Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
282/04.9TBAVR.C2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: SOCIEDADE ANÓNIMA
CONTRATO DE COMPRA E VENDA
EMPRESA
ACÇÕES
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
ERRO VICIO
BASE NEGOCIAL
CADUCIDADE
CLÁUSULA PENAL
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AS REVISTAS
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO COMERCIAL - CONTRATOS COMERCIAIS.
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - SOCIEDADES ANÓNIMAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Abílio Neto, Novo “Código do Processo Civil” Anotado, p. 12.
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código do Processo Civil, p. 15.
- Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, p. 42; Compra e Venda de Coisas Defeituosas (Conformidade e Segurança), 4.ª edição, 2006, p. 46; Parecer relativo à reprivatização da Petrogal, Estudos de Direito Comercial (Pareceres), 1999, pp. 176/178.
- Carlos Ferreira de Almeida, Contratos – Conteúdo. Contratos de Troca, II, 2007, pp. 140/141.
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- Pedro Romano Martinez, Compra e Venda e Empreitada, “Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977”, 2007, III, p. 246; Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e na Empreitada, 2001, p. 31; Direito das Obrigações (Parte Especial) - Contratos, 2.ª edição, 2001, pp. 26, 44.
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- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, II, 4.ª edição, 1997, p. 205.
- Rui Pinto Duarte, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, 2000, pp. 42-55 e 131-158.
- Vaz Serra, Pena Convencional, BMJ n.º 67, 1957, p. 185.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 6.º, 227.º, 236.º, 251.º, 252.º, 254.º, 287.º, N.ºS 1 E 2, 301.º, 303.º, 334.º, 342.º, 405.º, 406.º, 408.º, N.º1, 437.º, N.º1, 498.º, N.ºS 1 E 3, 762.º, N.º2, 763.º, 796.º, N.º1, 798.º, 799.º, N.º1, 801.º, N.º1, 810.º, 811.º, 879.º, AL. B), 882.º, N.º1, 905.º, 908.º, 909.º, 911.º, 913.º, 914.º, 1.ª PARTE, 916.º, 917.º, 918.º, 921.º, N.º 1.
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 463.º, N.º 5.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS, APROVADO PELO DL N.º 262/86, DE 02-09 (CSC): - ARTIGOS 9.º, N.º 1, AL. F), 42.º, N.º 1, AL. B), 197.º, N.º3, 271.º.
D.L. N.º 67/2003, DE 08-04: - ARTIGO 3.º, N.º 1.
LEI N.º 11/90, DE 15-04: - ARTIGO 6.º, N.º 1, AL. A).
LEI N.º 71/88, DE 24-05, E O DL N.º 328/88, DE 27-09.
NOVO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL (NCPC), APROVADO PELA LEI Nº 41/2013, DE 26-06: - ARTIGOS 5.º, N.º3, 615.º, 663.º, N.º 5, APLICÁVEL EX VI DO ART. 679.º, 671.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 03-06-2004, PROC. N.º 04B815, PUBLICADO EM WWW.DGSI.PT.
-DE 07-05-2009, PROC. N.º 09B0057, PUBLICADO EM WWW.DGSI.PT.
-DE 17-09-2009, PROC. N.º 841/2002.S1, PUBLICADO EM WWW.DGSI.PT.
-DE 16-03-2011, PROC. N.º 558/03.3TVPRT.P1.S1.
-DE 14-06-2011, PROC. N.º 3222/05.4TBVCT.S2, PUBLICADO EM WWW.DGSI.PT.
-DE 15-09-2011, PROC. N.º 1951/09.2TVPRT.P1.S1; DE 11-10-2011, PROC. N.º 2041/07.8TVLSB.L1.S1; DE 10-11-2011, PROC. N.º 4950/09.0TVLSB.L1.S1; DE 18-10-2010, PROC. N.º 1227/08.2TVLSB.L1.S1 – TODOS ACESSÍVEIS NOS CADERNOS DOS SUMÁRIOS DO STJ – ASSESSORIA CÍVEL.
-DE 10-11-2011, PROC. N.º 6152/03.0TVLSB.S1, PUBLICADO EM WWW.DGSI.PT.
-DE 20-03-2012, PROC. N.º 1903/06.4TVLSB.L1.S1, PUBLICADO EM WWW.DGSI.PT.
-DE 16-04-2013, PROC. N.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1, PUBLICADO EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - A aquisição de uma empresa pode ser efectuada quer através da sua aquisição directa, com a transmissão do estabelecimento, quer indirectamente, mediante a aquisição da totalidade ou da maioria do capital social da sociedade comercial que é titular da empresa.

II - Para indagar se com a compra e venda de acções se pretendeu, apenas, a transmissão das participações sociais (compra de direitos) ou, também, da empresa (compra de uma coisa), terá de recorrer-se, entre outros, aos seguintes elementos: interpretação do clausulado contratual, percentagem de participações sociais alienadas, análise do processo que conduziu à formação do contrato e modo de fixação do preço das participações sociais.

III - A distinção entre compra de participações sociais e compra de empresa é especialmente relevante, em caso de existência de desconformidades na empresa, para efeitos de aplicação do regime da compra e venda de coisas defeituosas.

IV - Tendo uma sociedade comercial, através da compra e venda de acções de uma sociedade anónima, adquirido, além dos direitos e deveres societários inerentes às participações, a própria empresa, com a legítima expectativa de que ela reunia as qualidades devidas para o cabal exercício do seu escopo social, a falta dessas qualidades, traduzindo uma situação desconformidade com o contrato, consubstancia a existência de defeitos ou vícios.

V - Se, aquando daquela aquisição, os representantes da sociedade compradora das acções conheciam as condições concretas em que a empresa adquirida laborava, uma vez que eram seus utilizadores, designadamente que a mesma não estava licenciada a título definitivo para exercer a sua actividade, é de afastar a existência de erro-vício incidente sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio.

VI - Uma vez que o contrato de compra e venda (das acções e da empresa) é um contrato de execução instantânea, produzindo imediatamente os seus efeitos, o prazo para o exercício dos direitos decorrentes da compra e venda da coisa defeituosa (i.e., anulação do contrato, redução do preço, indemnização, reparação da coisa ou sua substituição) começa a contar a partir da data do conhecimento do defeito.

VII - Nas situações de aquisição de empresas, sem prejuízo dos deveres de informação, de comunicação e de esclarecimento na fase negocial do contrato, existe, da parte do comprador, um ónus reforçado de informação deste.

VIII - A questão do alargamento do prazo prescricional, por via da aplicação do regime do art. 498.º, n.º 3, do CC, apenas suscitada em sede de recurso, constitui uma questão nova que, não sendo de conhecimento oficioso, extravasa os poderes de cognição do tribunal de recurso.

IX -Tendo sido convencionada uma cláusula penal compulsória, por via da qual a sociedade adquirente da empresa se vinculava a mantê-la em laboração por um determinado período temporal, o encerramento de um dos seus estabelecimentos, antes de transcorrido aquele prazo, não é susceptível de desencadear o accionamento daquela cláusula nomeadamente, quando a compradora logrou afastar a presunção de culpa de incumprimento, a que alude o art. 799.º, n.º 1, do CC, e se verifica uma situação de venda de coisa defeituosa.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - Relatório


AA - Produtos Pecuários, S.A. intentou acção declarativa soba forma ordinária contra BB, S.A. pedindo que A Ré seja condenada a cumprir o contrato celebrado entre as partes em 25 de Março de 1999 (nº 2 e 3 da cláusula quarta) no prazo de 30 dias, ou, caso não seja possível a condenação nesse primeiro pedido, ou em caso de manutenção da situação da Ré em incumprimento após a condenação, que tenha então lugar a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 356.829,25 correspondente a 50% do valor global da alienação das acções, com juros vencidos desde a data do encerramento do Matadouro de … e vincendos até integral pagamento.

