Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
229/14.4TNLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
COISA MÓVEL
EMBARCAÇÃO
LIMITE DA RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PROPOSTA DE SEGURO
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DOS DANOS
SEGURO DE GRUPO
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO / SEGURO DE DANOS / INDEMNIZAÇÃO.
Legislação Nacional:
LEI DO CONTRATO DE SEGURO (LCS), APROVADA PELO DECRETO-LEI N.º 72/2008, DE 16 DE ABRIL: - ARTIGOS 128.º, 131.º, N.º 1, 132.º, 133.º, N.º 2.
DECRETO-LEI N.º 176/95, DE 26 DE JULHO: - ARTIGO 17.º
Sumário :
I - No seguro de coisas, relevam, entre outros, os princípios gerais consagrados na Lei do Contrato de Seguro (LCS), segundo os quais: “A prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro” (art. 128º) e “(…) o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo da prestação.” (art. 131º, nº 1).

II - Tendo sido dado como provado que, de acordo com a proposta relativa ao seguro dos autos, o capital seguro se decompõe pelas partes componentes da embarcação de recreio sinistrada, resulta, da conjugação dos referidos preceitos com as cláusulas do contrato de seguro concretamente celebrado, que o montante indemnizatório a pagar ao tomador do seguro deve ser calculado não em função dos danos globais sofridos – com o limite do valor global da embarcação à data do sinistro –, mas antes em função do custo de reparação de cada uma das partes componentes da embarcação, com o limite do valor que cada uma delas tinha à data do sinistro.

III - Não tendo sido feita prova do valor efectivo das partes componentes da embarcação de recreio, não se pode presumir que a desvalorização de 40%, que afectou a coisa segurada no seu todo, corresponde à desvalorização de cada uma das partes que a integram, na medida em que a desvalorização varia em função de múltiplos factores como a natureza dos materiais e a idade dos mesmos (a qual não é idêntica para todas as componentes uma vez que, ao longo dos anos, algumas foram substituídas).

IV - Por conseguinte, não tendo sido apurados factos que permitam definir o critério de decomposição do limite global do valor seguro, terá de se remeter para ulterior liquidação o cálculo da indemnização.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA propôs acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a entregar-lhe a quantia de € 55.068,91, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alegou para tanto, e em síntese, que celebrou com a R. um contrato de seguro que tem por objecto uma embarcação de recreio (S...) de que é proprietário. Precisou que esta sofreu um acidente, pois foi atingida por uma onda de grande dimensão, a qual, conjugada com uma súbita mudança da direcção do vento, provocou a quebra do mastro no primeiro vau. Adiantou que, tendo em vista a salvação da S..., teve de libertar a parte quebrada do mastro e todos os elementos agarrados ao mesmo, circunstância que incrementou os danos registados a bordo, sendo que a reparação de todos eles ascende ao montante de € 55.068,91.

Salientou que o sinistro em causa está coberto pelas condições da apólice e que a R., depois de ter recebido a participação do evento danoso, aceitou pagar apenas o valor de € 17.032,33, tendo contraposto que o capital seguro excede o valor da embarcação segura, mas sem razão, pois a S... vale mais do que € 55.068,91, e a R. nunca pediu a redução do contrato de seguro nem restituiu ao A. quaisquer sobreprémios (arts. 128.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto Lei n.º 72/2008, de 16-04).

A R. contestou a acção, contrapondo que o valor venal das peças a substituir ascende a € 17.032,33, ao qual importa deduzir a franquia de € 1000. Por isso enviou ao A. um recibo de indemnização no montante de €16.032,33, e reiterou junto do mesmo a decisão de apenas lhe entregar tal quantia.

Aduziu que o valor do interesse seguro, ao tempo do sinistro, não corresponde ao que está vertido na apólice, pois o contrato foi celebrado em 2008 com o capital seguro no montante de € 100.000 e este jamais foi actualizado pelo A. como era seu dever, sendo certo que os anteriores proprietários da embarcação fizeram o respectivo seguro em 2003 pelo mesmo valor. Por isso, e dado que o valor venal da embarcação era, à data do sinistro, inferior ao capital seguro, verificou-se uma situação de sobresseguro no decurso do contrato, a qual determina que a prestação da R. para com o A. esteja limitada ao valor venal do bem seguro e nesse contexto não possa exceder os € 16.032,33.

Num outro plano, argumentou que não está em mora, pois foi o A. quem recusou o valor indemnizatório proposto, pelo que não há lugar a qualquer pagamento de juros de mora.

Terminou pedindo a improcedência da acção ou a procedência parcial da mesma, mas limitada ao montante de € 16.032,33, absolvendo-se a R. quanto ao demais.

A fls. 158 foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a R. no pagamento ao A. da quantia de € 16.032,33, acrescida dos juros de mora que se vencerem a partir do trânsito em julgado da sentença.

Inconformado com o assim decidido, o A. interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de fls. 245 foi decidido o seguinte:

“Face ao exposto, julga-se procedente a Apelação e, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância condena-se a Ré/Apelada BB - SEGUROS, SA, a pagar ao A./Apelante AA, a quantia de € 55 068,91 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal desde a citação até integral pagamento.”


2. Vem a R. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

1. A proposta de seguro, dada por reproduzida na alínea b) dos factos provados, indica as verbas em que se decompõe o capital seguro, no valor de € 100.000.

