Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1307/16.0T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
DECISÃO SURPRESA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: PROCEDÊNCIA/DECRETAMENTO PARCIAL
Sumário :
I- Defere-se parcialmente a reclamação, considerando-se verificada a nulidade por omissão de pronúncia quanto às duas questões identificadas;

II- Supre-se a nulidade, concluindo-se pelo não provimento do recurso de revista e pela integral confirmação do acórdão recorrido.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*


AA, casada no regime da comunhão de adquiridos com BB, intentou acção declarativa, sob a forma comum, contra:

1º - CC,

2º - DD,

3º - EE, casado no regime de separação de bens com FF,

4º - R...- UNIPESSOAL, LDA., e

5º - M..., LDA.,

Pedindo que fosse:

a) Declarada a nulidade, por simulação absoluta, do negócio de compra e venda celebrado entre o co-réu CC e a autora AA, a 5 de Dezembro de 2005, formalizado pela escritura junta a fls.77-78, que teve por objecto a metade indivisa dos seguintes prédios:

- Prédio urbano, com a área total de 900m2, … inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 887.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...19;

- Prédio urbano, com a área total de 600m2, …. , inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1757.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n. º...20.

b) Declarada a nulidade, por simulação absoluta, do negócio de compra e venda celebrado entre os co-réus CC e EE, a 11 de março de 2014, formalizado pela escritura pública junta a fls.80v.º-82, que teve por objecto os seguintes prédios:

-Prédio urbano, com a área total de 900m2, … na matriz predial urbana sob o artigo 887.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n. º...19;

-Prédio urbano, com a área total de 600m2, ….inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1757.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n. º...20.

c) Declarada a nulidade, por simulação absoluta, do negócio de compra e venda celebrado entre os co-réus EE e a sociedade R...- UNIPESSOAL, LDA., a 26 de Fevereiro de 2016, formalizado pela escritura pública junta a fls.121- 123, que teve por objeto o prédio urbano, com a área total de 600m2…… inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1757.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ...sob o n.º...20.

d) Subsidiariamente, em relação ao pedido referido na alínea c), para a hipótese de não se provar a simulação, declarar que a compra e venda é inoponível à autora por força do disposto no artigo 291.º, n. º 2 do Código Civil;

e) Declarada a nulidade, por simulação absoluta, do negócio de compra e venda celebrado entre os co-réus EE e a sociedade M..., LDA., a 4 de Março de 2016, formalizado pela escritura pública junta a fls.128v.º-130, que teve por objecto o prédio urbano, com a área total de 900 m2, …inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 887.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º...19.

f) Subsidiariamente, em relação ao pedido referido em e), para a hipótese de não se provar a simulação, declarar que a compra e venda é inoponível à autora por força do disposto no artigo 291.º, n.º 2, do Código Civil.

g) Ordenado o cancelamento de todos os registos efectuados com base nas compras e vendas simuladas indicadas em a), b), c), e e).

h) O réu CC condenado a reconhecer que a autora AA é, conjuntamente consigo, comproprietária dos seguintes imóveis:

- Prédio urbano, com a área total de 900m2, … descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n. º...19;

- Prédio urbano, com a área total de 600m2, …. inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1757.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n. º...20.

i) O réu EE condenado a reconhecer que a autora AA e o réu CC são, enquanto comproprietários, os únicos donos e legítimos possuidores e proprietários dos imóveis melhor descrito na antecedente alínea h).

j) A ré R...- UNIPESSOAL, LDA. condenada a reconhecer que a autora AA e o réu CC são, enquanto comproprietários, os únicos donos e legítimos possuidores e proprietários do imóvel melhor descritos na antecedente alínea c).

k) A ré M..., LDA. condenada a reconhecer que a autora AA e o réu CC são, enquanto comproprietários, os únicos donos e legítimos possuidores e proprietários do imóvel melhor descrito na antecedente alínea e).

l) Os réus EE e R...- UNIPESSOAL, LDA. condenados, solidariamente, a restituir à autora AA, livre de pessoas e coisas, o imóvel identificado na antecedente alínea c).

m) Os réus EE e M..., LDA., solidariamente, condenados a restituir à autora AA, livre de pessoas e coisas, o imóvel identificado na antecedente alínea e).

n) Os réus EE e R...- UNIPESSOAL, LDA., solidariamente, condenados a indemnizar a autora AA na quantia que se liquidar, ao abrigo do disposto no artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, relativamente aos prejuízos que a autora venha a sofrer até à restituição efectiva do imóvel identificado na antecedente alínea c), prejuízos discriminados nos artigos 259.º a 268.º da petição inicial, incluindo os danos que resultem de uma utilização anormal do imóvel.

o) Os réus EE e M..., LDA., solidariamente, condenados a indemnizar a autora AA na quantia que se liquidar, ao abrigo do disposto no artigo 609.º, n.º2, do Código de Processo Civil, relativamente aos prejuízos que a autora venha a sofrer até à restituição efectiva do imóvel identificado na antecedente alínea e), prejuízos discriminados nos artigos 254.º a 258.º da petição inicial, incluindo os danos que resultem de uma utilização anormal do imóvel”.

Em síntese, alegou o seguinte:

Com o 1º réu, seu irmão, divorciado da 2º ré, simulou que vendia e este comprava a metade indivisa de dois prédios que lhe haviam sido doados por seus pais, apenas para furtar tais bens ao conhecimento dos credores, o que foi registado em 2005, mantendo-se ambos com a posse de tais imóveis, à vista de todos e sem oposição de ninguém até pelo menos 2014, o que era do conhecimento dos 3º., 4º e 5º réus.

Em 11/03/2014, o 1º réu declarou vender ao 3º réu e este comprar tais imóveis, o que também foi sujeito a registo, mas nenhum declarou a sua vontade real, executaram sim um acordo conjunto, para enganar o banco a favor de quem aquele réu havia prestado garantia, por crédito concedido à sociedade R....

No dia 26/02/2016, após a autora ter anunciado que ia avançar com a presente acção judicial, o 3º réu, com o intuito de tentar frustrar o seu resultado, declarou vender o prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo 1757.º à 4ª ré, o que não correspondia à vontade real e teve em vista, por acordo de ambos, que a casa fosse “aparcada” no património desta, tendo ocorrido situação semelhante em relação ao outro imóvel e à 5ª ré, a 04/03/2016.

Todos os Réus contestaram. Os dois primeiros réus assumiram a maior parte dos factos invocados. Os demais impugnaram a maior parte da factualidade invocada e pugnaram pela validade dos contratos de compra e venda que a autora alega terem sido simulados; o 3º réu defendeu que o contrato que celebrou com o 1º réu foi um negócio fiduciário, sem intenção dissimulatória.

