Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
271/14.5TTMTS.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DA ALEGAÇÃO
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE QUE IMPUGNE A DECISÃO RELATIVA À MATÉRIA DE FACTO.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, Impugnação das decisões judiciais, 2.ª Edição, p. 111;
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo civil, Volume III, p. 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 640.º, N.º 1, ALÍNEA B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 05-04-1989, IN BMJ N.º 386, P. 446;
- DE 23-03-1990, IN AJ, 7.º/90, P. 20;
- DE 31-01-1991, IN BMJ N.º 403, P. 382;
- DE 12-12-1995, IN CJ, 1995, III, P. 156;
- DE 18-06-1996, IN CJ, 1996, II, P.143;
- DE 17-12-2014, PROCESSO N.º 292/11.0TTSTRE.E1.S1;
- DE 26-05-2015, PROCESSO N.º 373/10.7TTPRT.P1.S1;
- DE 15-09-2016, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-02-2017, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-03-2017, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 20-12-2017, PROCESSO N.º 299/13.2TTVRL.C1.S2.
Sumário :

I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.

II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB, LDA., depois designada CC, LDA., DD, LDA., depois designada EE, LDA., e FF, S.A., pedindo que se considerasse que entre ele e as Rés existia uma relação laboral de pluralidade de empregadores e a condenação solidária destas a pagarem-lhe a quantia de € 58.978,93, devida a título de comissões de vendas que deixaram de ser pagas a partir de 2012, acrescida do montante devido pela faturação dos negócios da GG e da HH, cujo valor deve ser apurado em liquidação da sentença, e ainda juros de mora desde a citação até trânsito em julgado da sentença.

Para tanto, em síntese, alegou que celebrou com a 1ª R. no dia 27 de abril de 2009 um contrato de trabalho para o exercício das funções de Diretor Comercial, auferindo ultimamente uma remuneração base de € 2.014,00, acrescida de uma retribuição variável de comissões no valor de 12% sobre a comissão cobrada aos clientes, e que em 2011 o sócio gerente da 1ª R. criou a 2ª R., da qual era sócia a 1ª R. e o dito sócio gerente, para intermediar os negócios em que estivessem em causa venda de quotas ou ações de sociedades detentoras de farmácias, área em que a 1ª R. antes atuava, para além da mediação em trespasses de alvarás de farmácias, passando a trabalhar indistintamente para as duas sociedades independentemente de qual faturasse a comissão do negócio de trespasse ou venda de alvará ou negócios de vendas de quotas. Aquele sócio gerente era simultaneamente administrador da 3ª R. que havia sido criada com o intuito de fazer a gestão de farmácias e prestar serviços a farmácias. Todas as RR. tinham uma estrutura organizativa comum, trabalhando ele indistintamente para as mesmas, do que se conclui que o contrato que inicialmente havia celebrado com a 1ª R. se transformou ao longo do tempo num contrato com uma tríplice entidade empregadora. A sua remuneração fixa era paga pela 1ª R. e a sua remuneração variável era assegurada pelas três RR. indistintamente. Contudo, tendo recebido as comissões até 2012 sobre todos os negócios mediados pelas três RR., por decisão unilateral do respetivo sócio gerente e administrador, tal pagamento deixou de ser efetuado sem qualquer justificação, reclamando por essa razão o seu valor, relativamente a todos os negócios concretizados em 2012 e até à cessação do seu contrato por extinção do posto de trabalho em 7.04.2013.

Frustrada a tentativa de conciliação, as RR. contestaram, admitindo que o A. trabalhava para as três, cujo capital é detido por sócios ou acionistas comuns, mas que não constituem uma única realidade económica, nem possuem uma estrutura organizativa comum. Apenas foi acordado com o A. o pagamento de um prémio anual calculado pela aplicação de 12% sobre o total das vendas angariadas pelo mesmo e na condição de aquelas vendas atingirem, anualmente, no conjunto das três sociedades, o valor mínimo de € 300.000,00, não tendo havido lugar ao pagamento de qualquer prémio a partir de 2012, porquanto o A. não atingiu aquele valor mínimo de vendas.

Respondeu o A. mantendo a sua posição inicial.

Saneado o processo, com dispensa da seleção da matéria de facto e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida a sentença com o seguinte dispositivo:

Por todo o exposto julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência, decido:

I – condenar as rés solidariamente a pagar ao autor a quantia de € 55.056,00 (cinquenta e cinco mil e cinquenta e seis euros) a título de comissões, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, acrescida da quantia a liquidar após a sentença relativa à comissão devida relativamente ao negócio (venda de quotas) da GG, em ..., e respectivos juros de mora, à taxa legal, desde o trânsito em julgado da decisão de liquidação até integral pagamento.

II – absolver as rés da parte restante do pedido.

Custas pelo autor e pela rés, na proporção dos decaimentos – art. 537º do Código de Processo Civil.

Valor da ação: € 58 978,93 (cinquenta e oito mil novecentos e setenta e oito euros e noventa e três cêntimos).

Não se conformando, as RR. apelaram, impugnando, para além do mais, a decisão sobre a matéria de facto e requerendo a reapreciação parcial da prova gravada.

O A. contra-alegou.

Antes da subida da apelação foi a instância suspensa nos termos do disposto no artigo 17º-E, nº 1 do CIRE, com fundamento no facto das RR. EE, Lda. e CC, Lda. se encontrarem em processo de revitalização, estando em curso em ambos os processos a fase de negociações.

No mesmo despacho foi ainda determinado que, quanto à R. FF, Lda., oportunamente os autos fossem remetidos ao Tribunal da Relação para apreciação do recurso interposto.

Na Relação foi proferido acórdão declarando suspensa a instância também quanto à R. FF, Lda., não se conhecendo por essa razão do recurso.

