Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P2802
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: HENRIQUES GASPAR
Descritores: EXPULSÃO
FUNDAMENTOS
PERDA DE BENS A FAVOR DO ESTADO
VEÍCULO
Nº do Documento: SJ200609270028023
Data do Acordão: 09/27/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Sumário : I - A pena acessória de expulsão de estrangeiro residente no país, prevista no art. 101.°, n.º 2, do DL 244/98, de 08-08, depende da verificação de determinados pressupostos positivos, e da não ocorrência de alguma das situações previstas no n.° 4 da mesma disposição.

II - Nos termos do n.º 2 do art. 101.° do referido diploma, a pena de expulsão pode ser imposta a um estrangeiro residente no país, condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na respectiva aplicação, a gravidade dos factos praticados, a personalidade do agente, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.

III - A decisão de expulsão, que constitui uma ingerência na vida da pessoa expulsa, pressupõe sempre uma avaliação de justo equilíbrio, de razoabilidade, de proporcionalidade, de fair balance entre o interesse público, a necessidade da ingerência e a prossecução das finalidades referidas no art. 8.°, n.º 2 da Convenção Europeia, e os direitos do indivíduo contra ingerências das autoridades públicas na sua vida e na relações familiares, que podem sofrer uma séria afectação com a expulsão, especialmente quando a intensidade da permanência no país de residência corta as raízes ou enfraquece os laços com o país de origem.

IV - Tendo o tribunal recorrido aplicado ao arguido uma pena de acessória de expulsão, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, justificando-a com a circunstância de o crime praticado atentar inevitavelmente contra a ordem pública, e por «tal tipo de criminalidade» constituir «um real perigo social, tanto mais reforçado pela considerável quantidade e tipo de produto estupefaciente a que o arguido acedeu», após ponderar também o facto de o recorrente (à data da prática dos factos e nos cerca de seis meses que a precederam) ter visitado a sua filha, que vive com a mãe, «duas ou três vezes, não cuidando dela, nem lhe garantindo o sustento e educação», proferiu decisão cuja fundamentação é isenta de reparos, e justifica de modo evidente a aplicação da pena acessória.

V - A perda de bens a favor do Estado, a que aludem os arts. 35.º, n.º 1, e 36.º, n.º 2, ambos do DL 15/93, de 22-01, é um instrumento de natureza substantiva; abrange os instrumentos e os produtos do crime, incluindo os objectos que serviram para a prática do crime. Não constitui uma medida cautelar de processo, já que as finalidades cautelares são realizadas com a apreensão, mas é também, de certo modo, uma medida preventiva.

VI - Os fundamentos para a declaração de perda previstos em uma e outra disposição são essencialmente diversos. A perda dos «objectos que tiverem servido» «para a prática de uma infracção» relacionada com estupefacientes tem como fundamento a existência ou a preexistência de uma ligação funcional e instrumental entre o objecto e a infracção, de sorte que a prática da infracção tenha sido especificamente conformada pela utilização do objecto; este há-de ter sido elemento integrante da concepção material externa e da execução do facto, de modo que a execução não teria sido possível, ou teria sido essencialmente diferente, na modalidade executiva que esteja em causa, sem a utilização ou a intervenção do objecto.

VII - Nesta perspectiva, a decisão de perda de objectos deve ter como pressuposto a individualidade executiva e a relevância instrumental, determinante ou essencialmente conformadora do objecto no processo de execução e de cometimento do crime.

VIII - Não estado provado o uso determinante do veículo em qualquer acto executivo concretamente descrito, em que a utilização do veículo se revelasse instrumentalmente necessária ou essencialmente modeladora do modo de cometimento da infracção, não é possível concluir que aquele objecto (o veículo) «tivesse servido para a prática da infracção» (tráfico de estupefacientes).

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:


1. O Digno Magistrado do Ministério Público deduziu acusação contra: AA, filho de BB e de CC, natural de Santa Catarina, Cabo Verde, de nacionalidade cabo-verdiana, nascido a 28-6-1963, e DD, filho de EE e de FF, natural de Praia, Cabo Verde, de nacionalidade cabo-verdiana, \ nascido a 1-12-1979, solteiro, pedreiro, residente em Praceta João de Barros, n° ...., Torre da Marinha, Seixal, imputando-lhes a prática de factos que integrariam, relativamente a cada um dos arguidos, em autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº l do Dec.-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, considerando ainda que ambos os arguidos incorrem na pena acessória de expulsão, prevista pelo art. 101° do Dec.-Lei n° 34/03, de 25 de Fevereiro.
Na sequência do julgamento, o tribunal absolveu o arguido DD do crime de tráfico de estupefacientes por que vinha acusado, e condenou o arguido AA como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n° l do Dec.-Lei n° 15/93, de 22-1, com referência à tabela I - B anexa a tal diploma, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; e ordenou a expulsão do território nacional do arguido AA, por um período de 7 anos (art. 34°, n° l do Dec.-Lei n° 15/93); e declarou perdido a favor do Estado o veículo automóvel de marca Volkswagem, modelo Polo, de matrícula AB (art. 35°, n° l do Dec.-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro);

