Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
470/15.2T8MNC.G1-A.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
AÇÃO DE DESPEJO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO
DESOCUPAÇÃO
PROCESSO URGENTE
ACTOS URGENTES
ATOS URGENTES
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECLAMAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 11/24/2016
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / ARRENDAMENTO URBANO / PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS / ADMISSIBILIDADE DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 615.º, N.º1, ALÍNEAS B) A E), N.º 4, 617.º, N.ºS 5 E 6, 629.º, N.º2, 638.º, N.º1, 1.ª PARTE, 666.º, N.º1, 671.º, N.º3, 672.º, N.º1, 674.º, N.º 1, ALÍNEA C).
LEI N.º 6/2006, DE 27-02, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 31/2012, DE 14-08: - ARTIGO 15.º-S, N.ºS 5 E 8.
Sumário :
I. Segundo os números 5 e 8 do artigo 15-S da Lei n.º 6/2006, de 27-02, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14-08, no procedimento especial de despejo ali regulado, os prazos correm em férias judiciais e os atos a praticar pelo juiz têm carácter urgente, não existindo norma que estabeleça, em termos globais, a urgência desse procedimento.

II. Afora aquelas duas hipóteses, não é lícito qualificar todo aquele procedimento como urgente, o que deixa de fora os prazos para as partes interporem recurso ordinário, que é de trinta dias, ainda que correndo em férias judiciais, nos termos da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 638.º do CPC ex vi do n.º 5 do mencionado art.º 15.º-S da Lei n.º 6/2006.

III. A arguição de nulidades da decisão final ao abrigo dos artigos 615.º, n.º 1, alíneas b) a e), e 666.º, n.º 1, do CPC só é dedutível por via recursória quando aquela decisão admita recurso ordinário, nos termos conjugados dos artigos 615.º, n.º 4, 2.ª parte, e 674.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Código, e portanto como fundamento acessório desse recurso.

IV. Se aquela decisão não admitir recurso ordinário, as referidas nulidades só são arguíveis mediante reclamação perante o próprio tribunal que proferiu tal decisão, nos termos dos artigos 615.º, n.º 4, 1.ª parte, e 617.º, n.º 6, do CPC.

V. Não sendo admissível recurso ordinário, em termos gerais, por virtude da ocorrência de dupla conforme, as nulidades previstas nas alíneas b) a e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC só são arguíveis por via recursória, se a revista for interposta a título especial ou de revista excecional nos termos dos artigos 629.º, n.º 2, e 672.º, n.º 1, do CPC, respetivamente.

VI. Não tendo a Recorrente interposto a revista a título especial ou excecional, mas apenas com fundamento em nulidade por omissão de pronúncia, a mesma não é admissível, nos termos conjugados dos artigos 615.º, n.º 4, e 671.º, n.º 3, do CPC, sem prejuízo da eventualidade de o tribunal a quo conhecer ainda daquela nulidade, ao abrigo e nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 617.º do mesmo Código.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. No âmbito do recurso de apelação acima identificado, a ali apelante AA, Ld.ª, veio reclamar, ao abrigo do disposto no art.º 643.º do CPC, do despacho da Exm.ª Relatora do Tribunal da Relação de Guimarães reproduzido a fls. 46, datado de 29/07/2016, que lhes rejeitou, com fundamento em extemporaneidade, o recurso de revista interposto do acórdão proferido por aquela Relação também reproduzido a fls. 34-45, de 16/06/2016, segundo o qual, por unanimidade, foi julgada improcedente a apelação e inteiramente confirmada a sentença recorrida.

2. A ali Apelante, inconformada com a referida decisão, interpôs então revista em que invoca unicamente o vício de omissão de pronúncia, nos termos conjugados dos artigos 615.º, n.º 1, alínea d), 666.º e 674.º, n.º 1, alínea c), do CPC.  

3. Porém, o referido recurso foi liminarmente rejeitado pela Exm.ª Relatora da Relação por se considerar que, estando no âmbito de um processo urgente como seria o procedimento especial de despejo em causa, nos termos do artigo 15.º-S, n.º 5 e 8, da Lei n.º 31/2012, de 14/08, o recurso fora interposto fora de prazo, que seria de 15 dias.