2. Nessa proposta, autonomizou-se, entre outras, as seguintes verbas: mastro (€ 20.000), vela grande (€ 10.000), genoa (€ 7.000), casco (€ 20.000) e aparelhos de apoio à navegação (€ 8.000).

3. O documento junto à p.i. sob doc. 5, cujo teor constitui uma extensão do facto alegado no art. 13° desse articulado, o qual foi julgado provado - alínea n) dos factos provados -, e o relatório de peritagem (doc. 3 da contestação), que foi um dos elementos que serviu de base à decisão vertida naquela alínea n), permitem determinar as parcelas cuja soma perfaz o custo de reparação, no valor de € 55.068,91 (com IVA incluído), mencionado na referida alínea dos factos provados.

4. Essas parcelas são as seguintes: mastro (€ 26.495,17), vela grande (€ 9.699,69), genoa (€ 7.323,63), casco (€ 4.998,63) e aparelhos de apoio à navegação (€ 6.551,78).

5. Assim, a decisão de facto, ainda que indirectamente, permite determinar, por um lado, as verbas em que se decompõe o capital seguro de € 100.000 (e, consequentemente, por que verbas foram seguras as partes da embarcação afectadas pelo sinistro) e, por outro, as parcelas em que se decompõe o custo total de reparação, no valor de € 55.068,91.

6. Está provado que a embarcação "S...", embora se encontrasse segura pelo valor de € 100.000, valia, à data do sinistro, € 60.000 (alíneas d) e y) dos factos provados), ou seja, sofrera uma desvalorização de 40%, por referência ao capital por que fora segura.

7. Verifica-se, pois, existir uma situação de sobresseguro, que se encontra regulada no artigo 5° do Capítulo IV das CGA.

8. O número 5.1 estabelece que, sendo o capital seguro superior ao valor dos bens seguros à data do sinistro, "..., o Seguro só é válido até à concorrência do valor dos Bens, ...", estipulando o número 5.2 que "Segurando-se diversos bens por quantias e verbas designadas separadamente, os preceitos do número anterior são aplicáveis a cada uma delas, como se fossem Seguros distintos".

9. Com recurso à equidade, parece razoável considerar-se que os bens autonomizados na proposta de seguro sofreram desvalorização equivalente à da embarcação segura, pelo que, tal como esta, valiam, à data do sinistro, sensivelmente, 60% dos respectivos capitais garantidos.

10. Do que resulta que os bens seguros por valores indicados separadamente, atingidos pelos estragos resultantes do sinistro, tinham, à data em que este ocorreu, os seguintes valores: mastro - € 12.000; vela grande - € 6.000; genoa - € 4.200; casco - € 12.000; aparelhos de apoio à navegação - € 6.000.

11. Em relação ao mastro, à vela grande, à genoa e aos aparelhos de apoio à navegação, em virtude de os seus custos de reparação excederem os respectivos valores venais, a responsabilidade da R. encontra-se limitada a estes últimos, nos termos dos números 5.1 e 5.2 do Capítulo IV das CGA.

12. A situação é diferente quanto ao casco, pois o seu custo de reparação é inferior ao seu valor venal, pelo que a indemnização deve corresponder àquele custo, nos termos do número 4.3 da Secção II do Capítulo II das CGA, cuja aplicação não é, neste caso, condicionada pela regra do número 5.1 do Capítulo IV das CGA.

13. Assim, nos termos dos números 5.1 e 5.2 do Capítulo IV e do número 4.3 da Secção II do Capitulo II das CGA (este último aplicável, apenas, aos danos no casco), a indemnização não deve ultrapassar os € 33.198,63 (€ 12.000 + € 6.000 + € 4.200 + € 6.000 + € 4.998,63).

14. A esse valor deve ser deduzida uma franquia de € 1.000, correspondente a 1% do capital seguro, prevista nas condições particulares da apólice, dadas por reproduzidas na alínea c) dos factos provados, do que resulta que a responsabilidade da R. se encontra limitada ao valor de € 32.198,63.

15. Apesar de as partes da embarcação afectadas pelo sinistro (mastro, vela grande, genoa, casco e aparelhos de apoio à navegação) se encontrarem seguras por quantias designadas separadamente, o tribunal a quo desconsiderou os números 5.1 e 5.2 do Capítulo IV das CGA e, por conseguinte, não teve a preocupação de apurar o valor venal daqueles bens à data do sinistro, para o que deveria ter recorrido à decisão de facto, estendendo, nos termos pugnados, a desvalorização sofrida pela embarcação segura às suas partes, por referência aos respectivos capitais seguros.

16. Atendendo à regra contida nos referidos números 5.1. e 5.2, o disposto no número 4.3 da Secção II do Capítulo II das CGA, aplicado pelo tribunal a quo à totalidade dos danos, apenas deveria ter sido aplicado aos danos sofridos pelo casco, sendo que, quanto aos danos incidentes sobre as demais partes da embarcação afectadas (isto é, o mastro, a vela grande, a genoa e os aparelhos de apoio à navegação), a indemnização encontra-se limitada ao valor desses bens.

17. Pelo exposto, no acórdão recorrido, desconsiderou-se os números 5.1 e 5.2 do Capítulo IV e, por conseguinte, aplicou-se, indevidamente, à totalidade dos danos o número 4.3 da Secção II do Capítulo II das CGA, quando esta disposição apenas deveria ter sido aplicada aos danos sofridos pelo casco, já que, nesse caso, o seu custo de reparação é inferior ao respectivo valor venal (diferentemente do que se verifica com as demais partes da embarcação afectadas pelo sinistro).

18. Naquele acórdão, além das referidas disposições contratuais, o tribunal a quo desconsiderou e/ou interpretou indevidamente os arts. 49°/ 1, 2 e 3, 128°, 130/1 e 132/1 do RJCS.

Termos em [que] devem V. Exas. conceder provimento à revista e, em consequência, revogar, parcialmente, o acórdão recorrido, reduzindo o valor da condenação da R. para €32.198,63 e absolvendo-a do remanescente do pedido


O Recorrido contra-alegou, invocando não dever ser conhecida a questão da decomposição do capital seguro por ser questão nova não suscitada anteriormente nos autos, e, de todo o modo, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.


Cumpre decidir.


3. Vem provado o seguinte (mantendo-se a identificação e redacção das instâncias):

1 (a). O Autor é dono e legítimo possuidor da embarcação de recreio, tipo veleiro, denominada S…, com o conjunto de identificação 15…, da marca BENETEAU, modelo 45 P5.

2 (b). Em 06-02-2008, CC subscreveu a proposta relativa ao seguro do ramo embarcações de recreio em que a Ré figura como seguradora e aquele subscritor como segurado, junta com a petição inicial como documento n.° 2 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3 (c). O seguro ajustado entre as partes foi titulado pela apólice n.° 10… e submeteu-se às respetivas condições gerais, especiais e particulares, todas juntas com a petição inicial e a contestação como documentos n.°s 2 e 1, respectivamente, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4 (d). O seguro ajustado entre as partes tem por objeto a embarcação denominada S… e um capital seguro de € 100 000.

5 (e). O Autor assumiu a posição de segurado em 2011.

6 (f). O Autor sempre pagou os prémios do seguro acima referido.

7 (g). O seguro mantém-se atualmente em vigor, não tendo as partes operado a extinção dos seus efeitos.

8 (h). No dia 16-09-2013, pelas 01 horas, na navegação Ponta Delgada – Aveiro, no local correspondente às coordenadas geográficas 40º32’N – 009°26W, a S… foi atingida por uma onda que a galgou até ao mastro, tendo em simultâneo ocorrido uma súbita mudança da direção do vento.

9 (i). Em face de tal circunstancialismo, o mastro no primeiro vau da S… quebrou-se.

10 (j). Tendo em vista a salvação da embarcação, o Autor libertou a parte quebrada do mastro e todos os elementos agarrados ao mesmo.

11 (k). Os estragos sofridos impediram a S… de prosseguir viagem com destino a Aveiro, tendo a embarcação arribado na Nazaré.

12 (l). Uma vez chegada à Nazaré, a S… ficou a nado.

13 (m). Em consequência do sucedido, a S… sofreu os seguintes estragos:

— Mastro;

— Brandais monofilares;

— Tensor de backstray;

— Calha da vela grande;

— Desaparecimento da parte superior da vela grande, dracon 2010;

— Lazy bag da vela grande;

— Enrolador de genoa principal;

— Genoa de 130% em carbono (2010);

— Enrolador de estai de tempo (2012);

— Estai de 90% dracon;

— 4 adriças de velas em dynema com mosquetão;

— 2 adriças normais com mosquetão;

— Amantilho do spi com mosquetão;

— Antena de VHF;

— Antena de televisão;

— Antena GPS;

— Radar;

— Instrumentos de vento Garmin;

— Girouette;

— Luzes de topo, fundeio, motor e convés;

— Casco no lado de bombordo;

— Varandim de proa e lateral de bombordo;

— Escota da vela grande;

— Escotas da genoa principal;

- Escotas do estai de tempo;

- Manivela Harken autoblocante;

- Pau de croque extensível;

- Cana de pesca de alto mar com carreto para peixes de grande porte.

14 (n). A reparação de tais estragos ascende à quantia global de € 55 068,91.

15 (o). Por email datado de 16-09-2013 (16 horas e 31 minutos) que enviou à Ré, junto com a petição inicial como documento n.º 6 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o Autor participou o sinistro ocorrido bem como os danos sofridos pela S….

16 (p). Por email datado de 16-09-2013 (16 horas e 34 minutos) que enviou ao Autor, junto com a petição inicial como documento n.º 6 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Ré solicitou-lhe a indicação do número da apólice de seguro.

17 (q). Por email datado de 16-09-2013 (16 horas e 48 minutos) que enviou à Ré, junto com a petição inicial como documento n.º 7 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o Autor comunicou o número da apólice de seguro.

18 (r). O Autor enviou à Ré o orçamento respeitante à reparação dos danos sofridos pela S… em consequência do referido sinistro.

19 (s). Por email datado de 13-12-2013 que enviou ao Autor, junto com a petição inicial como documento n.º 8 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Ré remeteu-lhe um recibo de indemnização no valor de € 17 032,33.

20 (t). Por email datado de 14-12-2013 que enviou à DD - Correctores de Seguros, S.A., junto com a petição inicial como documento n.º 9 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o Autor recusou a proposta de indemnização da Ré e solicitou-lhe o pagamento da totalidade dos danos sofridos.

21 (u). Por carta datada de 23-12-2013 que remeteu à DD – Corretores de Seguros, S .A., junto com a petição inicial como documento n.º 10 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Ré declarou, designadamente, o seguinte:

«No seguimento da participação do sinistro e após análise ao relatório de peritagem, informamos que mantemos a nossa posição inicial, isto é, de acordo com o recibo de indemnização já vos enviado.

Mantemos esta posição baseada nos seguintes pontos:

A determinação do capital seguro é sempre da responsabilidade do Tomador do Seguro, tanto à data da celebração deste contrato como a cada momento da sua vigência. O capital seguro desta embarcação está fixado em € 100 000 desde 2008 sem qualquer alteração, não havendo histórico anterior.

Se o capital seguro se revelar superior, o seguro só é válido até à concorrência do valor dos bens, nos termos previstos neste contrato.

Segurando-se diversos bens por quantias e verbas designadas separadamente, os preceitos do n.° anterior são aplicáveis a cada uma delas, como se fossem seguros distintos.

Na consulta a vários sítios da especialidade, encontramos embarcações iguais com valores inferiores entre os € 90 000 e € 65 000.

Relativamente aos valores de orçamento e apresentados pelo perito, os mesmos tiveram a respetiva desvalorização nos seguintes termos:


Equipamento     Valor em novo    Vida útil     Coeficiente  Valor Venal

Mastro          € 20 440,79         15 anos       0,35526       € 7261,79

Velas           € 10 638,93        5 anos        0,32768       € 3486,16

Casco         € 4063,93             5 anos        0,32768       € 1331,66

Navegação    € 5326,65            10 anos       0,34863       € 1857,34

Total peças     € 44 771,47                                                € 15 052,33

Transporte                                                                              € 1100

Diversos                                                                                 € 880

TOTAL                                                                            € 17 032,33


Para além do acima referido, não podemos esquecer que houve um sinistro em Agosto de 2009 com a liquidação de uma vela grande no valor de € 3900. O valor seguro deveria ter sido alterado e não o foi (...).»

22 (v). Por carta datada de 11-02-2014 que remeteu à Ré, junta com a petição inicial como documento n.° 11 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o Ilustre Mandatário do Autor declarou, designadamente, o seguinte:

«(...) O meu constituinte AA incumbiu-me da reclamação judicial de indemnização no valor de € 55 068,91 (...) resultante de danos sofridos na embarcação denominada S….

(...)

Os danos sofridos encontram-se cobertos pela apólice em referência e enquadram-se no capital seguro.

Porém, emitiram recibo de indemnização pelo valor de € 17 032,33 (...) com base no capital seguro exceder o valor da embarcação segura.

A prestação devida pela seguradora está limitada ao dano decorrente do sinistro e até ao montante do capital seguro (artigo 128.° do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 72/2008, de 16 de Abril).

Se o capital seguro exceder o valor do interesse seguro é aplicável o disposto no artigo 128.°, podendo as partes pedir a redução do contrato (art. 132.°, n.° 1, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 72/2008, de 16 de Abril).

No caso de redução do contrato, a seguradora deve restituir ao segurado os sobre prémios pagos nos dois anos anteriores ao pedido de redução do contrato (art. 132.°, n.° 2, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 72/2008, de 16 de Abril).

O valor da embarcação excede o valor dos danos sofridos.

Não foi pedida a redução do contrato de seguro.

Não foi efetuada a restituição de sobre prémios nos dois anos anteriores ao pedido de redução do contrato.

A v/ posição carece em absoluto de fundamento legal.

Interpelo ao pagamento da quantia de € 55 068,91, no prazo de 8 dias, sob pena de instauração da competente Acão judicial.

Cumprimentos,

(...).»

23 (w). Por carta datada de 11-03-2014 que remeteu ao Ilustre Mandatário do Autor, junta com a petição inicial como documento n.º 12 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a Ré declarou, designadamente, o seguinte:

«(...)

Exmos. Senhores,

Em resposta à carta de V. Exas. devemos esclarecer que:

Os capitais seguros para cobertura do equipamento que V/Exas referencia como valor total de substituição em novo de € 55 068,91, está sujeito aos cálculos de valor venal à data do sinistro que obrigam a Seguradora na sua indemnização pecuniária. O valor de € 17 032,33 resulta claramente do cálculo do valor venal para os equipamentos com cobertura reclamada com base no Dec. Regulamentar 25/2009 de 14 de Setembro, o qual define na Tabela 1 – Taxas específicas, Divisão 6, alínea C) “Transportes Marítimos e Lacustres” o valor de 25% de depreciação anual para as embarcações de fibra de vidro, facto que a ser levado em conta determinaria um valor de indemnização substancialmente inferior ao constante no nosso recibo de indemnização, agora reclamado.

De acordo com toda a documentação que temos em nosso poder relativamente às propostas e capitais seguros, a embarcação é de 1991 e desde 2008, ano do 1.º contrato celebrado entre a A.N.C. e a BB – Seguros, o capital seguro da embarcação “S…” nunca foi alterado. Todos os bens deste tipo têm um valor em novo, o qual não se mantém ao longo da sua vida útil.

