Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
043250
Nº Convencional: JSTJ00019578
Relator: TEIXEIRA DO CARMO
Descritores: INTRODUÇÃO EM CASA ALHEIA
HABITAÇÃO
HÓSPEDE
Nº do Documento: SJ199306020432503
Data do Acordão: 06/02/1993
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N428 ANO1993 PAG257 - CJSTJ 1993 ANOI TII PAG239
Tribunal Recurso: T J POMBAL
Processo no Tribunal Recurso: 214/92
Data: 05/07/1992
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional: CP82 ARTIGO 71 ARTIGO 72 ARTIGO 78 N5 ARTIGO 176 N1.
CONST89 ARTIGO 20 ARTIGO 34 N1 N2 N3.
CP886 ARTIGO 380.
CCIV66 ARTIGO 1109.
Legislação Estrangeira: CP ART150 - BRASIL.
Sumário : I - Um quarto de hóspede, seja ele de um hotel, de uma pensão, de uma residêncial ou de uma simples casa particular, enquanto ocupado pelo hóspede, sendo nele que dorme, que tem as suas roupas e outras coisas, que aí se recolhe nas suas horas de lazer, constitui habitação, enquanto o hóspede só dele fizer uso, para efeitos de ser abrangido pela tutela do artigo 176 do Código Penal.
II - A colocação deste artigo no título I - Nos crimes entre as pessoas, veio reforçar a ideia, já comentada no domínio do Código Penal de 1886 e na Constituição da República, de que o crime nele previsto é entre as pessoas e não entre o património.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça:

Mediante acusação do Ministério Público, que lhe imputava a prática, em autoria material e em concurso real, de três crimes de furto e três crimes de introdução em casa alheia, previstos e punidos respectivamente, pelos artigos 296 e 176, n. 1, ambos do Código Penal, foi submetido a julgamento, em processo comum e com intervenção do Tribunal Colectivo, na Comarca de Pombal.
A, nascido em 23 de Outubro de 1968 e com os demais sinais dos autos.
Através do requerimento de folhas 21 foi deduzido pedido de indemnização civil, no qual o lesado B pede que o arguido seja condenado a pagar-lhe a quantia de 36000 escudos.
Procedendo-se ao julgamento com observância do ritualismo legal, no qual o arguido, no inicio e logo que é identificado e após ter respondido quanto aos seus antecedentes criminais, confessou integralmente e sem reservas todos os factos que lhe eram imputados. O Colectivo, no final, e como consta do acórdão de folhas 31 a 35, julgou a acusação improcedente relativamente aos crimes de introdução em casa alheia do artigo 176, n. 1, do Código Penal, pelo que deles absolveu o arguido João Paulo. No mais, julgando a acusação procedente, veio a condená-lo como autor material de um crime de furto previsto e punido pelo artigo 296 do Código Penal, na forma continuada, na pena de seis (6) meses de prisão, pena esta substituída por igual tempo de multa à taxa diária de 600 escudos, ou, na alternativa de 240 dias de prisão.
Mais o condenou a pagar 30000 escudos de taxa de justiça bem como nas custas do processo, fixando-se em 24000 escudos os honorários do seu Defensor Oficioso, os quais seriam pagos pelo Cofre Geral dos Tribunais, independentemente da cobrança de custas, e em 7500 escudos a procuradoria.
Relativamente ao pedido cível deduzido, foi o mesmo arguido condenado a pagar ao lesado B a impetrada quantia de 36000 escudos, bem como as respectivas custas.
Ordenou-se, por fim, o envio do boletim do registo criminal.
Inconformado com tal decisão, da mesma veio interpor recurso o Ministério Público, o qual motivou e foi admitido.
Na sua motivação, e em sede conclusiva, a Exma. Magistrada expende que, verificando-se todos os elementos integradores do tipo legal de crime do artigo 176 do Código Penal, deveria o arguido ter sido condenado pela prática de três crimes de introdução em casa alheia, o que impetra, substituindo-se o acórdão recorrido por outro em que isso mesmo se observe. Para tanto, aduz que o conceito legal de habitação do artigo 176 do Código Penal não deve apenas ser entendido como casa, moradia ou vivenda, mas como qualquer local fechado em que uma pessoa tenha os seus haveres pessoais, a sua intimidade, a sua vida privada, o "home", o "chez soi";
- um quarto, alega o recorrente, em que uma pessoa se encontra hospedada e que constitua o local reservado à sua vida íntima, constitui habitação para efeitos do artigo 176 do Código Penal;
- A expressão "quem de direito" tem que ser vista caso a caso. Se arguido e ofendido são ambos hóspedes da mesma casa, não serão "estranhos" relativamente à mesma proprietária. Porém, em relação um ao outro deverá entender-se que só cada um deles poderá permitir ou não, a entrada do outro no respectivo quarto;
- Ao decidir, como decidiu, o Colectivo violou o disposto no artigo 176, n. 1, do Código Penal.
Respondeu o arguido nos termos constantes de folhas 55 a 56 verso, contrariando a tese da Exma. Magistrada Recorrente, pugnando pelo acatado da decisão, a qual, não violando o estatuído no artigo 176, n. 1, do Código Penal, deverá ser confirmada.
Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, tendo tido vista dos mesmos o Exmo. Procurador Geral Adjunto, aí se pronunciando no sentido de nada se configurar e que obste ao conhecimento do recurso, devendo ser designado dia para a audiência.
Proferido o despacho liminar, seguiram-se os vistos legais, após o que teve lugar a audiência oral em que se observou o formalismo prescrito.
O que tudo visto, cumpre decidir.
Vem dada como provada a seguinte factualidade:
- O arguido A esteve hospedado, desde finais de Novembro de 1991, juntamente com a sua namorada, em casa de C, sita no lugar e freguesia da Guia, da comarca de Pombal;
- Na mesma residência, estava hospedado o lesado B, divorciado, agricultor, de 37 anos, residente no lugar de Segodim, freguesia de Monte Real, concelho de Leiria;
- Este, quando abandonava o quarto, nunca o fechava com a chave, deixando a porta apenas no trinco;
- O arguido, sabendo disso, no final do mês de Novembro de 1991, pelas 12 horas, entrou no quarto do lesado B e duma carteira que estava colocada na mesa de cabeceira, retirou duas notas de 10000 escudos (dez mil escudos), do Banco de Portugal, as quais fez suas;
- Passados alguns dias, em 2 de Dezembro de 1991, por volta das 12 horas, quando o lesado saiu do quarto, o arguido entrou novamente no mesmo e do interior de um saco de viagem, do lesado, apoderou-se duma nota de 100 francos suíços, fazendo-a sua;
- E, em 10 de Dezembro de 1991, o arguido, pelas 12 horas e 30 minutos, penetrou, de novo, no quarto do lesado, o qual como das outras vezes estava com a porta tão somente fechada no trinco e, duma carteira, colocada sobre a mesa de cabeceira, retirou uma nota de 5000 escudos, do Banco de Portugal;
- O arguido, com excepção desta última quantia de 5000 escudos, a qual foi apreendida e entregue ao lesado, gastou o dinheiro de que se apoderara em proveito próprio;
- Com as condutas descritas, o arguido agiu livre, consciente e voluntariamente, contra a vontade do lesado e com o propósito de integrar aquelas quantias em dinheiro no seu património, como integrou, bem sabendo que não eram suas e que praticava actos não permitidos por lei;
- O arguido exerce a profissão de pedreiro, por conta própria, com o que aufere o rendimento mensal de cerca de 110000 escudos;
- Acha-se verdadeiramente arrependido do seu descrito comportamento, sendo que assim actuou por à data atravessar graves problemas económicos derivados do facto de não conseguir arranjar trabalho;
- Segundo declarou em audiência, já respondeu pela prática do crime de deserção, tendo sido condenado em 14 meses de prisão, pena esta que cumpriu.
Como promana do estatuído no artigo 433 do Código de Processo Penal "Sem prejuízo do disposto no artigo 410, ns. 2 e 3, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.
Circunscrevendo-se o presente recurso ao problema da prática pelo arguido ou não dos três aludidos crimes de introdução em casa alheia, previsto e punido pelo artigo 176, n. 1 do Código Penal, que lhe eram imputados, além do mais, na acusação do Ministério Público e que, como tal, foi recebida, diremos que, ante os factos fixados, nenhuns vícios ocorrem que, a coberto do estatuído no artigo 410, ns. 2 e 3, do Código de Processo Penal, sejam obstativos do conhecimento de mérito do recurso interposto.
A matéria fáctica tem-se por definitivamente assente, sendo a questão de direito apenas.
O Exmo. Magistrado-recorrente, como vimos, discorda da decisão recorrida apenas na parte em que o arguido foi absolvido da prática dos três crimes de introdução em casa alheia, previsto e punido pelo artigo 176, n. 1, do Código Penal, crimes de que, além do mais, foi acusado, tendo a acusação sido recebida também nessa parte.
Entendeu o Colectivo serem elementos constitutivos do crime de introdução em casa alheia: a) a introdução na habitação de outra pessoa se o permanecimento no seu interior depois de intimado a retirar-se; b) contra a vontade expressa ou presumida de quem de direito.
Considerou ser requisito essencial de tal ilícito a introdução na habitação de outra pessoa, sendo que o conceito legal de habitação deve ser entendido como casa, moradia ou vivenda e não também como quarto, ou seja, espaço ou lugar, quer reservado ou não. Daí, que um quarto de habitação, digo, de uma habitação não preenche tal requisito, tanto mais, escreveu-se no acórdão recorrido, que também o arguido residia na mesma casa e, portanto, autorizado estava pela sua proprietária a introduzir-se na mesma.
Nesta linha de pensamento, entendeu o mesmo Colectivo, e assim se decidiu, pela impossibilidade legal de imputação ao arguido de tal ilícito.
Posição diferente é a do Magistrado - recorrente, como vimos, louvando-se em que o conceito de "habitação" do artigo 176 do actual Código Penal é um conceito amplo, susceptível de abarcar as mais diversas situações.
Actualmente, o conceito de habitação deixa de estar dependente, avança o mesmo Exmo. Magistrado, da existência de uma casa. Citando Nelson Hungria - Comentário do Código Penal, volume VI, página 207, naquele conceito, compreende-se qualquer construção utilizada, actualmente, de modo permanente ou transitório, para habitação de uma pessoa ou de uma família, exemplificando com o próprio carro dos saltimbancos, a barcaça em que mora o seu dono, a casa- -automóvel dos norte - americanos. O que releva essencialmente é que em determinado local-espaço físico uma pessoa habite, ou seja, local onde pernoita, guarda os seus haveres pessoais, roupas, objectos, livros, dinheiro, etc, enfim, onde está instalada a sua intimidade, a sua vida privada.
Nesta linha de pensamento, adianta o mesmo Exmo. Magistrado que um quarto de hotel, de uma pensão, uma cave, uma arrecadação, uma tenda de campismo, etc., etc., podem, em determinadas circunstâncias, constituir a habitação de uma pessoa.
No caso dos autos, prova-se que arguido e ofendido se encontravam hospedados em quartos diferentes em casa de C.
O n. 1 do artigo 176 do Código Penal é expresso: "Quem se introduzir na habitação de outra pessoa, contra vontade expressa ou presumida de quem de direito, ou nela permanecer depois de intimado a retirar-se, será punido com prisão até 6 meses ou multa até 120 dias". O n. 2 do preceito eleva a pena para prisão de 1 a 4 anos. "Se o crime for cometido de noite ou em lugar ermo, ou com emprego de violências, com uso de armas ou mediante arrombamento, escalamento, chaves falsas ou por duas ou mais pessoas, ou simulando autoridade, salvo se ao meio empregado corresponder pena mais grave, que será, então, aplicada cumulativamente com a dos ns. 1 ou 2, conforme o caso".
A colocação deste artigo no titulo I - Dos Crimes contra as Pessoas, veio reforçar a ideia, já cimentada no domínio do Código Penal de 1886 e na Constituição da República, de que se não trata de um crime contra o património, mas contra as pessoas.
A inviolabilidade do domicilio tem garantia constitucional - artigo 34, ns. 1, 2 e 3 da Constituição da República, e está relacionada com o direito à intimidade pessoal, garantida pelo artigo 20, considerando-se o domicilio como projecção espacial da pessoa.
Como referem os Doutores Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa anotada, 102, é ainda um direito de liberdade da pessoa, e assim é que a nossa Lei Fundamental considera a vontade, o consentimento da pessoa, como condição sine qua non da possibilidade de entradas no domicilio dos cidadãos fora dos casos de mandado judicial.
O mencionado artigo 176 corresponde à disposição do artigo 380 do Código Penal de 1886, onde se aludia expressamente a casa de habitação - "Aquele que, fora dos casos em que a lei o permita, se introduzir na casa de habitação de alguma pessoa, contra vontade dela, será condenado a prisão até seis meses". E também o parágrafo 3 do mesmo artigo 380 estatuia que "Aquele que, fora dos casos em que a lei o permite, permitir em ficar na casa de habitação de alguma pessoa contra a vontade dela...será condenado a prisão até três meses, não havendo violência ou ameaça, e até seis meses no caso contrário".
Do exposto, constatamos que o Código actual incrimina a introdução não autorizada na habitação de outra pessoa, enquanto que o Código Penal de 1886, no aludido artigo 380, incriminava essa introdução na casa de habitação de alguma pessoa. A propósito desta diferença de redacção, Maia Gonçalves, no Código Penal Português anotado - 1984, 2 edição, a página 295, anota que "Houve certamente o intuito de perfilhar e vincar a orientação que já vinha sendo seguida, de fazer uma interpretação declarativa lata do termo casa de habitação, e por isso se suprimiu o termo casa". E continua o mesmo autor: "Incrimina-se agora sem margem para duvidas a introdução não autorizada em qualquer lugar que sirva para habitação, portanto numa barraca de campismo, num velho autocarro, num barco, etc, desde que estejam a ser utilizados para esse efeito".
Arguido e ofendido estavam hospedados na casa de C, na altura dos factos.
Hóspedes, segundo o n. 3 do artigo 1109 do Código Civil, são "os indivíduos a quem o arrendatário proporcione habitação e preste habitualmente serviços relacionados com esta, ou forneça alimentos, mediante retribuição".
Do que provado ficou, temos que o ofendido ou lesado B, na casa daquela C, como hóspede que era da mesma, tinha aí o seu quarto, o qual nunca o fechava com a chave quando o abandonava, deixando a respectiva porta no trinco, facto este de que o arguido veio a ter conhecimento, daí, o ter entrado no mesmo pelas três vezes, cometendo as subtracções atrás descritas, aproveitando-se, repetimos, do facto do Victor não fechar a porta do quarto à chave, deixando apenas no trinco, o que, sem duvida, facilitava as entradas ali do mesmo arguido.
Damásio E. de Jesus, na sua obra Direito Penal, no 2 volume, dedicado à parte especial, a página 150, escreve que o Código Penal Brasileiro, no artigo 150 define o crime de "entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências".
A incriminação da violação de domicilio, diz o mesmo autor, não protege a posse, nem a propriedade. O objecto jurídico é a tranquilidade doméstica, tanto que não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia desabitada. Há diferença entre casa desabitada e casa na ausência dos seus moradores. Quando ausentes os moradores, subsiste o crime de violação de domicilio.
Quanto ao conceito de domicilio, escreve o mesmo autor que o Código Penal, na espécie, não protege o domicilio definido pelo legislador civil, conceituado como o lugar onde a pessoa reside com ânimo definitivo.
Para efeitos civis, domicilio não é só lugar onde a pessoa reside com ânimo definitivo. É também a sede das operações, o centro das ocupações habituais... Não é este, entretanto, o domicilio tutelado pela definição do artigo 150 do Código Penal. O legislador procurou proteger o lar, a casa, o lugar onde alguém mora, como a barraca do saltimbanco ou do campista, o barraco do favelado ou o rancho do pescador. Tutela-se o direito ao sossego, no local de habitação, seja permanente, transitório ou eventual. Assim, termina Damásio de Jesus, a expressão casa não tem as dimensões da expressão "domicílio" contida no Direito Civil.
Ainda no mesmo Autor, sujeito passivo é o titular do objecto jurídico (tranquilidade doméstica). É o "quem de direito", expressão empregada na disposição do artigo 150 do Código Penal, titular Jus prohibandi, do direito de admissão ou de exclusão de alguém em sua casa.
Entrando, depois, o mesmo autor no conceito de casa, e após referir que nos termos do artigo 150, parágrafo 4, do Código Penal, a expressão casa compreende qualquer compartimento habitado (1), aposento ocupado de habitação colectiva (2) o compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou actividade, esclarece que a referência a qualquer compartimento habitado não é desnecessária. Tem a finalidade de evitar dúvidas de interpretação a respeito da protecção de determinados compartimentos, como o quarto de hotel, a cabine de um transatlântico, a barraca do campista, etc... E mais adiante, escreve o mesmo autor que "Para o Código Penal, não merecem protecção penal a hospedaria, a estalagem ou qualquer outra habitação colectiva, enquanto aberta.
