaboração da especificação e da base instrutória, o Senhor Juiz mandou notificar as AA para juntarem uma certidão registral comprovativa da alegada propriedade da fracção imobiliária reivindicada.
As AA. juntaram uma certidão registral comprovativa de que tal fracção se encontra registada em nome de EE, casado segundo o regime de comunhão de adquiridos com a Autora AA, e mais tarde, mediante nova notificação judicial, juntaram certidão do inventário por óbito daquele titular inscrito, através da qual se verifica que o articulado prédio foi naquele inventário adjudicado a ambas as AA, na proporção de ¾ para a viúva e meeira AA, e de ¼ para a co-autora sua filha e do de cujus, BB.
Dúvidas não subsistem, portanto, de que as AA. são comproprietárias do prédio reivindicado, naufragando as seis primeiras conclusões do recorrente.
Já resultava da certidão registral junta a presunção, não ilidida pelo réu, do direito de propriedade da Autora AA, por o prédio se encontrar registado em nome do falecido marido dela e o casamento deles ter sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos, e, para além disso, inexistindo qualquer outro registo predial sobre o prédio em referência, a homologação judicial, transitada em julgado, da adjudicação do prédio às AA, na partilha por óbito do marido e pai delas, devidamente certificada nos autos, não pode deixar de conduzir à prova da compropriedade das demandantes, assegurado que está que esta aquisição derivada não infringe o princípio do nemo plus iuris in alium transfere potest quam ipse habet.
Tão-pouco tendo o réu impugnado a alegação do direito de propriedade, pelas autoras, bem como os referidos documentos por elas juntos aos autos.
Tendo as AA título que as legitima a apresentarem-se na qualidade de proprietárias, e demonstrada que está a ocupação, pelo réu, do prédio reivindicado, resta a problemática vazada nas conclusões 11ª a 19ª, consistente em dilucidar se ele possui ou não título legítimo de ocupação, concretamente se é titular de um novo arrendamento desde Fevereiro de 2000 que justifique continuar a habitar o prédio, o que a ser verdade ditará a sucumbência das AA na demanda, atento o disposto no segmento final do nº 2 do artº 1311º do C. Civil.
Vejamos então.
A acção de despejo foi proposta pelas AA. contra o R. com fundamento na falta de residência permanente deste no locado, mas na pendência dessa acção as AA. foram notificadas de que o Tribunal de Família atribuíra o direito de arrendamento à ex-mulher do R., o qual não era portanto arrendatário do andar aquando da morte daquela e da ocupação do prédio, cerca de um mês após tal decesso.
Todavia, as instâncias deram como provado que: em Fevereiro de 2000, após ter deixado de habitar o andar arrendado em data anterior ao divórcio, o Réu voltou a instalar-se no mesmo andar, contra a vontade de AA, que ficou surpreendida com tal ocupação, não tendo entrado no referido imóvel para retomar a sua posse logo após o falecimento de DD em 31.12.1999, por imposição do seu cunhado que a alertou para a circunstância de "haver um processo em Tribunal" que ainda não estava decidido (3º); as Autoras tiveram conhecimento de que o Réu se instalara no 1º esquerdo do nº ...da Rua de Campo de Ourique e que não ignorava que o fazia contra a sua vontade, uma vez que estava pendente uma acção de despejo contra si (4º); na sequência da solicitação das AA, em Maio de 2001, para entregar imediatamente a casa arrendada, o Réu afirmou às Autoras que não entregava a casa porque os recibos sempre haviam sido passados em seu nome (2º);.
Ademais, as instâncias não deram como provado que: foi com consentimento das autoras que o réu se instalou no mesmo andar em Fevereiro de 2000 (resposta restritiva ao quesito 4º); no seguimento da solicitação das autoras, em Maio de 2001, para entregar de imediato a casa arrendada, o réu respondeu às autoras que "não havia qualquer fundamento naquela pretensão uma vez que era titular de um contrato de arrendamento válido desde Fevereiro de 2000 e que estava a ser cumprido" (resposta negativa ao quesito 5º).
Ainda que se deva considerar excessiva, e portanto não escrita, a resposta ao quesito 4º, na parte em que nela se consignou «"e que não ignorava que o fazia contra a sua vontade, uma vez que estava pendente uma acção de despejo contra si» (pois o que se perguntava era apenas se a instalação do réu no andar foi feita com o conhecimento e o consentimento das autoras), o certo é que a restante matéria de facto provada tem de ser acatada pelo STJ.
Com efeito, não só os acontecimentos externos, mas também os internos ou psíquicos, como a intenção real das pessoas, constituem matéria de facto da exclusiva competência das instâncias (cfr. v.g. o ac. da Relação do Porto, de 6.11.1990, sumariado no BMJ 401, pág. 642).
Sendo que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, excepções que no caso se inverificam (artºs 722º, nº 2 e 729º, nº 2 do CPC).
Quedou-se portanto improvada a vontade das autoras em encararem a utilização pelo réu do ajuizado andar ao abrigo de um novo contrato de arrendamento habitacional, apesar da passagem e entrega dos recibos de renda.
As AA limitaram-se a tolerar aquela ocupação enquanto aguardarem o desfecho da acção de despejo, finda a qual (por impossibilidade superveniente da lide) exigiram ao réu a entrega do prédio, requereram contra ele uma providência cautelar não especificada pedindo a entrega do imóvel, e recusaram qualquer pagamento de rendas, passando depois disso o recorrente a proceder ao seu depósito.
O recebimento das rendas pelas AA (bem como a comunicação do aumento do seu montante) e a passagem dos recibos no nome do réu (o que sempre sucedeu, mesmo após a ex/mulher deste ter passado a ser a titular do arrendamento), não envolveu a intenção de reconhecer o réu como inquilino, explicando-se pela circunstância de este se ter introduzido abusivamente no imóvel e as AA terem entendido que na pendência da acção de despejo, e apenas durante essa pendência, deviam tolerar a presença dele no andar, recebendo a respectiva contrapartida monetária.
O recorrente não fez prova do novo arrendamento de que se diz titular, prova essa que lhe competia fazer.
Termos em que acordam em negar a revista, condenando o recorrente nas custas, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

Lisboa, 24 de Outubro de 2006
Faria Antunes
Sebastião Póvoas
Moreira Alves