Chamamos à atenção que o valor comercial da embarcação para qualquer transação pode ser diferente do valor seguro.

No que diz respeito aos vários elementos reportados na carta de V. exas, solicitamos o envio de comprovativos que valorizem a compra dos equipamentos referidos e a respetiva data de aquisição, nomeadamente a vela grande dracon, da Genoa 130% em carbono, enrolador de estai e do estai de 90 % dracon.

De acordo com a nossa postura comercial, ainda assim, em tempo, propusemos ao segurado um acréscimo de € 3000 para indemnização do sinistro.

Informamos que ficamos a aguardar a resposta ao penúltimo parágrafo desta carta para podermos rever a nossa posição, ou não, relativamente ao valor a indemnizar. (...)

Sem outro assunto de momento, (...).

24 (x). Por carta datada de 13-03-2014 que remeteu à Ré, junta com a petição inicial como documento n.º 13 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o Ilustre Mandatário do Autor declarou, designadamente, o seguinte:

«Exmos. Senhores,

(...)

Na carta a que respondo invocam que o valor da v/ proposta de indemnização resulta da aplicação da ao valor dos equipamentos danificados em consequência do sinistro na tabela 1, divisão 6, alínea c), do Decreto Regulamentar n.º 25/2009. O Decreto Regulamentar n.º 25/2009 estabelece o regime das depreciações e amortizações para efeitos do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e apenas para esses efeitos.

O Decreto Regulamentar n.º 25/2009 não se aplica à fixação do valor da indemnização resultante do mencionado sinistro.

Acresce que, o meu constituinte AA, como pessoa física ou singular que é, nem sequer constitui sujeito passivo de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), pelo que, o regime das depreciações e amortizações para efeitos do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) não é também aplicável à embarcação denominada S….

O critério que pretendem aplicar para fixação da indemnização a pagar não tem cabimento, nem fundamento.

A reparação dos danos sofridos totaliza a quantia de € 55 068,91 (...), conforme orçamento já em v/ poder.

Os danos sofridos encontram-se cobertos pela apólice em referência e enquadram-se no capital seguro.

O valor da embarcação excede o valor dos danos sofridos.

Não foi pedida a redução do contrato de seguro.

Não foi efetuada a restituição de sobre prémios nos dois anos anteriores ao pedido de redução do contrato.

A v/ posição carece em absoluto de fundamento legal.

Interpelo ao pagamento da quantia de € 55 068,91 (...) no prazo de 8 dias, sob pena, de instauração da competente Acão judicial.

(...).»

25 (y). À data do sinistro, a S… tinha um valor de mercado / venal não superior a € 60 000.

26 (z). A Ré nunca pediu a redução do contrato de seguro.

27 (aa). A Ré jamais restituiu ao Autor parte dos prémios de seguro que este lhe pagou.

28 (bb). O Autor não é sujeito passivo de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

29 (cc). O seguro ajustado pelo Autor é um seguro de grupo contratado pela Associação Nacional de Cruzeiros com intervenção da mediadora DD.

30 (dd). A proposta de seguro que esteve na base da apólice n.º 10… foi subscrita pelo anterior proprietário da S… (CC) no dia 06-02-2008, tendo o Autor assumido a posição de tomador do seguro em 2011.

31 (ee). O seguro começou a vigorar no dia 01-02-2008 por um período inicial de um ano renovável por iguais períodos de um ano.

32 (ff). O Seguro foi renovado em Fevereiro de 2013 por mais um ano, tendo como capital seguro o valor de € 100 000.

33 (gg). Na sequência do sinistro, a Ré solicitou a realização de uma perícia à S… tendo em vista a determinação dos danos sofridos pela embarcação em consequência do sinistro participado pelo Autor e o valor venal das peças/componentes a substituir na data do evento danoso.

34 (hh). O perito que efetuou o exame à S… elaborou o relatório junto com a com testação como documento n.º 3 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

35 (ii). A S… foi construída em 1991 e tinha 22 anos à data do sinistro.

36 (jj). Os componentes/mecanismos danificados encontravam-se instalados na S… desde a data da sua construção, com exceção do/a:

— Estaiamento, colocado em 2012;

— Vela grande, colocada em 2010;

— Genoa, colocada em 2010;

— Sensor de vento, colocado em 2011;

— Antena VHF, colocada em 2011;

— Antena TV + suporte, colocada em 2011;

— Mosquetões e manilhas, colocados em 2011;

— Enxarcia (cabos massa/adriças), colocada em 2011.

37 (kk). Com base nas conclusões alcançadas no relatório pericial, a Ré enviou ao Autor um recibo de indemnização no valor de € 16 032,33.

38 (ll). O capital seguro nunca foi alterado.

39 (mm). A Ré apurou que o anterior proprietário da S… (CC), juntamente com os outros comproprietários, fez em 2003 um seguro da embarcação noutra seguradora e pelo mesmo capital seguro de € 100 000.

40 (nn). O Autor recusou o valor da indemnização proposto pela Ré.


Foram dados como não provados os seguintes factos:

A) (1) Por email datado de 16-09-2013 (16 horas e 31 minutos) que enviou à Ré, junto com a petição inicial como documento n.º 6, o Autor solicitou-lhe o pagamento da quantia de € 55 068,91.

B) (2) A Ré não entregou ao Autor qualquer quantia por conta da reparação dos danos sofridos pela S… em consequência do sinistro participado.


4. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, está em causa neste recurso a seguinte questão:

- Redução da indemnização a pagar ao A. para o montante de €32.198,63; com as seguintes sub-questões:

- Decomposição do capital seguro pelas partes componentes da coisa segurada;

- Dedução de franquia.


Para além da questão e sub-questões que constam das conclusões recursórias, a Recorrente desenvolve ainda, no texto das alegações, cinco Observações críticas ao acórdão recorrido, as quais serão tidas em conta se e na medida em que relevem para a resolução da questão e sub-questões objecto do recurso.


5. Para se compreender o que está em causa neste recurso, convém fazer um enquadramento prévio, tendo presente os seguintes factos que foram dados como provados:

1 (a). O Autor é dono e legítimo possuidor da embarcação de recreio, tipo veleiro, denominada S…, com o conjunto de identificação 15…, da marca BENETEAU, modelo 45 P5.

2 (b). Em 06-02-2008, CC subscreveu a proposta relativa ao seguro do ramo embarcações de recreio em que a Ré figura como seguradora e aquele subscritor como segurado, junta com a petição inicial como documento n.° 2 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

3 (c). O seguro ajustado entre as partes foi titulado pela apólice n.° 10… e submeteu-se às respetivas condições gerais, especiais e particulares, todas juntas com a petição inicial e a contestação como documentos n.°s 2 e 1, respectivamente, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4 (d). O seguro ajustado entre as partes tem por objeto a embarcação denominada SUL e um capital seguro de € 100 000.

5 (e). O Autor assumiu a posição de segurado em 2011.

6 (f). O Autor sempre pagou os prémios do seguro acima referido.

7 (g). O seguro mantém-se atualmente em vigor, não tendo as partes operado a extinção dos seus efeitos.

8 (h). No dia 16-09-2013, pelas 01 horas, na navegação Ponta Delgada – Aveiro, no local correspondente às coordenadas geográficas 40º32’N – 009°26W, a S… foi atingida por uma onda que a galgou até ao mastro, tendo em simultâneo ocorrido uma súbita mudança da direção do vento.

9 (i). Em face de tal circunstancialismo, o mastro no primeiro vau da S… quebrou-se.

10 (j). Tendo em vista a salvação da embarcação, o Autor libertou a parte quebrada do mastro e todos os elementos agarrados ao mesmo.

13 (m). Em consequência do sucedido, a S… sofreu os seguintes estragos:

(…)

14 (n). A reparação de tais estragos ascende à quantia global de € 55 068,91.

25 (y). À data do sinistro, a S… tinha um valor de mercado / venal não superior a € 60 000.

26 (z). A Ré nunca pediu a redução do contrato de seguro.

27 (aa). A Ré jamais restituiu ao Autor parte dos prémios de seguro que este lhe pagou.

29 (cc). O seguro ajustado pelo Autor é um seguro de grupo contratado pela Associação Nacional de Cruzeiros com intervenção da mediadora DD.

30 (dd). A proposta de seguro que esteve na base da apólice n.º 10… foi subscrita pelo anterior proprietário da S… (CC) no dia 06-02-2008, tendo o Autor assumido a posição de tomador do seguro em 2011.

31 (ee). O seguro começou a vigorar no dia 01-02-2008 por um período inicial de um ano renovável por iguais períodos de um ano.

32 (ff). O Seguro foi renovado em Fevereiro de 2013 por mais um ano, tendo como capital seguro o valor de € 100 000.


     O A. peticionou o pagamento de indemnização correspondente aos danos sofridos pela embarcação de recreio: € 55 068,91.

A R., invocando que as componentes da embarcação estão seguradas em separado, que o valor do seguro (tanto global como por cada componente) era superior ao respectivo valor venal à data do sinistro, e, ainda, que havia a deduzir a franquia de € 1000, propôs ao A. pagar-lhe a quantia de € 16.032,33.

   A decisão da 1ª Instância considerou que: a situação de sobresseguro resultou de actuação fraudulenta do A. com o intuito de, em caso de sinistro, vir a beneficiar de seguro superior ao valor da coisa segurada; existindo norma legal (art. 132º, da Lei do Contrato de Seguro) que regula os efeitos da situação de sobresseguro de boa fé, não existe norma que directamente regule os efeitos do sobresseguro de má fé; é de aplicar analogicamente o regime do art. 133º, nº 2, da LCS, pelo que a seguradora estaria desonerada da sua prestação; não tendo, contudo, a R. seguradora posto termo ao contrato nem invocado todas as consequências que estavam ao seu alcance, antes admitindo indemnizar o A. pelo montante de € 16.032,33, condenou-a no pagamento desta quantia.

    O acórdão da Relação revogou a sentença, considerando que a má fé do A. não foi provada, nem se pode presumir, pelo que o caso dos autos não pode ser qualificado de sobresseguro fraudulento, concluindo pela concessão ao A. da totalidade da indemnização peticionada (€ 55.068,91).

    No presente recurso não se põe em causa o acórdão recorrido no que se refere à validade do contrato de seguro dos autos e à sua subsistência após o evento danoso. Objecto da revista é apenas a questão do montante indemnizatório, com duas sub-questões: decomposição do capital seguro pelas partes componentes da coisa segurada; dedução de franquia.