4. Mas uma vez informada, veio aquela apelante reclamar desse despacho, sustentando, em resumo, que:   

   i) – o referido processo não tem natureza urgente, apenas assumindo tal natureza os atos a praticar pelo juiz, como decorre do disposto no n.º 8 do artigo 15.º-S da Lei n.º 6/2006, de 27-12;

   ii) – assim, o prazo de interposição de recurso será de 30 e não de 15 dias.

Concluiu, nessa base, pela tempestividade da revista, pedindo a revogação do despacho reclamado e que fosse julgado admitido o recurso.

5. Por fim, foi proferida a decisão de fls. 50-54, datada de 30/09/ 2016, a julgar improcedente a reclamação, na sequência do que veio a apelante reclamar para a conferência, a pedir a prolação de acórdão, reiterando, no essencial, a argumentação já anteriormente aduzida.


Cumpre apreciar e decidir.


II. Fundamentação


Apreciada por este coletivo toda a fundamentação constante do despacho reclamado e ponderadas as razões reiteradas na presente reclamação, foi deliberado manter aquela decisão nos seus precisos termos, que aqui se reeditam.


Estamos no âmbito de um procedimento especial de despejo previsto e regulado nos artigos 15.º a 15.º - S da Lei n.º 6/2006, de 27-02, alterada pela Lei n.º 31/2012, de 14-08.

No caso presente, o sobredito procedimento especial foi intentado pela BB - Sociedade Imobiliária, S.A.., contra AA, Ld.ª, com vista à desocupação de um locado correspondente ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Monção sob o art.º 547, destinado a comércio, bem como ao pagamento de rendas em atraso, no valor de € 27.000,00, acrescido de juros de mora.

Junto o contrato de arrendamento e o comprovativo da notificação judicial avulsa da resolução desse contrato por falta de pagamento de rendas, não tendo a requerida deduzido oposição, foi emitido título de desocupação do locado.

Subsequentemente, no decurso da diligência de desocupação, veio a sociedade “CC, Ldª, apresentar-se como interveniente, juntando um contrato de subarrendamento anterior ao procedimento ajuízado com menção de o mesmo ter sido autorizado pelo senhorio, sendo, por isso, suspensa tal diligência.

Veio então a interveniente requer a confirmação dessa suspensão, tendo-se a Requerente pronunciado pelo seu levantamento.

Sobre aquele requerimento foi proferida decisão a julgar improcedente o incidente e a determinar o prosseguimento das diligências de desocupação do locado.

Inconformadas com essa decisão, vieram quer a Requerida quer aquela interveniente apelar dela para o Tribunal da Relação de Guimarães, que julgou a apelação improcedente, confirmando integralmente a decisão da 1.ª instância, por unanimidade, conforme acórdão de fls. 34-44, de 16/06/2016, considerando que:

i) – sendo o subarrendamento um contrato subordinado ou contrato dependente do contrato de arrendamento, a sua subsistência depende, naturalmente, da manutenção do contrato base;

ii) – daí que julgado extinto, por qualquer causa, o contrato de arrendamento, caduca igualmente o contrato de subarrendamento dele dependente. 

Foi perante tal decisão que a Requerida/apelante interpôs recurso de revista unicamente com fundamento em nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, o qual foi liminarmente rejeitado por extemporaneidade nos termos acima expostos.


Vejamos.


No que aqui releva, o artigo 15.º-S da Lei n.º 6/2006, de 27-02, na redação dada pela Lei n.º 31/2012, de 14-08, prescreve que:

5 – Aos prazos do procedimento especial de despejo aplicam-se as regras previstas no Código do Processo Civil, não havendo lugar à sua suspensão durante as férias judiciais nem a qualquer dilação.

8 – Os atos a praticar pelo juiz no âmbito do procedimento especial de despejo assumem carácter urgente.


Por sua vez, o 638.º, n.º 1, do CPC, determina que:

O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 667.º  


Não está aqui em causa qualquer destas últimas exceções, mas apenas a norma que reduz, em geral, o prazo de recurso para 15 dias nos processos urgentes.