Descendo os autos à 1ª Instância, e após recolha de diversas informações, foi proferido despacho a «determinar o prosseguimento dos autos e de todos os respetivos apensos contra os sócios da sociedade extinta CC, Lda, II e JJ, melhor identificados nos autos, sendo a responsabilidade destes limitada ao montante que receberem na partilha dos bens das sociedades» e a «julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide no que respeita à ré EE, Lda (…)».

Em 27.02.2017 foi determinado o prosseguimento dos autos também contra a FF, S.A., pelo facto do processo de revitalização ter terminado sem que tivesse sido homologado qualquer plano de revitalização, tendo prosseguido como insolvência, à data ainda não decidida.

Subidos os autos à Relação pelo relator foi proferida decisão sumária determinando a devolução dos autos à 1.ª Instância pelo facto de ter sido decretada a insolvência da R. FF.

 Na 1ª instância foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide relativamente a esta R. Mais se determinou a remessa dos autos à Relação para conhecimento do recurso interposto pela R. CC da sentença proferida nos autos.

Subidos os autos de novo à Relação, conhecendo-se da apelação, foi proferida a seguinte deliberação:

«Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, rejeitando-o quanto à reapreciação da matéria de facto, em declarar no mais improcedente o recurso.

Custas do recurso conhecido a cargo dos sócios liquidatários da “CC”, identificados nos autos».

Inconformados com esta deliberação, II e JJ, na qualidade de sócios da sociedade extinta CC, Lda., recorrem agora de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão recorrido.

O recorrido contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3, do CPT, a Exmª Srª Procuradora-Geral-Adjunta emitiu douto parecer no sentido da concessão da revista.

Notificadas, as partes não responderam.

Formularam os recorrentes as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

1.    A questão que se coloca resume-se a saber se o Tribunal da Relação deveria ter conhecido da apelação no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto e, em caso negativo, ter, ao menos, convidado os Recorrentes a aperfeiçoar as suas alegações.

2. O artigo 640º do Código de Processo Civil estabelece o ónus a cargo do apelante que impugne a decisão sobre a matéria de facto, concretamente, identificar os concretos pontos que, no seu entender, foram incorrectamente apreciados, especificar os meios probatórios que impunham decisão diversa e indicar a resposta que deveria ser dada a tais pontos de facto.

3. É necessário que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no artigo 640º daquele Diploma seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material.

4. Este tema tem sido objecto de vários acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça que vem procurando travar uma tendência que teima em manter-se para a rejeição de recursos de apelação quando está em causa a reapreciação da decisão da matéria de facto.

5. No caso sub iudice não se verifica um “recorrer por recorrer” no tocante à matéria de facto, mas há, outrossim, um recurso fundamentado, consciente e responsável, pelo que os Recorrentes cumpriram a exigência que sobre si impendia.

6. De facto, volvendo as conclusões e as alegações de recurso apresentadas, temos que os Recorrentes identificaram os pontos da matéria de facto que, em concreto, impugnam, enumerando‑os e indicando o que em sua opinião deveria ser considerado provado (cfr. pontos XVII, XXXIV, XLIX das conclusões).

7. E indicam os concretos depoimentos das testemunhas, com data, hora e minuto em que os mesmos se iniciaram e terminaram (cfr. Pontos III, VI, VII, VIII, IX, XXX, XLVIII), transcrevendo nas alegações as passagens dos referidos depoimentos e fazendo, a propósito de cada excerto transcrito, uma análise crítica do mesmo e apresenta a conclusão do que consideram, em seu entender, que deveria ter sido dado como provado tendo por base aqueles depoimentos.

8. Por último, os recorrentes apresentaram uma alternativa decisória: em lugar de “provado”, consideraram que os factos referidos nos pontos II, IX, X, XVII, XXXIV, XLIX deveria ser considerado “não provado”.

9. Por outro lado, conforme resulta do disposto no artigo 639º o Código de Processo Civil, as conclusões são, não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações stricto sensu, mas também o elemento definidor do objeto do recurso e balizador do âmbito do conhecimento do tribunal “ad quem”.

10. Volvendo às alegações apresentadas forçoso é concluir-se que, também, no seu corpo os Recorrentes identificaram os pontos de facto que considerava[m] mal julgados por referência aos quesitos da base instrutória dados como assentes, indicaram o depoimento das testemunhas que entende[ram] mal valorados, forneceram a indicação do início e termo em que os mesmos foram prestados, apresentaram a transcrição dos referidos depoimentos e referiram qual o resultado probatório que no[…] seu entender deveria ter tido lugar, relativamente a cada facto e meio de prova.

11. Neste contexto, não se evidencia qualquer falha de cumprimento do ónus de alegação previsto no artigo 640º ou no artigo 639º do Código de Processo Civil.

12. Competia, assim, ao Tribunal “a quo” cumprir o preceituado no artigo 662º, número 1, do Código de Processo Civil.

13. Assim sendo, a rejeição pelo Tribunal da Relação do Porto do recurso interposto quanto à reapreciação do julgamento da matéria de facto não pode ser sufragada.

14. Ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação decidiu manifestamente contra a Lei em clara violação do artigo 615º, n.º 1, alínea d), por remissão do artigo 666º, ambos do Código de Processo Civil.

15. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, ordenando-se, em consequência, a baixa do processo ao Tribunal da Relação a fim de ser reapreciada a matéria de facto nos termos requeridos pelos Recorrentes.

16. Ainda que assim não seja doutamente entendido, o que só por mero dever de patrocínio se concebe, importa atentar no disposto no artigo 655º, número 1, do Código de Processo Civil.

17. É que a questão do alegado incumprimento do determinado pelo artigo 640º, do Código de Processo Civil, foi suscitada pelo Exmo. Procurador Adjunto, donde decorre que deveria o Tribunal da Relação, antes de proferir decisão, ter ouvido a parte contrária, o que não aconteceu, em manifesta violação do princípio do contraditório.