6. Relativamente à sub-questão da decomposição do capital seguro pelas partes componentes da coisa segurada, considerem-se os termos em que a Recorrente apresenta a sua pretensão:

1. A proposta de seguro, dada por reproduzida na alínea b) dos factos provados, indica as verbas em que se decompõe o capital seguro, no valor de € 100.000.

2. Nessa proposta, autonomizou-se, entre outras, as seguintes verbas: mastro (€ 20.000), vela grande (€ 10.000), genoa (€ 7.000), casco (€ 20.000) e aparelhos de apoio à navegação (€ 8.000).

3. O documento junto à p.i. sob doc. 5, cujo teor constitui uma extensão do facto alegado no art. 13° desse articulado, o qual foi julgado provado - alínea n) dos factos provados -, e o relatório de peritagem (doc. 3 da contestação), que foi um dos elementos que serviu de base à decisão vertida naquela alínea n), permitem determinar as parcelas cuja soma perfaz o custo de reparação, no valor de € 55.068,91 (com IVA incluído), mencionado na referida alínea dos factos provados.

4. Essas parcelas são as seguintes: mastro (€ 26.495,17), vela grande (€ 9.699,69), genoa (€ 7.323,63), casco (€ 4.998,63) e aparelhos de apoio à navegação (€ 6.551,78).

5. Assim, a decisão de facto, ainda que indirectamente, permite determinar, por um lado, as verbas em que se decompõe o capital seguro de € 100.000 (e, consequentemente, por que verbas foram seguras as partes da embarcação afectadas pelo sinistro) e, por outro, as parcelas em que se decompõe o custo total de reparação, no valor de € 55.068,91.

6. Está provado que a embarcação "Sul", embora se encontrasse segura pelo valor de € 100.000, valia, à data do sinistro, € 60.000 (alíneas d) e y) dos factos provados), ou seja, sofrera uma desvalorização de 40%, por referência ao capital por que fora segura.

7. Verifica-se, pois, existir uma situação de sobresseguro, que se encontra regulada no artigo 5° do Capítulo IV das CGA.

8. O número 5.1 estabelece que, sendo o capital seguro superior ao valor dos bens seguros à data do sinistro, "..., o Seguro só é válido até à concorrência do valor dos Bens, ...", estipulando o número 5.2 que "Segurando-se diversos bens por quantias e verbas designadas separadamente, os preceitos do número anterior são aplicáveis a cada uma delas, como se fossem Seguros distintos".

9. Com recurso à equidade, parece razoável considerar-se que os bens autonomizados na proposta de seguro sofreram desvalorização equivalente à da embarcação segura, pelo que, tal como esta, valiam, à data do sinistro, sensivelmente, 60% dos respectivos capitais garantidos.

10. Do que resulta que os bens seguros por valores indicados separadamente, atingidos pelos estragos resultantes do sinistro, tinham, à data em que este ocorreu, os seguintes valores: mastro - € 12.000; vela grande - € 6.000; genoa - € 4.200; casco - € 12.000; aparelhos de apoio à navegação - € 6.000.

11. Em relação ao mastro, à vela grande, à genoa e aos aparelhos de apoio à navegação, em virtude de os seus custos de reparação excederem os respectivos valores venais, a responsabilidade da R. encontra-se limitada a estes últimos, nos termos dos números 5.1 e 5.2 do Capítulo IV das CGA.

12. A situação é diferente quanto ao casco, pois o seu custo de reparação é inferior ao seu valor venal, pelo que a indemnização deve corresponder àquele custo, nos termos do número 4.3 da Secção II do Capítulo II das CGA, cuja aplicação não é, neste caso, condicionada pela regra do número 5.1 do Capítulo IV das CGA.

13. Assim, nos termos dos números 5.1 e 5.2 do Capítulo IV e do número 4.3 da Secção II do Capitulo II das CGA (este último aplicável, apenas, aos danos no casco), a indemnização não deve ultrapassar os € 33.198,63 (€ 12.000 + € 6.000 + € 4.200 + € 6.000 + € 4.998,63).


     No seguro de coisas, relevam, entre outros, os seguintes princípios gerais consagrados na Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (aplicável ao conteúdo do contrato de seguro dos autos de acordo com o art. 3º, nº 1, daquele diploma legal):


Artigo 128º

A prestação devida pelo segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro.


Artigo 131º

1. No seguro de coisas, o dano a atender para determinar a prestação devida pelo segurador é o do valor do interesse seguro ao tempo da prestação.

(…)


   Para a resolução da questão em apreciação deve ainda ter-se em conta a disciplina contratual contida nas respectivas condições gerais, especiais e particulares, juntas com a p.i., cujo teor se deu como integralmente reproduzido (facto provado 3 (c)), designadamente a seguinte cláusula:


Cláusula 5 do Capítulo IV das Condições Gerais:

5.1. Salvo convenção em contrário expressa nas Condições Particulares, se o Capital Seguro pelo presente contrato for, na data do Sinistro, inferior ao valor dos Bens Seguros, determinado nos termos do número anterior, o Tomador de Seguro ou o Segurado responderá pela parte proporcional dos prejuízos, como se fosse Segurador do excedente. Sendo, pelo contrário, tal quantia superior, o Seguro só é válido até à concorrência do valor dos Bens, nos termos do número anterior.