2. Não se conformando com a decisão, o arguido recorreu para o tribunal da Relação, com os fundamentos constantes da motivação que apresentou e que termina com a formulação das seguintes conclusões:
1ª O recorrente AA foi condenado a uma pena de seis anos de prisão efectiva e, na pena acessória de expulsão do território nacional por um período de 7 anos;
2ª Foi igualmente declarado perdido a favor do estado o seu veículo apreendido nos autos;
3ª. Não se conforma com essa pena, por entender ser a mesma manifestamente exagerada e desajustada da realidade do Direito;
4ª. Confessou os factos, mostrou-se arrependido, apesar de o Tribunal contradizer-se neste ponto;
5ª. Nega ser um delinquente típico, sem qualquer tipo de recuperação possível;
6ª. Foi, na perspectiva da defesa, erradamente aplicada uma pena de prisão efectiva exagerada, para uma pessoa jovem, com nítidos sinais de recuperação da sua auto-estima e do seu potencial valor para a sociedade;
7ª. Foram assim, mal aplicados os artigos 50°, 71°, 72°e 73°do C.P.;
8ª. Não foi tido em conta o previsto no art°40°, n°l do novo C.P.;
9ª. Tem apoio familiar, não obstante os factos vertidos e dados como provados;
10ª. Tem residência que o fixa a lugar certo e emprego garantido;
11ª A redução da pena, salvaguardaria os interesses legais, bem como permitiria assim ao ora recorrente a possibilidade de refazer mais rapidamente a sua vida, através da sua plena reinserção na sociedade, o que anseia, contando para o efeito com o apoio de toda a sua família, de quem passou a depender:
12ª Foi, na perspectiva da defesa, erradamente aplicada uma pena acessória de expulsão, pelo período de 7 anos, já que no nosso modesto entender, não existe suporte legal para a aplicação de tal expulsão;
13ª. Foram, assim, mal aplicados os artigos 101°, n° l, alínea c), do D/L. n°244/98, de 8 de Agosto e 77º n 4 do C.P.:
14ª. Não nos podemos esquecer que esse é um dos fins que as penas visam atingir: - a recuperação e reintegração dos indivíduos para a Sociedade;
15ª. Assim sendo, consideram-se igualmente violados os direitos de protecção à família, previstos e estipulados nos artigos 36°, n° 6, 67°, n° l e 68° da CRP;
16ª. Bem como, o artigo 8° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
17ª. A não aplicação da pena acessória de expulsão, seria aplicação de Boa Justiça, o que se requer!
18ª. Requer-se igualmente a devolução do seu veículo apreendido à ordem dos autos e, declarado perdido a favor do estado, no douto acórdão de que se recorre.
19ª Assim sendo, a redução da sua pena de prisão, a sua não expulsão e a restituição do seu veículo seria o mais justo face às circunstâncias concretas do caso vertente, bem como serviria perfeitamente na prevenção de futuros ilícitos penais e, seria a aplicação de Boa Justiça, que se requer.
Pede, em consequência, o provimento do recurso.
O magistrado do Ministério Público respondeu à motivação, concluindo pela improcedência do recurso.
O tribunal da Relação, verificando que o recurso visa exclusivamente matéria de direito, remeteu o processo ao Supremo Tribunal nos termos do artigo 432º, alínea d) do Código de Processo Penal.

3. No Supremo Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta teve intervenção nos termos do artigo 416º teve lugar a audiência, com a produção de alegações, cumprindo decidir.