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e:

a) Declarou a nulidade do negócio de compra e venda celebrado entre o réu CC e a autora AA, a 5 de Dezembro de 2005, formalizado pela escritura junta a fls.77-78, quanto à metade indivisa do prédio urbano, com a área total de 900m2, …..inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 887.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º...19.

b) Declarou a nulidade do negócio de compra e venda celebrado entre os co- réus CC e EE, a 11 de Março de 2014, formalizado pela escritura pública junta a fls. 80v.º-82, quanto ao prédio urbano, com a área total de 900m2, …., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 887.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ...sob o n.º...19.

c) Ordenou o cancelamento dos registos relativos às aquisições referidas nas acima alíneas a) e b), efectuados através da Ap.16 de 2005/12/06 [factos provados n.º 23] e da Ap.13/03/2014 [factos provados n. º33], com base nas compras e vendas indicadas nas alíneas a) e b).

d) Condenou o réu CC a reconhecer a autora AA, conjuntamente consigo, comproprietária do prédio urbano, com a área total de 900m2, …inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 887.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º...19.

e) Condenou o réu EE a reconhecer a autora AA e o réu CC, enquanto comproprietários, como únicos donos e legítimos possuidores e proprietários do prédio urbano, com a área total de 900m2, …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 887.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º...19.

f) Condenou o réu EE a restituir à autora AA, livre de pessoas e coisas, o prédio urbano, com a área total de 900m2, …. inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 887.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º...19.

g) Absolveu os réus CC, EE e R...- UNIPESSOAL, LDA. do demais peticionado.

A autora e o terceiro réu apelaram e a Relação decidiu nos seguintes termos:

“(…) julgam-se todas as apelações parcialmente procedentes e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença e

A - mantém-se a declaração de nulidade, por simulação absoluta, do negócio de compra e venda celebrado entre os 1º e 3º réus, CC e EE, a 11 de Março de 2014, formalizado pela escritura pública junta a fls. 80v.º- 82, quanto ao a) Prédio urbano, com a área total de 900m2, correspondente a casa de rés- do-chão, andar e logradouro, situado no Lugar ..., ..., União das Freguesias de ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 887.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º...19; Mas

B- Declara-se tal contrato nulo também quanto:

b) ao prédio urbano, com a área total de 600m2, correspondente a casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro, situado no Lugar ..., União das Freguesias de ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1757.º e descrito na ... sob o n.º...20, sendo a mesma, quanto a este prédio, inoperante perante a adquirente aqui 4º Ré, R...- UNIPESSOAL, LDA., pelo que se

C- ordena o cancelamento do registo referente à aquisição pelo 3º réu EE, do prédio urbano, com a área total de 900m2, correspondente a casa de rés-do-chão, andar e logradouro, situado no Lugar ..., ..., União das Freguesias de ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 887.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º...19, efectuado através da Ap.96 de 13/03/2014 [factos provados n.º33],

D --mais se condenando o 3º réu a restituir ao 1º réu o prédio referido em a) e o valor correspondente ao prédio referido em b).

E- Absolvem-se os 1º, 3º e 4º réus, CC, EE e R...- UNIPESSOAL, LDA. do demais peticionado e

- não se condena a autora e o 1º réu como litigantes de má-fé em multa ou indemnização a favor das demais partes.

Custas da apelação interposta pela autora, por esta na proporção de 2/3 e o restante pelos apelados 3º e 4º réus.

Custas das demais apelações pelos respetivos apelantes, na proporção de /3 e pela autora apelada na proporção de 2/3”.

Não se conformando com o acórdão da Relação, dele recorreram a autora e o terceiro réu EE, destacando-se apenas, porque é o que importa agora, as conclusões do 3º RÉUEE:

“1. Tendo o Tribunal da Relação reconhecido que a autora, em face da improcedência do primeiro pedido de declaração de nulidade por simulação, não tinha legitimidade substantiva para formular todos os pedidos subsequentes, deveria ter julgado imediatamente a acção improcedente, estando- lhe vedado prosseguir a subsunção jurídica dos factos com vista a aferir da eventual nulidade de negócios jurídicos ulteriormente praticados por alguns réus.

2. A falta de legitimidade substantiva da autora para formular os pedidos que configuram o objecto da acção impedia que o tribunal apreciasse oficiosamente a validade de negócios jurídicos que a autora afinal não tinha legitimidade para trazer a juízo.

3. O acórdão uniformizador nº 4/95 admite que o tribunal lance mão do artº 289º do Código Civil para conhecer oficiosamente de nulidades, mesmo que não invocadas pelas partes, mas tão só quando isso permita resolver definitivamente o diferendo jurídico entre as partes, balizado no objecto do processo.

4. O tribunal julga com critério e razoabilidade, não aprecia questões laterais ao thema decidendum por diletantismo, nem lhe é permitido modificar o objecto do processo na segunda instância.

5. Por conseguinte, ao declarar ex officio a nulidade da compra e venda celebrada entre o 1º e o 3º réus – sendo que a autora não tinha legitimidade substantiva para suscitar essa questão – o acórdão recorrido violou o preceituado no artº 609º nº 1 do CPC, incorrendo na nulidade prevista no artº 615º nº 1 al, e) do CPC.

Para além disso,

6. Mesmo que se admitisse a declaração oficiosa de nulidade – no que se não concede – a 2ª instância nunca poderia condenar oficiosamente os réus contraentes na restituição das prestações efetuadas, porque o tribunal não pode condenar em objecto diverso do peticionado, nem pode condenar no que pura e simplesmente não foi pedido.

7. Limitando-se o autor a formular um pedido constitutivo de anulação de um negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença em que, para além do decretamento da anulação, se condene oficiosamente a parte a restituir o que obteve em consequência do contrato anulado, por tal traduzir condenação em objecto diverso do pedido, vedada pelo nº 1 do art. 661º do CPC – Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de novembro de 2009, processo 308/1999.C1.S1.

8. Ainda que o Tribunal da Relação pudesse estribar-se no pedido formulado pela autora contra os réus para de alguma forma condenar um réu em benefício de outro réu – e manifestamente não o podia fazer! – mesmo assim decidiu ostensivamente além do pedido, tal qual a autora o configurou.

9. Na verdade, tendo a autora peticionado que o 3º réu fosse condenado a reconhecer que ela era comproprietária de metade indivisa dos imóveis e o 1º réu era comproprietário da outra metade, a Relação acabou por condenar o 3º réu a reconhecer que o 1º réu seria o proprietário pleno e exclusivo dos imóveis, assim extrapolando manifestamente do que fora peticionado.