5.2. Segurando-se diversos bens por quantias e verbas designadas separadamente, os preceitos do número anterior são aplicáveis a cada uma delas, como se fossem Seguros distintos.


    Tendo sido dado como provado (não sendo por isso “questão nova” como invoca o Recorrido) que, de acordo com a proposta relativa ao seguro dos autos, cujo teor se deu como integralmente reproduzido (facto provado 2 (b)), o capital seguro se decompõe pelas partes componentes da embarcação de recreio, resulta, da conjugação dos arts. 128º e 131º, nº 1, da LCS, com as cláusulas 5.1. e 5.2. do Capítulo IV das Condições Gerais, que o montante indemnizatório a pagar ao A. deve ser calculado, não em função dos danos globais sofridos, com o limite do valor global da embarcação à data do sinistro (€ 60.000), mas antes em função do custo de reparação de cada uma das partes componentes da embarcação, com o limite do valor que cada uma delas tinha à data do sinistro.

    Reconhecida a pretensão da Recorrente, não pode porém acompanhar-se a sua posição segundo a qual, não tendo sido feita prova do valor efectivo das partes componentes da embarcação de recreio, se pode presumir que a desvalorização de 40%, que afectou a coisa segurada no seu todo, corresponde à desvalorização de cada uma das partes que a integram. Com efeito, a desvalorização varia em função de múltiplos factores, como a natureza dos materiais e a idade dos mesmos (a qual, como resulta dos autos, não é idêntica para todas componentes uma vez que, ao longo dos anos, algumas foram substituídas – cfr. facto provado 13 (m)).

     Assim, não tendo sido apurados factos que permitam definir o critério de decomposição do limite global do valor seguro de € 60.000, terá de se remeter para ulterior liquidação.


7. Quanto à sub-questão da dedução da franquia, que o acórdão recorrido resolveu em sentido negativo pelo facto de, na Proposta subscrita pelo segurado originário, se ter preenchido o espaço “Sem franquia”, vem a Recorrente alegar que, sobre essa Proposta, prevalece a cláusula 8.1. da Secção II do Capítulo II das Condições Gerais do contrato, na qual se prevê que seja sempre deduzida a franquia prevista nas Condições Particulares.

     À formação do contrato de seguros dos autos aplica-se o regime do Decreto-Lei nº 176/95, de 26 de Julho, assim como às subsequentes renovações do contrato, como resulta, a contrario, do disposto no art. 3º, nº 1, da Lei do Contrato de Seguro.

Ora, o art. 17º daquele Decreto-Lei nº 176/95, tem o seguinte teor:

1 - No caso de seguros individuais em que o tomador seja uma pessoa física e sem prejuízo de poder ser convencionado outro prazo, considera-se que, decorridos 15 dias após a recepção da proposta de seguro sem que a seguradora tenha notificado o proponente da aceitação, da recusa ou da necessidade de recolher esclarecimentos essenciais à avaliação do risco, nomeadamente exame médico ou apreciação local do risco ou da coisa segura, o contrato se considera celebrado nos termos propostos.

2 - Para os efeitos deste artigo considera-se como proposta de seguro o formulário normalmente fornecido pela seguradora para contratação do seguro.


       Do que se extrai que, no caso de contrato de seguro individual em que o tomador seja uma pessoa física, o contrato é celebrado nos termos da proposta formal. Porém, o seguro dos autos não é um seguro individual mas antes um seguro de grupo (facto provado 29 (cc)) pelo que o regime do art. 17º do Decreto-Lei nº 176/95 não lhe é aplicável, devendo entender-se, de acordo com os princípios gerais, que, pela adesão do tomador do seguro (o anterior proprietário da embarcação de recreio dos autos) ao seguro de grupo, o contrato de seguro dos autos foi celebrado nos termos constantes das respectivas cláusulas contratuais.

       Remete a cláusula 8.1. da Secção II do Capítulo II, das Condições Gerais, para as Condições Particulares, das quais (a fls. 46) constam duas opções: “Opção 1 - Tarifa com franquia” e “Opção 2 - Tarifa sem franquia”. Compulsada a contestação, verifica-se que a R. Recorrente se refere à questão da franquia em termos ininteligíveis, na medida em que a dá como provada pelo documento 3 (fls. 92) do qual consta o seguinte: “Franquia: Opção 2 – Conforme protocolo existente”. Em conclusão, pretende a R. provar a existência de franquia pela remissão para documento que, por sua vez, remete para o regime da opção sem franquia.

       Não tendo sido feita prova da existência de franquia, mantém-se – com fundamentação distinta – a decisão do acórdão recorrido de não dedução de qualquer valor a título de franquia.


8. Não tendo sido impugnada a condenação ao pagamento de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal desde a citação até integral pagamento, mantém-se também nesta parte a decisão da Relação.


9. Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso, revogando-se o acórdão recorrido e decidindo:

a) Condenar a R. a pagar indemnização ao A. a apurar em liquidação de sentença, em função do custo de reparação de cada uma das partes componentes da embarcação, com o limite do valor de cada uma à data do sinistro, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;

b) No mais, manter a decisão do acórdão recorrido.


Custas a final.


Lisboa, 25 de Maio de 2017


Maria da Graça Trigo (Relator)

João Bernardo

Oliveira Vasconcelos