4. O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 18-11-2004, cerca das 10H30, nas proximidades da Rua Marquês de Pombal, em Cacem, no âmbito de outro Processo elementos da P.S.P. encontravam-se a vigiar o veículo automóvel de marca Opel, modelo Corsa, de matrícula CD, que ali se encontrava estacionado.
2. Nessa altura chegaram ao local os Arguidos, transportando-se no veículo no automóvel de marca Volkswagem, modelo Pólo, de matrícula AB, conduzido pelo Arguido AA, que estacionou este veículo ao lado daquele.
3. O Arguido DD saiu do veículo em que se transportara e dirigiu-se ao veículo de matrícula CD, tendo nele entrado, após ter aberto a porta com a respectiva chave, altura em que ambos os Arguidos foram abordados pêlos elementos da P.S.P..
4. No interior do veículo de matrícula AB, sob a capa que cobria o banco ao lado do condutor, os agentes da autoridade encontraram e apreenderam um pacote, isolado com fita adesiva plástica, que continha cocaína (cloridrato), com o peso bruto de 873,3 gramas e o peso líquido de 827,729 gramas.
5. A cocaína fora ali colocada pelo Arguido AA, o qual a destinava à cedência a terceira ou terceiras pessoas.
6. O Arguido DD tinha conhecimento da presença da cocaína nesse local, tendo-se conformado com tal facto.
7. 7. Ao Arguido AA foi apreendido, designadamente, 155,00 euros.
8. Ao Arguido DD foi apreendido, designadamente, 235,00 euros.
9. Na respectiva conduta agiu o Arguido AA de forma deliberada, livre e consciente, conhecendo as características estupefacientes da cocaína, bem sabendo que a sua conduta era proibida.
10. O Arguido AA encontra-se em Portugal desde o ano de 1992.
11. Tem como habilitações literárias a 4ª classe.
12. Tem trabalhado na construção civil, com um seu irmão, GG.
13. Entre 1999 e 2004 viveu na companhia de HH, no Algarve, de quem tem uma filha, actualmente com 5 anos.
14. Aquando foi detido, em 18-11-2004, encontrava-se separado dessa mulher há cerca de seis meses, vivendo esta no Cacem, com a filha de ambos.
15. Durante o ré fendo período de seis meses viu essa sua filha duas ou três vezes, em outras tantas deslocações ao Cacem, não sendo ele quem lhe assegura o sustento e educação.
16. Tem quatro filhos em Cabo Verde, dois com a idade de 13 anos, um com a idade de 14 anos e uma filha com 18 anos.
17. Sente-se arrependido, e envergonhado, perante estes seus filhos, que ignoram que se encontra preso.
18. Não tem antecedentes criminais.

5. Os recorrentes questionam a medida das penas de prisão, entendendo que estão fixadas de forma «manifestamente exagerada e desproporcional».
Dispõe o artigo 40º do Código Penal que «a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» - nº 1, e que «em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa» - nº 2.
Não tendo o propósito de solucionar por via legislativa a questão dogmática dos fins das penas, a disposição contém, no entanto, imposições normativas específicas que devem ser respeitadas; a formulação da norma reveste a «forma plástica» de um programa de política criminal cujo conteúdo e principais proposições cabe ao legislador definir e que, em consequência, devem ser respeitadas pelo juiz (cfr., Anabela Miranda Rodrigues, "O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena privativa de liberdade", in Problemas Fundamentais de Direito Penal, Colóquio Internacional de Direito Penal em Homenagem a Claus Roxin, págs. 179 e segs.).
A norma do artigo 40º condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limita da pena mas não seu fundamento.
Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo (cfr. idem, ibidem).
O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação.
O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada (cfr. Figueiredo Dias, "Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime", pág. 227 e segs.).
A medida da prevenção, que não podem em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.
Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.
Nos tráficos de droga, quer pelo perigo para que produzem para eminentes bens jurídico-pessoais, quer pela danosidade social que lhes está associada, e que provoca uma forte atitude comunitária de rejeição, as exigências de prevenção geral são intensamente determinantes, para protecção dos valores que são afectados e para apaziguamento dos sentimentos dos cidadãos e reposição e reforço da confiança na integridade das normas e dos valores que protegem.
As finalidades utilitaristas da prevenção geral têm, por isso, de ser avaliadas e determinadas no plano da gravidade concreta do facto ilícito, e conjugadas com as finalidades de prevenção especial, mediadas, ou limitadas, pela consideração da culpa do agente.
No caso, as finalidades das penas e os critérios de determinação da medida das penas concretas, enunciados no artigo 71º do Código Penal foram detalhadamente considerados no acórdão recorrido, que ponderou todos os factores relevantes que deveriam ser atendidos perante os factos provados - o grau de licitude, a culpa e a situação pessoal e familiar do recorrente
Na ponderação que efectuou, o tribunal a quo moveu-se, em geral, dentro de critérios de inteira razoabilidade, acautelando a realização das finalidades das penas perante as circunstâncias específicas do caso e as condições particulares do recorrente.
Com efeito, no que respeita à medida da pena, o nível de ilicitude, medido pela natureza e quantidade do produto estupefaciente detido pelo recorrente, é relevante, uma vez que, pretendendo ceder o produto (ponto 5 da matéria de facto), a quantidade detida criava em grau elevado o risco de disseminação.
A culpa é de grau médio na leitura contextual das situações mais típicas de tráfico de estupefacientes: o recorrente conhecia as características do produto e pretendia cedê-lo a terceiras pessoas.
Nos crimes de tráfico de estupefacientes, as finalidades de prevenção geral (artigo 40º, nº 1 do Código Penal) são preponderantes e comandam directamente a determinação da medida da pena, para afirmação da protecção de valores socialmente sentidos como essenciais em contexto de inquietação provocada, mesmo difusamente, pela frequência do fenómeno e das suas manifestações.
As exigências de prevenção especial não são especialmente de salientar, compondo-se razoavelmente, na reafirmação pessoal dos valores e na prevenção da reincidência, com a medida da pena em que o recorrente vem condenado, adequada em termos de prevenção especial e admitida pelo grau de culpa.
Foi inteiramente neste quadro que se moveu a decisão recorrida, e o recorrente não invoca qualquer motivo que não tenha sido devidamente considerado.
Não existe, pois, violação das normas que refere.