18. A omissão de tal acto/formalidade que a lei prescreve traduziu-se numa irregularidade que pode influir no exame ou decisão da causa, consubstanciando, assim, uma nulidade, nos termos do disposto no artigo 195º daquele Diploma que, para os devidos e legais efeitos, aqui se invoca, devendo ser declarada tal nulidade”.

O recorrido formulou as seguintes conclusões:

“1. Não assiste qualquer razão aos recorrentes no que tange ao recurso da matéria de direito;

2. Foi bem indeferido o recurso de matéria de facto efetuado pelos recorrentes.

3. Como refere o douto acórdão recorrido "não foram adequadamente cumpridos os ónus a que antes aludimos, estabelecidos no artigo 640.º do CPC, pois que, sustentando que os pontos 4º, 27º, 30º e 33º (quando se refere 12% das comissões auferidas pela Ré), 38º, alíneas d), e) e f), 17º, 16º, 21º, 22º, 23º e, por último, 26º e 34º, alínea a), todos da matéria de facto provada devem ser julgados e considerados como não provados, constata-se que, de modo manifesto, a impugnação não é dirigida, como se impunha, a factos concretos e adequadamente individualizados que o Tribunal tenha dado como provados ou não provados, sendo-o antes por temas/conjunto de factos, assim, como bem se evidencia naquele Parecer, a inexistência de comissões, inexistência de pluralidade de empregadores e inexistência de responsabilidade solidária, sendo que, por referência pois a esses temas, globalmente considerados, faz-se referência a excertos de depoimentos prestados, fazendo-se apelo a juízos de facto e/ou de valor, a conceitos legais, afirmações doutrinárias e a decisões dos Tribunais Superiores, sem se indicar, sequer, quanto às passagens de depoimentos a que se faz apelo, a que facto concreto, devidamente individualizado, se dirigem — ou seja, sem indicação, quanto a cada facto a que se dirige o recurso, com precisão e com exatidão, quais as passagens da gravação relativas a esse facto nas quais se fundamenta a impugnação".

4. Pelo que se verificou falta de cumprimento dos ónus de impugnação estabelecidos no artigo 640.º do CPC, sendo bem rejeitado o recurso no que à impugnação da matéria de facto diz respeito.

5. Na parte final das suas alegações e a título subsidiário, os Recorrentes vêm invocar a nulidade do acórdão, nos termos do 640º e 195º do C.P.C.;

6. A alegada nulidade não se verifica no caso em apreço.

7. E de acordo como o estatuído no Art.º 77º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, a arguição de nulidades da sentença acórdão deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, constando ainda das referidas alegações;

8. Todavia tal não foi feito pelo Recorrente, que no seu requerimento de interposição de recurso não arguiu qualquer nulidade, limitando a fazer referência à espécie e modo de subida do recurso, juntado ainda as suas alegações.

9. Assim, não pode efetivamente o Tribunal de recurso apreciar a alegada nulidade invocada;

10. Neste sentido propugna a seguinte Jurisprudência, disponível em www.dgsi.pt: Ac. do STJ de 15.09.2016, Ac. STJ de 22.02.2017 e Ac. do STJ de 16.03.2017.

11. Pelo que deve ser indeferida a revista e mantida a decisão de condenação dos Recorrentes no peticionado pelo Recorrido.

Perspetivando-se o não conhecimento da invocada nulidade por incumprimento do estabelecido no art. 77º do CPT, foram as partes notificadas para se pronunciarem, na sequência do que os recorrentes apresentaram requerimento onde impetram que se considerem “não escritas as conclusões 16, 17 e 18 das Alegações, porquanto, efectivamente, e como decorre do requerimento de interposição de recurso, limitaram o Recurso à parte respeitante à rejeição da apreciação da matéria de facto”.

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO

Os presentes autos respeitam a ação declarativa comum instaurada em 28.03.2014.

O acórdão recorrido foi proferido em 5.03.2018.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão atual.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, a questão submetida à nossa apreciação consiste em saber se foram cumpridos pelos recorrentes os ónus estabelecidos no art. 640º do CPC.

Tendo em conta a questão proposta torna-se desnecessária a consignação da matéria de facto que as instâncias declararam provada, pelo que passaremos de imediato à apreciação do objeto da revista.

4 - O DIREITO

Vejamos então a referida questão que constitui o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]).

Determina o art. 640º do CPC:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Aplicando este preceito ao caso dos autos, referiu a Relação:

«Por referência ao afirmado regime, constata-se que, no caso, tal como salienta o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer que emitiu, não foram adequadamente cumpridos os ónus a que antes aludimos, estabelecidos no artigo 640.º do CPC, pois que, sustentando que os pontos 4º, 27º, 30º e 33º (quando se refere 12% das comissões auferidas pela Ré), 38°, alíneas d), e) e f), 17º, 16º, 21º, 22º, 23º e, por último, 26º e 34º, alínea a), todos da matéria de facto provada devem ser julgados e considerados como não provados, constata-se que, de modo manifesto, a impugnação não é dirigida, como se impunha, a factos concretos e adequadamente individualizados que o Tribunal tenha dado como provados ou não provados, sendo-o antes por temas/conjunto de factos, assim, como bem se evidencia naquele Parecer, a inexistência de comissões, inexistência de pluralidade de empregadores e inexistência de responsabilidade solidária, sendo que, por referência pois a esses temas, globalmente considerados, faz-se referência a excertos de depoimentos prestados, fazendo-se apelo a juízos de facto e/ou de valor, a conceitos legais, afirmações doutrinárias e a decisões dos Tribunais Superiores, sem se indicar, sequer, quanto às passagens de depoimentos a que se faz apelo, a que facto concreto, devidamente individualizado, se dirigem – ou seja, sem indicação, quanto a cada facto a que se dirige o recurso, com precisão e com exatidão, quais as passagens da gravação relativas a esse facto nas quais se fundamenta a impugnação.