Em síntese, a Autora alegou ter celebrado com a Ré, a 25.3.99, um contrato por via do qual a “AA, SGPS” vendeu à Ré um lote de 551.139 acções nominativas, representativas do capital social da sociedade “CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A.”, pelo preço global de Pte. 143.075.684$00, tendo-lhe ainda transmitido por € 628.975,00 os créditos que detinha sobre a mesma (os quais ascendiam à data da celebração do contrato ao montante de Esc. 577.130.128$00).

Nos termos desse mesmo contrato, a Ré obrigou-se a prestar o serviço de abate aos agentes económicos das regiões em que se situam as unidades de abate da “CC - LUSA” mediante a prática de preços corrente de mercado, a manter abertos, operacionais e activos os matadouros de Aveiro e Viseu, por forma a garantir a continuidade dos abates de gado, com total respeito pelos requisitos impostos pela legislação em vigor, nomeadamente garantindo, em tempo oportuno, a implementação do processo que possibilite o licenciamento do matadouro de Aveiro e ainda a submeter à apreciação dela Autora de quaisquer intenções e projectos de construção de uma unidade de abate que substituísse qualquer ou ambos os Matadouros de Aveiro e Viseu, por forma a que a Autora pudesse ajuizar se a continuidade da prestação de serviços de abate nas regiões se encontrava devidamente salvaguardada. Para o caso de não serem cumpridas as obrigações antes referidas, ficou estabelecida uma cláusula penal, no montante equivalente a cinquenta por cento do valor global de alienação das acções, a ser paga pela Ré à Autora. Porém, a Ré não cumpriu a obrigação de prestar serviços de abate de acordo com os requisitos legalmente impostos, não demonstrou a intenção de construção de qualquer unidade que substituísse o Matadouro de Viseu, vindo a ser determinado o encerramento deste Matadouro a 23 de Maio de 2003, em virtude de não se mostrar em conformidade com a legislação nacional e comunitária aplicável.


*


Citada a Ré contestou, impugnando alguns dos factos articulados pela autora, excepcionando o incumprimento defeituoso do contrato por parte da Autora, em virtude do Matadouro de Viseu ter sido entregue sem condições para realizar o abate de animais, invocou violação do princípio da boa fé e abuso de direito por parte da Autora já que a Ré tem continuado a assegurar os abates de gado dos utentes do matadouro de Viseu, sem encargos para estes e, se assim se não entender, sempre o negócio celebrado pela Ré foi com erro incidental, devendo o preço do negócio ser reduzido, sendo certo que o primeiro pedido formulado pela Autora padece de impossibilidade legal porquanto o encerramento do Matadouro de … foi determinado por decisão administrativa, não tendo a Autora alegado a verificação de qualquer prejuízo que lhe confira o direito a qualquer indemnização e, se assim se não entender, sempre a cláusula penal deverá ser reduzida a zero.


Em reconvenção, a Ré pede a condenação da Autora a:


I - reconhecer que o contrato celebrado entre Autora e Ré a 25 de Março de 1999 seja válido nos termos em que teria sido concluído sem erro, ou seja, com redução do preço e com alteração das cláusulas Quarta, n° 2 e Quinta, de modo a que a Ré só tivesse a obrigação de manter o matadouro de Viseu aberto pelo período em que este fosse licenciado, pelas autoridades competentes, de modo provisório ou definitivo, e, ainda que a cláusula Quinta só abrangeria esse período, em que o referido matadouro estivesse licenciado, a título provisório ou definitivo;

II - pagar à Ré, a título de redução do preço pago no referido contrato, por diminuição do valor do património da empresa “CC - Lusa, S.A.” e consequentemente do património da Ré, o montante de € 458.077,31;

III - se assim se não entender, que a Autora seja condenada a pagar à Ré, a título de indemnização, o montante, que se apurar, até € 458.077,31, que não seja considerado no pedido anterior como redução do preço do contrato;

IV - a pagar à Ré juros vincendos a partir da citação e contados sobre o montante em que venha a ser condenada.


*


A Autora replicou alegando, em síntese, que as associações e demais entidades que vieram a constituir a Ré, bem sabiam da situação concreta dos Matadouros de Aveiro e de Viseu, por serem clientes habituais dos mesmos, o que também sucedia com os membros sociais da Ré, que a cláusula Quarta do contrato é reveladora da necessidade de obras nos matadouros, que os matadouros, pela sua estreita relação com a saúde pública estão sujeitos a deteriorações frequentes e a obras constantes para reparação das mesmas, que o licenciamento definitivo do matadouro de Viseu dependia da realização de algumas obras pouco significativas, dispondo de uma licença provisória, que o encerramento do matadouro em 2003 é da exclusiva responsabilidade da Ré, que a Autora nunca teria celebrado o negócio nas condições agora pedidas pela Ré, que a alegada impossibilidade legal de cumprimento invocada pela Ré foi por ela criada, invocando a caducidade do direito de pedir a anulação do contrato celebrado a 25 de Março de 1999 e, atenta a previsível demora na decisão do pleito, reduziu o seu petitório final ao pedido formulado em segundo lugar, na petição inicial.

*


A Ré treplicou admitindo alguns dos factos alegados na réplica e impugnou os restantes articulados na mesma peça processual, reafirmando os factos que havia invocado na contestação-reconvenção e requerendo a rectificação do pedido reconvencional formulado em primeiro lugar, bem como de outros alegados lapsos materiais na contestação-reconvenção.

*


A Autora ofereceu requerimento em que se pronunciou sobre os documentos que a ré remeteu juntamente com a tréplica e opôs-se à rectificação do pedido reconvencional por, em seu entender, configurar uma ampliação ou modificação do pedido reconvencional, sem o acordo da Autora, ao arrepio das regras previstas no Código de Processo Civil.


A Ré requereu o desentranhamento do requerimento da Autora em que esta se pronunciou sobre a réplica ou, se assim se não entender, que sejam declarados não escritos os pontos I e II e improcedente o peticionado na alínea a), do requerimento da autora, devendo proceder o pedido de rectificação do pedido reconvencional.


Realizou-se uma infrutífera audiência preliminar, sendo a instância suspensa por acordo das partes pelo período de trinta dias.


*


Na sequência foi proferido despacho saneador tabelar, sendo que ainda se indeferiu o requerimento da Autora para alteração do pedido, e se deferiu a alteração do pedido reconvencional, bem como dos erros materiais na contestação-reconvenção.


Procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos, estes últimos a integrarem a base instrutória.


A Ré reclamou contra a selecção da matéria de facto, apontando vários lapsos na matéria assente, arguiu a indevida especificação de alguma matéria na factualidade assente, acusou a falta de especificação dos factos vertidos na prova documental oferecida com a contestação-reconvenção e pugnou pela inserção na base instrutória de diversa factualidade por si alegada em sede de contestação-reconvenção.


A Autora ofereceu prova testemunhal requerendo a gravação da audiência final.


A Ré ofereceu prova testemunhal e documental, requerendo a notificação da Autora para juntar aos autos prova documental em poder desta, requerendo também a gravação da audiência final.

