Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99A295
Nº Convencional: JSTJ00036741
Relator: SILVA PAIXÃO
Descritores: LITISCONSÓRCIO
Nº do Documento: SJ199904270002951
Data do Acordão: 04/27/1999
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N486 ANO1999 PAG276
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 640/97
Data: 06/30/1998
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC95 ARTIGO 28 ARTIGO 298.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC1226/98 DE 1999/01/26 2SEC.
ACÓRDÃO STA DE 1997/10/09 IN CJ N13 PAG31.
Sumário : I - Só há litisconsórcio necessário quando a decisão que vier a ser proferida não possa persistir inalterada quando não vincula todos os interessados.
II - O facto de a relação jurídica material afectar directamente os interesses de várias pessoas não é, só por si, razão suficiente para determinar a necessidade de intervenção de todas elas.
III - Daí que, pedindo várias pessoas que lhes seja reconhecida a aquisição da propriedade de todo um prédio ou a aquisição da propriedade de cada um dos lotes de terreno, que descrevem, por cada uma delas; seja válida e eficaz a transacção judicial em que não intervieram todos os autores, embora não vincule os que nela não intervieram.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. A e mulher,
B e mulher,
C e mulher,
D e mulher,
E e mulher,
F e mulher,
G e mulher,
H e mulher,
I e mulher e
J e mulher intentaram acção declarativa, com processo ordinário, em 17 de Março de 1986, no Tribunal Judicial de Coimbra, contra L e M, pedindo que os Réus fossem condenados a reconhecer-lhes a aquisição da propriedade de todo o prédio que identificaram ou a aquisição da propriedade de cada um dos lotes de terreno, que descreveram, por cada um deles.
2. Os Réus contestaram e, após réplica, foi elaborado o despacho saneador e organizada a peça condensadora.
Já na fase de julgamento, foi lavrado termo de transacção, em 28 de Outubro de 1996 (folhas 555/561), em que intervieram os Autores - com excepção de I, e mulher e de J e mulher -, os Réus e, ainda, N e mulher, O e mulher e P.
Dado conhecimento do teor da transacção aos Autores I e mulher e J e mulher - que nela não tinham intervindo -, vieram estes opor-se-lhe, razão porque o Excelentíssimo Juiz, por decisão de 29 de Novembro de 1996, recusou a homologação do acordo firmado, "por ilegitimidade" (folhas 569).
3. Inconformados com tal despacho, os intervenientes nessa transacção agravaram.
Sem êxito, contudo, pois a Relação de Coimbra, por Acórdão de 30 de Junho de 1998, negou provimento ao agravo com o fundamento de que, "tratando-se manifestamente de um caso de litisconsórcio necessário", "a transacção de algum dos litisconsortes" é "substancialmente ineficaz, quanto aos demais".
4. Ainda irresignados, recorreram para este Supremo Tribunal, pugnando pela revogação do Acórdão recorrido e pela consequente homologação da transacção, dada a inaplicabilidade do n. 2 do artigo 298 do Código de
Processo Civil, tendo culminado as suas alegações (folhas 753/756 e folhas 757/760) com estas sintetizadas conclusões:
I - Os outorgantes na transacção compuseram-se exclusivamente à custa dos seus próprios direitos.
II - Permanece incólume a eventualidade de os restantes Autores poderem fazer valer os seus próprios direitos.
III - A transacção não carece do "aval" desses Autores, pelo que a sentença homologatória da transacção produzirá, em qualquer caso, o seu efeito útil normal.
5. Não foram apresentadas contra-alegações.
Foram colhidos os vistos.
6. Como vimos, as instâncias recusaram a homologação da transacção por entenderem que, sendo caso de litisconsórcio necessário, era indispensável a intervenção de todos os Autores.
Vejamos.
O litisconsórcio necessário, por causar graves embaraços à parte a quem é imposto, traduzidos em delongas que poderão afectar a consistência prática do seu direito, reveste carácter excepcional.
Daí que só possa ter lugar, de harmonia com o estatuído no artigo 28 do Código de Processo Civil, quando a lei ou o negócio jurídico o exigirem (litisconsórcio legal ou convencional) ou quando a natureza da relação jurídica o reclamar (litisconsórcio natural).
Contudo, apesar de o litisconsórcio necessário poder ter a sua fonte na própria natureza da relação jurídica, o certo é que ele impõe-se apenas quando a intervenção de todos os interessados "seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal".
E a decisão produz o seu efeito útil normal "sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado" (n. 2 do artigo 28).
O facto de a relação jurídica material controvertida afectar directamente os interesses de várias pessoas "não é, assim, só por si, razão suficiente para determinar a necessidade de intervenção de todos os interessados ou legitimados".
