Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
299/05.6TBMGD.P2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
GRAVAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL CIVIL NO TEMPO - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS / ÓNUS DE ALEGAÇÃO DAS PARTES - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / AUDIÊNCIA FINAL / SENTENÇA / RECURSOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 351.º, 396.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 659.º, 685.º-B.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 5.º, N.º1, 604.º, N.º4, 607.º, 619.º, N.º 1, 620.º, 621.º 631.º, N.º1, 635.º, N.º 4, 639.º, N.ºS 1, 2 E 3, 640.º, N.º 1 E 2, ALÍNEA A), 662.º, N.º 1, N.º 2, ALÍNEAS C) E D), E N.º 3, ALÍNEAS B), C) E D), 671.º, N.º3, 673.º, N.º3, 674.º, N.º 1, ALÍNEA B).
LEI N.º 41/2013, DE 26/06: - ARTIGO 7.º, N.º1.
Sumário :
1. Para efeitos do disposto nos artigos 640.º, n.º 1 e 2, e 662.º, n.º 1, do CPC, importa distinguir, por um lado, o que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objeto do recurso; por outro, o que se inscreve no domínio da reapreciação daquela decisão mediante reavaliação da prova convocada.

2. A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.

3. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC.  

4. É em vista dessa função que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC.

5. Nessa conformidade, enquanto que a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.

6. Por outro lado, a insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação.         

7. Tais condições formais de impugnação da decisão de facto radicam em normas de direito processual disciplinadoras do limites cognitivos e do exercício dos poderes do Tribunal da Relação em sede de reapreciação dessa decisão, cuja violação e incorreta aplicação são suscetíveis de servir de fundamento do recurso de revista, ao abrigo do art.º 674.º, n.º 1, alínea b), do CPC. 

8. Tendo o recorrente, nas conclusões recursórias, especificado os concretos pontos de facto que impugna, com referência às respostas dadas aos artigos da base instrutória, indicando também aí a decisão que, no seu entender, deve sobre eles ser proferida, enquanto que só no corpo das alegações especifica os meios de prova convocados e indica as passagens das gravações dos depoimentos em foco, têm-se por preenchidos os requisitos formais do ónus de impugnação exigidos pelo art.º 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPC.

9. A insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória exposta pelo recorrente é matéria a apreciar em sede do mérito da decisão impugnada.  

10. A decisão de facto integra-se no plano da fundamentação da sentença, como decorre do disposto no n.º 4 do artigo 604.º, correspondente ao anterior art.º 659.º do CPC, pelo que sobre ela não opera, de forma autónoma, o alcance do caso julgado material.

11. Mas daí não resulta que não possa ficar precludida a apreciação da matéria de facto feita em recurso anterior, o que deve ser aferido em função do que tiver sido decidido em sede de anulação do julgamento, mormente nos termos previstos no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), e n.º 3, alíneas b) e c), do CPC.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (A.) instaurou, em 19/09/2005, junto do Tribunal Judicial de Mogadouro, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra BB e cônjuge CC (1.º R.R.) e ainda contra DDe cônjuge EE (2.º R.R.) e, alegando, em resumo, que:

. O A., sua mulher e outro são comproprietários de três prédios sitos no lugar do Entroncamento, freguesia de Mogadouro, descritos na respetiva Conservatória do Registo Predial: um prédio urbano correspondente ao lote n.º 3, com a área de 574 m2, descrita sob o n.º …; um prédio urbano correspondente ao lote n.º 4, com a área de 630 m2, descrito sob o n.º …; um prédio urbano, com a área de 375 m2, inscrito sob o art.º 1602 da matriz predial e descrito sob o n.º …;  

. Os indicados imóveis pertencem ao A. e mulher, bem como a FF e mulher, na proporção de metade, os quais foram adquiridos por escrituras públicas de compra e venda.

. Em 1986, o A. e GG construíram um armazém/oficina naqueles imóveis e, posteriormente, em 03/05/1989, o A. adquiriu a quota-parte que pertencia a GG, passando a possuir a totalidade do referido armazém.

. Em 1999, o A. e FF lotearam o imóvel-mãe, ficando o respetivo alvará anexado a outro alvará que deixou de existir;

. Pelo menos desde 1981, o A. e a sua mulher, na qualidade de com-proprietários e anteriores proprietários sempre trataram dos prédios, sem oposição de ninguém de forma ininterrupta, agindo na convicção de exercerem o direito de propriedade;

. Em Junho de 1992, os R.R. ocuparam parte do pavilhão ou armazém e parte do terreno que dá acesso à estrada, instalando uma oficina de reparação automóvel e depois de sucata, com invocação de que teriam adquirido tal prédio a GG;

. Os R.R. ocupam o prédio há mais de 10 anos, causando prejuízos ao A. pela privação do imóvel e privação do rendimento que poderia obter com o arrendamento dos prédios, o qual nunca seria inferior a 250,00 mensais, o que perfaz um prejuízo de € 37.500,00;

. Pelas arrelias e incómodos sofridos com a situação criada pelos R.R., o A. tem direito a ser indemnizado, a título de danos morais, no valor de € 5.000,00.

Concluiu o A. pedindo que:

a) - se declare que é o dono e legítimo comproprietário dos três imóveis referidos;

b) – seja reconhecido como dono e legítimo comproprietário desses imóveis e bem assim o domínio sobre eles dos antepossuidores e antigos proprietários;

c) – seja o A. reintegrado na posse dos imóveis reivindicados;

d) – sejam os R.R. condenados a pagar-lhe uma indemnização pe-los prejuízos decorrentes da ocupação ilegal, morais e materiais, no valor total de € 38.000,00.


2. Os 1.º R.R. BB e mulher CC deduziram contestação-reconvenção, sustentando que:

. Em 27/06/1989, o A. e a mulher celebraram com os R.R. BB e DD um contrato-promessa de compra e venda, tendo por objeto a celebração de um contrato de compra e venda dos lotes n.º 3 e 4 e ainda metade do indicado prédio urbano com a área de 375 m2, inscrito sob o art.º 1602 da matriz predial, pelo preço de € 42.397,82.

. O A. e mulher receberam do R. BB, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 27.433,88, em relação à qual foi paga, em 20/08/1992, pelo R. BB, a importância de € 14.963,94, faltando proceder ao pagamento de 500.000$00, para despesas com aprovação do loteamento, no pressuposto que o A. fizesse aprovar o loteamento num curto espaço de tempo;

. O pagamento da parte restante do preço não ocorreu na data da celebração da escritura pública por não estarem reunidas as condições para a sua celebração, em virtude do A. não ter conseguido obter a aprovação do loteamento, o qual só foi aprovado em 22/10/1999;

. Na operação de loteamento, o prédio urbano ficou integrado no lote n.º 1 e no lote n.º 3, metade por em cada lote;

. Com a celebração do contrato-promessa o A. e mulher entregaram ao R. BB o lote n.º 3, com a área de 1653 m2, e o lote n.º 4, com a área de 730 m2, ficando com os lotes n.º 1 e 2, tendo o A. e mulher vendido o lote n.º 2 em 12/01/2000;

. Em 30/07/2003, procederam à marcação da escritura pública, mas o A. e a mulher não compareceram ao ato;

. A partir de 27/06/1989, apenas os R.R. BB e mulher passaram a ocupar o prédio urbano inscrito sob o art.º 1602 da matriz, com uma oficina de reparação de automóveis, usando o terreno que corresponde aos lotes n.º 3 e 4 para guardarem os veículos automóveis já reparados e por reparar, bem como depositam carros velhos.

. De igual forma executaram obras diversas para adaptarem o espaço ao exercício da atividade;

. Tais factos fundamentam a aquisição dos prédios em causa por usucapião;

. Os R.R. contestantes sofreram prejuízos de € 5.000,00, a título de danos morais, e danos patrimoniais, com despesas com a presente ação, em montante não inferior a € 2.000,00;

Pedem, assim, os R.R. contestantes, em sede de reconvenção, que:

a) – se reconheça e declare que são os legítimos donos dos três prédios referenciados, por virtude da usucapião;

b) - ou, pelo menos, que se declare transferido o direito de propriedade plena e exclusiva, sobre aqueles imóveis, para a esfera jurídica dos mesmos R.R.;

c) - a condenação do A. a pagar aos R.R. contestantes a quantia de € 5.000,00, a título de danos morais sofridos;

d) – se condene o A. a pagar aos mesmos R.R. a quantia de € 2.000,00, a título de despesas e gastos já realizados;

e) – se condene o A. como litigante de má-fé, no pagamento de indemnização àqueles R.R.;

f) - se ordene o cancelamento das inscrições G- Ap1 de 1981/10/07 e G- AP 4 de 1994/09/05 feitas a favor, respetivamente, de AA e FF sobre os prédios descritos na CRP de Mogadouro, respetivamente sob os n.º … e … da freguesia de Mogadouro


3. O A. apresentou réplica, em que, reiterando a posição inicial, impugnou os factos alegados pelos R.R. contestantes, sustentando que:

. O contrato-promessa invocado por esses R.R. padece de vício de forma por não conter as assinaturas reconhecidas, sendo que nenhuma das partes convencionou a sua isenção de modo a excluir tal vício do contrato;

. Não obstante isso, tal contrato foi rescindido unilateralmente em 1997, porque os R.R. não realizavam a escritura pública;

. O A. se ofereceu para proceder à devolução do dinheiro;

Conclui assim pela improcedência da reconvenção.