Como é sabido, em certos casos, a lei qualifica determinados processos como urgentes na sua globalidade, sem distinção de atos ou de fases neles integrados. Todavia, não foi essa a solução consagrada no citado artigo 15.º-S, que se limitou a determinar, no procedimento especial de despejo, a continuidade dos prazos processuais em férias judiciais e o carácter urgente dos atos a praticar pelo juiz.

Assim sendo, não se mostra lícito qualificar todo aquele procedimento como urgente, mormente para além daquelas duas hipóteses, o que deixa de fora, por exemplo, os prazos para as partes interporem recurso ordinário, que é de trinta dias, ainda que correndo em férias judiciais, nos termos da 1.ª parte do n.º 1 do artigo 638.º do CPC ex vi do n.º 5 do mencionado art.º 15.º-S da Lei n.º 6/2006.

Sucede que dos autos consta que o acórdão recorrido foi proferido em 16/06/2016 e que o requerimento de interposição da revista terá sido remetido ao tribunal recorrido em 21/07/2016 (fls. 19), desconhecendo-se, no entanto, a data da notificação às partes daquela decisão, o que não permite aferir com precisão a contagem do prazo de trinta dias, embora, a fazer fé no alegado pela reclamante, pareça verosímil que o recurso tenha sido interposto em tempo.

Nesta linha de entendimento, poderia assistir razão à Reclamante.


Não obstante isso, a presente revista baseia-se exclusivamente na arguição de nulidade do acórdão recorrido fundada em vício de omissão de pronúncia, nos termos conjugados do artigo 615.º, n.º 1, d), 1.ª parte, aplicável por força do n.º 1 do artigo 666.º, e do artigo 674.º, n.º 1, alínea c), do CPC.

Ora, ainda que, segundo o disposto na citada norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 674.º, a revista possa ter por fundamento as nulidades previstas nas alíneas b) a e) do artigo 615.º do CPC, aquela norma tem de ser conjugada com o preceituado no n.º 4 deste último artigo, segundo o qual, tais nulidades só são arguíveis por via de recursória quando da decisão reclamada caiba também recurso ordinário, ou seja, como fundamento acessório desse recurso. Não sendo admissível recurso ordinário, aquelas nulidades terão de ser arguidas mediante reclamação perante o próprio tribunal que proferiu a decisão, nos termos da 1.ª parte do n.º 4 do artigo 615.º e n.º 6 do artigo 617.º do CPC. 

No caso presente, estamos perante um acórdão da Relação que confirmou integralmente a decisão da 1.ª instância, donde decorre a verificação da dupla conforme nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 671.º do CPC, o que impede a admissibilidade da revista, salvo nos casos em que o recurso seja sempre admissível com fundamento especial e nos de revista excecional.

Assim, não sendo admissível recurso ordinário, em termos gerais, por virtude da ocorrência de dupla conforme, só seria admissível suscitar, acessoriamente, a sobredita questão de nulidade como fundamento do recurso de revista, se este recurso fosse também admissível a título especial ou de revista excecional.

Porém, não tendo a Recorrente interposto a presente revista a título especial ou excecional, mas apenas com fundamento na referida arguição de nulidade por omissão de pronúncia, a mesma não é admissível, nos ter-mos conjugados dos artigos 615.º, n.º 4, e 671.º, n.º 3, do CPC, sem prejuízo da eventualidade de o tribunal a quo conhecer ainda daquela nulidade, ao abrigo e nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 617.º do mesmo Código.    

Em suma, não obstante poder assistir razão à Reclamante quanto à tempestividade da revista interposta, esta não é admissível nos termos acima explicitados.

        

III - Decisão

        

Pelo exposto, acorda-se em denegar a presente reclamação, mantendo-se o decidido a fls. 50-54, no sentido de, não obstante poder assistir à Reclamante razão quanto à tempestividade da revista interpôsta, julgar a mesma inadmissível agora nos termos conjugados dos artigos 615.º, n.º 4, e 671.º, n.º 3, do CPC, sem prejuízo da eventualidade de o tribunal a quo conhecer daquela nulidade, ao abrigo e nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 617.º do mesmo Código.

As custas da reclamação originária ficam a cargo da reclamante com a taxa de justiça fixada em 2 UC, conforme o decidido no ora despacho reclamado.

Baixem os autos à Relação.

              

Lisboa, 24 de novembro de 2016

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

 

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria