Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SILVA SALAZAR | ||
| Descritores: | DIREITO DE PREFERÊNCIA ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO ARRENDATÁRIO LICITAÇÃO PLURALIDADE DE TITULARES DO DIREITO | ||
| Nº do Documento: | SJ200304290007061 | ||
| Data do Acordão: | 04/29/2003 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 11962/01 | ||
| Data: | 10/08/2002 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Sumário : | I - O inquilino de uma unidade habitacional não qualificada como fracção autónoma por o prédio em que se integra não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, para exercer direito de preferência na venda da totalidade do imóvel a terceiro não locatário não tem de, previamente à propositura da acção de preferência, recorrer ao processo especial de notificação para preferência contra os demais inquilinos habitacionais do mesmo prédio a fim de primeiro se determinar quem pode exercer aquele direito, podendo propor a acção de preferência desacompanhado dos demais.
II - Havendo vários inquilinos habitacionais, verifica-se uma situação de existência de um prédio onerado com vários direitos legais de preferência concorrentes, cada um na titularidade de cada inquilino, que pode exercer isoladamente o seu, mesmo contra anterior preferente se for caso disso. III - Resolvido o contrato de arrendamento, deixa o arrendatário de ter direitos, como tal, mas apenas em relação ao futuro, nem por isso desaparecendo os direitos que tinha no passado, em relação a factos passados, assim como as obrigações que antes tinha, nomeadamente a de pagamento de rendas respeitantes a algum período em que ainda era arrendatário e que porventura não tivesse pontualmente satisfeito. IV - Assim, só havendo abuso de direito, a provar pelos réus, poderá deixar de lhe ser permitido o exercício do direito de preferência que tinha em relação à venda do prédio concretizada antes da resolução. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Em 30/10/87, "A" propôs contra B, C e mulher, D, E, F e mulher, G, acção com processo ordinário, pedindo se reconheça a ele autor o direito a haver para si um imóvel que identifica, constituído por oito andares destinados à habitação embora não constituído em propriedade horizontal, e sendo ele autor locatário habitacional do 2º andar esquerdo do mesmo prédio, pois este foi vendido pelos réus B, C e mulher, e Isabel, seus proprietários e senhorios do autor, ao réu F, sem que lhe tenha sido facultado o exercício do seu direito de preferência, não lhe tendo sido comunicado previamente o projecto de venda e as respectivas cláusulas; e, em consequência, sem contudo afastar o direito de outro eventual preferente (locatário do imóvel) se tempestivamente exercer também o seu direito, pede se opere a substituição do adquirente pelo preferente, reconhecendo-se ainda o direito deste à restituição das rendas que prestou desde a data da escritura até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na presente acção. Procedeu o autor a oportuno depósito do preço praticado na venda realizada, acrescido de sisa e despesas de escritura. Em contestação, os réus, conjuntamente, impugnaram, sustentando em síntese que anteriormente à venda havia sido proposto a todos os inquilinos, inclusive ao autor, que cada um comprasse a fracção que respectivamente lhe estava locada, comprometendo-se os comproprietários a constituir a propriedade horizontal, mas nenhum deles aceitou, sendo por isso que a venda acabou por ser feita a terceiro não locatário; e invocam ilegitimidade do autor por este litigar sozinho apesar de o prédio ter mais sete inquilinos, todos com direitos iguais em relação á totalidade do prédio, sem estar definido a quem cabe o exercício do eventual direito de preferência por o autor não ter previamente recorrido ao processo especial de notificação para preferência. Em réplica, o autor rebateu a matéria de excepção, sustentando nomeadamente que não precisava de recorrer àquele processo especial, tanto mais que os outros arrendatários, não vindo a Juízo, haviam deixado caducar o seu direito, mas, à cautela, requereu a notificação deles para, querendo exercerem o seu direito. Este requerimento foi indeferido com base em que a notificação para preferência teria de ser exercida mediante processo autónomo próprio e não nos presentes autos. Proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções dilatórias, - julgando nomeadamente improcedente a de ilegitimidade activa deduzida -, nem nulidades secundárias, foram elaborados especificação e questionário, de que reclamaram os réus F e mulher, tendo a sua reclamação, após resposta do autor, sido deferida. Habilitado o réu C no lugar do primeiro réu, entretanto falecido, teve oportunamente lugar audiência de discussão e julgamento, que terminou em 19/10/00, após indeferimento de um requerimento de suspensão da instância apresentado pelo réu F com base na pendência de uma acção de despejo que interpusera contra o ora autor, por despacho de fls. 279-280, de que o mesmo réu e mulher agravaram, a fls. 285. Dadas respostas aos quesitos, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, dando integral satisfação ao pedido do autor. Apelaram os réus F e mulher, tendo a Relação proferido acórdão que negou provimento ao agravo mas que concedeu provimento à apelação, revogando a sentença ali recorrida e absolvendo os réus do pedido. É deste acórdão que vem interposta a presente revista, pelo autor, que, em alegações, formulou as seguintes conclusões: 1ª - O direito de preferência conferido pela Lei n.º 63/77, de 25 de Agosto, ao inquilino habitacional, é, mesmo quanto a um prédio não constituído em propriedade horizontal, um direito distinto e autónomo do de todos os demais inquilinos desse prédio; 2ª - Daí deriva a possibilidade de o respectivo titular o accionar, através de acção de preferência, em caso de venda do prédio por parte do seu proprietário a um terceiro não inquilino; 3ª - Nessa acção constitui causa de pedir, para além dessa venda, a própria qualidade de inquilino habitacional, que confere ao autor a titularidade do direito de preferência, distinto e autónomo, não dependendo, nem no plano processual, (quanto à subsistência da instância), nem no plano substantivo, (quanto à procedência do pedido), do prévio afastamento dos demais titulares de direitos potencialmente concorrentes, designadamente através do processo gracioso de notificação para preferência previsto no art.º 1465º do Cód. Proc. Civil; 4ª - O recurso a tal processo é meramente facultativo, não constituindo uma obrigação ou sequer um ónus do titular do direito de preferência em concurso, não constituindo condição de procedência da acção; 5ª - Da mesma forma que o não constitui a prévia expressa renúncia dos potenciais concorrentes no exercício de preferência, resultando mesmo essa renúncia do desinteresse manifestado por estes quanto a esse exercício, designadamente ao deixar cair o seu direito nas malhas da caducidade; 6ª - Carecem os réus, numa acção de preferência intentada, sequente à venda de um prédio a terceiro, sem que haja sido cumprido o dever de comunicação previsto no art.º 416º do Cód. Civil aos respectivos inquilinos habitacionais, de legitimidade substantiva para suscitar a questão da ilegitimidade processual do autor, porque desacompanhado dos demais potenciais concorrentes, também inquilinos do mesmo prédio, bem como para suscitarem a suposta preterição do recurso ao processo da notificação previsto no art.º 1465º do Cód. Proc. Civil; 7ª - Tal alegação constitui res inter alios e deve, por isso, improceder, porque ferida de nulidade, pelo que não poderia ter sido apreciada em sede de recurso, uma vez que o Tribunal não podia, em tal quadro, tomar conhecimento dessa questão; 8ª - O acórdão recorrido não fez uma concreta interpretação e aplicação do disposto no art.º 1465º do Cód. Proc. Civil, bem como do dispositivo constante do art.º 2º, n.º 1, da Lei n.º 63/77, de 25 de Agosto, cometendo, além disso, a nulidade prevista no art.º 668º, n.º 1, al. d), in fine, do mesmo Código, e errou quando considerou que o exercício do direito de preferência pelo autor exigia o prévio afastamento dos demais preferentes através do processo previsto no art.º 1465º do Cód. Proc. Civil. Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a confirmação da sentença da 1ª instância. Em contra alegações, os réus F e mulher pugnaram pela confirmação daquele acórdão, e, para a hipótese de ser dada razão ao recorrente, pela improcedência da acção de preferência com base na resolução do contrato de arrendamento na pendência daquela, decretada por sentença de 8/3/00, confirmada por acórdão da Relação de 13/12/00, transitado em julgado em 15/6/01, com recurso ao disposto no art.º 715º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil. Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes são os seguintes: 1º - Ao autor foi cedida a utilização para sua habitação do 2º andar esquerdo do prédio sito na Rua de Macau, n.º ... , Barreiro, mediante o pagamento mensal de determinada contrapartida monetária; 2º - O prédio referido é constituído por oito andares destinados à habitação; 3º - O autor recebeu a carta de fls. 6, assinada pelo réu B, datada de 3 de Julho de 1987, com o seguinte conteúdo na parte relevante: "De posse da sua carta sou a informar que a partir de meados de Maio de 1987, data em que foi feita a escritura, deixei de ter interferências na propriedade que já não me pertence"; 4º - Por escritura notarial de 12 de Maio de 1987, os 1º, 2º e 3º réus venderam ao 4º réu, pelo preço de 2.500.000$00, o dito prédio urbano; 5º - O réu B não comunicou ao autor o acordo a que se refere essa escritura; 6º - O autor, previamente à entrada no Tribunal dos presentes autos, não procedeu à notificação aos demais ocupantes do dito prédio, que o fazem nos mesmos termos do autor, para preferência na aquisição de tal prédio; 7º - O réu B, através da agência ... , que encarregou para o efeito, enviou ao autor, datada de 24 de Julho de 1981, a carta de fls. 56, cujo conteúdo na parte relevante é o seguinte: "Encarrega-me o seu senhorio, sr. B, de lhe propor a compra do apartamento que o sr. habita, na qualidade de inquilino, no prédio sito na Rua de Macau, n.º ......, no Barreiro, onde vai ser instaurado o regime de propriedade horizontal. O preço pretendido pelo sr. B , como já é do v/conhecimento, é de 250.000$00. Solicito-lhe portanto o favor de me comunicar, com urgência possível, se está interessado na compra do andar, a fim de dar andamento ao processo e redigir o respectivo contrato promessa de compra e venda"; 8º - A qual foi recebida por este; 9º - O réu F enviou a todos os ocupantes do prédio uma carta para aumento das respectivas contrapartidas monetárias mensais, as quais foram recebidas em 7 de Dezembro de 1987; 10º - À data em que foi proferida a sentença da 1ª instância, - 2/7/01 -, já transitara em julgado o acórdão da Relação que confirmara a sentença de 8/3/00, que decretara a resolução do contrato de arrendamento, em que o autor era inquilino habitacional, respeitante ao apartamento por ele locado no prédio em causa, com base em falta de residência permanente desde pelo menos cinco anos antes de 25/3/99. Antes de mais, há que referir que não se verifica a nulidade, consistente em excesso de pronúncia (art.º 668º, n.º 1, al. d), parte final, do Cód. Proc. Civil), invocada pelo recorrente, sem prejuízo da eventualidade de erro de julgamento, uma vez que o acórdão recorrido se limitou a conhecer, como lhe cumpria, das questões suscitadas na apelação. Por outro lado, uma vez que apenas se pode considerar assente que a falta de residência permanente, que conduziu à resolução do contrato de arrendamento em que o autor era inquilino, teve início em Março de 1994, temos de concluir que em Maio de 1987, - data da escritura de venda do prédio entre os réus -, o dito contrato de arrendamento ainda se encontrava em vigor, sem sequer se mostrar violado por meio da aludida falta de residência permanente, pelo que à data de tal escritura o autor beneficiava de todos os direitos que a sua qualidade de inquilino lhe conferia, tanto mais que a sentença proferida na acção de despejo não tem eficácia retroactiva. Assim, começa por estar em causa apenas saber se o inquilino de uma unidade habitacional, não qualificada como fracção autónoma por o prédio em que se integra não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, para exercer direito de preferência na venda da totalidade do imóvel a terceiro não locatário tem de, previamente à propositura da acção, recorrer ao processo especial de notificação para preferência contra os demais inquilinos habitacionais do mesmo prédio a fim de primeiro se determinar quem pode exercer aquele direito. Foi o direito de preferência do locatário habitacional criado pela Lei n.º 63/77, de 25/8, que dispõe, no seu art.º 1º, n.º 1, que "o locatário habitacional de imóvel urbano tem o direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento do mesmo"; e, no n.º 2 do mesmo artigo, que "o locatário habitacional de fracção autónoma de imóvel urbano também goza do direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento da respectiva fracção". Acrescenta o art.º 2º do citado diploma que "quando mais de um locatário habitacional exercer o direito de preferência, abrir-se-á entre eles licitação, revertendo o excesso para o alienante" (n.º 1), e que "quando num imóvel urbano existirem um ou mais locatários habitacionais e um ou outros de diferente natureza, também com direito de preferência, proceder-se-á nos termos do número anterior" (n.º 2). Ainda, estatui o art.º 3º dessa Lei que "ao direito de preferência previsto nesta lei é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos art.ºs 416º a 418º e 1410º do Código Civil". Foi objectivo dessa Lei, como se vê do respectivo preâmbulo, facilitar aos arrendatários habitacionais o acesso a habitação própria, acesso esse consagrado como objectivo constitucional. Ora, merecendo, aos olhos da lei, todos os locatários habitacionais igual tratamento, uma vez que todos têm igual direito de adquirir habitação própria, fixou ela um critério para determinar quem podia exercer o direito de preferência quando houvesse vários interessados nesse exercício por haver vários inquilinos habitacionais no mesmo prédio não constituído em propriedade horizontal, ou inquilinos habitacionais e inquilinos não habitacionais que dispusessem de igual direito à luz do disposto no art.º 1117º, então em vigor, do Cód. Civil (arrendatários comerciais havia mais de um ano): o preferente seria determinado por meio de licitação entre os interessados em preferir, salva obviamente a existência de acordo entre os arrendatários ou entre alguns deles no sentido de preferirem em conjunto de forma a constituírem um regime de compropriedade. Entretanto, o art.º 3º do diploma preambular do R.A.U., de 15/10/90, revogou expressamente, além do mais, aquele art.º 1117º e a dita Lei n.º 63/77, mas tais dispositivos foram substituídos pelo art.º 47º do mesmo R.A.U., que manteve o mencionado direito de preferência dos arrendatários de prédios urbanos ou de suas fracções autónomas desde que o local estivesse arrendado há mais de um ano (n.º 1), determinando no seu n.º 2 que, sendo dois ou mais os preferentes, se abriria entre eles licitação, revertendo o excesso para o alienante. Assim, havendo pluralidade de inquilinos habitacionais, verifica-se a existência, não de um único direito na titularidade de várias pessoas, mas de vários direitos de preferência sobre o mesmo imóvel, direitos esses concorrentes, colocados no mesmo plano, sendo necessário proceder-se a licitações entre eles para determinar quem pode de forma eficaz exercer o seu direito quando, como dizia aquela Lei n.º 63/77, mais de um o exercesse, o que é o mesmo que diz o citado art.º 47º actual, embora noutros termos, pois "preferente" não é simplesmente o titular do direito de preferência, visto que só pelo facto de o ser não está a preferir nada, mas aquele que realmente "prefere", no sentido de pretender exercer o seu referido direito. Segundo dispõe o art.º 416º, n.º 1, do Cód. Civil, "querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato". Portanto, o pretendente vendedor, proprietário do prédio arrendado, é que se encontra obrigado à preferência, tendo o dever de comunicar aos seus inquilinos o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato por forma a fornecer àqueles os elementos necessários a que eles se possam decidir sobre se pretendem ou não exercer o seu direito. Não tendo sido feita ao autor, como ficou assente, comunicação prévia da venda projectada, é manifesto que foi violada pelos proprietários do prédio em causa a obrigação que sobre eles recaía como sujeitos à preferência, procedendo à venda sem darem àquele titular do respectivo direito a oportunidade de, querendo, fazer seu o prédio urbano de que era arrendatário de uma parte. Nem obsta a tal conclusão o envio da carta de 24/7/81, pois esta, por um lado, era apenas uma proposta de venda directa ao próprio autor e não a comunicação de uma venda projectada a terceiro a fim de ser exercido por aquele, querendo, o direito de preferência, e, por outro lado, face ao período de tempo, de quase seis anos, decorrido desde essa carta até à venda, efectuada em 12 de Maio de 1987, não é possível, mesmo que o autor não tivesse querido aceitar aquela proposta inicial, concluir que ele tinha renunciado ao exercício do direito de preferência, pois podia entretanto ter adquirido outros meios e as condições da projectada venda podiam ser tais que o decidissem a pretender comprar. Por isso podia o autor, nos termos do art.º 1410º, n.