10. E, tendo a autora peticionado que o 3º réu lhe entregasse – a ela, autora – os mencionados imóveis, a Relação ordenou que o 3º réu entregasse um imóvel ao 1º réu, também desta forma extrapolando daquilo que lhe fora pedido.

11. Acresce que, relativamente ao outro imóvel, a Relação ordenou que o 3º réu entregasse ao 1º réu o respetivo valor – pedido que em momento nenhum havia sido sequer aflorado nos autos.

12. É assim flagrante e indesmentível que a Relação alterou completamente o objecto do processo, condenando além do pedido, praticando também por este motivo uma nulidade integrada no artigo 609º nº 1 do CPC, sancionada pelo artº 615º nº 1, e) do mesmo diploma.

13. A doutrina do Acórdão Uniformizador 4/95 de 28/03/1995 foi alvo de clarificação ao longo dos tempos, estando firmado o entendimento jurisprudencial segundo o qual pode ser determinada a restituição em consequência da declaração de nulidade oficiosamente declarada, mas apenas se essa restituição tiver sido peticionada, e sempre na exacta medida do pedido efetivamente formulado nos autos – v. por todos o aresto supra citado e ainda o Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de abril de 2016, processo 842/10.9TBPNF.P2.S1 (ambos relatados pelo Insigne Conselheiro Lopes do Rego), assim como, entre outros, o Ac. Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Maio de 2003, processo 03A1402.

Acresce que ...

14. Mesmo que por absurdo tais condenações pudessem manter-se qua tale, ou seja, que não tivesse sido praticada uma flagrante nulidade decisória, ainda assim entendemos que não haveria lugar a anulação da 2ª compra e venda – a celebrada entre o 1º réu e o 3º réu em 2014 – por inverificação do requisito simulatório do intuito de enganar ou prejudicar terceiros, uma vez que a matéria do ponto 39 dos Factos Provados, por si só, não é suficiente para que se possa considerar preenchido tal requisito.

15. Ao considerar que os contraentes dessa escritura tiveram o intuito de enganar o Banco Popular, S.A. (e apenas este), a Relação desconsiderou a circunstância de esse Banco ter conhecido e autorizado a alienação, conformando-se com a diminuição de garantias daí resultante para si, enquanto credor hipotecário e titular de fiança do 1º réu.

16. A matéria dos pontos 51 a 58 dos Factos Provados atesta precisamente que não ocorreu nenhum engano da instituição bancária, antes pelo contrário, tudo tendo sido feito mediante negociação com esse Banco, que aceitou diminuir o património que estava adstrito ao cumprimento do empréstimo em contrapartida de uma amortização do capital mutuado, a qual foi negociada por ambos os réus e realizada pelo 3º réu, concomitantemente com a alienação dos imóveis.

17. O Banco distratou voluntariamente e de forma consciente as hipotecas sobre os imóveis em apreço, para que os mesmos fossem transaccionados, nesse mesmo dia, mediante uma amortização do capital em dívida.

18. Forçoso é concluir que neste caso o Banco Popular não foi enganado, embora a operação tenha sido montada, efectivamente, para que mais tarde o Banco, se algo corresse mal na amortização do empréstimo da R..., tivesse de se cobrar apenas pelos demais imóveis hipotecados, não podendo lançar mão destes bens pessoais do fiador, com o que o Banco inegavelmente se conformou.

19. Mesmo que assim se não entendesse, sempre haveria uma manifesta contradição entre o ponto 39 e os pontos 51 a 58 dos Factos Provados, a exigir que o Supremo Tribunal de Justiça lançasse mão do normativo do artº 682º nº 3 do Código de Processo Civil para ordenar às instâncias que clarificassem a contradição, uma vez que a mesma inviabiliza uma decisão conscienciosa sobre a questão do requisito intuito de enganar terceiros do artº 240º do código civil.

Por outro lado...

20. Ao decidir de forma surpreendente e sem suporte nos pedidos formulados na acção, no sentido de que o 3º réu haveria de devolver ao 1º réu a casa A), a Relação fê-lo em clara violação, além do princípio do pedido, também do basilar princípio do contraditório, consagrado no artº 3º nº 3 do CPC.

21. Na verdade, ao longo do processo, o 3º réu nunca teve oportunidade de se defender relativamente a essa decisão anómala, estando designadamente impedido de fazer valer contra o 1º réu todos os argumentos, fundamentos e direitos que, por estarem no âmbito das relações entre ambos os réus, não fazia sentido nem tinha cabimento invocar num litígio exclusivo contra a autora.

22. Ao decidir, já em 2ª instância, por uma solução totalmente imprevista e imprevisível, o Tribunal recorrido violou as regras de certeza e segurança jurídicas e precludiu o direito de tutela efectiva da posição do 3ºréu, impedindo-o de se defender em relação ao conteúdo concreto desta decisão.

23. Muito em especial, o 3º réu não pôde invocar os direitos que para si emergem dos factos provados dos itens 71, 72 e 75 dos Factos Provados, nem o Tribunal os reconheceu oficiosamente, ficando assim precludido o seu direito de compensação por quantias elevadas, por si despendidas em favor do 1º réu e em benefício do imóvel a restituir.

E finalmente...

24. Tendo o Tribunal da Relação de Guimarães condenado “...o 3º réu a restituir ao 1º réu o prédio referido em A) e o valor correspondente ao prédio referido em B)”, não se consegue lobrigar, com base na matéria de facto apurada nos autos e/ou com base na fundamentação do acórdão recorrido, qual o montante desta condenação, ou seja, que valor entende o Tribunal que corresponde ao prédio, porque na verdade não o refere.

25. Como tal, o Tribunal não fixou o objecto e a quantidade da restituição, nem relegou essa fixação para momento ulterior, com o que mais uma vez violou o comando normativo do artº 609º do CPC, desta feita o seu nº 2, em concurso com a já assinalada violação do nº 1, formulando uma condenação totalmente incerta, indeterminada e indeterminável.

26. Por tudo o exposto, verifica-se que o acórdão recorrido violou o preceituado nos artºs. 242º, 286º e 289º do código civil e nos artºs 3º e 609º do código de processo civil, com o que incorreu em nulidade prevista no artº 615º nº 1, al. e) deste último diploma.”

Termina, pedindo que deverá o acórdão recorrido ser considerado nulo e, reapreciando-se juridicamente a causa, deverá a acção ser julgada inteiramente improcedente.

Apreciando os recursos, o Supremo negou provimento às revistas e confirmou o acórdão recorrido.

Inseriu, ainda, , no acórdão o seguinte sumário:

“(i). Os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são muito limitados quanto ao julgamento da matéria de facto, cabendo-lhe, fundamentalmente, e salvo situações excepcionais (artigo 674º nº 3 in fine e artigo 682º nº 2 do CPC), limitar-se a aplicar o direito aos factos materiais fixados pelas instâncias (682º nº 1 do CPC) e não podendo sindicar o juízo que o Tribunal da Relação proferiu em matéria de facto.

(ii). Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, já que se tal for feito ao arrepio do artigo 662º do Código do Processo Civil, está-se no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, no julgamento de direito.

(iii). Segundo o artigo 240º nº 1 do Cód. Civil, “se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergências entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”.

(iv). Para que se possa falar de negócio simulado, impõe-se a verificação simultânea de três requisitos: a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório (pactum simulationis) e o intuito de enganar terceiros (que se não deve confundir com o intuito de prejudicar).

(v). O ónus da prova de tais requisitos, porque constitutivos do respectivo direito, cabe, segundo as regras gerais nesta matéria, a quem invoca a simulação.

(vi). A simulação é absoluta sempre que sob o negócio simulado não exista qualquer outro que as partes tenham querido realizar.

(vii). Para os defensores de uma tese mais restrita na interpretação do artigo 243º do Código Civil, a função do artigo 243º é atribuir e garantir um direito ao adquirente de boa fé unicamente em relação aos simuladores aos quais a lei proíbe a invocação da nulidade proveniente da simulação contra este. O direito adquirido, com base no artº 243º pode, em seguida, vir a ser protegido nos termos do artigo 291º desde que se verifiquem todos os pressupostos deste.

(viii). O artigo 243º protege qualquer adquirente de boa fé contra qualquer interessado. Para o artigo 243º a inoponibilidade da acção de nulidade protege o terceiro, quer a título oneroso, quer a título gratuito, e protege-o desde o momento em que adquiriu e que o protege contra quaisquer interessados e não apenas contra os simuladores.

(ix). Estando a 4ª ré de boa-fé, por ignorar, quando celebrou a compra e venda com o 3º réu, que o contrato pelo qual o 3º réu declarou comprar o imóvel era simulado, não lhe pode esta nulidade ser oposta pelo tribunal, uma vez que também os simuladores a não podiam opor, sob pena de se desvirtuar a limitação prevista no nº 1 do artigo 243º do Código Civil.”

Notificado que foi do acórdão proferido pelo STJ, veio o réu recorrente EE arguir a nulidade do mesmo, por omissão de pronúncia e por falta de especificação dos fundamentos de direito que justificaram a decisão de julgar improcedente o recurso por si interposto, pedindo o suprimento das nulidades invocadas através da prolação de novo acórdão.

Em resposta, veio a autora pugnar pelo indeferimento do requerido.

Cumpre apreciar.

O réu recorrente imputa ao acórdão sob reclamação as nulidades, previstas nas alíneas b) e d) do nº 1 do art. 615º do CPC, de omissão de pronúncia e de falta de fundamentação de direito.

Segundo o que afirma, o mesmo suscitou, no recurso de revista apresentado, seis questões jurídicas, que elencou do seguinte modo: “1. Falta de legitimidade substantiva da A. para formular os pedidos que configuram o objecto da ação e a consequente impossibilidade de apreciação oficiosa da validade dos negócios jurídicos – invocação da nulidade prevista no artº 615º nº 1, al. e) do CPC por violação do 609º nº 1 do CPC – conclusões 1 a 5; 2. Condenação em objecto diverso do peticionado, alteração oficiosa do objeto do processo e condenação ex vel ultra petitum – invocação da nulidade prevista no artº 609º nº 1 do CPC e sancionada pelo artº 615º nº 1. al. e) do CPC, com referência ao Ac. Uniformizador de Jurisprudência nº 4/95 – conclusões 6 a 13; 3. Não verificação do requisito “intuito de enganar terceiros” da simulação, decorrente da análise do facto provado 39 vs factos provados 51 a 58 – conclusões 14 a 18; 4. Contradição entre os pontos 39 e 51 a 58 dos factos provados – conclusão 19. 5. Violação do princípio do contraditório (prolação de decisão surpresa) – violação do artº 3º nº 3 do CPC – conclusões 20 a 23. 6. Condenação em objecto indeterminado – violação do artº 609º nº 2 e do artº 609 nº 1 CPC – conclusões 24 e 25.”

O recorrente admite que o Supremo apreciou a primeira e a última questão indicadas, mas objecta que a análise das demais questões foi omitida.

De acordo com o que prescrevem as alíneas b) e d) do nº 1 do art. 615º do CPC (normativo aplicável aos acórdãos prolatados pelo STJ, por força da remissão operada pelas normas conjugadas dos arts. 666º, nº 1 e 679º do CPC), é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, assim como aquela em que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

Quanto à nulidade por omissão de pronúncia, reconduz-se a mesma um vício formal, em sentido lato, traduzido em “error in procedendo” ou erro de actividade que afecta a validade da decisão. Esta nulidade está diretamente relacionada com o art. 608º, nº 2 do CPC, segundo o qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Como escrevem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, as nulidades por omissão e por excesso de pronúncia constituem, em rigor, situações de anulabilidade da decisão e não de verdadeiras nulidades, dizendo respeito aos limites daquela. Está, pois, vedado ao juiz o conhecimento de causas de pedir não invocadas ou de excepções não deduzidas que se encontrem na exclusiva disponibilidade das partes, assim como o acto de, em violação do princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância, não observar os limites impostos pelo art. 609.º/1 do CPC, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido (Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, págs. 735-737).

Como é, de modo reiterado, afirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “a nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2 do artigo 608º do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as “questões” pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes”( Ac. STJ de 10.12.2020, proc. 12131/18.6T8LSB.L1.S1) não incorrendo em omissão de pronúncia o acórdão que, tendo conhecido das questões que lhe competia apreciar, não respondeu, um a um, a todos os argumentos avançados pelo recorrente ou não apreciou questões com conhecimento prejudicado pela solução dada à anterior questão (cfr. o Ac. STJ de 16.10.2002, proc. 02S1599).

Efectivamente, a nulidade por omissão de pronúncia só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes – nomeadamente, os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções - sendo de afastar tal vício quando se verifica uma ausência de discussão das diversas “razões” e “argumentos” avançados pelas partes.

Com efeito, como realçou o acórdão do STJ de 17.1.2023, proc. 5396/18.5T8STB-A.E1.S1 “o conceito de “questão”, deve ser aferido em função directa do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de excepção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, dele sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica ou os normativos legais, esgrimidos/aduzidos e/ ou convocados pelas partes seu abono.”