Isso mesmo se evidencia, de modo claro, no parecer do Exmo Procurador-Geral Adjunto quando refere o seguinte (citando):

“a. Para concluir pela inexistência de comissões afirma:

- O recorrido não logrou provar que tinha direito a uma bonificação, em virtude de todas as vendas realizadas pelas recorrentes pela aplicação da percentagem de 12%”:

- Não ficou refletido no contrato escrito qualquer comissão de 12% sobre as vendas de farmácias”;

- Diz-nos “a experiência da vida e suas regras que as bonificações visam premiar o trabalho individual e não o trabalho desenvolvido e não o trabalho desenvolvido por todas as empresas, já que para isso existe a figura da participação nos resultados”, etc.

b. Para concluir pela inexistência de pluralidade de empregadores refere.

- “O artigo 101º do Código do Trabalho vigente impõe que o acordo de pluralidade de empregadores esteja sujeito à forma escrita, sem distinguir a sua celebração originária e ou sucessiva”;

- “O contrato de trabalho foi celebrado apenas com a 1ª ré, ora recorrente. Deste modo, não se afigura possível a existência de uma pluralidade de empregadores”;

- “Como resulta do que antecede, as recorrentes partilham, apenas, a mesma morada e alguns serviços de natureza administrativa”;

- “Sendo certo que a comunicação institucional de marketing não é única, nem é efetuada através do site comum às três empresas;

- “Além disso, não é verdade que a equipa de trabalho seja constituída pelos mesmos elementos pois apenas a rececionista e o Técnico de Contas são comuns às três recorrentes”.

- “Assim, verifica-se que as três recorrentes não constituíram uma única realidade económica, que entre as mesmas não subsiste uma relação societária de participações reciprocas, de domínio ou de grupo, nem tão pouco possuem uma estrutura organizada comum”, etc.

c. Para concluir pela inexistência de responsabilidade solidária diz:

- ‘Efetivamente, se pluralidade de empregadores houvesse, de facto, certo é que, não havendo acordo escrito, ela era nula, seja originária seja sucessiva”;

- “Na ausência de acordo escrito, o n.º 5, do artigo 101º, confere ao trabalhador o direito de optar pelo empregador ao qual fica vinculado - “Ainda que se considere a existência, de facto, de uma relação jurídica plural, não podem ser olvidadas as consequências jurídicas daí resultantes e que se traduzem na vinculação a um único empregador”; etc.”

Para além do que se referiu anteriormente, sequer é afinal indicada, assim em cumprimento do ónus estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º, a decisão que deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, o que se tonaria necessário face à posição que se assume no recurso, nos termos que resultam, expressamente, da posição que sobre essas assume, bem elucidada na transcrição anterior, pois que, apresentando afinal uma outra realidade factual, diversa da que consta dos factos, importaria que, em conformidade, indicasse a redação a dar aos factos em conformidade com tal realidade.

Tudo o que se referiu permite concluir, como no parecer do Exmo Procurador, pela falta de cumprimento dos ónus de impugnação estabelecidos no artigo 640.º do CPC, do que resulta, como nesse estabelecido, concordando-se assim com a conclusão daquele parecer, a rejeição do recurso no que à impugnação da matéria de facto diz respeito, o que se decide.

Ou seja, entendeu a Relação que os recorrentes fizeram a impugnação reportando-se a temas e não a factos concretos e que não indicaram relativamente a cada um dos factos que pretendiam ver alterados os meios de prova em que fundamentavam a sua pretensão nem, a final, indicaram “a decisão que deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Vejamos.

 Os recorrentes formularam na apelação as seguintes conclusões que, como se sabe e já atrás o dissemos, delimitavam o objeto daquele recurso e o âmbito do conhecimento do Tribunal da Relação:

I. As questões que aqui se colocam a douta apreciação do Meritíssimo Tribunal “ad quem” são as seguintes:

- saber se, por um lado, ficou provado que o A. recebia comissões e que as mesmas incidiam sobre o valor de todas as vendas efectuadas, e por outro lado, em caso negativo, avaliar as consequências jurídicas decorrentes do facto do mesmo peticionar o pagamento de prémios;

- saber se vigorou um contrato de trabalho entre o A. e uma pluralidade de empregadores;

- saber se é equacionável a responsabilidade solidária das RR.

II. Quanto à primeira questão, importa referir que a palavra “comissão” foi diversas vezes utilizada com referência ao montante recebido pelo Apelado em função do cumprimento dos objectivos de vendas, mas verdade é que não resultou provado que o mesmo as tenha auferido.

III. Tal conclusão resulta do depoimento de II, (minuto 07:26 a minuto 08:30) e do depoimento da testemunha KK(minuto 20:15 a minuto 20:26 e minuto 22:00 a minuto 22:39), em conjugação com o facto das restantes testemunhas não se terem debruçado sobre a questão da natureza retributiva daqueles valores.

IV. Atendendo às regras de repartição do ónus da prova (artigos 342º e 346º do Código Civil), verifica-se que os Apelantes apresentaram contraprova de que o acordado era o pagamento de um prémio e que o Apelado não fez prova dos elementos constitutivos do direito que alega.

V. A função principal do prémio é a de recompensar a produtividade e o desempenho profissional dos trabalhadores.

VI. Como era prática comum na empresa, e ocorria, de resto, no caso da trabalhadora LL (minuto 10:30 a minuto 10:45), a bonificação era recebida sobre as vendas concretizadas pela pessoa que, directamente angariava o negócio (minuto 07:36 a minuto 08:30 de minuto 10:54:55 a minuto 12:45:49 do depoimento de II).

VII. De resto, como afirma o Apelado a sua intervenção ocorreu directa ou indirectamente em todos os negócios (minuto 21:10 a minuto 21:27), pelo que em determinados casos, o seu papel não foi fulcral para a concretização do negócio.