4. Os R.R. contestantes deduziram tréplica, alegando que:

. O A. não procedeu à resolução do contrato-promessa, sendo certo que nunca receberam o documento a que se reporta o A. no seu articulado;

. Esse contrato não padece de vício de forma, o qual, a existir, apenas será imputável ao A., por não ter procedido ao reconhecimento das assinaturas no contrato tal como ficou convencionado.


5. Em sede de pré-saneador, foram os R.R. convidados a fazer inter-vir os demais comproprietários dos prédios em causa, com vista a garantir a legitimidade do reconvindo, tendo aqueles requerido a intervenção princi-pal de FF e mulher HH, bem como de II, para intervirem ao lado do A./reconvindo, intervenção essa que foi admitida.


6. Proferido saneador e selecionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, em cujo seguimento foi decidida a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 378-381.


7. Por fim, foi proferida sentença em 30/04/2010 (fls. 384-405), a julgar a ação improcedente e parcialmente procedente a reconvenção, tendo-se, consequentemente:

a) – absolvido os R.R. do pedido;

b) – declarado os R.R./Reconvintes BB e mulher CC legítimos donos e possuidores, com exclusão de outrem, dos três prédios em causa;

c) – absolvido os A.A./reconvindos do demais contra si peticionado, inclusive do pedido de litigância de má fé;

d) – ordenado o cancelamento das inscrições G-AP.1 de 1981/10/ 07 e G-AP.4 de 1994/09/05 feitas a favor, respetivamente, de AA e FF, sobre os prédios descritos na Conservatória do Registo Comercial de Mogadouro, respetivamente, sob os números … e … da freguesia de Mogadouro.


8. Inconformados com tal decisão, A. e a mulher Interveniente interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que por acórdão de 24/10/2011 (fls. 510-546), julgou parcialmente procedente a apelação, decidindo:

A – Quanto à ação:

a) - declarar o A. e mulher Interveniente donos e legítimos com-proprietários do lote n.º 3, com a área de 1653 m2, no qual está construído parte do armazém com a área total de 375 m2, e do lote n.º 4, com a área de 730 m2;

b) - reconhecer o A. e a mulher Interveniente como donos e legítimos comproprietários do lote n.º 3, com a área de 1653 m2, no qual está construído parte do armazém com a área total de 375 m2, e do lote n.º 4, com a área de 730 m2;

c) - reintegrar o A. e a mulher Interveniente na posse dos lote n.º 3, com a área de 1653 m2, e do lote n.º 4, com a área de 730 m2;

d) - julgar improcedente os demais pedidos;

B – Quanto à reconvenção, revogar a sentença recorrida quanto ao segmento em que reconheceu o direito de propriedade dos R.R. e ordenou o cancelamento dos registos.

9. Desta feita, foram então os R.R. contestantes a interpor revista para o STJ, no âmbito da qual, por acórdão de 19/04/2012, foi anulada a decisão recorrida, na parte impugnada, determinando-se a baixa do processo ao Tribunal da Relação, a fim de, sem prejuízo da baixa à 1ª instância, a causa ser novamente julgada nessa parte.


10. Na sequência disso, o Tribunal da Relação, ao abrigo do art. 729.º, n.º 3, do CPC, determinou a remessa dos autos à 1.ª instância para realização do julgamento nos termos estabelecidos no acórdão do STJ.


11. Na 1.ª instância, em obediência ao acórdão do STJ, aditaram-se à base instrutória os seguintes pontos:

“- Ponto 22: Os Réus, ao praticarem os actos referidos em D a G, agiram sempre na convicção de que eram proprietários dos imóveis referidos em A)?

- Ponto 23: E que, mesmo com tal convicção, não estavam a lesar o direito de quem quer que fosse?”


12. Realizado novo julgamento, com gravação da prova, foi decidida a matéria aditada, conforme despacho de fls. 758 a 764, sendo proferida nova sentença (fls. 765-784), em 04/11/2013, a julgar improcedente a ação e parcialmente procedente a reconvenção, decidindo-se:

a) - absolver os R.R. do pedido;

b) - declarar os R.R./reconvintes BB e mulher, CC legítimos donos e possuidores, com exclusão de outrem, dos três prédios em causa;

c) - absolver os A.A./reconvindos do demais contra si peticionado, inclusive do pedido de litigância de má fé;

d) - ordenar o cancelamento das inscrições G-AP.1 de 1981/10/07 e G-AP.4 de 1994/09/05, feitas a favor, respetivamente, de AA e FF, sobre os prédios descritos na Conservatória do Registo Comercial de Mogadouro, respetivamente, sob os números … e … da freguesia de Mogadouro.


13. Veio então o A. e mulher interveniente apelar para a Relação, formulando as seguintes conclusões:

1:ª - Vistos os documentos apresentados nos autos por ordem cronológica da sua produção e colmatando as lacunas com os depoimentos das testemunhas Dr. JJ, GG, Dr.ª KK, LL e Eng.º MM, obtém-se o historial fidedigno que interessa para a decisão da causa;

2.ª - As restantes testemunhas indicadas pelos réus, para além da repetição de factos que já estavam adquiridos no processo e que não contribuem para a decisão, apenas debitaram opiniões;

3.ª - Para pagar a GG o preço que com ele contrataram, os A.A. contraíram empréstimo bancário de 5.000.000$00;

4.ª - A escritura pública prevista no contrato-promessa esteve marcada para o dia 29/03/1990 e não se concretizou a sua celebração por falta de pagamento por parte dos promitentes-compradores da quantia de 3.000.000$00, que perfazia com o sinal já entregue a totalidade do preço;

5.ª - O malogro dessa escritura e a falta de pagamento criou grave animosidade e conflitos entre o A. marido e o R. marido;

6.ª - Foi negociada depois uma solução, no âmbito da qual os réus pagaram aos autores, em 20/08/1992, a quantia de 3.000.000$00 e o preço anterior teve um acréscimo de 500.000$00;

7.ª - Atento o índice de inflação e o nível dos juros bancários de 1989, um atraso de pagamento de dois anos e meio da quantia de 3.000.000$00 significava um prejuízo relevante, pelo que é de considerar como equilibrado esse acréscimo de 500.000$00;

8.ª - Os réus não pagaram essa quantia acordada, o que provocou novos conflitos entre as pessoas já referidas na conclusão 5.ª, incluindo denúncias criminais, no âmbito das quais o autor marido foi acusado pelo M.P. da prática de crimes ameaças ao réu marido;

9.ª - As liquidações não oficiosas e respetivos pagamentos do imposto da sisa, atentas as declarações que os R.R., foram prestando ao longo de vários anos aos serviços tributários, e as demais circunstâncias, designadamente as datas, denunciam que aqueles fizeram cada um desses pagamentos com o intuito de obter a celebração de escritura de compra e venda com os autores, primeiro de parte indivisa de prédio e depois dos lotes 3 e 4;

10.ª - No entanto, não cumpriram com os pagamentos acordados com os A.A.;

11.ª - Os reconhecimentos de assinaturas dos A.A. no contrato-promessa foram promovidos pelos R.R. apenas em 19/05/1995, por terem consciência de que o seu estatuto era de meros promitentes e não de donos, e por efeito da compra pelos restantes comproprietários, ocorrida pouco tempo antes;

12.ª - Por via da aquisição referida na conclusão anterior, os proprietários – os A.A. e o casal FF e esposa – promoveram o loteamento do terreno;

13.ª - Os R.R., tendo tido conhecimento da intenção de lotear e de que tal loteamento estava a ser promovido e projetado, não tiveram qualquer participação nessa operação, não se tendo comportado como donos;

14.ª - Em 12/01/2000, foi lavrava a primeira escritura de um dos lotes e os R.R. tentaram que fosse também celebrada uma outra escritura a seu favor, que incluísse os lotes 3 e 4, mas tal não aconteceu por recusa dos A.A., declarada diretamente aos pretendentes, no cartório notarial;

15.ª - A marcação de escritura para 30/07/2003, feita pelos R.R. e pelo restante promitente-comprador, DD, na sequência de notificação judicial avulsa aos A.A., tinha como objetivo declarado a compra e venda de fracções indivisas de prédios, conforme previsto no contrato-promes-sa, prédios esses que nessa época já não existiam como tais;

16.ª - Essa marcação foi promovida com intenção de os promitentes-com-pradores obterem um documento comprovativo de falta de cumprimento do contrato-promessa por parte dos aqui A.A.

17.ª - Estes A.A. não compareceram para a celebração dessa escritura;

18.ª - A utilização indiscriminada, no mesmo discurso e com referência ao mesmo negócio, dos termos e expressões “vender” e “prometer vender”, e “comprar” e “prometer comprar”, adotada por testemunhas não juristas em audiência de julgamento, não pode levar a nenhuma conclusão mais ou menos favorável a nenhuma das partes;

19.ª - O Tribunal desvalorizou os depoimentos das testemunhas Dr.ª KK, LL e Eng.º MM, embora tenha omitido quanto a eles qualquer referência na fundamentação; nada tendo dito quanto à sua credibilidade e sendo certo que elas aportaram dados essenciais para o esclarecimento dos factos, que devem ser considerados pelo tribunal de recurso;

20.ª - O Tribunal não considerou de nenhuma forma o estatuto do promitente-comprador DD, embora tenha resultado claro que essa pessoa utilizou a oficina objecto do contrato simultaneamente com o réu, sem que se tenha apurado até quando; as respostas às questões pertinentes devem refletir essa situação;

21.ª - Foi desvalorizado igualmente, sem razão e com interferência negativa na decisão, o facto de os prédios a que se refere a reconvenção não coincidirem, nem física nem juridicamente, com o objeto do contrato-promessa nem com os espaços que os R.R. e o dito DD passaram a utilizar na sequência da celebração daquele;

22.ª - Não resulta da prova produzida que tivesse havido da parte dos reconvintes, em nenhum momento, a convicção excecional de que os espaços que utilizavam lhes pertenciam e não aos verdadeiros proprietários;

23.ª - Pelo contrário, ficou patente a sua contínua procura de realização de escritura pública e nem chegaram a completar o pagamento do preço;

24.ª - Não só não existem dados a partir dos quais se possa afirmar o estado de ignorância da lesão de direitos alheios, como os actos praticados ou omitidos pelos reconvintes demonstram o contrário;

25.ª - As respostas às questões 15.ª e 16.ª da base instrutória deverão ter resposta negativa e explicativa, incluindo-se, nesta segunda vertente, os factos pertinentes já referidos em conclusões anteriores;

26.ª - A matéria dos artigos 21.º, 22.º, 23.º e 24.º elencados na sentença – 18.º e 19.º da base instrutória e os pontos acrescentados por via do acórdão do STJ – deve ser retirada e a resposta às perguntas deve ser “não provado”;

27.ª - Deve ser suprimida do art.º 26.º a expressão “ Esc. 8.500.000$00”;

28.ª - A sentença deve ser revogada e ser a ação decidida conforme consta do acórdão já proferido nestes autos pelo Tribunal da Relação do Porto, com parcial procedência da acção e improcedência da reconvenção.


14. Por sua vez, os R.R. BB e mulher apresentaram contra-alegações nas quais concluíram que:

1.ª - O recurso ora interposto pelos AA./Reconvindos não respeitou o prazo legal;

2.ª - A sentença recorrida ficou disponível para as partes no dia 07/11/2013;

3.ª - Os A.A./Reconvindos deram entrada em juízo do seu recurso no dia 02/01/2014;

4.ª - Tal recurso entrou em Tribunal para além dos 30 dias de prazo, acrescidos de mais 10 dias, ou seja, o presente recurso foi interposto fora de prazo, tendo-se, por isso, extinguido para os A.A./Reconvindos o direito de praticar o ato e a decisão, ora em recurso, já havia transitado em julgado;

5.ª - A presente sentença resulta de uma repetição do julgamento ordenada por acórdão proferido pelo STJ, no qual se entendeu haver necessidade de incluir na Base Instrutória os pontos constantes dos dois novos quesitos correspondentes aos artigos 22.º e 23.º da aludida matéria de facto e onde se anulou, por isso, a decisão recorrida na parte impugnada;

6.ª - Apesar de no recurso inicial dos A.A./Reconvindos terem sido impugnadas as respostas aos quesitos 1.º a 8.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º, aos AA./Reconvindos apenas será possível recorrer dos factos constantes dos dois novos quesitos, ou seja, os quesitos n.º 22.º e 23.º da matéria de facto;

7.ª - No citado acórdão do STJ é enunciada a matéria de facto dada como provada.

8.ª - Nesse acórdão refere-se que “Não há qualquer controversiedade no que diz respeito ao que se verificou até à outorga do contrato-promessa que está a folhas 70: o autor e sua esposa eram comproprietários dos imóveis em causa”.

9.ª - E refere ainda: “Em data não concretamente apurada do verão de 1989 eles e os réus celebraram esse contrato” e que “Nele consignaram a promessa e respectiva aceitação da outorga de contrato definitivo de transmissão, a favor destes, da compropriedade ali precisada”;

10.ª - Refere: “Mais consignaram que eles, promitentes-vendedores, autorizavam os segundos outorgantes a entrar de imediato na posse de ambos”.

11.ª - Refere: “Receberam 5.500.000$00 a título de sinal e como primeira prestação de pagamento, consignando que os restantes 3.000.000$00 serão pagos no ato da escritura pública”.

12.ª - Refere: “Surge, então, a controversiedade, que constitui o núcleo da presente causa, consistente em saber, face ao alegado, a estas disposições e aos factos provados, mormente aos atos materiais praticados pelos réus nos imóveis, se se deve considerar que surgiu a favor destes, por usucapião, um direito novo de compropriedade”.

13.ª - Mais à frente e já no ponto XII do citado acórdão refere o mesmo: “Colocada a questão como vimos colocando, somos conduzidos à pergunta, de índole processual, consistente em saber se, atenta a expressão referida em X: Se deve considerar a insuficiência de alegação relativamente à intenção com que os réus exerceram o “corpus”.

14.ª - E ainda: “Se deve considerar tal alegação – no sentido da convicção de estarem a exercer um direito próprio de propriedade – ou como implícita ou em termos de interpretação elástica, em ordem a almejar a justa composição do litígio.”

15.ª - Refere já no ponto XIV: “Tendo havido traditio, a posse prescricional, reportada ao direito de propriedade, existe ou não de acordo com o que se considerar provado quanto à intenção relativa a tal direito.”

16.ª - Refere no ponto XV: “Esta posse, a existir, se for de boa fé, determina o surgir dum direito novo de propriedade, por usucapião, ao fim de 15 anos. Se for de má fé, tal direito só surge ao fim de 20 anos.”

17.ª - No ponto XVI do citado acórdão refere-se: “O Sr Juiz da 1ª instância ignorou, na BI, a alegação (aliás, se levada, à letra, muito pouco perceptível) do convencimento da “legitimidade do seu direito”)”.

18.ª - E quesitou: “Os actos praticados em D a G foram efetuados com a convicção por parte dos réus de que não estavam a lesar o direito de terceiros”.

19.ª - “Em julgamento respondeu-lhe “Provado”.

20.ª - Refere o citado acórdão: “Ante o exposto, este ponto da BI e subsequente resposta, ficam aquém do necessário para ser alcançada a base suficiente para a decisão de direito”.

21.ª - Em face de tudo isso, no citado acórdão, entendeu-se, que se deveriam incluir os seguintes pontos e responder-lhes em julgamento: “Os réus, ao praticarem os atos referidos em D a G, agiram sempre na convicção de que eram proprietários dos imóveis referidos em A?” … “E que, mesmo com tal convicção, não estavam a lesar o direito de quem quer que fosse?”

22.ª - E foi, por isso, superiormente determinado pelo STJ o regresso do processo ao Tribunal recorrido, com anulação da decisão recorrida, na parte impugnada neste recurso de revista, sem prejuízo da baixa à 1.ª instância, a causa ser, nessa parte, novamente julgada.

23.ª - Por isso, só nessa parte a presente decisão é passível de recurso, ou seja, a matéria da facto contida nos citados quesitos n.º 22.º e 23.º, que foram objeto de apreciação na repetição da audiência de discussão e julgamento.

24.ª - Relativamente à resposta dada à matéria de facto constante dos quesitos 22.º e 23.º, dados como provados, refere, desde logo, o Mm.º Juiz que a sua convicção se fundou na análise e ponderação da prova testemunhal e da prova documental constante dos autos.

25.ª - Assim, começa por realçar o facto de no recibo passado pelos AA./ Reconvindos (recibo 0004 de fls. 71) constar que a quantia de 5.500.000$00 que o R./Reconvinte pagou ao A./Reconvindo constar que tal quantia é referente à compra de metade do terreno com metade da oficina e no recibo 00036 constar que tal quantia é referente ao pagamento parcial do terreno. 

26.ª - Refere a importância dos depoimentos prestados pelas testemunhas LL e MM, genro e filho, respectivamente, do autor AA.

27.ª - Destaca destes depoimentos: “D mais tarde vim a saber que meu sogro tinha vendido D metade do prédio D ao Guerra.”;“D o pai entendeu vender a parte que era do Batista; comprou ao Batista e vendeu ao Guerra D”.

28.ª - Entendeu o Mm.º Juiz que os depoimentos das testemunhas NN, OO, PP, QQ, JJ e GG foram “claramente isentos”.

29.ª  - Refere o Mm.º Juiz que, uns de modo e outros de outro, acabaram por asseverar que o A. AA e o R. BB estavam convencidos de que “um tinha vendido e outro tinha comprado a propriedade em questão, pois assim o entenderam ou lho ouviram dizer”.

30.ª - Refere, ainda, que esse também era o “convencimento generalizado da população, até porque, a não ser assim, não se compreenderia que o réu tivesse investido tanto numa coisa que não fosse dele”.

31.ª - Face ao teor dos depoimentos recolhidos, o Mm.º Juiz refere em conclusão: “afigura-se inelutável a conclusão de que os réus, ao praticarem os factos referidos em D a G, agiram sempre na convicção de que eram proprietários dos imóveis referidos em A e que, mesmo com tal convicção, não estavam a lesar o direito de quem quer que fosse. Aliás, enquanto o investimento dos réus foi feito, parece que ninguém deduziu queixa ou oposição e, de resto, sempre foram os autores quem conferiu aos réus o direito de fazer tal investimento”.

32.ª - Assim sendo, outra não poderia ser a resposta dada pelo Mm.º Juiz à referida matéria de facto.

33.ª - Não existe qualquer contradição entre os vários depoimentos.

34.ª - Não existem contradições entre estes depoimentos e os documentos constantes dos autos.

 35.ª - Nem a prova ora produzida, em sede de repetição da audiência de discussão e julgamento, colide ou entrou em contradição com a anterior prova produzida, nomeadamente os apontados artigos 19.º, 20.º, 21.º, 24.º, 25.º e 26.º, os quais não podem, nem devem ser objeto de qualquer alteração no que às respostas já dadas diz respeito.

36.ª - Também não existe, pelas mesmas razões, motivos ou justificação para serem eliminados ou qualquer deles ser dado como não provado;

Pedem, pois, que seja mantida integralmente a sentença recorrida.


15. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão proferido em 08/09/ 2014 (fls. 857-875), considerou que os apelantes não respeitaram o requisitos formais do ónus de impugnação da decisão de facto, pelo que julgou improcedente, nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 27, mantendo inalterada tal decisão e, porque os recorrentes não impugnaram os fundamentos de direito que suportavam a decisão proferida, não conheceu dela, julgando ainda improcedente as conclusões de recurso, sob o ponto 28.

16. Mais uma vez inconformados o A. e mulher interveniente, interpuseram a presente revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Não é exigível ao recorrente que pretenda a reapreciação, em sede de apelação, da decisão da matéria de facto na 1.a instância, que indique nas conclusões da alegação os concretos meios probatórios que no seu entender impõem a alteração daquela decisão;

2.ª - Essa indicação, designadamente das passagens da gravação em que se fundamenta a discordância quanto a provas produzidas oralmente, deve ser feita ao longo da alegação, conforme forem sendo referidos os depoimentos e a matéria sobre que versaram, e não nas conclusões;

3.ª - A indicação a que se referem os itens anteriores feita nas conclusões seria prejudicial para a apreciação do recurso, na medida em que dificultaria a apreensão pelos decisores do que está em causa e da argumentação do recorrente;

4.ª - O regime processual civil atual, continuando uma progressão histórica coerente, visa garantir a efectividade do duplo grau de jurisdição em matéria de facto;

5.ª - O acórdão em apreço, ao exigir a indicação nas con-clusões dos aludidos meios de prova e tendo-se abstido, por essa razão, de efetuar a reapreciação em causa, interpretou incorretamente as normas do art. 640.º, em conjugação com as dos arts. 639.º, n.º 1 e 662.º;

6.ª - Tais normas deviam ter sido interpretadas no sentido de não ser exigível tal indicação nas conclusões, mas sim no corpo da alegação;

7.ª - Na apreciação deste recurso não pode esquecer-se que está em causa o pedido reconvencional e que o reconvindo não está obrigado a alegar factos que elucidem sobre os acontecimentos, bastando-lhe contradizer o alegado pela outra;

8.ª - Com a adição de dois quesitos referentes à posse, ao animus e à boa-fé, ficou coberta a quase totalidade da matéria de facto em que se baseia o pedido reconvencional, e daí que não deva o tribunal de apelação fazer uma interpretação restritiva da lei processual em sede de reapreciação, quanto à matéria de facto abrangida;

9.ª - Neste caso concreto a discussão abrange toda a matéria a que se fez referência nas conclusões da apelação;

10.ª - Ao entender e decidir diferentemente do defendido nas anteriores conclusões 7 e seguintes, o Tribunal recorrido vio-lou igualmente o disposto no art. 630.° (a contrario) e, no seu conjunto e alcance, também o art. 662.°, que deviam ter sido interpretados como se propugna nas mesmas conclusões.


17. Os Recorridos contra-alegaram, a pugnar pela manutenção do julgado, rematando com as seguintes conclusões:

1.ª - Não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1 a instância, salvo quando se verifique alguma das situações configuradas como de revista excecional;

2.ª - O acórdão, ora em causa, não está incluído em nenhumas das situações configuradas como revista excecional, nem os recorrentes, na sua alegação, indicam qualquer razão ou motivo que justifique a revista excepcional;

3.ª - O que, nos termos do disposto no artigo 671.º do CPC, determina que o acórdão, ora posto em crise, seja insuscetível do presente recurso de revista.

4.ª - Os recorrentes alegam erro na apreciação das provas;

5.ª - Por força do disposto no n.º 3, artigo 674.º do CPC, o presente recurso de revista também carece de fundamento, ou seja, o erro na apreciação das provas não pode ser objeto de revista, uma vez que não se verifica qualquer uma das situações configuradas na segunda parte do n.º 3 do citado artigo 674.º;

6.ª - Tal circunstância determina, também, a não admissibilidade do presente recurso;

7.ª - Também não assiste, apesar da já alegada inadmissibilidade do presente recurso, qualquer razão aos autores, ora recorrentes, uma vez que, como se refere no acórdão ora recorrido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso;

8.ª - Recai sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar delimitar o objecto do recurso -, motivar o seu recurso – fundamentação – indicar os concretos meios de prova a atender e quando envolve o depoimento das testemunhas, a transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, no seu entender, deve ser proferida pelo tribunal de recurso;

9.ª - Não estão reunidos os pressupostos de ordem formal para admitir a reapreciação da decisão da matéria de facto, porque os apelantes nas conclusões de recurso não indicaram os concretos meios de prova que justificavam a alteração da decisão, pretendendo, além do mais, a reapreciação de toda a prova produzida";

10.ª - Não enunciam os documentos em causa, nem a respetiva relevância para apreciar a matéria de facto objeto de impugnação;

11.ª - Não indicam o fundamento do erro na apreciação das provas, nem indicam com exatidão as passagens da gravação em que fundam o seu recurso, nem procedem à transcrição dos excertos que consideram relevantes, limitando-se a tecer considerações subjetivas sobre o valor probatório dos depoimentos, o que não preenche o ónus que a lei impõe;

12.ª - Os apelantes nas conclusões de recurso sob os pontos 3 a 18 enunciam um conjunto de circunstâncias e de factos, a respeito do preço devido que não estão compreendidas na matéria objeto de impugnação e também não foram oportunamente alegados pelos apelantes em sede de petição ou de réplica, pelo que, não podem pela via da reapreciação introduzir em juízo factos que não foram alegados, quando na decisão o tribunal está vinculado aos factos alegados pelas partes, como determina o art.º 5.º, n.º 1, CPC;

13.ª - Tal circunstância obsta só por si, à reapreciação da decisão, já que a mesma apenas pode incidir sobre os factos que foram alegados e objeto de decisão pelo juiz do tribunal “a quo”, pois a reapreciação visa detetar os concretos e pontuais erros na decisão, tendo presente o despacho que sobre tal matéria foi proferido pelo juiz do tribunal “a quo”;

14.ª - Os apelantes não respeitaram o ónus de alegação e desta forma não estão preenchidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto;

15.ª - Pelo que, nos presentes autos, ao contrário do que agora alegam os A.A. recorrentes, foi-lhes efetivamente garantido o duplo grau de jurisdição da matéria de facto, apesar de os mesmos dele terem feito uso incorrecto e deficiente, na medida em que não deram integral cumprimento às formalidades legais que lhes eram exigíveis;

16.ª - Assim sendo, outra não poderia deixar de ser a deci-são proferida, a qual também não viola a lei substantiva, nem viola ou faz errada aplicação da lei do processo, não estando também ferida das nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º do CCP.


18. A Exm.ª Relatora do Tribunal da Relação, no despacho de fls. 899, pronunciou-se no sentido da admissibilidade do recurso.


Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


II – Da admissibilidade do recurso


Antes de mais, importa referir que os Recorridos arguíram, em sede de contra-alegações, o não cabimento da revista, sustentando que se verifica a ocorrência de dupla conforme, nos termos do n.º 3 do art.º 673.º do CPC.

Por sua vez, a Exm.ª Relatora do Tribunal da Relação, no âmbito do despacho de fls. 899, de 01/12/2014, a admitir o recurso, considerou que, tratando-se de uma ação instaurada em 2005, não lhe era aplicável a invocada restrição de admissibilidade, nos termos do art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26/06. E também, em sede de exame preliminar, se subscreveu tal entendimento.

Com efeito, tendo a presente ação sido instaurada em 2005, face à ressalva final do disposto no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26-06, ao presente recurso não é aplicável o preceituado no n.º 3 do artigo 671.º do CPC, na versão atual, nem, por argumento de maioria de razão, o preceituado no n.º 3 do art.º 721.º do mesmo Código na versão introduzida pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24-08, mas sim, nesse particular, as disposições de admissibilidade em vigor à data do início do processo.  

Não procedem, pois, as razões de inadmissibilidade do recurso aduzidas pelos recorridos.


III - Delimitação do objeto do recurso


Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, e 639.º, n.º 1, do CPC.

Dentro desses parâmetros, o objeto da presente revista consiste em ajuizar se, no acórdão recorrido, o Tribunal da Relação do Porto, ao não tomar conhecimento dos segmentos da decisão de facto impugnados, com fundamento na inobservância dos requisitos formais do ónus impugnativo, violou o disposto nos artigos 640.º, em conjugação com os artigos 639.º, n.º 1, e 662.º e ainda o art.º 630.º, a contrario sensu, todos do CPC.          