Por outro lado, e quanto ao vício atinente à falta de fundamentação, correlaciona-se o mesmo com o dever de fundamentação das decisões que se impõe ao julgador “por imperativo constitucional e legal (artigos 208º, nº1, da Constituição e 154º, nº 1, do CPC) tendo ainda a ver com a legitimação da decisão judicial em si mesma e com a própria garantia do direito ao recurso (as partes precisam de ser elucidadas quanto aos motivos da decisão, sobretudo a parte vencida, para poderem impugnar os fundamentos perante o tribunal superior)” (cfr. Ac. STJ de 4.6.2019, proc. 64/15.2T8PRG-C.G1.S1).

No entanto, como é sublinhado pela doutrina e afirmado, de forma constante, por este Supremo, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de fundamentos de facto e de direito da decisão, gera a nulidade do acórdão, não integrando tal vício a fundamentação deficiente, errada ou não convincente.

Munidos destes considerandos teóricos, apreciemos, então, os argumentos alinhados pelo réu reclamante para sustentar a sua posição.

No que concerne à invocada omissão de pronúncia relacionada com a nulidade do acórdão da Relação por “condenação em objecto diverso do peticionado, alteração oficiosa do objeto do processo e condenação ex vel ultra petitum”, verifica-se que o acórdão do STJ em análise transcreveu a argumentação expendida pela Relação – e que adoptou como sua – em sede de conferência, da qual consta o seguinte segmento: “É certo que não provou a nulidade do contrato que justificava a entrega do imóvel pelo 1º réu à autora, pelo que, mesmo que não se aceite (como aceitamos) que o tribunal deva, oficiosamente declarada a nulidade, também oficiosamente determinar os seus efeitos, não restava, neste caso, outra solução que declarar a expressamente peticionada declaração de nulidade do contrato celebrado entre o 1º e 3º réus e bem assim condenar na restituição do imóvel ao 1º réu, esta implicitamente peticionada. Apesar de à primeira vista não parecer, materialmente não ocorreu afastamento do princípio contido no artigo 609º nº 1 do Código de Processo Civil. Enfim, a condenação operada está implicitamente contida no pedido que formula (tal como uma acção declarativa de condenação tem normalmente implícita a apreciação e declaração do direito que justifica tal condenação).”

Por outro lado, o acórdão foi expresso ao considerar que o conhecimento oficioso da nulidade se fundou em normas públicas, decidindo que as conclusões do recorrente deveriam improceder (págs 67 e 68).

Do aduzido flui, pois, que o acórdão sob reclamação apreciou a nulidade suscitada, elencando, ainda que de forma sintética, os fundamentos jurídicos pelos quais se mostrava legalmente conforme o conhecimento oficioso da nulidade do negócio jurídico celebrado entre o 1º e o 3º réus.

Quanto à invocada questão da ausência de legitimidade substantiva da autora para formular os pedidos que configuram o objecto da ação, com a consequente impossibilidade de apreciação oficiosa da invalidade do negócio jurídico celebrado entre o 1º e o 3º réus, a mesma, apesar de enunciada pelo acórdão sob escrutínio (página 62), não foi analisada de modo expresso. No entanto, dúvidas não subsistem de que tal questão deverá ter-se como decidida implicitamente, uma vez que a decisão sobre a mesma decorre, de modo concludente, do entendimento do STJ no sentido de que a nulidade em causa se mostra de conhecimento oficioso, sendo desnecessária a sua invocação, atento o interesse público na sua apreciação. Desta posição decorre, assim, que a invocação da mesma por quem não tenha legitimidade (substantiva) não apresenta efeitos, no plano da operatividade jurídica, dado que, ainda que a nulidade não tivesse sido suscitada por qualquer das partes (como ou sem legitimidade para tal), o tribunal não se encontraria impedido de dela conhecer ex officio.

E como fez notar o acórdão do STJ de 12.1.2021, proc. 17264/15.8T8SNT-C.L2.S1, “não há omissão de pronúncia sempre que a matéria tida por omissa ficou decidida, ainda que implícita ou tacitamente, no julgamento da matéria com ela relacionada.” Por outro lado, como sublinhou o mesmo aresto, “nada obriga a que o tribunal aprecie todos os argumentos invocados pelas partes, impondo-se apenas que indique a razão que serve de fundamento à decisão proferida.”

Na verdade, o facto de o acórdão proferido pelo STJ não se ter referido aos concretos argumentos jurídicos ou mesmo às normas deduzidos pelo recorrente não conduz à deficiência estrutural da peça decisória, posto que não deixou de analisar a questão jurídica que se encontrava subjacente.

No que concerne à segunda questão cuja pronúncia o reclamante sustenta ter sido omitida por parte do STJ – a da nulidade do acórdão da Relação adveniente da condenação oficiosa dos réus contraentes na restituição das prestações efetuadas, levantada nos pontos 6 a 13 das conclusões do recurso de revista apresentado - afigura-se-nos evidente que a mesma foi objecto de decisão e de fundamentação por parte do acórdão do STJ em análise, como se extrai do seguinte segmento da sua fundamentação:

“Na Conferência de 09.05.2019, a Relação expôs lapidarmente a solução da nulidade ora em causa e que aqui se reproduz:

“Aplicando de forma cega este preceito, entende o 3º réu que mesmo que se considerasse que o tribunal podia declarar oficiosamente a nulidade, já não poderia decretar oficiosamente a condenação dos contraentes na restituição das prestações efectuadas e muito menos condenar um réu a prestar a outro réu. (Embora tenha formulado tal pedido, ao contrário do que ora defende, no recurso de apelação: nos artigos 51.º a 57.º das conclusões desse recurso pede que, por via da aplicação das regras da nulidade dos actos, seja ordenada, ex officio, a restituição ao recorrente das quantias que despendeu e aplicou nos imóveis).

Diga-se, antes de mais, que a acção, nos termos em que foi exposta na petição inicial, comporta o pedido de restituição dos imóveis ao 1º réu, porquanto a entrega dos mesmos ao 1º réu é pressuposto necessário para que os imóveis sejam restituídos à autora, pedido que formulou expressamente.

Em termos práticos e jurídicos não era possível, sequer, que a autora pedisse que o imóvel lhe fosse restituído, sem ter como implícito o dever de restituição do imóvel pelo 3º ao 1º réu, em função da nulidade do contrato que estes últimos celebraram. Enfim, o seu pedido de restituição pressupõe que o 3º réu tenha, como passo prévio, o dever de restituir os imóveis ao 1º réu, por via da declaração de nulidade do contrato celebrado entre aqueles e que a autora também pediu que fosse declarada, para tal efeito.

Este dever de restituição do imóvel ou seu equivalente está, pois, implícito no pedido que formulou.