VIII. Exemplo desse facto é o que sucedeu com os negócios relativos à MM, a NN em ..., a OO sita em … e a HH em …, conforme resulta dos depoimentos de II (minuto 42:04 a minuto 42:50, minuto 44:00 a minuto 44:42, minuto 46:00 a minuto 47:36, minuto 56:00 a minuto 56:31 de minutos 10:54:55 a 12:45:49), PP (minuto 03:18 a minuto 04:02, minuto10:20 a minuto 11:30) e QQ(minuto 04:14 a minuto 04:32, minuto 07:19 a minuto 08:11).

IX. O Recorrente não logrou provar que tinha direito a uma bonificação, em virtude de todas as vendas realizadas pelas Recorrentes, pela aplicação da percentagem de 12% já que a única testemunha que se pronunciou quanto a esse facto, RR, possui conhecimento indirecto dos factos e encontra-se necessariamente comprometida com o desfecho da presente acção, visto que demandou as, ora, Recorrentes em acção judicial na qual reclama, igualmente, comissões (minuto 00:02 a minuto 00:31 e minuto 49:53 a minuto 50:52).

X. Além disso, não ficou reflectido no contrato escrito qualquer comissão de 12% sobre as vendas de farmácias.

XI. É senso comum que as bonificações visam premiar o trabalho individual e não o trabalho desenvolvido por todas as empresas, já que para isso existe a figura da participação nos resultados.

XII. Nessa medida, e uma vez que nada foi dito pelo Sr. II ao Recorrido nesse sentido, o mesmo não podia contar com a atribuição de uma comissão, numa percentagem fixa,

XIII. ou mesmo que lhe fosse atribuído um prémio sem mais, já que o mesmo dependia de conseguir atingir determinados “objectivos”.

XIV. Assim, de acordo com o disposto na alínea c), do número 1 do artigo 260.º do Código de Trabalho não se consideram retribuição as prestações decorrentes de factos relacionados com o desempenho ou mérito profissionais, bem como a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento, nos períodos de referência respectivos, não esteja antecipadamente garantido (i. e. os prémios).

XV. Seguindo o entendimento do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 373/10.7TTPRT.P1.S1, de 26/05/2015, o prémio de produtividade cuja atribuição estava dependente da avaliação da produtividade e do desempenho profissional dos trabalhadores não assume natureza retributiva.

XVI. Deste modo, era lícito aos Recorrentes deixar de lho pagar, sem que isso represente violação do princípio da irredutibilidade da retribuição (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 292/11.0TTSTRE.E1.S1, de 17/12/2014).

XVII. Porque se está perante um erro notório na apreciação da prova constante do processo, deverá a matéria de facto constante dos pontos 4, 27, 30, 33 quando refere “12% das comissões auferidas pelas rés”, 37, 38 d), e) e f) e 39 b) dos factos dados como provados, ser considerada não provada.

SEM PRESCINDIR:

XVIII. Conforme resulta do artigo 8º, artigo 9º e artigo 10º da douta Petição Inicial, a extinção do posto de trabalho do recorrido foi objecto de impugnação judicial de despedimento que correu termos no âmbito do processo nº 386/13.7TTMTS e terminou por acordo entre as partes (Cfr. Doc. 4 junto com a Petição Inicial).

XIX. No ponto V da aludida transacção foi mencionado que: “As partes consideram extintas todas as obrigações e deveres decorrentes do contrato de trabalho celebrado entre ambos, à exceção de questões relacionadas com comissões que o autor entende lhe serem devidas, e se reserva o direito de acionar judicialmente a ré em sede própria, as quais não foram reclamadas nesta ação e que a ré não reconhece dever” (sublinhado nosso).

XX. Tendo aquela transacção sido devidamente homologada por sentença ditada para a acta, nos termos e para os efeitos do artigo 290º, número 4, do Código de Processo Civil e tendo a mesma transitado em julgado, formou-se caso julgado material com os limites fixados pelo artigo 580º e pelo artigo 581º ambos do Código de Processo Civil (Vide artigo 619º, número 1, do Código de Processo Civil).

XXI. Ora, o Recorrido naqueloutra acção, considerou extintas todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho celebrado, com excepção das questões relacionadas com as comissões.

XXII. Conforme foi referido supra, o Recorrido reclama nos presentes autos o pagamento de um prémio, ou seja, de uma obrigação distinta das comissões.

XXIII. Assim, nos termos do disposto no artigo 580º do Código de Processo Civil estamos perante uma excepção de caso julgado já que se repete aqui a causa quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

XXIV. Ainda que não seja doutamente entendido, o que só por mero dever de patrocínio se concebe, resta dizer que, conforme resulta do ponto 38, alínea k) dos factos provados, não houve transmissão da II, da TT e da UU.

XXV. De facto, apenas houve uma avaliação daquelas farmácias e, nessa medida, não tem o Recorrido direito a qualquer montante com referência às mesmas (Cfr. Artigos 95º e 98º da Petição Inicial).

XXVI. Deve assim o Meritíssimo Tribunal “ad quem” abster-se de decidir quanto à exigibilidade do aludido prémio, evitando assim ser colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir a decisão anterior.

XXVII. Em relação à segunda questão, importa referir que o artigo 101º do Código de Trabalho impõe que o acordo de pluralidade de empregadores esteja sujeito à forma escrita, sem distinguir a sua celebração originária ou sucessiva.

XXVIII. Ora, o contrato de trabalho foi celebrado apenas com a 1ª R., ora Recorrente. Deste modo, não se afigura possível a existência de uma pluralidade de empregadores.

XXIX. É certo que há quem defenda que a pluralidade de empregadores se basta com uma mera situação de facto. No entanto, no caso sub iudice, tal situação não é equacionável uma vez que as Recorrentes não constituírem uma única realidade económica, que entre as mesmas não subsiste uma relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nem tão pouco possuem uma estrutura organizativa comum.