        

IV – Fundamentação   

 

1. Factualidade dada como provada pelas Instâncias


Vem dada como provada pela 1.ª Instância a seguinte factualidade: 

1.1. Os réus ocupam uma oficina de reparação de automóveis, onde executam serviços de pintura, bate-chapas, estação de serviço e pronto-socorro, guardam automóveis reparados e procedem ao depósito de veículos usados, a qual está instalada no prédio urbano, sito no Entroncamento, Lote n.º 3, com a área de 1653 m2, que confronta, a Norte, com herdeiros de RR, Nascente, com FF, a Sul, com estrada e, a Poente, com o AA, com o artigo n.º 02833 da Repartição de Finanças de Mogadouro e registado na Conservatória do Registo Predial do mesmo concelho com a ficha n.º … – alínea A-i) dos factos assentes correspondente ao ponto 1.º, a) – i da sentença da 1.ª instância, alterada pelo acórdão da Relação de 24/10/2001 (fls. 524/v.º);

1.2. Guardam os veículos automóveis já reparados e por reparar, bem como procedem ao depósito de veículos usados, nos seguintes prédios:

i) - na parcela de terreno do prédio urbano, sito no Entroncamento, Lote n.º 3, com a área de 1653 m2, que confronta, a Norte, com herdeiros de RR, Nascente, com FF, a Sul, com estrada e, a Poente, com o AA, com o artigo n.º 02833 da Repartição de Finanças de Mogadouro e registado na Conservatória do Registo Predial do mesmo concelho com a ficha n.º …;

ii) – no prédio urbano, sito no Entroncamento, Lote n.º 4, com a área de 730 m2, que confronta, a Norte, com AA, a Nascente, com FF, a Sul, com estrada e, a Poente, com AA, com o artigo n.º 02834 da Repartição de Finanças de Mogadouro e registado na Conservatória do Registo Predial do mesmo concelho com a ficha n.º …

alínea A-i, ii e iii dos factos assentes correspondente ao ponto 1.º, alínea a),  da sentença da 1.ª instância, alterada pelo acórdão da Relação de 24/10/2001 (fls. 524/v.º);

1.3. A oficina de reparação de automóveis referenciada de 1.1. a 1.2, i), ocupa metade do armazém, sito no Entroncamento, com a área de 375 m2, que confrontava, a Norte, com Estrada, Nascente, com SS, a Sul, com TT e, a Poente, com AA, com o artigo n.º 1602 da Repartição de Finanças de Mogadouro – alínea A dos factos assentes correspondente ao ponto 1.º, alínea b), alterada pelo acórdão da Relação de 24/10/2001 (fls. 524/v.º);

1.4. Os lotes números 3 e 4 referenciados em 1.1 e 1.2 estão descritos na Conservatória do Registo Predial de Mogadouro, respetivamente sob os números … e …, freguesia de Mogadouro, e inscritos, na proporção de metade para cada, a favor de AA e FF, respetivamente, pelas inscrições G-AP 1, de 1981/10707 e G-AP.4 de 1994/09/05 – alínea B) dos factos assentes correspondente ao ponto 2.º da sentença da 1.ª instância, alterada pelo acórdão da Relação de 24/10/2001 (fls. 524/v.º e 525);  

1.5. No prédio rústico sito no Entroncamento, inscrito na matriz rústica sob o artigo 65-B da freguesia de Mogadouro e na Conservatória do Registo Predial, sob o art.º 00439, freguesia de Mogadouro, existia uma construção coma área de 375 m2, à qual foi atribuído na Repartição de Finanças de Mogadouro o art.º 1602.º – 1.ª parte da alínea C) dos factos assentes correspondente ao ponto 3.º da sentença da 1.ª instância, alterada pelo acórdão da Relação de 24/10/2001 (fls. 525);

1.6. Em 22 de Outubro de 1999, o prédio rústico inscrito sob o art.º 65-B da freguesia de Mogadouro foi objeto de loteamento através do alvará de loteamento n.º 2/99, de 22/10, criando-se cinco lotes, mantendo-se a edificação ali existente, com a área de 375 m2 e referenciada em 1.1 a 1.2  – 2.ª parte da alínea C) dos factos assentes correspondente ao ponto 3.º da sentença da 1.ª instância, alterada pelo acórdão da Relação de 24/10/2001 (fls. 525);  

1.7. O prédio descrito sob a Conservatória do Registo Predial de Mogadouro sob o n.º 0439/221189, objeto de loteamento, com a constituição dos cinco lotes, onde se incluem os lotes números 3 e 4, mencionados em 1.1 e em 1.2, antes da aprovação do alvará de loteamento n.º 2/99 pela Câmara Municipal de Mogadouro, em 22 de Outubro de 1999, adveio ao A. e à sua mulher, II, por compra e venda de 1/2 indivisa que fizeram a UU, VV e XX, conforme extrato da inscrição n.º 5336, fls. 195-G-9.° do art.º 67-B, registado na respetiva Conservatória Predial em sete de Outubro de 1981 (cf. fls. 21); – alínea D) dos factos assentes correspondente ao ponto 4.º da sentença da 1.ª instância, alterada pelo acórdão da Relação de 24/10/2001 (fls. 525);

1.8. O outro ½ do imóvel referenciado em 1.7 (referenciado na alínea D) em encontra a respetiva aquisição registada em 1994 a favor de FF, e mulher, a ZZ, que, por sua vez, o tinham adquirido à Sociedade AAA, Lda, conforme documento n.º 1 junto com a petição inicial (fls. 10-22), aquisição GI, G2, G3, G4, G5 – alínea E) dos factos assentes correspondente ao ponto 5.º da sentença;

1.9. Para o exercício da atividade comercial desenvolvida nos pré-dios referenciados em 1.1 e 1.2, os R.R. construíram casas de banho, e fizeram o saneamento da oficina até à via pública – alínea F) dos factos assentes correspondente ao ponto 6.º da sentença;  

1.10. Construíram o chão e muros divisórios na oficina – alínea G) dos factos assentes correspondente ao ponto 7.º da sentença;    

1.11. Pagaram as contribuições e impostos, água e energia eléctrica – alínea H) dos factos assentes correspondente ao ponto 8.º da sentença;    

1.12. Praticaram tais actos à vista de toda a gente – alínea I) dos factos assentes correspondente ao ponto 9.º da sentença

1.13. O A. AA e a sua esposa II, na qualidade de primeiros outorgantes, subscreveram um contrato de promessa com BB e DD, na qualidade de segundos outorgantes, tendo ficado estipulado que, conforme doc. de fls. 70:

“Foi dito (pelos primeiros outorgantes) que:

1 - São donos, possuidores e legítimos proprietários de metade de um prédio rústico, inscrito na matriz predial respectiva sob o art.º n.º 67-B, da freguesia de Mogadouro, confrontando a norte com BBB, Sul com CCC, Nascente DDD e Poente Estrada com a área de 11,125 m2 no sítio do “Entroncamento”, registado na Conservatória do Registo Predial de Mogadouro.

2 - São também donos, possuidores e legítimos proprietários de um prédio urbano implantado no prédio rústico identificado no n.º um (1) do presente contrato e, inscrito na matriz predial urbana de Mogadouro sob o art.º n.º 1602°, com a área coberta de 375 m2 e, com um logradouro de 4 000 m2, aproximadamente, a confrontar de Norte com Estrada, do Sul com DDD, Nascente SS e herdeiros e a Poente com TT. O qual, tem como destino ou finalidade a prestação de serviços de serralharia e oficina de reparações de automóveis.

3 - Por meio do presente contrato prometemos vender um quarto (1/4) do prédio rústico (ou seja: metade da metade), identificado no n.º um (1) do presente contrato, e, ainda metade (1/2) do prédio urbano identificado no n.º dois (2) do presente contrato. Livres de todo e qualquer encargo ou despesa.

4 - Autorizando os segundos outorgantes a entrar de imediato na posse de ambos cujo o urbano inclui a para coberta e descoberta ou logradouro (sic).

  Pelos Segundos Outorgantes foi dito que:

  Prometemos comprar os prédios nas proporções e condições mencionados no presente contrato, submetendo-nos inteiramente às mesmas, no que respeita à quitação do preço, benfeitorias e o seu valor e, em tudo o mais que fica exposto, e dito pelos primeiros outorgantes”.

alínea J) dos factos assentes correspondente ao ponto 10.º da sentença da 1.ª instância;

1.14. Desde data não concretamente apurada e até dia e mês não concretamente apurados do verão de 1989, data em que os réus iniciaram a instalação e ocupação referenciadas em 1.1 e 1.2, o A. e sua esposa II cultivaram os prédios referenciados em 1.1. e 1.2 – respostas aos artigos 1.º, 8.º e 17.º da base instrutória correspondentes ao ponto 11.º da sentença da 1.ª instância;

1.15. - Procedendo à sua limpeza, colhendo os respetivos frutos, construindo muros e sebes - resposta ao artigo 2.º da base instrutória correspondente ao ponto 12.º da sentença da 1.ª instância;

1.16. Pagando as contribuições que lhe incumbiam a tais imóveis - resposta ao artigo 3.º da base instrutória correspondente ao ponto 13.º da sentença da 1.ª instância;

1.17. Sem oposição de quem quer que fosse - resposta ao artigo 4.º da base instrutória correspondente ao ponto 14.º da sentença da 1.ª instância;

1.18. À vista de toda a gente - resposta ao artigo 5.º da base instrutória correspondente ao ponto 15.º da sentença da 1.ª instância;

1.19. Agindo na convicção de que tais actos eram exercidos sem estar a lesar interesses de terceiros, no exercício de um direito próprio sobre tais prédios – resposta ao artigo 6.º da base instrutória correspondente ao ponto 16.º da sentença;

1.20. Se o A. arrendasse os prédios referenciados em 1.1. e 1.2 o valor da renda seria de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensais – resposta ao artigo 9.º da base instrutória correspondentes ao ponto 17.º da sentença;  

1.21. O referido contrato foi celebrado em data não concretamente apurada do verão de 1989 – resposta ao artigo 14.º da base instrutória correspondente ao ponto 18.º da sentença;

1.22. A escritura pública objeto do contrato prometido referenciado em 1.13 não ocorreu, pois o A. e a sua esposa, apesar de notificados para comparecerem no Cartório Notarial de Mogadouro, não o fizeram, o que sucedeu em 30 de Julho de 2003 – respostas aos artigos 15.º e 16.º da base instrutória correspondentes aos pontos 19.º e 20.º da sentença;  