Assim, um hotel, enquanto aberto, não pode ser objecto material de violação de domicilio. Entretanto, se fechado, merece a protecção penal.
Cumpre observar que merece a tutela do legislador, adverte o mesmo autor, o aposento ocupado da habitação colectiva, como o da pensão ou hotel. Desta forma, enquanto o hotel, durante o período em que permanece aberto, não pode ser objecto material de violação de domicilio, o mesmo não ocorre com o quarto ocupado por alguém".
De tudo quanto vimos de expor, somos levados a concluir que um quarto de hóspede, seja ele de um hotel, de uma pensão, de uma residencial ou de uma simples casa particular, enquanto ocupada pelo hóspede, sendo nele que dorme, que tem as suas roupas e outras coisas que aí se recolhe nas suas horas de lazer, que aí, eventualmente executa pequenas tarefas, estudando designadamente, que aí mude de roupas, constitui a sua habitação enquanto o hóspede só dele faz uso, não entrando aí mais ninguém a não ser o pessoal que aí contratualmente, vai executar tarefas de arrumação e de limpeza, esteja ou não a respectiva porta fechada à chave ou somente com o trinco, isto é, em suma, se em relação a esse quarto só o hóspede é titular do jus prohibandi, dependendo do seu consentimento a entrada nele de terceiras pessoas, isto para efeitos de ser abrangido pela tutela do artigo 176 do Código Penal. É no quarto que se centra toda a sua privacidade!
A par do crime de furto, na forma continuada, constituiu-se, pois, o arguido também autor, em concurso real com aquele, de um crime de introdução em casa alheia, crime esse em forma continuada, previsto e punível pelo artigo 176, n. 1, do Código Penal, com referência do n. 2 do artigo 30 do mesmo Diploma. Com efeito as razões que, na decisão recorrida, conduziram a que, à luz deste último dispositivo, se imputasse ao arguido um crime de furto simples na forma continuada, também aqui concorrem - conduta plúrima, violadora do mesmo tipo legal de crime, executada por forma homogénea e no quadro da mesma solicitação exterior, diminuidora da culpa, ou seja, em idêntico desiderato exógeno.
No sector agravativo, recortam-se a continuação criminosa, a ser punida nos termos do n. 5 do artigo 78 do Código Penal, e a própria circunstância da acumulação de crimes, a que se contrapõem a confissão integral e sem reservas, o arrependimento verdadeiro, os problemas económicos que ao tempo dos factos atravessava, derivado do facto de não arranjar o arguido trabalho. Acresce que parte do dinheiro subtraído foi recuperado e entregue ao ofendido ou lesado.
Entende-se ajustado, conforme aos fins e parâmetros definidos pelos artigos 71 e 72, ambos do Código Penal, condenar o arguido A, como autor material do aludido crime de introdução em habitação alheia, previsto e punido pelo artigo 176, n. 1, do mesmo diploma, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de 600 escudos, o que perfaz a multa global de 36000 escudos ou, em alternativa desta, em 40 dias de prisão.
Efectuando o cúmulo da pena agora imposta com aquela em que foi condenado o arguido pelo crime de furto simples, em forma continuada, previsto e punido pelo artigo 296 do Código Penal, e corrigindo a pena de prisão alternativa fixada - 240 dias de prisão -, porque violadora do n. 3 do artigo 46 do Código Penal, e, atento o estatuído no artigo 78, ns. 1 e 2, do mesmo Código, vai o arguido agora condenado na pena unitária de 204 (duzentos e quatro) dias de multa à mencionada taxa diária de 600 escudos, o que perfaz a quantia de 122400 escudos, ou, em alternativa, em 136 dias de prisão, nestes termos se concedendo, pois, provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se a decisão recorrida na parte em que julgou improcedente a acusação relativamente aos crimes de introdução em casa alheia e deles absolver o arguido.

Vai o arguido condenado em 3 UCS de taxa de justiça, fixando-se em 1/3 do valor daquela a procuradoria.
Lisboa, 2 de Junho de 1993

Teixeira do Carmo,
Amado Gomes,
Abranches Martins,
Sá Nogueira.
Decisão impugnada:
Acórdão de 7 de Maio de 1992 do 1 Juízo, 3 Secção do Tribunal de Pombal.