XXX. Conforme resulta do depoimento da testemunha KK(minuto 07:26 a minuto 07:46, minuto 07:56 a minuto 08:04 e minuto 18:20 a minuto 18:50) e do legal representante das Recorrentes (minuto 28:25 a minuto 30:46, minuto 32:08 a minuto 32:15 minuto 32:42 a minuto 32:53 e minuto 33:00 a minuto 33:11) as Recorrentes partilham, apenas, a mesma morada e alguns serviços de natureza administrativa,

XXXI. a comunicação institucional de marketing não é única, nem é efectuada através de site comum às três RR.,

XXXII. as newsletters eram enviadas em separado,

XXXIII. a equipa de trabalho não é constituída pelos mesmos elementos pois apenas a recepcionista e o Técnico Oficial de Contas são comuns às três RR.

XXXIV. Face à prova produzida, deverá a resposta dada aos pontos 17, 18, 19, 21, 22 e 23 dos factos provados ser alterada para não provada.

XXXV. Tal significa que, para além do não preenchimento da exigência prevista no número 2, do artigo 101º do Código de Trabalho (requisito formal) também não se acha preenchido o requisito previsto no número 1 daquele normativo legal (requisito substancial) de que depende a verificação da figura de pluralidade de empregadores.

SEM PRESCINDIR:

XXXVI. Ainda que assim não se entenda, a presença daquela situação de facto é um afloramento do princípio da prevalência da substância sobre a forma, que esbarra com o artigo 220º e com o artigo 286º do Código Civil,

XXXVII. Assim, verifica-se nulidade do acordo por ausência de forma já que a admissibilidade de celebração de um contrato de trabalho entre um trabalhador e uma pluralidade de empregadores está dependente do preenchimento cumulativo dos requisitos constantes do artigo 101º do Código de Trabalho.

XXXVIII. No que concerne à terceira questão que nos ocupa, importa referir que o número 5, do artigo 101º determina que o trabalhador opte pelo empregador ao qual fica vinculado em caso de violação dos requisitos indicados no número 1 ou número 2 do mesmo artigo.

XXXIX. Da articulação dos documentos 3 e 4 da douta Petição Inicial e do aí alegado nos artigos 6º a 10º resulta evidente que o Recorrido, até à data da propositura desta acção, reconhecia ter apenas uma entidade patronal, a 1ª R., “BB LDA.”, ora, Recorrente.

XL. Isto porque, a comunicação da decisão de extinção do posto de trabalho foi enviada somente pela 1ª R., sem que o mesmo tenha obstado a esse facto, e porque a acção de impugnação judicial da irregularidade e licitude do seu despedimento foi por si intentada, apenas, contra a 1ª R.

XLI. O Recorrido alega e prova o contrário de uma pretensa pluralidade de empregadores, e só depois de cessado o contrato e de ter intentado uma primeira acção, apenas, contra a 1ª R., é que se deu conta da existência de três empregadores.

XLII. Deste modo, ainda que se considere a existência, de facto, de uma relação jurídica plural, não podem ser olvidadas as consequências jurídicas daí resultantes e que se traduzem na vinculação a um único empregador.

SEM PRESCINDIR:

XLIII. Em todo o caso, o A. não logrou provar que essa situação de facto se estendia à R. “FF”, ora Recorrente.

XLIV. É certo que as Recorrentes confessaram que o A. trabalhou para todas elas. Todavia, competia ao A. provar que se encontrava juridicamente subordinado, o que não logrou fazer.

XLV. De facto, neste âmbito, o Recorrido limitou-se a alegar que colaborou na apresentação inicial da 3ª R., em powerpoint, que esteve envolvido no seu arranque e que a 3ª R. ficou com a exploração da VV, em …, tendo ele ficado incumbido da gestão operacional dessa farmácia.

XLVI. Sucede que o Apelado nada disso provou, pelo contrário toda a prova testemunhal por si produzida infirma-o, claramente.

XLVII. Isto porque, nos artigos 111, 112, 113, 114 e 115 da sua douta Petição Inicial, o Apelado afirma que, no ano de 2011, teve intervenção na venda das quotas da empresa FF 2, pertencente ao sócio gerente das RR. que detinha a exploração da VV, em … e que as RR. (possivelmente a 2ª R) receberam 88.000,00€+Iva, sendo que a empresa que pagou a comissão foi a XX Lda, NIPC ... Centro …, loja …, Av. …, nº …, ….

XLVIII. Sucede que, a dada altura do seu depoimento, a propósito da VV, de … o Apelado afirma que desconhece a existência da empresa FF 2 (minuto 15:30 a minuto 16:07).

XLIX. Deste modo, deverá a resposta dada ao ponto 26 e 34., alínea a) dos factos dados como provados ser alterada para não provada.

L. Importa, assim, referir que o Recorrido não interveio em nenhum negócio concretizado pela FF, pelo que, em todo o caso, aquela sociedade não é devedora de qualquer montante a título de prémio.

LI. Por outro lado, a prova documental produzida a este propósito, concretamente, os recibos de remuneração juntos aos autos na douta Petição Inicial (v.g. Docs. 7, 8, 9) apontam para uma relação de trabalho independente.

LII. O que desde já se alega para todos os devidos e legais efeitos.”

Como se vê, os recorrentes fizeram constar na conclusão “XVII. Porque se está perante um erro notório na apreciação da prova constante do processo, deverá a matéria de facto constante dos pontos 4, 27, 30, 33 quando refere “12% das comissões auferidas pelas rés”, 37, 38 d), e) e f) e 39 b) dos factos dados como provados, ser considerada não provada”.

E nas conclusões XXXIV e XLIX impetraram: “Face à prova produzida, deverá a resposta dada aos pontos 17, 18, 19, 21, 22 e 23 dos factos provados ser alterada para não provada”, “Deste modo, deverá a resposta dada ao ponto 26 e 34., alínea a) dos factos dados como provados ser alterada para não provada”.