1.23. Os atos praticados referidos em 1.9 a 1.12 foram efetuados com a convicção por parte dos R.R. de que não estavam a lesar o direito de ter-ceiros – resposta ao artigo 18.º da base instrutória correspondente ao ponto 21.º da sentença

1.24. Os R.R., ao praticarem os atos referidos em 1.9 a 1.12 agiram sempre na convicção de que eram proprietários dos imóveis referidos em 1.1 e 1.2 - resposta ao artigo 22.º aditado à base instrutória correspondente ao ponto 22.º da sentença;

1.25. E que, mesmo com tal convicção, não estavam a lesar o direito de terceiros, sem oposição de ninguém – resposta aos artigo 23.º aditado à base instrutória correspondentes ao ponto 23.º da sentença

1.26. E sem oposição de ninguém - resposta ao artigo 19.º da base instrutória correspondente ao ponto 24.º da sentença

1.27. Os réus andam todos os dias preocupados – resposta ao artigo 21.º da base instrutória correspondente ao ponto 25.º da sentença

1.28. O R. BB, por conta do preço devido, de 8.500.000$00, entregou ao A., em duas prestações, as seguintes quantias em dinheiro: a primeira, no montante de 5.500.000$00 e, a segunda, de 3.000.000$00 – aditado pelo acórdão da Relação de 24/10/2001 (fls. 535/v.º), correspondente ao ponto 26.º da sentença, com base em acordo das partes e em prova documental

1.29. O A. emitiu dois recibos, nos quais declarou que recebeu de BB: - no primeiro (n.º 0004) com a data de 27-06-1989, a quantia de 5.500.000$00, referente a compra de metade do terreno com metade da oficina; - no segundo (n.º 0036) com data de 20-08-1992, a quantia de 3.000.000$00, referente ao pagamento parcial do terreno, ficando em dívida a importância de 500.000$00 (quinhentos mil escudos) – aditado pelo acórdão da Relação de 24/10/2001 (fls. 535/v.º e 536), correspondente ao ponto 27.º da sentença, com base em acordo das partes e em prova documental


2. Do mérito do recurso


Importa, desde logo, reter que estamos no âmbito de uma ação instaurada em 19/09/2005, cuja sentença final objeto de recurso de apelação foi proferida em 04/11/2013.

Ora, segundo o n.º 1 do art.º 7.º da Lei n.º 41/2013, de 26-06, em vigor desde 01/09/2013: 

Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em ações instauradas antes de 1 de janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com exceção do disposto no n.º 3 do art.º 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.

Assim, ressalvada inadmissibilidade de revista por virtude de dupla conforme, prescrita no n.º 3 do art.º 671.º do CPC, bem como a matéria respeitante às alçadas, em que relevam os requisitos de cabimento do recurso em vigor à data da propositura da ação, no mais aplica-se o regime recrusal introduzido pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24/08, com as alterações introduzidas pela citada Lei n.º 41/2013.


Ora, no que concerne à impugnação da decisão de facto, no que aqui interessa, o art.º 640.º do CPC, na atual redação, correspondente, no essencial, ao anterior art.º 685.º-B, preceitua o seguinte:

1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) – Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) – Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) – A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) – Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na res-petiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) – Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 


Nessa conformidade, a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.

Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC.  

É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC.

Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1 do referido artigo 640.º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada.    

Já no que respeita à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos, a sua inobservância não se mostra, sempre, assim tão pertinente, tendo em conta o processo técnico dessas gravações e o modo como ficam registadas nos respetivos suportes magnéticos, com o indicação do início e fim da gravação em relação a cada depoimento. Acresce que a indicação parcelada de determinadas passagens dos depoimentos convocados só raramente dispensam o tribunal de recurso de ouvir todo o depoimento, na medida em que os interrogatórios sobre determinado ponto de facto e as respetivas instâncias da parte contrária e do tribunal não são sequenciais, encontrando-se disseminadas ao longo de todo o depoimento.  

Em face disso, afigura-se que a sanção prescrita no n.º 2, alínea a), do art.º 640.º do CPC deverá ser aplicada com algum tempero, em termos de só se justificar quando, perante extensos depoimentos a abarcar matéria bastante diversificada - a maior parte dela não impugnada -, a omissão ou inexatidão na indicação das passagens tidas por relevantes dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame por banda do tribunal de recurso.  


Outra problemática consiste em saber se tais requisitos do ónus impugnativo devem constar, formalmente, das conclusões recursórias ou se bastará incluí-los no corpo alegatório.

Segundo certo entendimento, a lei não consagra norma expressa sobre tal inclusão no quadro conclusivo, como o faz relativamente à impugnação de direito, nos termos do artigo 639.º, n.º 1 e 2, do CPC. Outro entendimento vai no sentido de que, constituindo a especificação dos pontos concretos de facto um fator de delimitação do objeto de recurso, nessa parte, pelo menos a sua especificação deverá constar das conclusões recursórias, por força do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugadamente com o art.º 640.º, n.º 1, alínea a), aplicando-se, subsidiariamente o preceituado no n.º 1 do art.º 639.º, todos do CPC.

Nesta segunda linha de entendimento, não parece que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam figurar da síntese conclusiva, já que não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, traduzindo-se antes em elementos de apoio à argumentação probatória.

Pena é que, no âmbito da recente Reforma do Código de Processo Civil introduzida pela Lei n.º 41/2013, 26-06, ante as divergências já então existentes, o legislador não tivesse o cuidado de clarificar o modo como devem ser inseridos na peça alegatória os requisitos formais do ónus de impugnação da decisão de facto previstos nos n.º 1 e 2 do art.º 640.º, o que obstaria às persistentes polémicas que se têm vindo a verificar.     

Todavia, nesse domínio, perante a pouca clareza da lei e a decorrente divergência jurisprudencial, quando o recorrente tenha especificado os pontos concretos de facto apenas no corpo das alegações, caso se entenda que o devia fazer nas conclusões, será porventura mais curial providenciar pelo aperfeiçoamento destas, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 639.º do CPC, em vez de rejeitar logo a impugnação assim deduzida, só se justificando essa rejeição imediata quando tenha sido omitida de todo tal especificação.   


Cumpre ainda referir que tais condições formais de impugnação da decisão de facto radicam em normas de direito processual disciplinadoras do limites cognitivos e do exercício dos poderes do Tribunal da Relação em sede de reapreciação dessa decisão, cuja violação e incorreta aplicação são suscetíveis de servir de fundamento do recurso de revista, nos termos do art.º 674.º, n.º 1, alínea b), do CPC.   


Posto isto, debrucemo-nos agora sobre o caso vertente.

No recurso de apelação interposto pelo A. e mulher Interveniente da sentença proferida em 30/04/2010, que julgou a ação improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, no que aqui releva, foi impugnada a decisão de facto quanto:

 a) - à matéria vertida sob as alíneas A) a I) dos factos assentes;

 b) - aos segmentos constantes dos artigos 1.º a 6.º, 8.º e 14.º a 19.º da base instrutória.

No acórdão ali proferido de fls. 510-546, datado de 24/10/2011, o Tribunal da Relação alterou o teor das alíneas A), B), C) e D), nos termos constantes de fls. 524/v.º e 525, aditou também a matéria que passou a estar incluída nos pontos 26.º e 27.º da sentença proferida em 04/11/2013, por considerá-la assente em virtude do acordo das partes e da prova documental, e, quanto aos artigos da base instrutória impugnados, apenas retificou a resposta aos artigos 1.º, 8.º e 17.º, por efeito da alteração introduzida sobre os factos assentes, em particular na alínea A), substituindo a expressão “os réus iniciaram a construção” por “… os réus iniciaram a instalação e a ocupação do prédio referenciado em A) …” (fls. 532/v.º).

Seguidamente, concedeu provimento parcial à apelação, revogando a sentença recorrida na parte em que reconhecera o direito de propriedade dos R.R. e ordenara o cancelamento dos registos, julgando a ação procedente quanto aos pedidos de reconhecimento da compropriedade e posse do A. e da mulher Interveniente sobre os prédios em causa, decretando a reintegração destes na posse desse prédios, e improcedente quanto aos demais pedidos por eles formulados e totalmente improcedente a reconvenção.         


Tendo os R.R. contestantes interposto recurso de revista, no acórdão de fls. 608-625 proferido por este Supremo Tribunal em 19/04/2012, considerou-se que, face ao teor do artigo 18.º da base instrutória e subsequente resposta a dar como provado que “os atos praticados em D a G foram efetuados com a convicção por parte dos réus de que não estavam a lesar o direito de terceiros”, tendo em conta o alegado pelos R.R., tal matéria ficava aquém do necessário para ser alcançada a base suficiente para a decisão de direito, pelo que se determinou, ao abrigo do artigo 729.º, n.º 3, do CPC, a inclusão na base instrutória dos seguintes pontos de facto.

- Os réus, ao praticarem os atos referidos em D a G, agiram sempre na convicção de que eram proprietários dos imóveis referidos em A?

- E que, mesmo com tal convicção, não estavam a lesar o direito de quem quer que fosse?

Assim, decidiu-se anular a decisão recorrida na parte impugnada nes-se recurso e determinou-se a remessa do processo ao Tribunal da Relação, a fim de, sem prejuízo da baixa à 1.ª instância, a causa ser, nessa parte, novamente julgada.

Por sua vez, o Tribunal da Relação ordenou a fls. 637 a baixa do processo à 1.ª instância para efeitos de proceder ao julgamento em conformidade com o decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça.


Na 1.ª instância, procedeu-se a novo julgamento sobre a matéria aditada, que subordinou aos artigos 22.º e 23.º da base instrutória, tendo sido inquiridas as testemunhas referenciadas nas atas de fls. 737-740 e 749-750, e ainda juntos os documentos de fls. 742-748, admitidos pelo despacho de fls. 756.