º 1, do Cód. Civil, haver para si o aludido prédio, requerendo-o, como fez, dentro do prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e depositando o respectivo preço, nas acções propostas antes de 1/1/97, nos oito dias seguintes ao despacho que ordenasse a citação dos réus, e, nas acções propostas a partir de então, nos quinze dias seguintes a tal propositura. Não se encontrando o prédio em causa, como se disse, constituído em regime de propriedade horizontal, e tendo vários inquilinos habitacionais além do autor, verifica-se uma situação de existência de um prédio onerado com vários direitos legais de preferência concorrentes, um na titularidade de cada inquilino. E o problema ora em análise é o de saber se um único inquilino, ou grupo de inquilinos, pode, desacompanhado dos demais, propor a acção contra os sujeitos do contrato de compra e venda celebrado em violação do seu direito, ou se para tal tem previamente de requerer a notificação de todos os demais inquilinos, titulares de direitos de preferência distintos do seu, para declararem se estão ou não interessados no exercício dos respectivos direitos, e para, na hipótese afirmativa, se proceder a licitação entre eles, nos termos do art.º 1465º do Cód. Proc. Civil, a fim de se apurar qual deles deve ser admitido a exercer o direito de preferência. Ora, alinhando com a opinião expressa pelos Drs. Antunes Varela e Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Parecer publicado in Col. Jur., Ano XV - 1990, Tomo III, págs. 31 a 39), entende-se que qualquer dos inquilinos pode isoladamente exercer o seu direito de preferência. Por um lado, visto cada um deles ser titular único do direito real de preferência que invoca, podendo em consequência exercê-lo isoladamente e até em oposição aos direitos dos restantes inquilinos. Depois, o argumento que se poderia ir buscar em contrário ao disposto no art.º 419º do Cód. Civil ao impor a abertura de licitações antes do exercício do direito de preferência não é aqui atendível, ao menos nesse sentido, pois dele se vê claramente que apenas contempla a hipótese de direito de preferência convencional pertencente simultaneamente a vários titulares, quando na situação dos autos se verifica a existência de um direito de preferência distinto para cada arrendatário; e daqui deriva mesmo que, por um argumento a contrario, para a situação dos autos não se exige a tramitação processual prevista no art.º 1465º, citado, pois, se a lei a exige expressamente apenas para a hipótese de direito pertencente simultaneamente a vários titulares, parece estar a dispensá-la, como obrigatória, para a hipótese de um direito distinto para cada titular, caso contrário também a imporia expressamente. Além disso, sendo cada arrendatário o único titular do direito que pretende exercer, não é condição da procedência da acção que proponha a prova da extinção dos restantes direitos de preferir dos demais inquilinos, únicas pessoas, - com exclusão, pois, dos réus -, com legitimidade para defender esses seus direitos, mediante outra e distinta acção a propor contra os autores da acção de preferência. Acresce que, no capítulo do Cód. Proc. Civil dedicado aos processos de jurisdição voluntária, a Secção XI, referente à notificação para preferência, e que inclui o referido art.º 1465º, começa no art.º 1458º, abrangendo desde esse dispositivo, até ao art.º 1464º, os casos de notificação como acto preliminar da alienação, a efectuar a requerimento do obrigado à preferência que pretende alienar a coisa onerada com o correspondente direito, notificação essa que é obrigatória, dado o disposto no art.º 416º do Cód. Civil; já o art.º 1465º regula a notificação que um titular de direito de preferência requer seja feita aos demais titulares de igual direito sobre a mesma coisa, irregularmente alienada, sem esclarecer se tal notificação é obrigatória como preliminar da acção de preferência que algum daqueles titulares pretenda instaurar. Ora, não o esclarecendo a legislação processual, nem impondo a legislação substantiva tal obrigatoriedade, entende-se ser de concluir, não ser tal notificação prévia obrigatória, mas meramente facultativa, uma vez que cada um dos titulares tem um direito autónomo e distinto dos demais, susceptível de ser exercido isoladamente. Cada inquilino é que, querendo evitar o risco de futuras questões com os demais, - pois estes não perdem o seu direito apesar do exercício da preferência por aquele -, derivadas do exercício do direito de preferência, pode, se assim o entender, recorrer a essa notificação, a que também qualquer um dos outros pode recorrer como preliminar de nova acção de preferência a instaurar contra o anterior preferente que se tenha tornado proprietário do prédio. No mesmo sentido aponta a expressão do n.º 2 do dito art.º 47º, nos termos da qual, sendo dois ou mais os preferentes, se abre entre eles licitação, pois, interpretado o termo "preferentes" no sentido normal e corrente, como os titulares do direito de preferência que manifestam a sua intenção de efectivamente preferir, a licitação não é exigida por lei quando haja vários titulares desse direito, mas apenas quando vários deles pretendam exercê-lo, o que não se verifica na hipótese dos autos. Trata-se, aliás, de uma interpretação que vem na sequência do disposto no transcrito n.