É certo que não provou a nulidade do contrato que justificava a entrega do imóvel pelo 1º réu à autora, pelo que, mesmo que não se aceite (como aceitamos) que o tribunal deva, oficiosamente declarada a nulidade, também oficiosamente determinar os seus efeitos, não restava, neste caso, outra solução que declarar a expressamente peticionada declaração de nulidade do contrato celebrado entre o 1º e 3º réus e, bem assim, condenar na restituição do imóvel ao 1º réu, esta implicitamente peticionada.

Apesar de à primeira vista não parecer, materialmente não ocorreu afastamento do princípio contido no artigo 609º nº 1 do CPC.

Enfim, a condenação operada está implicitamente contida no pedido que formula (tal como uma acção declarativa de condenação tem normalmente implícita a apreciação e declaração do direito que justifica tal condenação).

De qualquer forma, é certo que a regra que ora se discute, plasmada no artigo 609º nº 1 do CPC, é de importância primordial no nosso sistema jurídico, como consequência do princípio do dispositivo, o qual é um pilar essencial no nosso sistema jurídico, sustentando direitos fundamentais. Mas é pacífico que este princípio tem várias excepções.

Não só é no actual Código de Processo Civil cada vez mais reconhecido o poder dever do juiz no apuramento da verdade material e aproximação da justa composição do litígio, como há muito que está consagrado o dever de conhecimento oficioso não só das nulidades, mas das suas consequências, quanto à restituição do recebido, caso no processo se tenham fixado os necessários factos materiais. Este foi o objecto do Assento n.º 4/95 (in DR 114/95 Série I-A, de 1995-05- 17: “Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido sido fixados os necessários factos materiais”.

Finalizou ainda a Relação com a citação, também com acerto, do acórdão do STJ de 14.01.2021, com o seguinte sumário:

“IV- Tendo a autora peticionado apenas a declaração de nulidade, por simulação absoluta, de um contrato denominado de “cessão de ações” e tendo o acórdão recorrido declarado a nulidade deste negócio simulado, nos termos do artigo 240º, nºs 1 e 2 , do Código Civil, a circunstância de o Tribunal da Relação ter ordenado a reintegração das ações na herança do seu primitivo titular não faz enfermar o acórdão recorrido da nulidade prevista na línea e) do nº 1 do artigo 615º, do Código de Processo Civil, por condenação em objeto diverso do pedido, pois o Tribunal da Relação mais não fez do que fixar os efeitos jurídicos decorrentes daquela declaração de nulidade, de harmonia com o disposto no artigo 289º, nº 1, do Código Civil.”

E ali se explana: “Julgamos, todavia, que o novo modelo de processo civil por nós adotado, assente no primado do direito substantivo sobre o direito adjetivo e no princípio da gestão processual consagrado no art. 6º do CPC e que, nas palavras de Miguel Mesquita, “atribui ao juiz o poder de exercer influência sobre o processo, quer a nível do procedimento propriamente dito, quer ao nível do «coração» do processo, ou seja, do pedido, da causa de pedir e das provas”, torna inevitável a flexibilização do princípio do pedido contido no citado artº 609º, nº1, no sentido da necessidade de se apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação”.

E concretiza “o que se retira da atuação do Tribunal da Relação é que o mesmo mais não fez do que fixar os efeitos jurídicos decorrentes daquela declaração de nulidade, que, em nosso entender não constitui, manifestamente, condenação em quantidade superior nem em objeto diverso do pedido.

Diremos até que, no caso dos autos, era essa a atuação que se impunha ao juiz, quer em nome do interesse público da boa administração da justiça, quer por força do princípio do dispositivo, consagrado no art. 5º, nº 3 do CPC e que admite a convolação do juiz para o decretamento do efeito jurídico ou forma de tutela jurisdicional efetivamente adequado à situação litigiosa”.

Também com a mesma ideia se encontram o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no processo 6604/13.4TBBRG.G1 de 27/10/2016 e do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo 2008/10.9TBACB.C1 de 10/05/2016 (além dos citados no acórdão sob análise, todos disponíveis no portal dgsi.pt.).

Enfim, pode afirmar-se que o conhecimento oficioso da nulidade, porque fundada em normas públicas, impõe, pelo menos em regra, a determinação das suas consequências, visto que só com esta se evitam os resultados iníquos e que violam razões de ordem pública que justificam tal conhecimento oficioso. O presente caso é, aliás, paradigmático desta ideia, visto que a consequência oficiosamente decretada estava implicitamente contida no pedido formulado (a restituição do imóvel ao 1º réu era pressuposto da sua restituição à autora.17)

Cumpre ainda salientar que em parte alguma se condenou “o 3º réu a reconhecer que o 1º réu é proprietário pleno dos prédios”, como foi afirmado neste recurso de revista (e não só por este recorrente).

Nesta conformidade, improcedem as conclusões das alegações do recorrente.”

Portanto, é incontroverso que o STJ não se eximiu do dever de fundamentar a decisão de improcedência da nulidade em crise, quer por remissão para o acórdão proferido pela Relação em conferência, quer através de produção de argumentação autónoma.

Noutro plano, invoca o reclamante que o STJ omitiu qualquer pronúncia relativamente à questão do preenchimento do requisito “intuito de enganar ou prejudicar terceiros”, afirmando que o acórdão se referiu ao facto 39, mas não o analisou “no confronto com os factos 51 a 58, dos quais decorre que o único suposto prejudicado, o Banco mutuante, conheceu e autorizou expressamente o negócio, não tendo considerado que o mesmo fosse prejudicial aos seus interesses.”

Quanto a esta matéria, sustentou o réu recorrente que não deveria haver lugar a anulação da 2ª compra e venda – a celebrada entre o 1º réu e o 3º réu em 2014 – por inverificação do requisito simulatório do intuito de enganar ou prejudicar terceiros, “uma vez que a matéria do ponto 39 dos Factos Provados, por si só, não é suficiente para que se possa considerar preenchido tal requisito”, já que “ao considerar que os contraentes dessa escritura tiveram o intuito de enganar o Banco Popular, S.A. (e apenas este), a Relação desconsiderou a circunstância de esse Banco ter conhecido e autorizado a alienação, conformando-se com a diminuição de garantias daí resultante para si, enquanto credor hipotecário e titular de fiança do 1º réu.”

Porém,, analisada a fundamentação do acórdão sob reclamação, constata-se inexistir ausência de decisão ou de fundamentação quanto à questão do preenchimento do requisito simulatório em causa, já que o aresto, detendo-se, na página 72, sobre o contrato de compra e venda celebrado entre o 1º réu CC e o 3º réu EE, por escritura de 11.03.2014, observou: “No mesmo sentido da verificação dos pressupostos da simulação absoluta, traduzindo o conluio entre estes réus e a intenção de enganar credores, aponta o nº 39º que diz: “39. As declarações constantes da escritura de compra e venda referida em 32 foram feitas mediante actuação concertada dos réus CC e EE, com o intuito de proteger esses prédios, evitando que, se os negócios da sociedade R..., SA. não corressem bem, os mesmos não fossem executados pelo BANCO POPULAR, SA.”