Seguidamente foi julgada como provada aquela matéria aditada, conforme o despacho de fls. 758, proferindo-se nova sentença a fls. 765-784, em 04/11/2013, cuja decisão foi de teor idêntico à da sentença proferida em 30/04/2010.

Novamente vieram o A. e mulher interveniente apelar daquela decisão, mormente mediante impugnação:

(i) - das respostas às questões 15.ª e 16.ª da base instrutória, sustentando que as mesmas devem ter resposta negativa e explicativa, incluindo-se, nesta segunda vertente, os factos pertinentes já referidos em conclusões anteriores;

(ii) - da matéria dos pontos 21.º, 22.º, 23.º e 24.º enunciada na sentença, correspondente aos artigos 18.º e 19.º da base instrutória e os artigos 22.º e 23.º aditados por decorrência do acórdão do STJ, concluindo que as respetivas respostas devem ser dadas como não provadas;

(iii) - da matéria do art.º 26.º, pugnando pela supressão da expressão “Esc. 8.500.000$00”.


Foi nessa base que o Tribunal da Relação do Porto, no acórdão ora recorrido, proferido em 08/09/2014 (fls. 857-875), considerou que os apelantes não respeitaram o requisitos formais do ónus de impugnação da decisão de facto, pelo que julgou improcedente, nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 27, mantendo inalterada tal decisão e, porque os recorrentes não impugnaram os fundamentos de direito que suportavam a decisão proferida, não conheceu dela, julgando ainda improcedente as conclusões de recurso, sob o ponto 28.

Para tanto, considerou que:

“ …, no ponto 1 das conclusões de recurso, os apelantes reportam-se aos documentos apresentados por ordem cronológica da sua produção e ainda, aos “depoimentos das testemunhas JJ, GG, KK, LL e MM.

Contudo, não enunciam os documentos em causa, nem a respectiva relevância para reapreciar a matéria de facto objecto de impugnação.

A respeito dos depoimentos das testemunhas, nas conclusões de recurso sob os pontos 1, 2, 19, não indicam o fundamento do erro na apreciação das provas, nem indicam com exactidão as passagens da gravação em que fundam o seu recurso, nem procedem à transcrição dos excertos que consideram relevantes, limitando-se a tecer considerações subjectivas sobre o valor probatório dos de-poimentos, o que não preenche o ónus que a lei impõe.

Nas conclusões de recurso sob o ponto 19, observam os apelantes que na decisão da matéria de facto, o juiz do tribunal a quo desvalorizou o depoimento das testemunhas KK, LL e MM, omitindo qualquer referência na fundamentação.

Contudo, analisando o despacho não se pode considerar que o juiz do tribunal a quo omitiu a apreciação critica das provas, sendo certo que apenas a falta de fundamentação da decisão pode merecer relevo em sede de decisão de facto e os apelantes não apontam tal vicio ao despacho (art. 662º/2 d) e 3/d) CPC).

Analisado o despacho proferido de fundamentação da decisão da matéria de facto, conclui-se que o juiz do tribunal a quo, fazendo um juízo critico da prova, observou o critério legal, na fundamentação da decisão da matéria de facto – art.º 655.º CPC de 1961 e actual art.º 607.º CPC.

No conjunto da prova produzida, de acordo com as normas da experiência e com observância do princípio da livre apreciação da prova, indicou o que se afigurou decisivo para a fundamentação da decisão, fazendo menção de forma expressa aos motivos pelos quais formou a sua convicção.

Os apelantes insurgem-se contra o facto do juiz do tribunal a quo não atribuir relevo ao depoimento da testemunha KK.

Da conjugação do art. 396.º CC, com o art. 655.º CPC e actual 607.º/5 CPC, resulta que o depoimento testemunhal é livremente apreciado pelo tribunal e em confronto com os demais elementos de prova.

Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: […] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei.

A livre apreciação da prova baseia-se na prudente convicção do tribunal sobre a prova produzida, ou seja, em regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiência. Estas podem conduzir à prova directa do facto controvertido ou à ilacção desse facto através da prova de um facto indiciário: neste último caso, a prova fundamenta-se numa presunção natural ou judicial (art.º 351.º CC).

Os apelantes não indicam, como era seu ónus, em que medida o depoimento da testemunha poderia revelar o erro na apreciação da prova, sendo certo que na fundamentação critica da decisão da matéria de facto cumpre apenas indicar os fundamentos que foram decisivos, para a decisão, pois não se trata de catalogar as razões que se foram revelando no decurso da audiência e que determinaram, uma a uma, que se formasse a convicção do tribunal.

Acresce referir que em sede de fundamentação foram ponderados os depoimentos das testemunhas LL e MM, como resulta do seguinte excerto do despacho:

Desde logo, embora não constitua elemento decisivo, não deixa de marcar, quiçá indelevelmente, a realidade o facto de no recibo da quantia de 5 500 000$00 que o réu pagou ao autor (recibo 0004, fls. 71) constar que tal quantia é referente a “compra de metade de terreno com metade da oficina” e, outrossim, no recibo da quantia de 3.000.000$00 (recibo 0036, fls. 71) constar que tal quantia é referente a “pagamento parcial do terreno (…)

Marca análoga, talvez mais profunda, é deixada pela circunstância de a testemunha LL, que sendo genro, desde o ano de 1985, do autor AA, nos foi dizendo que, à data dos factos, a serralharia mecânica estava ocupada pelo sogro e pelo GG e este vendeu a parte dele àquele e, espontaneamente, disse ainda que “mais tarde, vim a saber que meu sogro tinha vendido…” e, reparando na falha, emendou: “tinha prometido vender…metade do prédio… (ao BB)”.

Enfoque idêntico merecerá o discurso da testemunha LL, filho do autor AA, que nos disse que o seu pai tivera sociedade com o GG, compraram o lote rústico e dividiram metade para cada um, e, desfeita a sociedade, o pai entendeu vender a parte que era do GG; comprou ao GG e vendeu ao BB (dificuldades do pai…), mas, notando igualmente a falha, logo corrigiu: “ou prometeu vender”.

Não se anota no despacho o apontado vício na fundamentação da decisão, sendo certo que tal argumento só por si, não preenche o ónus de alegação, com vista à reapreciação da decisão de facto.

Por fim, os apelantes nas conclusões de recurso sob os pontos 3 a 18 enunciam um conjunto de circunstâncias e de factos, a respeito do preço devido que não estão compreendidos na matéria objecto de impugnação e também não foram oportunamente alegados pelos apelantes em sede de petição ou réplica, pelo que, não podem pela via da reapreciação introduzir em juízo factos que não foram alegados, quando na decisão o tribunal está vinculado aos factos alegados pelas partes, como determina o art. 5º/1 CPC. Tal circunstância obsta só por si, à reapreciação da decisão, já que a mesma apenas pode incidir sobre os factos que foram alegados e objecto de decisão pelo juiz do tribunal a quo, pois a reapreciação visa detectar os concretos e pontuais erros na decisão, tendo presente o despacho que sobre tal matéria foi proferido pelo juiz do tribunal a quo.

Acresce que a matéria indicada no ponto 26 dos factos provados, nomeadamente no tocante ao preço convencionado, resulta admitida nos articulados, por acordo das partes. Os apelantes na Réplica, para além de não questionarem a celebração do contrato promessa e os respectivos termos e cláusulas, nem ainda o recebimento da quantia de Esc.: 8.500.000$00 (oito milhões e quinhentos mil escudos) defenderam-se invocando apenas a resolução do contrato e a sua nulidade por vício de forma (falta de reconhecimento das assinaturas).

Desta forma, não assiste aos apelantes legitimidade para impugnar a decisão, por não ter decaído na sua pretensão, atento o princípio que decorre do art. 631º/1 CPC.

Conclui-se, assim, que os apelantes não respeitaram o ónus de alegação e desta forma não estão preenchidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto.

Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 27.”


Da leitura do trecho da fundamentação acima transcrito retira-se que o Tribunal da Relação se cingiu à análise do teor das conclusões recursórias, ignorando o constante do corpo das alegações e adotou o entendimento de que se exigia que os Recorrentes incluíssem nessas conclusões a especificação dos concretos meios de prova convocados e a indicação das passagens das gravações dos depoimentos em relevo.

Por outro lado, salvo o devido respeito, dessa fundamentação parece ressaltar alguns equívocos sobre a fronteira entre o ónus impugnativo e o que respeita à fundamentação probatória.

Com efeito, importa distinguir, por um lado, o que constitui requisito formal do ónus de impugnação da decisão de facto, cuja inobservância impede que se entre no conhecimento do objeto do recurso; por outro, o que se inscreve já no domínio da reapreciação da decisão de facto, devidamente impugnada, mediante a reavaliação da prova convocada e tida por relevante.

Quanto àqueles requisitos, como já foi dito, o artigo 640.º, n.º 1, confina-os à especificação: a) - dos pontos de facto impugnados; b) - dos concretos meios de prova convocados; c) - da decisão que, no entender do recorrente, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Além disso, tal impugnação está condicionada pela indicação exata das passagens dos depoimentos gravados em que se funda o recurso, nos termos do n.º 2 do mesmo normativo.

Nessa linha, a insuficiência ou a mediocridade da fundamentação probatória aduzida pelo recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação.          


No caso vertente, os Recorrentes impugnaram, especificamente, a matéria constante das respostas dadas aos artigos 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 22.º e 23.º (estes dois últimos aditados) da base instrutória, correspondentes aos pontos 19, 20, 21, 22, 23 e 24.º enunciados na sentença, e ainda de parte do ponto 26 da sentença.