É assim claro que os recorrentes especificaram “[o]s concretos pontos de facto que considera[m] incorretamente julgados bem como “[a] decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”, dando assim cabal cumprimento ao estabelecido nas alíneas a) e c), do nº 1, do transcrito art. 640º do CPC.

Pretendendo os recorrentes que aqueles factos fossem julgados não provados, não se vê como poderiam indicar a redação alternativa a dar aos mesmos, como pretendia a Relação.

Mas será que observaram o estabelecido na alínea b) do nº 1 e no nº 2, alínea a)?

Como este mesmo coletivo consignou no acórdão de 20.12.2017, processo 299/13.2TTVRL.C1.S2, «a alínea a) exige que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, e a alínea c) que indique a decisão que, a seu ver, deve ser proferida sobre cada um desses factos. Por conseguinte, quando na alínea b) se exige que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe-se que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos documentos, sendo caso disso, e das respetivas passagens de cada um dos depoimentos.

É que, pese embora o reforço dos “poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada” referido na “exposição dos motivos” consignados na proposta da Lei nº 41/2013, de 26 de junho, no sentido de “[p]ara além de manter os poderes cassatórios” terem sido “substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material”, a verdade é que a reapreciação da prova pela 2ª instância não constitui, nem pode constituir, um segundo e integral julgamento. Como é referido no preâmbulo do DL nº 39/1995, de 15 de fevereiro “[a] garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.

A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.

Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712.º) - e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1.ª instância - possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta...”

No caso, como se vê das conclusões transcritas, os recorrentes dividiram a matéria de facto provada e que pretendem seja alterada julgando-a não provada, em blocos distintos, contendo cada um deles diversos factos, indicando para cada um deles a prova cuja reapreciação pretendem.

E nas alegações propriamente ditas referiram:

A) DO ALEGADO RECEBIMENTO DE COMISSÕES

Em primeiro lugar, cabe recordar que conforme resulta da análise dos pontos 4., 27., 30., 33. e 37. dos factos dados como provados, o Meritíssimo Tribunal “a quo” considerou assente que desde a admissão do A. “pela 1ª ré, à parte fixa da retribuição do autor, acrescia uma retribuição variável de comissões de 12% sobre as comissões das vendas efectuadas, que lhe foi paga até 2012 sobre todos os negócios mediados pelas três rés”.

Sucede que, salvo o devido respeito por diversa opinião, apesar de, por diversas vezes, essa terminologia tivesse sido adoptada com referência ao montante recebido pelo Apelado em função do cumprimento dos objectivos de vendas, a verdade é que não resultou provada a relação de contrapartida entre a prestação de trabalho e o recebimento da correspondente retribuição.

Veja-se, a este propósito, o depoimento de II, (minuto 07:26 a minuto 08:30) quando afirma: (…).

Conforme se alcança do depoimento da testemunha KK(minuto 20:15 a minuto 20:26) (…).

Da análise do depoimento das restantes testemunhas arroladas, constata-se que nenhuma delas se debruçou sobre esta questão, pelo que, repete-se, não se fez prova do carácter retributivo do valor auferido pelo Recorrido sobre o total das vendas.

(…)

Como era prática comum na empresa, e ocorria, de resto, no caso da trabalhadora LL(minuto 10:30 a minuto 10:45) (…).

Volvendo o trecho do depoimento prestado por II, transcrito supra vemos que (…) (minuto 07:36 a minuto 08:30 de minuto 10:54:55 a minuto 12:45:49)(…).

Por outro lado, conforme resulta do depoimento do Apelado (minuto 21:10 a minuto 21:27) (…).

Foi o que ocorreu com os negócios relativos (…) conforme resulta dos depoimentos de II, PP e QQ. Senão vejamos:

Depoimento de II (minuto 42:04 a minuto 42:50, minuto 44:00 a minuto 44:42, minuto 46:00 a minuto 47:36, minuto 56:00 a minuto 56:31 de minutos 10:54:55 a 12:45:49): (…).

Depoimento de QQ(minuto 04:14 a minuto 04:32, minuto 07:19 a minuto 08:11): (…).

Depoimento de PP (minuto 03:18 a minuto 04:02, minuto10:20 a minuto 11:30): (…)

Na verdade, apenas a testemunha RR afirmou peremptoriamente esse facto. No entanto (…), o seu depoimento encontra-se necessariamente comprometido com o resultado da presente acção, visto que demandou as, ora, Recorrentes em acção judicial na qual reclama, igualmente, comissões.

Veja-se o seguinte trecho do seu depoimento (minuto 00:02 a minuto 00:31): (…).

Por outro lado, aquela testemunha demonstrou não possuir conhecimento directo acerca do que lhe estava a ser perguntado (minuto 49:53 a minuto 50:52): (…).

Porque se está perante um erro notório na apreciação da prova constante do processo, deverá a matéria de facto constante dos pontos 4, 27, 30, 33 quando refere “12% das comissões auferidas pelas rés”, 37, 38 d), e) e f) e 39 b) dos factos dados como provados, ser considerada não provada atento o supra exposto.”

Os factos aqui impugnados são os seguintes:

4) Acrescida ainda de uma retribuição variável de comissões de 12% sobre as comissões das vendas efetuadas.

27) O A. recebia o pagamento da sua retribuição fixa por parte da 1ª R e a retribuição variável indistintamente das três RR.

30) Até 2012 o autor auferiu em todos os negócios mediados pelas três rés uma comissão de 12% sobre o valor cobrado.

33) O A. recebeu da 3ª R a quantia bruta de € 49.200 (12% das comissões auferidas pelas rés) titulada por atos isolados subscritos por este e pela companheira ZZ, e contra a entrega de faturas.

37) Em 2012, após propostas de alteração do pagamento das comissões, que o autor não aceitou, o sócio gerente das três RR decidiu, deixar de pagar as comissões.