7. O recorrente discorda da aplicação da pena acessória de expulsão do território nacional.
A pena acessória de expulsão de estrangeiro residente no país, prevista no artigo 101°, n° 2, do Decreto-Lei n° 244/98, de 8 de Agosto, depende da verificação de determinados pressupostos positivos, e da não ocorrência de alguma das situações previstas no n° 4 da mesma disposição.
Nos termos do n° 2 do artigo l01º do referido diploma, a pena de expulsão pode ser imposta a um estrangeiro residente no país, condenado por crime doloso em pena superior a um ano de prisão, devendo, porém, ter-se em conta, na respectiva aplicação, a gravidade dos factos praticados, a personalidade do agente, a eventual reincidência, o grau de inserção na vida social, a prevenção especial e o tempo de residência em Portugal.
O acórdão recorrido fundamentou a pena acessória na circunstância de o crime praticado atentar inevitavelmente contra a ordem pública, e por «tal tipo de criminalidade» constituir «um real perigo social, tanto mais reforçado pela considerável quantidade e tipo de produto estupefaciente a que o arguido acedeu». Ponderou também o facto de o recorrente «à data da prática dos factos e nos cerca de seis meses que a precederam» ter visitado a sua filha, que vive com a mãe, «duas ou três vezes, não cuidando dela, nem lhe garantindo o sustento e educação».
Tal fundamentação é isenta de reparos, e justifica de modo evidente a aplicação da pena acessória, não indicando os recorrentes na fundamentação do recurso qualquer motivo que, resultante dos factos provados, possa justificar diversa conclusão.
É certo que a expulsão, mesmo quando aplicada como pena acessória, pode tocar com direitos fundamentais, desde, em certas circunstâncias, a interdição de tratamentos desumanos, até ingerências na vida familiar, protegidos pelos artigos 3° e 8° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Por isso, importa averiguar se a expulsão, nas circunstâncias de cada caso, é imposta por necessidades sociais imperiosas, que, na ponderação de proporcionalidade, sobrelevem os interesses individuais (cfr., v. g., inter alia, os acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, MEHEMI c. França, de 26 de Setembro de 1997, "Recueil" 1997-VI, p. 1971; BOULTIF c. Suíssa, de 2 de Novembro de 2001, e JAKUPOVIC c. Áustria, de 6 de Fevereiro de 2003).
A decisão de expulsão, que constitui uma ingerência na vida da pessoa expulsa, pressupõe, pois, sempre uma avaliação de justo equilíbrio, de razoabilidade, de proporcionalidade, de fair balance entre o interesse público, a necessidade da ingerência e a prossecução das finalidades referidas no artigo 8º n° 2 da Convenção Europeia, e os direitos do indivíduo contra ingerências das autoridades públicas na sua vida e na relações familiares, que podem sofrer uma séria afectação com a expulsão, especialmente quando a intensidade da permanência no país de residência corta as raízes ou enfraquece os laços com o país de origem.
No caso, a intensidade de permanência e os laços familiares não são de molde a pesar mais do que a consideração do interesse público, uma vez que a integração e os direitos e deveres familiares mais salientes não são estreitamente ligados a Portugal, mas, diversamente, ligam o recorrente mais fortemente ao seu país de origem (aí residem quatro filhos seus - ponto 16 da matéria de facto).
Por estes motivos, também não existe violação das disposições constitucionais referidas pelo recorrente - artigos 36º, nº 6, 67º, nº 1 e 68º da Constituição.
O recurso é, assim, também improcedente relativamente á aplicação da pena acessória de expulsão.