Reafirma-se: a circunstância de o STJ não ter analisado todos os argumentos expendidos pelo recorrente – e, no caso, todos os pontos da matéria de facto por si indicados para sustentar a respetiva posição – não torna o acórdão deficiente, do ponto de vista estrutural, já que o aresto decidiu e fundamentou a decisão quanto à verificação do pressuposto legal em causa, ainda que num sentido não coincidente com a posição do reclamante.

A circunstância de ter existido uma apreciação conjunta dos recursos de revista apresentados pela autora e pelo réu justifica-se pela sobreponibilidade das questões suscitadas – ainda que em sentido diverso - sendo que o facto de o sumário do acórdão ser completamente omisso quanto à matéria do recurso do recorrente – a verificar-se, como por este defendido – se mostra juridicamente anódino, tendo em conta que o sumário - que é da responsabilidade exclusiva do juiz relator e não do colectivo (art. 663º, nº 7 do CPC, aplicável por remissão do art. 679º do mesmo diploma) - não integra a decisão.

Por último, no que tange à questão da nulidade do acórdão da Relação por condenação em objecto indeterminado, a mesma foi expressamente apreciada pelo STJ, como decorre da leitura das págs 68 e 69 do acórdão.

Conclui-se, assim, pelo que fica dito, pela improcedência das nulidades analisadas.

Subsistem, todavia, duas questões, atinentes à contradição entre os pontos 39 e 51 a 58 dos factos provados e à violação do princípio do contraditório, através da prolação de decisão surpresa, em desrespeito do art. 3º, nº 3 do CPC, em relação às quais se reconhece não ter existido pronúncia – expressa ou tácita – por parte do acórdão do STJ em reclamação.

Cumpre, pois, suprir tal nulidade por omissão de pronúncia, nos termos dos arts. 615º, nº 4 e 617º, nº 6 do CPC (normas aplicáveis por remissão dos arts. 685º e 666º do mesmo Código), devendo este acórdão, no presente segmento, considerar-se complemento e parte integrante do anteriormente proferido pelo STJ.

Vejamos.

Invoca o réu recorrente, numa primeira linha de argumentação, existir contradição entre, por um lado, o ponto 39 dos factos provados e, por outro, os pontos 51 a 58 da factualidade assente, contradição essa que inviabilizaria uma decisão sobre a questão do requisito “intuito de enganar terceiros” previsto no art. 240º do CC.

Os factos que importam apresentam a seguinte redacção:

“39. As declarações constantes da escritura de compra e venda referida em 32 foram feitas mediante actuação concertada dos réus CC e EE, com o intuito de proteger esses prédios, evitando que, se os negócios da sociedade R..., SA. não corressem bem, os mesmos não fossem executados pelo BANCO POPULAR, SA (artigos 71.º [parcial], 75.º, 136.º e 137.º da petição inicial).

51. Com data de 16/10/2013, o BANCO POPULAR, SA, através da sua mandatária, enviou uma carta à sociedade R..., SA., onde concedeu o «prazo máximo de 15 dias, no sentido de ser negociada a forma pretendida de liquidação desta responsabilidade evitando os custos acrescidos e os incómodos provocados pela proposição de um processo judicial» (artigo 118.º da petição inicial) – cfr. documento de fls.103, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

52. Carta com igual conteúdo foi também dirigida aos réus CC e DD, como fiadores (artigos 119.º da petição inicial e 19.º da contestação dos corréus JÚLIO e DD).

53. Nessa sequência, os réus CC e EE iniciaram contactos com o BANCO POPULAR, SA, tendo em vista regularizar a situação de incumprimento (artigos 120.º da petição inicial, 21.º da contestação dos corréus JÚLIO e DD e 23.º da contestação do co-réu EE).

54. No decurso das negociações, o BANCO POPULAR, SA exigiu que fosse feita uma amortização significativa do empréstimo de modo a expurgar a mora (artigo 121.º da petição inicial).

55. Na altura, a sociedade R..., SA. não dispunha de meios financeiros nem de fundos para fazer essa amortização (artigo 122.º da petição inicial).

56. Então, no dia 10/03/2014, o réu EE procedeu ao pagamento ao BANCO POPULAR, SA da quantia total de €138.010,60 (artigos 124.º, 125.º da petição inicial, 28.º e 29.º da contestação dos corréus JÚLIO e DD).

57. E no dia 11/03/2014, ao pagamento da quantia de €52.904,20 (artigo 126.º da petição inicial).

58. Com esses pagamentos, o BANCO POPULAR, SA libertou, cancelando-as, as duas hipotecas incidentes sobre os prédios urbanos identificados em 14 e 15, constituídas através das escrituras públicas mencionadas em 42 e 46 (artigos 133.º e 134.º da petição inicial).”

Como fez notar o acórdão do STJ de 31.3.2022, proc. 1721/17.4T8VIS-A.C1.S1, “a contradição entre factos dados como provados capaz de inviabilizar a decisão jurídica do pleito e, por isso, relevante para efeitos do disposto no art. 682.º, n.º 3, do CPC, é aquela que traduz a existência entre eles de uma relação de exclusão, no sentido de estarmos perante factos inconciliáveis.”

Ora, a análise dos factos descritos não permite afirmar que nos encontramos perante factos inconciliáveis, já que a realidade do facto consistente no intuito de proteger os imóveis alineados da execução pelo Banco Popular (afirmado no ponto 39) da factualidade assente) não resulta excluída, do ponto de vista lógico, pela circunstância de ter existido distrate das hipotecas incidentes sobre os mesmos imóveis, tendo em conta que a fiança prestada pelo réu CC se manteve (cfr. ponto 48 da factualidade assente) - pelo que, verificado novo incumprimento da sociedade R..., SA., o mencionado banco sempre poderia executar aquele seu património pessoal.

Não se vislumbrando qualquer contradição entre os factos elencados, resta concluir pela improcedência da pretensão recursória em apreço.

Por último, redargue o réu recorrente que existiu uma violação do princípio do contraditório por parte da Relação, através da prolação de uma decisão surpresa, em contravenção com o preceituado no art. 3.º, nº 3 do CPC, na decisão de condenação na restituição, pelo 3.º réu ao 1.º demandado, de um imóvel e do valor do outro.

Alega, a este respeito, que “21. Na verdade, ao longo do processo, o 3º réu nunca teve oportunidade de se defender relativamente a essa decisão anómala, estando designadamente impedido de fazer valer contra o 1º réu todos os argumentos, fundamentos e direitos que, por estarem no âmbito das relações entre ambos os réus, não fazia sentido nem tinha cabimento invocar num litígio exclusivo contra a autora. 22. Ao decidir, já em 2ª instância, por uma solução totalmente imprevista e imprevisível, o Tribunal recorrido violou as regras de certeza e segurança jurídicas e precludiu o direito de tutela efectiva da posição do 3ºréu, impedindo-o de se defender em relação ao conteúdo concreto desta decisão. 23. Muito em especial, o 3º réu não pôde invocar os direitos que para si emergem dos factos provados dos itens 71, 72 e 75 dos Factos Provados, nem o Tribunal os reconheceu oficiosamente, ficando assim precludido o seu direito de compensação por quantias elevadas, por si despendidas em favor do 1º réu e em benefício do imóvel a restituir.”

O acórdão da Relação considerou que o dever de restituição dos imóveis ao 1.º réu CC se mostrava implícito em relação aos pedidos de restituição formulados pela autora de modo expresso.

Ora, o princípio da oficiosidade na aplicação do direito aos factos ou aos elementos que transparecem dos autos não implica uma necessária auscultação das partes, mostrando-se tal exigível apenas quando se revele necessário para evitar uma decisão surpresa (Ac. STJ de 8.1.2015, proc. 1017/2001.L1.S1,).

E a decisão surpresa que a lei, com respeito pelo princípio do contraditório, proíbe, corresponde a uma decisão que “contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar, e não com os fundamentos que não perspetivavam de decisões que já eram esperadas” (Ac. STJ de 12.7.2018, proc. 177/15.0T8CPV-A.P1.S1,). A decisão surpresa constitui uma decisão que assenta “em fundamentos que não foram ponderados pelas partes, isto é, aquelas em que se detecte uma total desvinculação da solução adoptada pelo tribunal relativamente ao alegado pelas partes, sendo que o campo privilegiado de valência desta proibição são as questões de conhecimento oficioso” (Ac. STJ de 12.1.2021, proc. 3325/17.2T8LSB-B.L1.S1).

No caso, a autora peticionou expressamente que os réus lhe restituíssem os imóveis objecto de negócios de compra e venda cuja nulidade, por simulação, foi invocada e que correspondem ao prédio urbano, com a área total de 900m2, correspondente a casa de rés-do-chão, andar e logradouro, situado no Lugar ..., ..., União das Freguesias de ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 887.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º...19 e ao prédio urbano, com a área total de 600m2, correspondente a casa de cave, rés-do-chão, sótão e logradouro, situado no Lugar ..., União das Freguesias de ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1757.º e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º...20.

O Tribunal da Relação manteve a declaração de nulidade, por simulação absoluta, do negócio de compra e venda celebrado entre o réu recorrente e o réu CC, a 11 de Março de 2014, decretada pelo Tribunal de Primeira Instância quanto ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º...19, tendo estendido essa declaração de nulidade do negócio ao objecto formado pelo prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º...20.

Nesta base, o Tribunal “a quo” condenou o réu recorrente na restituição do primeiro imóvel e do valor correspondente ao outro prédio ao réu CC.

Com efeito, o Tribunal da Relação, convergindo na conclusão atinente à inoponibilidade à 4.ª ré R...- UNIPESSOAL, LDA. da simulação oficiosamente apurada, não se eximiu a extrair de tal nulidade os correspondentes efeitos jurídicos entre os réus CC e EE. Foi precisamente neste contexto que a Relação condenou o réu EE a restituir ao réu CC o valor correspondente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...20.

Assim, no que concerne ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...19, a restituição do mesmo pelo recorrente EE ao réu CC constitui pressuposto jurídico lógico da restituição do mesmo pelo recorrente à autora, naquele que corresponde a um pedido pela última expressamente formulado. Não se mostra, pois, defensável, salvo melhor opinião, que esta se trate de uma condenação inovatória sobre a qual a parte interessada (ora reclamante) não haja tido oportunidade de exercer amplo contraditório nos articulados e que não tenha sido equacionada como uma solução de direito plausível à luz do objecto processual.

Por outro lado, também quanto à decisão que incidiu sobre a condenação do réu EE a restituir ao réu CC o valor correspondente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...20, não se detecta qualquer convolação descaracterizadora da pretensão da autora relativa à restituição de tal imóvel à sua esfera jurídica, uma vez que tal restituição precede, do ponto de vista jurídico, necessariamente - por se tratarem de negócios sucessivos- a restituição, expressamente peticionada, do mesmo imóvel à demandante (pretensão que foi pela Relação julgada improcedente por não ter ficado provada qualquer divergência na intencionalidade das partes quanto ao contrato de compra e venda celebrado entre a autora e o 1º réu a 5 de dezembro de 2005).

Por conseguinte, e a esta luz, era exigível ao réu reclamante que, de acordo com a pretensão deduzida em juízo e respectiva causa de pedir, equacionasse como possível tal desfecho, o qual não se apresenta como gizado pelo Tribunal da Relação de forma inopinada, antes encontrando respaldo no perímetro da alegação jurídica efetuada. A confirmar o acerto desta asserção está, de resto, a circunstância de o próprio réu EE, nos pontos 51 e 52 das suas conclusões do recurso de apelação, ter pugnado por essa restituição, deixando escrito: “51) Subsidiariamente, caso o Tribunal não reconheça o Réu como terceiro de boa fé, da nulidade dos negócios jurídicos resulta a reposição do status quo ante, pois o negócio nulo não produz efeitos ab initio, conforme se depreende da leitura do artigo 289º, nº 1, do Código Civil 52). Resulta de uma consequência jurídica lógica que, padecendo o contrato de uma invalidade, opera a restituição das prestações ao abrigo do regime do artigo 289º do Código Civil.”

Não se vislumbrando que o tribunal recorrido haja adoptado uma decisão surpresa materialmente violadora do princípio do contraditório, deverá soçobrar a argumentação expendida pelo réu EE nos pontos 20) a 23) das suas conclusões de recurso de revista, concluindo-se pela total improcedência do mesmo.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção:

a) em deferir parcialmente a reclamação, considerando verificada a nulidade por omissão de pronúncia quanto às duas questões supra identificadas;

b) em suprindo a nulidade, concluir pelo não provimento do recurso de revista apresentado pelo réu EE e pela integral confirmação do acórdão recorrido.

Custas do incidente pelo réu/ reclamante, com a taxa de justiça de 2 (duas) UCs.


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Lisboa, 23 de Janeiro de 2023

António Magalhães (Relator)

Jorge Arcanjo

Maria Clara Sottomayor