Só haverá, pois, litisconsórcio necessário natural (situação que aqui poderia interessar), "quando a decisão que vier a ser proferida não possa persistir inalterada quando não vincula todos os interessados".
O que significa que a situação a evitar pela obrigatoriedade do litisconsórcio "é tão-só a de decisões, além de divergentes, praticamente inconciliáveis".
No fim de contas, releva, unicamente, a contradição prática, interessando mais, neste plano, "a viabilidade concreta das decisões, do que a sua rigorosa coerência lógica" (cfr. Anselmo de Castro, "Direito Processual
Civil Declaratório", volume II, páginas 198/204).
7. O n. 2 do artigo 28 consagrou, por conseguinte, o litisconsórcio natural dentro de limites racionais, optando pelo critério da incompatibilidade dos efeitos produzidos que não permite uma composição definitiva entre as partes da causa.
Inexistindo essa incompatibilidade, a decisão produz o seu efeito útil normal, sendo irrelevante a possibilidade de superveniente antagonismo ou conflito teórico de decisões resultante de os interessados não vinculados ao caso julgado serem partes noutra acção com solução diversa (cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de 26 de Janeiro de 1999, Recurso n. 1226/98 -2.).
8. De realçar, ainda, que o litisconsórcio necessário, quanto ao conteúdo da decisão, pode ser simples ou unitário.
É simples, quando a decisão pode ser distinta para cada um dos litisconsortes.
É unitário, quando a decisão tem de ser uniforme para todos os litisconsortes, correspondendo a situações em que não podem ser proferidas decisões divergentes sobre o objecto do processo.
Importa acentuar que o critério para aferir a validade da transacção na qual não intervieram todos os litisconsortes é o carácter simples ou unitário do litisconsórcio.
Sublinha-se, ainda, que a transacção judicial permite quer o alargamento objectivo quer o alargamento subjectivo do pleito.
Com efeito, a transacção pode envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido (artigo 1248 do Código Civil) e pode resolver litígios para além das partes iniciais do processo (cfr. Castro Mendes, "Direito Processual Civil", volume II, 1969/1970, página 206).
Ora, o n. 2 do artigo 298 do Código de Processo Civil, ao prescrever que, no caso de litisconsórcio necessário, a transacção de alguns dos litisconsortes só produz efeitos quanto a custas, não deve ser interpretado como referindo-se a qualquer litisconsórcio necessário, mas apenas àquele que é unitário (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, "Estudos Sobre o Novo Processo Civil", 2. edição, páginas 153, 161, 164, 165 e 174; ver, ainda, do mesmo Autor, a anotação ao Acórdão do S.T.A. de 9 de Outubro de 1997, in Cadernos de Justiça Administrativa, n. 13, Janeiro/Fevereiro de 1999, páginas 31/36).
9. Na situação ajuizada, na transacção de folhas 555/561, assistiu-se a uma modificação tanto subjectiva como objectiva do pleito. Basta atentar nos seus intervenientes e no teor das respectivas cláusulas.
E, conquanto o caso fosse de litisconsórcio necessário, o certo é que, quanto ao conteúdo da decisão, trata-se de litisconsórcio simples, tal como o definimos precedentemente.
Logo, a decisão homologatória da transacção não será inócua nem ineficaz, por poder ser distinta para cada um dos litisconsortes.
Embora essa transacção não vincula, obviamente, os Autores I, J e respectivas mulheres, a verdade é que ela permite, como resulta do seu texto, uma composição definitiva dos interesses daqueles que nela intervieram.
Foi injustificada, assim, a rejeição da homologação da transacção em apreço, pois, como dissemos atrás, o n. 2 do artigo 298 do Código de Processo Civil reporta-se, apenas, ao litisconsórcio necessário unitário.
Rejeição que, diga-se causou ainda mais embaraços aos Autores que nela intervieram - designadamente -, impondo-lhes a procrastinação do desfecho da acção.
Já lhes bastam, no entanto, as delongas que o processo tem tido, com um arrastar penoso durante mais de 13 anos!
10. Em consequência, dando-se provimento aos agravos, revoga-se o Acórdão impugnado - e com ele a decisão da 1. instância que confirmara - devendo ser proferida sentença homologatória da transacção de folhas 555/561, por não constituir obstáculo a tal homologação a circunstância de nela não terem intervindo os Autores I, J e mulheres.
Custas nas duas instâncias e neste Supremo por estes últimos.
Lisboa, 27 de Abril de 1999.
Silva Paixão,
Silva Graça,
Francisco Lourenço.
Tribunal de Círculo de Coimbra - Processo n. 224-B/94.
Tribunal da Relação de Coimbra - Processo n. 640/97.