º 1 do art.º 2º da Lei n.º 63/77, que é a lei aplicável por a presente acção ter sido instaurada na sua vigência, ao estatuir que "quando mais de um locatário habitacional exercer o direito de preferência, abrir-se-á entre eles licitação", disposição esta cujo sentido (impor licitação apenas quando haja mais de um titular de direito de preferência a exercê-lo) não se mostra que o legislador do R.A.U. tenha pretendido alterar. Tal implica que deva ser reconhecida razão ao autor, ora recorrente, não podendo sequer esgrimir-se em contrário com o teor do assento de 1/2/95 deste Supremo Tribunal (B.M.J. 444-101), pois nele o que se contempla é a hipótese, diferente, de a venda do prédio ter sido feita a um dos próprios arrendatários titulares de direito de preferência, e não a terceiro não arrendatário nem titular, por outra forma, desse direito, situação esta última que é a que se verifica nos presentes autos. Há, assim, face ao disposto nos art.ºs 726º e 715º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, que conhecer agora da questão dos eventuais efeitos, em relação à presente acção de preferência, - instaurada em 30/10/87 e cuja audiência de discussão e julgamento terminou em 19/10/00 -, da resolução do contrato de arrendamento em que o autor era parte como arrendatário, decretada, com base em falta de residência permanente a partir de Março de 1994, por sentença de 8/3/00, transitada em julgado por força de acórdão da Relação proferido em 13/12/00 que a confirmou, uma vez que a Relação considerou prejudicado o conhecimento dessa questão e já nada obsta à sua apreciação. Não é sequer necessário ouvir agora as partes por ambas já se terem pronunciado sobre essa questão, os recorridos sustentando nas contra alegações a improcedência da presente acção devido à resolução do contrato de arrendamento decretada na acção de despejo, e o recorrente manifestando posição contrária na sua resposta ao requerimento de suspensão da instância. Ora, face ao disposto na citada Lei n.º 63/77, aplicável na situação dos autos, bastava, para um indivíduo ser titular do direito de preferência na compra e venda ou dação em cumprimento de imóvel urbano, que fosse locatário habitacional do mesmo imóvel; e o mesmo se verifica actualmente com o art.º 47º do R.A.U., embora este exija ainda que a situação de arrendatário perdure por mais de um ano. Portanto, não podendo o intérprete assumir as funções de legislador, tem de se entender que, em princípio, ou seja, como regra geral, verificando-se esse condicionalismo, único que o legislador exigiu, existe direito de preferência. Para afastar o exercício desse direito, será, em consequência necessária a invocação de alguma circunstância excepcional, que, no caso, por já não estar em causa a eventual verificação de alguma excepção dilatória, só poderá ser uma excepção peremptória, por impeditiva do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor (art.º 493º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil). E só uma excepção peremptória se detecta como susceptível de estar aqui em causa, em relação com o resultado da referida acção de despejo: o abuso de direito. Isto porque, sendo o objectivo da lei ao criar o direito de preferência dos arrendatários habitacionais o de lhes facilitar o acesso a habitação própria, o facto de deixarem entretanto de ser arrendatários, e, ainda mais, o de deixarem de ter no locado residência permanente, aponta no sentido de já não se encontrarem na situação que lhes conferia a titularidade do direito de preferência, pelo que deixaram de o poder exercer, ou no sentido de já não necessitarem do locado para sua habitação, o que tornaria o exercício de tal direito ilegítimo por ser manifestamente excessivo dos limites impostos pelo fim social ou económico do mesmo direito (art.