8. O recorrente contesta a decisão de perda do veículo de matrícula a AB.
Não invoca, porém, qualquer disposição legal que considere violada.
Mas, no contexto, vistos os termos do acórdão recorrido, a disposição será aquela que foi aplicada e em que a decisão fundamentou a declaração de perda - o artigo 35° do Decreto-Lei n° 15/93 de 22 de Janeiro.
O artigo 35º, nº 1, deste diploma determina que são perdidos a favor do Estado «os objectos que tivessem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção» prevista no diploma, sendo que tal consequência será declarada «ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto».
Por seu lado, o artigo 36º, nº2, dispõe que «são também perdidos a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa-fé, os objectos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelo agente, para si ou para outrem», sem prejuízo da possibilidade de defesa dos direitos por terceiro de boa-fé, nos termos previstos no artigo 36º-A.
A perda é um instrumento de natureza substantiva; abrange os instrumentos e os produtos do crime, incluindo os objectos que serviram para a prática do crime. Não constitui uma medida cautelar de processo, já que as finalidades cautelares são realizadas com a apreensão, mas é também, e certo modo, uma medida preventiva.
Os fundamentos para a declaração de perda previstos em uma e outra disposição são essencialmente diversos. A perda dos «objectos que tiverem servido» «para a prática de uma infracção» relacionada com estupefacientes, tem como fundamento a existência ou a preexistência de uma ligação funcional e instrumental entre o objecto e a infracção, de sorte que a prática da infracção tenha sido especificamente conformada pela utilização do objecto; este há-de ter sido elemento integrante da concepção material externa e da execução do facto, de modo que a execução não teria sido possível, ou teria sido essencialmente diferente, na modalidade executiva que esteja em causa, sem a utilização ou a intervenção do objecto.
Na especificidade de execução dos diversos e amplos casos de factualidade típica dos crimes ditos de "tráfico de estupefacientes", a possibilidade, concreta e determinada, da utilização de certos objectos depende muito do tipo de actuação que estiver em causa. O objecto há-de ser, por um lado, apto à execução, ou para contribuir e condicionar de modo especifico ou modelar dos termos da execução, de tal sorte que sem o auxílio ou o uso do objecto os factos que constituem a infracção não teriam sido praticados, ou apenas teriam sido praticados de modo diferente, independente e autónomo, ou com neutralidade executiva do objecto.
Tudo dependerá, assim, da especificidade da conduta típica que esteja em causa, e da intervenção, neutra, directa ou instrumental, que o objecto possa ter tido, ou possa vir a ter, na execução do facto.
Nesta percepção das finalidades da lei ao prever a perda de objectos, a decisão deve ter, pois, como pressuposto a individualidade executiva e a relevância instrumental, determinante ou essencialmente conformadora, do objecto no processo de execução e de cometimento do crime.
No caso, não ficou provada o uso determinante do veículo em qualquer acto executivo concretamente descrito, em que a utilização do veículo se revelasse instrumentalmente necessária ou essencialmente modeladora do modo de cometimento da infracção.
Apenas está provado que o estupefaciente se encontrava dentro do veículo. Esta alusão genérica, em que se não descreve o processo executivo, nem a função ou o relevo instrumental do veículo no processo de execução, não permite considerar que estejam preenchidos os pressupostos de que a lei faz depender a declaração de perda: objecto «que tivesse servido para a prática da infracção», com o sentido funcionalmente relevante em que a noção foi interpretada.
Nesta parte procede o recurso.

9. Nestes termos, concede-se provimento parcial ao recurso, revoga-se a decisão na parte em que declarou perdido a favor do Estado o veículo automóvel de marca Volkswagem, modelo Poio, de matricula AB, mantendo-se, no entanto, no restante, o acórdão recorrido.
Taxa de justiça: 4UCs.

Lisboa, 27 de Setembro de 2006
Henriques Gaspar (relator)
Silva Flor
Soreto de Barros
Armindo Monteiro