A Autora pronunciou-se pelo deferimento da correcção dos lapsos na matéria assente, pronunciando-se, no mais, pelo indeferimento da reclamação da Ré contra a selecção da matéria de facto.


Foi proferido despacho dando parcial provimento à reclamação da Ré contra a selecção da matéria de facto.


As provas oferecidas pelas partes foram admitidas.


Entretanto, face à dissolução da Autora, determinou-se o prosseguimento da acção, com o Estado Português na posição de Autor.


Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo, sendo que a Ré ofereceu alegações sobre a matéria de direito.


Proferiu-se sentença a julgar a acção totalmente improcedente e parcialmente procedente a reconvenção, condenando-se o Autor a reconhecer que no contrato celebrado entre a “AA, SGPS” e a Ré, a 25 de Março de 1999, as cláusulas Quarta n° 2 e Quinta, incluem apenas a obrigação da Ré manter o matadouro de Viseu aberto pelo período em que estivesse licenciado pelas autoridades competentes, de modo provisório ou definitivo, abrangendo a cláusula Quinta apenas esse período, a reconhecer a redução do preço da venda de acções em € 94.343,19, e no que se apurar em liquidação posterior quanto aos factos descritos na sentença sob o n° 44, condenando-se o Autor a pagar à Ré esses valores.


*


Dessa sentença foi interposto recurso por ambas as partes, em cuja apreciação esta mesma Relação de Coimbra decidiu julgar procedente o recurso do Autor, e, em consequência determinou ao abrigo do disposto no art. 712º, nº4 do C.P. Civil a ampliação da base instrutória (através do aditamento de 5 quesitos cuja redacção enunciou), a anulação parcial do julgamento e a anulação total da sentença recorrida, sendo que determinou que ficava prejudicado o conhecimento do objecto do recurso da Ré (fls. 1255-1288).


Baixados os autos à 1ª instância e realizada nova audiência com o indicado fim, veio na oportuna sequência a ser proferida nova sentença através da qual se julgou a acção improcedente e se absolveu a Ré do pedido, mas se julgou parcialmente procedente a reconvenção e, absolvendo o reconvindo do demais peticionado, se condenou o mesmo a pagar à Ré a quantia de € 94.343,19 e o que se apurasse em liquidação posterior quanto a determinados factos enunciados, ambos esses valores acrescidos de juros legais desde a notificação da reconvenção e até integral pagamento (fls. 1335-1386).


A Ré não se conformou e interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra

Também interpôs recurso o Estado Português recurso de apelação independente (fls. 1390) e ainda recurso subordinado (fls. 1391) que, no entanto, veio a desistir nos termos do requerimento de fls. 2005, desistência que determinou a extinção da respectiva instância recursiva (fls. 2006).


Pelo Acórdão da Relação de fls.2012 a 2107, foi dado provimento parcial ao recurso da A e na total improcedência do recurso de apelação da Ré:

I - Confirmar a sentença recorrida quanto à improcedência da acção, mantendo a absolvição da Ré do pedido.

II - Julgar totalmente improcedente a reconvenção, absolvendo o A / reconvindo dos pedidos contra si formulados nesta sede.


A Ré não se conformou com esta decisão e interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal.


Por seu turno, o MP em representação do Estado Português  a fls. 2317 interpôs recurso  subordinado .


Nas suas alegações de recurso a Ré formula as seguintes conclusões:

A.

O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra do qual ora se recorre encontra-se - no segmento em que aprecia o recurso interposto pela Ré sobre o pedido reconvencional - ferido de nulidade, verificando-se oposição na fundamentação de Direito e ambiguidade que leva a que a decisão seja diferente para os vários segmentos decisório-judicativos (cfr. art. 615.°, nº 1, al. c), aplicável ex vi do art. 674.°, nº 1 al. c), ambos do N.C.P.C.).

B.

O Tribunal a quo, para fazer improceder alguns dos argumentos esgrimidos pelo Autor na sua apelação, considerou ter existido violação de determinados deveres da sua parte no desenrolar do procedimento tendente à celebração do contrato em causa nos autos; mas depois acaba por cair em contradição, dado que para fazer improceder alguns dos argumentos esgrimidos pela Ré, considerou não ter existido essa mesma violação desses mesmos deveres por parte do Autor:


- «(. . .) o encerramento foi devido à omissão de comportamentos que já anteriormente deveriam ter sido adoptados (e lhe haviam sido administrativamente impostos) pelo Autor].

i Com efeito, quando a Ré tomou posse do estabelecimento, já o mesmo não reunia as condições legais necessárias para estar aberto e não as reunia porque a vendedora (ou melhor, a sua participada) não o tinha dotado de condições estruturais para o efeito.» (pág. 77 do Acórdão do T.RC.).

- «(, . .) foi a vendedora (ou a sua participada) que, com a sua actuação, tornou impossivel a prestação integral pela Ré.» (pág. 77 do Acórdão do TRC.);

- «De sorte que a impossibilidade do cumprimento não é imputável à Ré, mas sim à A. (, ,.) a vendedora não foi diligente nem cumpriu o dever de informação quando informou a devedora "de que o matadouro de Viseu estava em vias de ser licenciado por haverem sido feitas obras" (ponto nº 37), o que de todo não correspondia à realidade» (pág, 78 do Acórdão do TR.C.);

- «Esse também foi o entendimento da sentença recorrida, com suporte na categoria dogmática do "tu queque", epifenómeno do exercício inadmissível de posições jurídicas, no contexto das exigências da boa fé contratual.

De facto, a quem comete violações - como foi o caso do aqui A./recorrente nos termos já supra expostos - não pode actuar como se tivesse tido um comportamento leal ao contrato, sobretudo quando, num momento prévio, desequilibrou a regulação material das obrigações da contra-parte.:

Neste conspecto, tutelar tal pretensão do aqui A./recorrente, seria dar acolhimento a actuação duma sua posição jurídica indevidamente obtida!

O que também na sentença recorrida - e bem - se obstou ao abrigo deste instituto jurídico.» (pág. 81 do Acórdão do T.R.C.). .. ) sendo absolutamente irrelevante afirmar-se que também esta contratou na expectativa de que o matadouro de Viseu estava operacional e poderia funcionar por vários anos, porquanto, mesmo não tendo actuado de má fé, que se não demonstrou. (, . .)>> (pág. 78 do Acórdão do TR.C.);

- «I, . .) nenhum dever de informação se pode considerar que existia por parte do vendedor, na medida em que a ora Ré podia, "com a diligência normal, obter informação sobre as características do bem, os requisitos de validade elou eficácia do negócio, ou as suas implicações jurídicas e patrimoniais".» (págs. 91 e 92 do Acórdão do T.RC.);

- « O que tudo serve para dizer que não consideramos verificado o pressuposto da "culpa" por parte da A. - um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, também no quadro da invocada responsabilidade pré-contratual (culpa in contrasndo).» (pág. 92 do Acórdão do TR.C.).

C.

Verificando-se esta nulidade, deverá o Supremo Tribunal de Justiça supri-la e modificar a decisão recorrida no sentido de considerar ter existido violação dos deveres laterias de informação e de lealdade, nos termos do art.? 684.°, n.? 1, do N.C.P.C .

Sem conceder e cumulativamente,

D.

No caso sub iudice estamos perante uma situação de compra e venda de empresas, processada através de um contrato de compra e venda de acções e de cessão de créditos.

E.

Este contrato não se reconduz unicamente a uma situação típica de compra e venda, mas antes a um contrato misto com elementos de compra e venda (de acções e de cessão de créditos, i.e., de compra e venda de uma empresa) e elementos de prestação de serviços de interesse público a terceiros (hodiernamente subsumível à categoria dogmática da concessão de serviços públicos, nos termos do C.C.P.), contando com elementos de execução instantânea e com elementos de execução duradoura.

F.

Como assinala a melhor doutrina (cfr. ANTUNES VARELA, «Das Obrigações em Geral», vol, I, 10ª Edição, Almedina, págs. 64-68 e 121-122), na esteira de MANUEL DE ANDRADE, em «Teoria Geral da Relação Jurídica», nº 2), os efeitos jurídicos de um contrato de compra e venda não se esgotam nos seus efeitos essenciais ou principais (in casu, a transmissão da propriedade do alienante para o adquirente o direito/dever de entregar a coisa e o direito/dever do preço),

G.

Pelo que não se pode - sem mais - considerar cumprido um contrato de compra e venda cujos deveres principais se mostram realizados, mas em que não são realizados (rectius, são violados) os deveres secundários e os deveres acessórios daqueles deveres principais (cfr. Luís MENEZES LEITÃO, «Direito das Obrigações», Volume III, 8.a Edição, Almedina, 2013, pág. 30 (e n.r. 49) e doutrina e jurisprudência aí citadas; J.C. BRANDÃO PROENÇA, «Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações», Coimbra Editora, 2011, págs. 56 e SS .. ; e cfr., também, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/2009, (proc. n.? 841/2002.S1), consultável em http://www.dgsLptljstj.nsf/954fOce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c9c123ed4e74c9f7 802576340046489d?OpenDocument;).

H.

Fazê-lo significaria olhar para a relação contratual que adstringe as partes como una ou simples e ignorar, por completo, a relação obrigacional complexa, como devem ser interpretados os art." 227.°, 397.° e ss., 762.° e ss. e 874.° e SS. do Código Civil.

I.

O Autor vendeu, pelo valor de € 1.396.634,10, e entregou à Ré – transmitindo-lhe a propriedade - o matadouro de Viseu em condições incompatíveis com o seu licenciamento definitivo, pese embora lhe tenha asseverado precisamente o contrário e pese embora lhe tenha ocultado documentos que atestavam o contrário, como as actas de vistoria de Fevereiro de 1999,

J.

Acabando o Autor por vi a encerrar o matadouro à Ré por este não reunir as condições para poder laborar definitivamente (cfr. pontos V a XV; XVII a XXXV; e, sobretudo, XXXVII e XXXVIII e XL e XLI [conjugados com os pontos II, III e IV], todos da matéria de facto provada).

K.

O contrato em causa - como bem assinalou a 1.a instância - embora se tenha celebrado, não chegou nunca a ser cumprido (nem em 25/03/1999, nem em data posterior). Aliás, a própria 1.a instância assinalou a impossibilidade lógica de se defender, por um lado, o cumprimento do contrato; e, por outro, o accionamento da cláusula penal pelo seu incumprimento (l).

L.

A Ré celebrou o contrato em erro sobre as bases do negócio (art. 252.°, nº 2, do C.C.), pelo que lhe deve ser reconhecido o direito à redução do preço, como forma de modificação do contrato e de respeito pelo princípio da conservação dos negócios jurídicos (cfr. art. 437.° do C.C. e, na doutrina, OLIVEIRA ASCENSÃO, «Direito Civil- Teoria Geral», Volume III, Relações e Situações Jurídicas, Coimbra Editora, 2002, págs. 182-212; e C.A. MOTA PINTO, PINTO MONTEIRO e P. MOTA PINTO, «Teoria Geral do Direito Civíl» , 4.a Edição, Coimbra Editora, 2005), dado que o contrário - tendo em conta os prejuízos sofridos pela Ré - afecta gravemente os princípios da boa fé contratual.

M.

Isto independentemente de se entender que se está perante uma compra e venda de um bem onerado (como entendeu a 1ª instância à luz do disposto nos art." 905.°, 909.° e 911.° do C.C. e sob a égide doutrinária de FERRER CORREIA e de A. DE SÁ); de se entender que se está perante uma compra e venda de um bem defeituoso (como entendeu a 2.a instância à luz do disposto nos art." 913.°, 915.° e 911.° do C.C. e seguindo CALVÃO DA SILVA); ou, ainda, por se ter verificado uma divergência entre a vontade negocial da Ré e a sua vontade conjectural (cfr. art.? 292.° do C.C.).

N.

Caso a Ré soubesse da real situação dos matadouros (seja dizer, se o Autor não lhe tivesse ocultado essa real situação), ainda assim o negócio ter-se-ia celebrado, mas seria realizado pelo preço encontrado descontado de todos os valores que a Ré teve de despender para assegurar a funcionalidade (provisória, está bom de se ver ... ) da coisa adquirida,

O.

O que quer dizer que ao preço encontrado (€ 1.396.634,10) se há que reduzir as seguintes quantias: € 33.050,80 pagos pela Ré a título de obras e aquisição de equipamentos em 1999 e € 61.292,39 pagos pela Ré a título de obras e aquisição de equipamentos em 2000 para que o matadouro pudesse, ainda que provisoriamente, laborar; € 2.606,00 pagos pela Ré à Câmara Municipal de Vouzela em 2003 e 2004 para assegurar o abate e a comercialização do gado dos utentes, por virtude do encerramento do matadouro de Viseu; € 11.419,73 pagos pela Ré para transportar os animais do parque de recolha de Campia para o matadouro de Aveiro, em 2003 e em 2004; e € 13.527,35 pagos pela Ré a título de impostos por lhe ter sido ocultada informação contabilística (cfr. pontos II, XL, XLII, XLIII, XLIV, XLV, XLVI e XLVII da matéria de facto provada).

P.

Para que um negócio seja anulável é necessário que o sujeito de Direito que argua o vício seja o mesmo em cujo interesse a lei o estabelece e - em princípio que o faça dentro do ano subsequente à cessação do vício que serve de fundamento à arguição (art.? 287.°, n.? 1, do C.C.); no entanto, esta regra não se aplica para todos aqueles casos em que o negócio nunca se cumpriu e onde é possível ao lesado arguir a anulabilidade, seja por via de acção, seja por via de excepção. sem dependência de prazo (cfr. art.? 287.°, n.o 2, do C.C.). E isto porque, como ensinam C.A. MOTA PINTO, PINTO MONTEIRO e P. MOTA PINTO, ob. cii., págs. 622-623 (e como foi acolhido na 1ª instância), se "o negócio não foi cumprido, ( ... ) não há expectativas da contraparte que legitimem a caducidade, pelo decurso do tempo, do direito de invocar a anulabilidade. H

Q.

Por conseguinte, deverá entender-se que o decurso do prazo não prejudica o direito da Ré a arguir a anulabilidade do negócio por ter contratado em erro-vício, na modalidade de erro incidental ou erro sobre as bases do negócio, uma vez que o mesmo se não mostrava (como nunca se mostrou) cumprido, ~ consequentemente, e nos termos do disposto no art. 437.° do C.C., deve o valor do contrato ser reduzido em € 121.896,27.

Sem conceder e apenas subsidiariamente,

R.

Ainda que se entendesse que o negócio se mostrava, em 07/06/2003, cumprido e que, nessa medida, devesse proceder a excepção da caducidade, ainda assim subsistiria a responsabilidade civil pré-contratual do Autor,

S.

Sendo hoje pacífico que se pode suscitar e efectivar a responsabilidade civil pré- contratual de um sujeito de Direito independentemente de o contrato se vir ou não a celebrar e independentemente de o contrato celebrado ser (in) válido ou (in) eficaz (cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, «Contratos - I - Conceito. Fontes. Formação», 4.a Edição, Almedina, 2008, págs. 207-208; e, também, HEINRICH HORSTER, «A Parte Geral do Código Civil  Português», pág. 474).

T.

E isto porque os factos praticados pelo Autor consubstanciam crime e, nessa medida, prorrogam o prazo prescricional da responsabilidade civil nos termos do Código Penal (cfr. art." 498.°, n." 1 e 3, do C.C., conjugados com os art." 217.°nº 1, 218.°, nº 1, 202.°, aI. b), e 118.°, nº 1, aI. b), do C.P.).

U.

Com efeito, a «AA. - Produtos Pecuários de Portugal, S.G.P.S., S.A» sabia do estado real do matadouro de Viseu (cfr. ponto XLI da matéria de facto); mas, não obstante, durante todo o período de negociações, não só o escondeu da Ré (cfr. ponto XLI da matéria de facto), como a informou erradamente (cfr. ponto XXXVII da matéria de facto), assim a levando a contratar em moldes que nunca aceitaria se soubesse da realidade do antedito matadouro (cfr. pontos LI e LIli, por referência aos pontos II, III e IV da matéria de facto) - i.e., em bom português, "vendendo-lhe gato por lebre".

V.

Desta forma, a «AA. - Produtos Pecuários de Portugal, S.G.P.S., S.A.» procurou e conseguiu obter um preço pela venda das acções e pela cessão de créditos que nunca teria conseguido e que não era devido em função da realidade do matadouro (cfr., conjugadamente, pontos LI e LIli, por referência aos pontos II, III e IV da matéria de facto), pelo que, ao agir da forma descrita, enganou a Ré, induzindo-a em erro sobre a conformidade jurídica do matadouro, situação que representou e que nunca desobnubilou (cfr., conjugadamente, pontos LI e LIli, por referência aos pontos II, III e IV da matéria de facto), assim levando a que a Ré despendesse, no total, um preço superior a € 1.518.530,37 (cfr. pontos II, XL, XLII, XLIII, XLIV, XLV, XLVI e XLVII da matéria de facto provada), quando, na verdade, o que foi acordado pelas partes foi a cedência de uma coisa pelo preço pago de € 1.396.634,10 (cfr. ponto II da matéria de facto provada).

W.

E, como se tal não bastasse, ainda veio tentar apropriar-se da quantia correspondente a 50% do valor global de alienação das acções a título de cláusula penal (qualquer coisa como € 698.317,05).

X.

Tudo isto paralelamente com o encerramento, pelo Autor, do matadouro, retirando à Ré a sua fonte de receitas, "justificado" ... pelo facto de o matadouro estar nas mesmas condições (rectius, em bem melhores condições) nas quais a própria «AA. - Produtos Pecuários de Portugal, S.G.P.S., S.A.» anteriormente o explorava ...

Y.

Ora, em face do exposto, cometeu a «AA. - Produtos Pecuários de Portugal, S.G.P.S., S.A.» um crime de burla, previsto e punível pelo 217.°, n.? 1, do Código Penal ("quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa"), sendo que, atendendo ao valor em causa, o mencionado tipo de crime seria qualificado, nos termos do art.? 218.°, n.º 1, do C.P., por referência ao art.º 202.°, aI. b), do C.P ..


Z.

O prazo prescricional do tipo de crime é, assim, ex vi do art.º 118.°, nº 1, aI. b), do C.P. de dez anos, sendo que a responsabilidade civil foi suscitada na contestação-reconvenção (em Março de 2004), momento em que apenas tinham decorrido 4 anos e 9 meses do hiato previsto na Lei Penal.

AA.

Assim, deve o Autor ser condenado a colocar a Ré na situação em que esta estaria se o Autor tivesse procedido de boa fé durante e após o processo negocial, e, como tal, a indemnizar a Ré no valor total de € 121.896,27 (cento e vinte e um mil, oitocentos e noventa e seis euros e vinte e sete cêntimos) correspondente à soma das seguintes parcelas:


6) - € 33.050,80 a título de obras e aquisição de equipamentos em 1999 para que o matadouro pudesse, ainda que provisoriamente, laborar (cfr. ponto XLII da matéria de facto provada);

7) - € 61.292,39 a título de obras e aquisição de equipamentos em 2000 para que o matadouro pudesse, ainda que provisoriamente, laborar (cfr. ponto XLIII da matéria de facto provada);

8) - € 2.606,00 a título de pagamentos à Câmara Municipal de Vouzela em 2003 e 2004 para assegurar o abate e a comercialização do gado dos utentes, por virtude do encerramento do matadouro de Viseu (cfr. ponto XLVI da matéria de facto provada);

9) - € 11.419,73 a título de pagamento dos transportes dos animais do parque de recolha de Campia para o matadouro de Aveiro, em 2003 e em 2004 (cfr. ponto XLVII da matéria de facto provada);

10) - € 13.527,35 a título de pagamento de impostos devidos antes da alienação das acções e não reflectido no balanço de Março, nem em nenhuma outra informação contabilística apresentada pelo Autor à Ré (cfr. ponto XL da matéria de facto provada)

BB.

Montante ao qual acrescerão os juros de mora já vencidos e contados desde a data da notificação ao Autor da reconvenção, bem como aqueles que se vierem a vencer até efectivo e integral pagamento,

CC.

E, ainda, os custos de inactividade, de deslocação e remunerações adicionais derivados do encerramento do matadouro de ..., de 07/06/99 a 21/06/99, e as pertas de receitas em Maio de 1999, a determinar em liquidação posterior (cfr. pontos XLIV e XLV da matéria de facto provada).

DD.

Tudo isto - em síntese e concluindo - porque, para citar o aresto recorrido (cfr. pág. 81 do Acórdão), "quem comete violações - como foi o caso do aqui A./recorrente - não pode actuar como se tivesse tido um comportamento leal ao contrato, sobretudo quando, num momento prévio, des[e]quilibrou a regulação material das obrigações da contra-parte ( ... ) tutelar tal pretensão do aqui A./recorrente, seria dar acolhimento a actuação duma sua posição jurídica indevidamente obtida!"

EE.

E sobretudo porque, parafraseando, mutatis mutandís, a célebre expressão do escritor François Andrieux, em «O Moleiro de Sans-Souc» - "ainda há Juízes em Lisboa [Berlim]', que farão como sempre a mais lídima JUSTIÇA.

Nestes termos, nos melhores de Direito deverá o presente recurso ser julgado provido e, em consequência, ser o Autor (Reconvindo) condenado a pagar à Ré (Reconvinte), a quantia de € 121.896,27 (cento e vinte e um mil, oitocentos e noventa e seis euros e vinte e sete cêntimos), acrescida dos juros de mora já vencidos e de todos aqueles que se vencerem até efectivo e integral pagamento, bem como da quantia que se vier a apurar em liquidação posterior.

Valor: € 121.896,27




O MP apresentou contra- alegações ( fls. 2289 e segs.) concluindo:


1 - Não há qualquer contradição entre nos fundamentos de direito do douto acórdão a quo, nem nenhuma ambiguidade a carecer de ser aclarada, discordando apenas a reclamante dos fundamentos do segmento em que, no douto acórdão, se conheceu do seu recurso, o que, a existir, poderia integrar um erro de julgamento, mas não as nulidades do acórdão reclamadas.