Essa matéria é a seguinte:

. A escritura pública objeto do contrato prometido referenciado em 1.13 não ocorreu, pois o A. e a sua esposa, apesar de notificados para comparecerem no Cartório Notarial de Mogadouro, não o fizeram, o que sucedeu em 30 de Julho de 2003 – respostas aos artigos 15.º e 16.º da base instrutória correspondentes aos pontos 19 e 20 da sentença

. Os atos praticados referidos em 1.9 a 1.12 foram efetuados com a convicção por parte dos R.R. de que não estavam a lesar o direito de terceiros – resposta ao artigo 18.º da base instrutória correspon dente ao ponto 21 da sentença

. Os R.R., ao praticarem os atos referidos em 1.9 a 1.12 agiram sempre na convicção de que eram proprietários dos imóveis referidos em 1.1 e 1.2 - resposta ao artigo 22.º aditado à base instrutória correspondente ao ponto 22 da sentença;

. E que, mesmo com tal convicção, não estavam a lesar o direito de terceiros, sem oposição de ninguém – resposta aos artigo 23.º aditado à base instrutória correspondentes ao ponto 23 da sentença

. E sem oposição de ninguém - resposta ao artigo 19.º da base instrutória correspondente ao ponto 24 da sentença

. O R. BB, por conta do preço devido, de 8.500.000$00, entregou ao A., em duas prestações, as seguintes quantias em dinheiro: a primeira, no montante de 5.500.000$00 e, a segunda, de 3.000.000$00 – aditado pelo acórdão da Relação de 24/10/2001 (fls. 535/v.º), correspondente ao ponto 26 da sentença, com base em acordo das partes e em prova documental.


Para tanto, os Recorrentes convocaram, como meios probatórios, principalmente os documentos apresentados por ordem cronológica da sua produção e ainda os depoimentos das testemunhas JJ, GG, KK, LL e MM, para que se pudesse, à luz destes depoimentos, interpretar “corretamente muito do conteúdo daqueles documentos e inserilo no contexto que lhes cabe, conforme se afirma no ponto 2, proémio, do corpo das alegações.

E, no mesmo corpo alegatório, prosseguem, de forma desenvolvida, à análise crítica do teor dos documentos indicados com referência às fls. dos autos em que se encontram incorporados, convocando, a par e passo, os depoimentos das testemunhas em que se apoiam, sinalizando os períodos temporais das respetivas gravações, em função da matéria impugnada.


Nessa base, concluíram os Recorrentes que:

- as respostas aos artigos 15.º e 16.º da base instrutória deviam ser negativas e explicativas, incluindo-se, nesta segunda vertente, os factos pertinentes referidos em conclusões anteriores;

- a matéria dos pontos 21, 22, 23 e 24 enunciados na sentença, correspondente aos artigos 18.º, 19.º, 22.º e 23.º da base instrutória, devia ser dada como “não provada”;

- da matéria ao ponto 26 da sentença devia suprimida a expressão “ Esc. 8.500.000$00”.   


Porém, o Tribunal a quo, sem atentar minimamente no conteúdo do corpo das alegações, confinou, como ficou dito, a sua apreciação ao teor das conclusões recursórias, em relação às quais deambulou entre observações respeitantes ao ónus de impugnação e considerações sobre a dita insuficiência da fundamentação probatória, acabando por concluir que os apelantes não respeitaram o ónus de alegação e que, desta forma, não estavam preenchidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto, julgando improcedentes, nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 27.

Mas esta conclusão final espelha, de certo modo, alguma falta de rigor na delimitação entre ónus impugnatório e fundamentação probatória, já que, se o vício respeita à falta dos requisitos formais de impugnação, a consequência necessária seria simplesmente não tomar conhecimento do objeto do recurso, que não julgar improcedentes as conclusões recursórias.


Seja como for, o certo é que os Recorrentes especificaram, sob as conclusões 25.ª, 26.º e 27.ª, os segmentos da decisão de facto que têm por incorretamente julgados e como entendem dever ser decididos por decorrência da reapreciação da prova convocada.

Além disso, no corpo das alegações, indicam os documentos em que se baseiam com referência às folhas dos autos e precisam, de forma suficiente, as gravações dos depoimentos que pretendem sejam reapreciados, em vista da matéria impugnada.

Nestas circunstâncias, em conformidade com o entendimento acima perfilhado, tem-se por observado o ónus de impugnação da decisão de facto nos termos prescritos nos n.º 1 e 2, alínea a), do art.º 640.º do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso. 


Todavia, os Recorridos alegaram que essa reapreciação só poderia incidir sobre a matéria aditada, ou seja, sobre os factos vertidos nos artigos 22.º e 23.º da base instrutória, em face do decidido pelo acórdão do STJ, que anulou a decisão recorrida apenas nessa parte, ancorando-se no efeito do caso julgado.

Ora, como bem se refere no acórdão aqui recorrido, o caso julgado material, nos termos definidos nos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do CPC, só se forma sobre a decisão ainda que tendo por limite objetivo a respetiva fundamentação, não recaindo, pois, os seus efeitos, de forma isolada ou autónoma, sobre os fundamentos daquela.

Também não é convocável aqui o efeito do caso julgado formal, uma vez que este respeita apenas às decisões que versam unicamente sobre a relação processual, nos termos definidos no artigo 620.º do CPC.

Sucede que a decisão de facto se integra no plano da fundamentação da sentença, como decorre do disposto no n.º 4 do artigo 604.º, correspondente ao anterior art.º 659.º do CPC, pelo que não opera o alcance do caso julgado material, de forma autónoma, sobre a decisão de facto.

Mas daí não resulta que não possa ficar precludida a apreciação da matéria de facto feita em recurso anterior, o que deve ser aferido em função do que tiver sido decidido em sede de anulação do julgamento, mormente nos termos previstos no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), e n.º 3, alíneas b) e c), do CPC.


No caso vertente, o acórdão do STJ de 19/04/2012, anulou a decisão recorrida, na parte impugnada, determinando a baixa do processo ao Tribunal da Relação, a fim de, sem prejuízo da baixa à 1ª instância, a causa ser novamente julgada nessa parte, quanto aos seguintes pontos a aditar à matéria da base instrutória:

- Os Réus, ao praticarem os actos referidos em D a G, agiram sempre na convicção de que eram proprietários dos imóveis referidos em A)?

- E que, mesmo com tal convicção, não estavam a lesar o direito de quem quer que fosse?”

E, como proficientemente se refere naquele aresto, o que estava em causa era apurar, com base no implicitamente alegado pelos R.R., nos articulados, a materialidade respeitante ao animus possessório destes correspondente ao direito de propriedade invocado sobre os prédios reivindicados, para mais na sequência da tradição da coisa no âmbito de um contrato-promessa de compra e venda.  

Como é sabido, tal materialidade inscreve-se no domínio de factos do foro psicológico, nomeadamente de cariz cognitivo e volitivo, os quais, em regra, se revelam, indiretamente, através de indícios comportamentais que servem de base a presunções judiciais. Nessa medida, dependem de todo o contexto circunstancial em que ocorrem.

No caso vertente, os novos factos aditados não podem deixar de ser apreciados no contexto mais amplo dos factos constantes dos artigos 15.º, 16.º, 18.º e 19.º da base instrutória, todos eles pertinentes para a apreciação do animus possessório em questão.

De resto, segundo o disposto no artigo 662.º, n.º 3, alínea b), do CPC, a reapreciação da matéria de facto que tenha sido objeto de ampliação importa também a apreciação de outros pontos para que assim sejam evita-das contradições.

Para tanto basta que tal contradição seja suscetível de ocorrer, o que tanto se coloca no âmbito do julgamento da 1.ª instância como no subsequente plano da sua reapreciação em sede de recurso.


Nesta conformidade, justifica-se o alcance da impugnação da decisão de facto a toda a matéria constante das respostas aos artigos 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 22.º e 23.º da base instrutória, sob impugnação.


Já quanto à matéria do ponto 26.º da sentença da 1.ª instância, que fora anteriormente aditada pelo Tribunal da Relação com base em acordo das partes e em prova documental, não se divisa que a mesma possa colidir com a apreciação da restante matéria impugnada, além de que se trata de factos dados como provados por efeito legal e não com base no critério da prova livre.

Termos em que não caberá agora submetê-la a reapreciação.


Em suma, conclui-se que o acórdão ora recorrido interpretou e apli-cou erradamente os parâmetros processuais que disciplinam o seu poder de cognição da decisão de facto impugnada, mormente os constantes do artigo 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPC, o que importa a sua anulação.


V - Decisão


Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista e decide-se:

a) - Anular o acórdão recorrido na parte em que não conheceu da impugnação da decisão de facto sobre as respostas aos artigos 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 22.º e 23.º da base instrutória, vertidos nos pontos 19, 20, 21, 22, 23 e 24 enunciados na sentença da 1.ª instância;

b) - Consequentemente, ordenar a baixa do processo ao Tribunal da Relação para que tome conhecimento daquela impugnação, bem como, se for o caso, do subsequente alcance em sede da solução de direito;

c) - Manter a decisão recorrida apenas quanto à exclusão da reapreciação da matéria constante do ponto 26 da sentença da 1.ª instância.


As custas do recurso ficam a cargo das partes, na proporção de 1/8 para os Recorrentes e 7/8 para os Recorridos.


Lisboa, 19 de Fevereiro de 2015  

        

                                              

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria 

João Luís Marques Bernardo