º 334º do Cód. Civil). Simplesmente, o direito que o autor está a exercer é o que tinha antes da instauração da acção de despejo, respeitando a factos ocorridos quando ainda era arrendatário e a lei lho conferia, sendo que a acção de preferência deu entrada em Juízo muito antes da acção de despejo, instaurada em 1999, e com referência a uma venda igualmente anterior à propositura da acção de despejo e mesmo aos factos determinantes da resolução do contrato de arrendamento. Nestas condições, nada na lei autoriza a que se conclua pela extinção do direito de preferência do autor, como arrendatário habitacional, em relação a tais factos anteriores, visto a lei pretender beneficiar o arrendatário habitacional mas evidentemente sem lhe reduzir a possibilidade de melhorar as suas condições de vida, apenas sendo evidente que, se se tratasse de uma venda posterior à resolução do contrato, o autor, tendo deixado de ser arrendatário, já não disporia de tal direito. Quer dizer: resolvido o contrato de arrendamento, deixa o arrendatário de ter direitos, como tal, para o futuro, mas nem por isso desaparecem os direitos que tinha no passado, em relação a factos passados, assim como as obrigações que antes tinha, nomeadamente a de pagamento de rendas respeitantes a algum período em que ainda era arrendatário e que porventura não tivesse pontualmente satisfeito. Portanto, apenas havendo abuso de direito poderia deixar de se reconhecer razão ao autor; mas não se verificam factos bastantes para se considerar que ocorre essa excepção. Na verdade, não pode deixar de se ter em conta o longo período decorrido desde a venda realizada entre os réus, e mesmo desde a propositura da acção de preferência, e o início da falta de residência permanente: cerca de sete anos, pois a venda teve lugar em 12/5/87, a acção de preferência foi instaurada em 30/10/87, e o início da falta de residência permanente ocorreu em Março de 1994. Assim, não é possível, sem outros elementos, afirmar que o autor pretendia exceder o fim social ou económico do seu direito de preferência ao exercê-lo, por exemplo por ter apenas a intenção de alienar com lucro o prédio em causa, ou de ceder a terceiro, para habitação, a parte do mesmo prédio que ocupava, sem pretender ele próprio continuar a habitar a parte que lhe estava arrendada. Há que admitir a hipótese de o autor pretender continuar a habitar no prédio, nomeadamente melhorando as suas condições de habitabilidade, durante esse período de sete anos ou parte dele, sendo que a lei não lhe exigia que mantivesse nele habitação definitiva. Tanto basta para não se poder considerar provada a excepção do abuso de direito, o que redunda em detrimento dos réus (art.ºs 342º, n.º 2, do Cód. Civil, e 516º do Cód. Proc. Civil), e portanto no sentido de o autor poder exercer o direito de preferência que como arrendatário que era ao tempo da venda lhe assistia. No mesmo sentido aponta um outro motivo, de natureza processual: é que, nos termos do art.º 663º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil, mesmo na versão aplicável, e que é a anterior à revisão entrada em vigor em 1/1/97, a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. É, portanto, à situação existente no momento do encerramento da discussão que há que atender para decidir. Nos presentes autos, o momento do encerramento da discussão ocorreu em 19/10/00 (acta de fls. 370 a 372 e art.º 653º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil). Nessa altura, ainda não estava definitivamente decidida a resolução do contrato de arrendamento em que o aqui autor era parte como arrendatário, visto que a sentença da 1ª instância que decretou tal resolução, embora datada de 8/3/00, fora objecto de recurso de apelação, vindo a ser confirmada por acórdão da Relação datado de 13/12/00 e transitado em julgado apenas em 15/6/01, conforme certidão de fls. 405 a 413. O mesmo é dizer que, em 19/10/00, não podia ser considerado resolvido o mencionado contrato de arrendamento, não podendo consequentemente tal resolução ser atendida para efeito da decisão da presente acção, não o podendo também ser a alegada, - na acção de despejo, que possivelmente nem teria sido proposta se a acção de preferência tivesse sido decidida em prazo razoável -, falta de residência permanente, tanto mais que esta não chegou sequer a ser objecto de invocação nos presentes autos mediante articulado superveniente apresentado até ao encerramento da discussão (art.º 506º do Cód. Proc. Civil), como seria necessário para ser atendida (art.º 664º do mesmo diploma). Tem, assim, de se reconhecer razão ao autor, ora recorrente, não assistindo ela aos recorridos, também quanto a esta questão, visto que, mesmo que fosse de atribuir, em abstracto, algum efeito à decisão da acção de despejo em relação à decisão da acção de preferência, na hipótese dos autos tal se mostra inadmissível. Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido, pelo que fica a valer a sentença da 1ª instância. Custas pelos recorridos. Lisboa, 29 de Abril de 2003 Silva Salazar Ponce de Leão Afonso Correia |