2 - A reclamante descontextualiza e põe em confronto excertos do douto acórdão a quo, resultantes, uns, da transcrição da sentença de 1a instância, sobre a culpa da R. no incumprimento da cláusula contratual em que a R. se obrigara a manter abertos e operacionais os matadouros durante 5 anos, e escritos, outros, pelo Ex.mos Desembargadores a quo, apreciando a eventual responsabilidade pré-contratual da A.; concluindo a reclamante haver contradições, quando, da leitura do douto acórdão a quo, se colhe que os Ex. mos Desembargadores entenderam que nem a postura contratual da CC - LUSA, SGPS, nem a dos Matadouros da Beira Litoral, SA tinham sido propriamente exemplares, mas que era a estes últimos que era exigível que, antes da celebração do contrato, tivessem procurado informar-se sobre as obras necessárias para a continuação do funcionamento do Matadouro de Viseu, pois, conhecendo eles, necessariamente, o quadro legal vigente para os matadouros e o estado deficitário do mesmo matadouro-, não poderiam ignorar que tinham de ser feitas obras estruturais, para o matadouro não ser administrativamente encerrado.

3 - A recorrente defende que o contrato em análise, através do qual a recorrente comprou a CC - LUSA-SGPS (à qual sucedeu, já durante a pendência da lide; o Estado) 91,43% das ações de CC - LUSA, SA e obteve a cessão dos créditos detidos por CC - LUSA, SGPS sobre a mesma sociedade, não estava cumprido, por ter havido incumprimento de deveres laterais e secundários por parte da citada CC - LUSA, SGPS.

4 - Porém, a matéria de facto provada retrata a venda à ora recorrente, por parte de CC - Lusa, SGPS, da quase totalidade (mais de 94%) das participações sociais da sociedade CC - Lusa, SA, à qual estavam confiados o abate e a vigilância sanitária do abate de gado nos 3 matadouros existentes na Beira Litoral, no âmbito da privatização desse serviço de interesse geral.

5 - Tratou-se, assim, de um contrato misto de venda de ações (ou seja de titulas de participação social que exprimem a medida da posição do sócio na sociedade comercial anónima respetiva) e de cessão de créditos - e não, como, pela primeira vez nas alegações da revista a que se responde, defendem os recorrentes, um contrato misto de compra e venda e de concessão de serviço público -, contrato esse que foi consumado, e o respetivo negócio cumprido, na data em que o mesmo foi outorgado e ocorreu a troca do preço (o capital que a R., então, pagou) pelas participações sociais vendidas e pela cedência dos créditos detidos sobre a mesma empresa.

6 - Não se poderá, pois, argumentar, como fazem os recorrentes, que o negócio não estava cumprido, para efeito das disposições conjugadas dos arts. 917° e 905° e 28r, nOZ do CC, porque, como o matadouro de … carecia de licenciamento (o que, está provado, ambas partes bem sabiam, sendo certo, ainda, que está provado que «os representantes da Ré conheciam as condições concretas em que laborava o matadouro de Viseu enquanto seus utilizadores (resposta ao 25° da BI»», como a vendedora informou, então, que o licenciamento estava em vias de ser obtido, e o licenciamento não foi obtido, teria havido incumprimento de um dever acessório, determinante do incumprimento do contrato.

7 - Na verdade, a compra e venda foi das participações sociais, e não do matadouro de …. Aliás, a empresa transacionada não se limitava a explorar o matadouro de …, mas este, o de Coimbra e o de Aveiro, explorando, ainda, o primeiro durante mais de 4 anos após a celebração do negócio, com licenciamento provisório, transferindo a R., depois, a atividade empresarial que desenvolvia no matadouro de Viseu, quando este foi encerrado pela DGV, para o novo matadouro de Aveiro, que construíra, embora sem respeitar minimamente o compromisso - que constava do contrato em análise -, de ouvir o A. sobre a sua intenção de concentrar em Aveiro os abates de gado que, antes, efetuava em Aveiro e Viseu.

8 - Logo, apesar do alegado "defeito" ou "ónus" do matadouro de Viseu (a falta de licenciamento do mesmo matadouro), por opção empresarial da R., a empresa de que a R. assumiu a quase totalidade do capital social continuou a laborar, noutras instalações e com outro modelo de produção - e as inerentes economias de escala, bem como as resultantes da reestruturação da empresa e as mais-valias imobiliárias, obtidas pela R., com a venda dos terrenos onde se situavam os Matadouros de Coimbra e de Viseu -, pelo que a hipótese teórica de incumprimento da prestação a que o A. se obrigara não tem cabimento.

9 - Atenta a matéria de facto provada quanto à data do conhecimento pela R., ora recorrente, dos alegados defeitos ou ónus do matadouro de Viseu e do não licenciamento do mesmo matadouro (sem margem para dúvidas, a 05 -07 -1999, quando a R. Matadouros escreveu a carta de fls. 233 a 237 e ss. dos autos à autora CC - Lusa SGPS, com conhecimento ao Secretário de Estado da Tutela); a data em que a R. contestou e reconviu, em 2004-03-02; os prazos de caducidade para a R. fazer valer as suas pretensões, decorrentes, ou da venda de coisa defeituosa, conforme previsto no art. 9170 do CC, ou da venda de coisa onerada, ex vi arts. 2870 n° 1 e 9050 do CC; há muito se tinham extinto, na data da reconvenção.

10 - Aliás, não é pacífico que seja aplicável o regime da venda de coisas defeituosas ou oneradas para efeito de garantia do comprador à venda de participações sociais de uma sociedade comercial que gere uma empresa ("share deal" da empresa em resultado da aquisição da totalidade ou de parte significativa das participações sociais), pois a venda de participações sociais de uma sociedade comercial é uma venda de direitos, e não da coisa 'empresa' .

11 - Daí que, os recorrentes aleguem ter direito a indemnização por responsabilidade pré-contratual da vendedora. Todavia, apesar de estar provado que, «37 A. informou a Ré de que o matadouro de Viseu estava em vias de ser licenciado por haverem sido feitas obras (resposta ao 5° da BI).», não se pode concluir que esta informação foi determinante para a R. ter decidido a compra das ações da CC - Lusa, porque apenas está provado que «51 A Ré não teria aceitado subscrever a cláusula referida em C) 2. [a cláusula penal] se tivesse conhecimento, à, data da outorga do contrato, que as autoridades licenciadoras não permitiriam o funcionamento do matadouro de Viseu durante, pelo menos, os cinco anos previstos naquela cláusula (resposta ao 23° da BI)>>.

12 - Logo, mesmo na tese da recorrente, de existência de culpa in contrahendo por parte da vendedora, atenta a matéria de facto provada, terá de se concluir que o comportamento que a R. Matadouros teria tido, se CC - Lusa, SGPS tivesse cumprido totalmente o dever de informação quanto à possibilidade de licenciamento do Matadouro de Viseu, era apenas não aceitar subscrever a cláusula penal. Como corolário desta tese da recorrente, o douto acórdão a quo não mereceria censura, pois a única consequência da incorreta informação fornecida pela vendedora era os RR não terem de pagar a cláusula penal, a nada mais tendo direito.

13 - Porém, está provado que «Os representantes da R. conheciam as condições concretas em que laborava o Matadouro de Viseu enquanto seus utilizadores» - facto provado n° L11.

14 - Para aferir de factos psicológicos, como a boa-fé dos contratantes, não se pode ignorar a especial natureza do contrato em análise, e a qualidade das partes que intervieram neste negócio.