38) No ano de 2012 foram realizados pelas rés os seguintes negócios (que tiveram a intervenção do autor):

d) venda da MM, … (venda de quotas) tendo a 2ª R recebido 75.000,00+IVA, valor que foi faturado como serviços prestados no âmbito de mediação, à empresa AAA Lda,

e) venda da OO (venda de Alvará) …, … a 1ª R recebeu 18.000,00€ + IVA, valor faturado à empresa BBB, Lda;

f) intermediação na venda (venda de quotas) da NN, …, … recebeu a 2ª R 50.000,00€+IVA, faturada à empresa CCC S.A.

39) Até Abril de 2013 concretizaram-se ainda os seguintes negócios com intervenção do A.:

b) venda da HH, Lisboa (venda de quotas) em que a 2ª R recebeu a quantia de € 50 000,00, faturada a BBB, Lda”.

E prosseguem nas alegações:

“(…)

Existindo a subordinação jurídica da trabalhadora em relação às duas rés que utilizam em comum a prestação de trabalho da autora porque mantêm estruturas organizativas comuns, configura-se a existência de um contrato de trabalho com vários sujeitos a assumir o estatuto de empregador”.

No entanto, no caso sub iudice, tal situação não é equacionável. Senão vejamos:

A testemunha KK referiu, no seu depoimento (minuto 07:26 a minuto 07:46, minuto 07:56 a minuto 08:04 e minuto 18:20 a minuto 18:50) o seguinte: (…).

Por sua vez, o legal representante das Recorrentes asseverou (minuto 28:25 a minuto 30:46, minuto 32:08 a minuto 32:15 minuto 32:42 a minuto 32:53 e minuto 33:00 a minuto 33:11) que: (…).

Sobre esta questão pronunciou-se, ainda, a testemunha DDD, todavia, o seu testemunho não deverá ser valorado uma vez que é notório o sentimento de inimizade que nutre pelas Recorrentes, tendo mesmo demandado os mesmos em acção judicial já em curso (minuto 01:38 a minuto 01:56 do seu depoimento): (…).

Face à prova produzida, deverá a resposta dada aos pontos 17, 18, 19, 21, 22 e 23 dos factos provados ser alterada para não provada”.

São estes os factos em causa:

17) A comunicação institucional de marketing era efetuada através de um site comum, pelo menos à 1ª e 2ª RR, onde se apresentavam os serviços de mediação, intermediação e gestão de farmácias.

18) Situação que se repetia nas newsletters enviadas aos clientes e potenciais clientes.

19) As três RR apresentavam-se na ... num stand comum.

21) Os meios de trabalho, material de escritório, software (PHC) onde se registava toda a actividade eram comuns, pelo menos à 1ª e 2ª RR, tendo para as duas a mesma base de dados.

22) A equipa de trabalho das três RR era constituída pelos mesmos elementos, designadamente:

Gerente – II, Diretor,

Diretor comercial – AA,

Secretaria/Telefonista – KK,

Gestor de Backoffice/Administrativo – RR,

Comerciais – LL, EEE.

23) Sendo que todos trabalhavam sem diferenciar em cada processo o trespasse de alvará, da venda de quotas de uma sociedade, uma vez que o trabalho que era feito era, essencialmente, a angariação promoção e venda de farmácias”.

Mais alegam:

“C) DA ALEGADA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA

(…)

SEM PRESCINDIR:

Em todo o caso, o Recorrido não logrou provar que essa situação de facto se estendia à R. “FF”, ora Recorrente.

É certo que as Recorrentes confessaram que o Recorrido trabalhou para todas elas. Todavia, competia ao A. provar que se encontrava juridicamente subordinado, o que não logrou fazer.

(…)

Sucede que o Apelado nada disso provou, pelo contrário toda a prova testemunhal por si produzida infirma-o, claramente.

(…)

Sucede que, a dada altura do seu depoimento, a propósito da VV, de Coimbra (minuto 15:30 a minuto 16:07) o Apelado afirma que desconhece a existência da empresa FF 2 (…).

Deste modo, deverá a resposta dada ao ponto 26 e 34., alínea a) dos factos dados como provados ser alterada para não provada.

Os factos 26 e 34., alínea a) são os seguintes:

26) Por determinação do Sr. II, gerente e administrador das três rés, o A. foi incumbido da gestão operacional da VV, em …, juntamente com a diretora técnica e proprietária do alvará, ali desempenhando funções durante 3/4 meses, todas as segundas-feiras.

34) No ano de 2011 o A. teve intervenção nos seguintes negócios realizados pelas RR:

a) venda das quotas da empresa Planofarma 2, pertencente ao sócio gerente das RR que detinha a exploração da VV, …, mediante o qual a 2ª ré recebeu 88.000,00€+IVA, tendo a comissão sido paga pela XX, Lda.”

Como resulta das transcrições que acabámos de fazer, a fórmula adotada pelos recorrentes, quer no corpo das alegações, quer nas conclusões, consistiu em englobar os factos impugnados em grupos indicando relativamente a cada um desses grupos os meios probatórios em que fundam a sua pretensão. Na prática, tal equivale a “atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido”, meio processual de impugnação que o legislador quis afastar, como expressamente referiu no preâmbulo do DL nº 39/1995, de 15 de fevereiro, atrás parcialmente transcrito.

É assim patente que os recorrentes, ao não indicarem relativamente a cada um dos factos cuja decisão impugnam, os meios de prova a reapreciar e que, na sua tese, impunham uma decisão diversa, não cumpriram cabalmente o estabelecido na alínea b) do nº 1 e no nº 2, alínea a) do art. 640º do CPC.

5. DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2 – Condenar os recorrentes nas custas da revista.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 19 de dezembro de 2018

Ribeiro Cardoso

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

 

____________________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2, 608º, n.º 2 e 679º do CPC.