15 - Com efeito, tratou-se de uma privatização de um setor de atividade económica, sendo adquirente uma sociedade expressamente formada por autarquias, Lactícoop, comerciantes e produtores regionais para concorrer a essa privatização, que pretendiam rápida, sendo esta sociedade constituida para, em face da decisão do Estado, de deixar de efetuar os abates de gado, «evitar que "interesses estranhos" aos produtores e aos comerciantes se instalem na região e com os quais ambos ficariam prejudicados.» - facto provado n° XXII, nºs 15 e 16.

16 - É facto notório que, nas privatizações, as partes são assessoradas por grandes escritórios de advocacia, que escalpelizam todos os pormenores pertinentes para o contrato a celebrar.

17 - Ora, a jurisprudência tem entendido que não se inclui no dever de informação da contra parte, implícito na regra de atuação segundo a boa-fé do art. ° 227° do Código Civil, a obrigação de dar a conhecer elementos ou circunstâncias a que qualquer pessoa tem acesso desde que atue com a diligência do homem médio.

18 - Acresce que, segundo a doutrina, na compra de empresas os deveres ou ónus do comprador, designadamente, o ónus de proceder a uma "due diligence", uma cuidada auditoria à sociedade que se vai adquirir, não podem ser ignorados.

19 - Finalmente, a razão de ser da responsabilidade pré-contratual é a tutela da confiança dos sujeitos de direito na correção, honestidade, lisura e lealdade do comportamento da outra parte, quando tal confiança se reporte a uma conduta juridicamente relevante e capaz de provocar danos.

20 - Atenta a matéria de facto provada, as partes negociaram e concluíram o contrato de acordo com os pressupostos e expectativas que tinham, quanto à possibilidade de licenciamento do Matadouro de Viseu - logo, ninguém defraudou a confiança da contraparte -, só que, este Matadouro, na ausência da realização das obras determinadas à R. pelas competentes autoridades higiossanitárias (em relação às quais o Estado/Ministério das Finanças, ora recorrido, é tão alheio como os recorrentes), ao fim de 4 anos, não mais serviu para o fim a que se destinava.

21 - Neste contexto, e como bem se decidiu no douto acórdão a quo, aos recorrentes não pode ser reconhecido qualquer direito, com fundamento em responsabilidade pré-contratual.

22 - Sem embargo, na data em que a R. reconviu, em 2004-03- 02, estava há muito completado o prazo de prescrição, de 3 anos - art. 498° n" 1 do CC -, de qualquer eventual direito de indemnização da R., com fundamento em responsabilidade pré-contratual da CC - Lusa, SGPS,

23 - Sendo a questão, que a recorrente, agora, coloca, de que a vendedora CC - Lusa, SGPS teria incorrido num (imaginário) crime de burla, pelo que o prazo aplicável seria o do procedimento criminal aplicável a este crime, ex vi art. 498°, n° 3 do Cc., uma questão nova, e que não é de conhecimento oficioso, pelo que não pode ser conhecida.

24 - Por tudo isto, o douto acórdão a quo deve ser mantido, no que concerne ao recurso a que se responde, com o que se fará a habitual

JUSTIÇA!



O A no recurso subordinado formula as seguintes concclusões:


1 - No contrato que a extinta AA, SGPS (uma sociedade comercial de capital exclusivamente público, entretanto extinta e à qual sucedeu o Estado português), celebrou, em 1999-03-25, com Matadouros da Beira Litoral, SA; e pelo qual, pelo preço de 143.075.684$00 (equivalente a € 713.658)50») vendeu à ora recorrida 91,43% das ações de CC - LUSA, SA, proprietária dos matadouros de Viseu, Coimbra e Aveiro, cedendo-lhe) ainda, por 136.924.225$50 (equivalente a €682.975,60) os seus créditos sobre a mesma sociedade, no montante de 577.130.128$00 (€2.878.712,94) as outorgantes estipularam uma cláusula penal, no montante de €356.829,25, para o caso de haver incumprimento pela compradora da obrigação de "manter abertos, operacionais e ativos os matadouros de Aveiro e Viseu, por forma a garantir a continuidade dos abates, pelo menos durante 5 anos a contar da celebração do presente contrato, com total respeito pelos requisitos impostos pela legislação em vigor" - Cláusula 5a do citado contrato, transcrita nos factos provados nºs III e IV.

2 - O matadouro de Viseu não foi mantido aberto e operacional durante o referido prazo de 5 anos, pois a 2003-06-07 esse matadouro foi mandado encerrar pelas autoridades competentes, por falta de condições estruturais, funcionais e higiossanitárias - facto provado n" XV.

3 - Atenta a presunção de culpa pela falta de cumprimento, contida no art. 799°, n° 1 do CC, incumbia aos Matadouros da Beira Litoral, SA provar que não tinha sido sua a culpa do incumprimento.

4 - Porém, no douto acórdão a quo foi considerada afastada a presunção de culpa da R. Matadouros porque, em síntese, se entendeu que, como o matadouro de Viseu tinha múltiplas e profundas deficiências estruturais já na data da celebração do contrato; como o alienante não tinha providenciado pelo suprimento dessas deficiências, não estando apurada a impossibilidade ou excessiva onerosidade das obras necessárias ao suprimento dessas deficiências; o encerramento do Matadouro de Viseu era natural e expectável. Acresceria que, como a R. Matadouros provou que, apesar do encerramento do Matadouro de Viseu, o abate de gado continuou a processar-se sem soluções de continuidade, sempre seria inexigível a indemnização predeterminada na cláusula penal convencionada, pois estaria provado que o A. não sofrera quaisquer danos.

5 - Com todo o respeito, discorda-se, pois está provado que, aquando da celebração do contrato (no qual não ficou previsto que ficasse a cargo da vendedora fazer as obras necessárias para permitir o licenciamento definitivo do matadouro), a compradora conhecia as condições em que funcionava o referido matadouro; está provado, ainda, que mediaram mais de 4 anos entre a data em que a compradora Matadouros da Beira Litoral passou a gerir e explorar o matadouro de Viseu e a data do encerramento administrativo deste matadouro, por incumprimento das condições estruturais, funcionais e higiossanitárias, legalmente previstas para este tipo de estabelecimentos.

6 - Está provado, também, que, neste período de 4 anos, o matadouro de Viseu foi sujeito a vistorias por parte das autoridades competentes e, sendo constatadas as deficiências estruturais, funcionais e higio-sanitárias que, 3 anos mais tarde, viriam a determinar o seu encerramento, foi decidido permitir a continuação do seu funcionamento provisório, na condição da R. Matadouros da Beira Litoral fazer as obras necessárias no prazo de 12 meses e, no prazo de 30 dias, apresentar o projeto das mesmas obras.

7 - Mais está provado que, 3 anos decorridos, as mesmas autoridades veterinárias constataram «a situação se ter mantido inalterável, sem ter havido qualquer diligência para a apresentação de um processo de licenciamento para um novo estabelecimento ou mesmo de um processo de remodelação profunda com adequação à legislação em vigor», o que levou à proposta superior de suspensão da laboração e ao decorrente encerramento do matadouro.

8 - Neste contexto, não poderia no douto acórdão a quo concluir-se que a R. Matadouros tinha provado que não tinha tido culpa no encerramento do matadouro de Viseu, OU provara que tinha sido diligente e se esforçara por cumprir a obrigação de manter ativo e operacional o mesmo matadouro,

9 -Pois não está provado que o incumprimento desta obrigação era impossível ou excessivamente oneroso.

10 - Na verdade, atenta a matéria de facto provada, designadamente, quanto ao conhecimento que as partes tinham dos requisitos legais previstos para o matadouro poder continuar a laborar e das reais condições de funcionamento do matadouro de Viseu, às expectativas que os contratantes tinham quanto à possibilidade do matadouro poder continuar operacional durante o prazo previsto na cláusula 5a, e às motivações da vendedora para que ficasse a constar do contrato a mesma cláusula penal, parece-nos poder concluir-se que se tratava de uma cláusula penal compulsória.

11 - Entendendo nós que não foi elidida a presunção de culpa da ora recorrida, e, segundo a melhor doutrina, sendo irrelevante que se não tenha provado que o incumprimento gerou danos, dado não se tratar de uma cláusula penal indemnizatória,

12 - Parece-nos que o douto acórdão a quo deve ser revogado, no segmento em que manteve a absolvição da R. do pedido de condenação no pagamento da cláusula penal estipulada no contrato.

13 - Subsidiariamente, sendo a cláusula penal, em regra, estabelecida em vista da inexecução integral, quando muito, poderia admitir-se que, como se tratou de um caso de inexecução parcial, a cláusula penal sofresse redução, segundo critérios de proporcionalidade e equidade, conforme previsão do art. 812°, n" 2 do Cc.

14 - Destarte, O douto acórdão a quo, ao decidir pela total improcedência do pedido do A., violou, nesta parte, o disposto nos arts 405°, n° 1, 810° e 812°, todos do Código de Civil.

15 - Assim, declarando-se procedente este recurso, far-se-á a habitual justiça.


A Ré apresentou contra- alegações relativamente ao recurso pugnando pela sua inamissibilidade, concluindo:

A.

Doutrina e jurisprudência civilística e constitucional são sincrónicas no que concerne à necessidade de "racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça" e no entendimento de que inexiste qualquer obrigatoriedade constitucional de assegurar um terceiro grau de jurisdição (cfr. ABRANTES GERALDES, «Recursos no Novo Código de Processo Civil», Almedina, 2013, págs. 283-285 e J.O. CARDONA FERREIRA, «Guia dos Recursos em Processo Civil», 5.a Edição, Coimbra Editora, 2010, pág. 261; e Acórdão do Tribunal Constitucional n.? 20/2007 [proe. n.? 715/06], in D.R., 2.a Série, de 20/03/2007).

B.

É, por isso, hodiernamente pacífica a consagração, no ordenamento pátrio jurídico-civil da figura da DUPLA CONFORME, no art.º 671.°, n.º 3, do N.C.P.C. (na esteira do art.º 721.°, n.º 3, do V.C.P.C.), não sendo em regra admitida a revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1. a instância.

C.

No caso sub iudice está em causa uma situação de compra e venda de empresas, processada através de um contrato de compra e venda de acções e de cessão de créditos, por intermédio do qual o Réu comprou ao Autor um lote de 551.139 acções nominativas, representativas do capital social da sociedade «CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A.», pelo preço global de 143.075.684$00, tendo o Autor transmitido ao Réu, por € 682.975.60, os seus créditos sobre «CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A.», os quais ascendiam, à data da celebração do contrato, ao montante de 577.130.128$00 (2.878.712,94€).

D.

No âmbito da relação obrigacional complexa que adstringiu as partes, foi convencionada uma cláusula penal, por força da qual ficou o Réu obrigado a manter abertos, operacionais e activos, os matadouros de Aveiro e de Viseu, de forma a garantir a continuidade dos abates de gado, pelo menos durante cinco anos a contar da data de celebração do contrato (Le., até, pelo menos, 25/03/2004), sob pena de ter de pagar ao Autor um montante equivalente a 50% do valor global de alienação das acções.

E.

Uma vez que - pelos motivos que infra se resumirão e que já foram (amplamente) abordados nos (muitos) articulados constantes dos presentes autos - as autoridades competentes encerraram, em 18/03/2003 o matadouro de Viseu (i.e., quatro anos, dois meses e vinte e dois dias após a celebração do contrato), o Autor intentou contra o Réu acção declarativa com forma ordinária, pedindo que este último fosse condenado a cumprir, no prazo de 30 dias, o supramencionado contrato ou, subsidiariamente, a condenação do Réu no pagamento da quantia total de € 356.829,25, correspondente a 50% do valor global da alienação das acções, com juros vencidos desde a data do encerramento do matadouro de Viseu e vincendos até integral pagamento,

F.

Pretensão à qual o Réu deduziu contestação e reconvenção, onde, em síntese, excepcionou o cumprimento defeituoso do contrato por parte do Autor, invocou a violação do princípio da boa-fé e o abuso de direito por parte do Autor, arguiu o erro incidental sobre o negócio, pugnando pela redução do negócio, defendeu a impossibilidade legal do primeiro pedido formulado pejo Autor e sustentou a redução a zero da cláusula penal, mais pedindo a condenação do Autor a reconhecer que o contrato celebrado a 25/03/1999 fosse válido nos termos em que teria sido concluído sem erro, a pagar ao Réu, a título de redução do preço pago no referido contrato, por diminuição do valor do património da empresa «CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A.», o montante de € 458.077,31, ou a pagar ao Réu, a título de indemnização, um montante a apurar até € 458.077,31, tudo acrescido dos respectivos juros legais.

G.

A 30/04/2012, a Meritíssima Senhora Doutora Juiz de Direito do Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro (Juiz 3), Comarca do Baixo Vouga, proferiu sentença que julgou a acção inteiramente improcedente, absolvendo o Réu do pedido, e julgando parcialmente procedente a reconvenção, condenando o Autor a pagar à Ré a quantia de € 94.343,19, valor ao qual acresceria a importância que se apurasse em liquidação posterior quanto a determinados factos enunciados, ambos esses valores acrescidos de juros legais desde a notificação da reconvenção e até integral pagamento.

H.

Para tal, a Meritíssima Senhora Doutora Juiz de Direito fundamentou a sua decisão do seguinte modo:

k) - O contrato celebrado entre as partes foi, considerando a sua materialidade subjacente, um contrato de compra e venda de empresas que prosseguiu o escopo de privatizar um sector de actividade (cfr. a fls. 67-73 da sentença);

I) - As qualidades da coisa vendida (i.e., da empresa) devem ser consideradas como integrantes do próprio contrato de compra e venda, pelo que existirá um defeito ou um vício - uma situação de desconformidade com o contrato - se a empresa, incluindo a sua situação subjacente, não contiver as características asseguradas pelo vendedor (cfr. a tis. 71 da sentença);

m) - O Réu vinculou-se lateralmente, tendo em conta a relação obrigacional complexa que adstringia as partes, a manter abertos, operacionais e activos os matadouros da sociedade «CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A.», pelo menos até 25/03/2004 (cfr. a tis. 74-75 da sentença);

n) - O montante estipulado pelas partes a título de cláusula penal não é exigível senão quando o devedor tenha infringido culposamente a obrigação assumida (cfr. a tis. 76 da sentença);

o) - O não cumprimento integral da prestação não é imputável ao devedor quando procede de facto de terceiro, de circunstância fortuita ou força maior, da própria lei, ou mesmo do credor (cfr. a fls. 77 da sentença);

p) - A partir do momento em que as autoridades sanitárias decidiram encerrar o matadouro de Viseu tornou-se impossível ao Réu cumprir a prestação a que se vinculara de o manter aberto e operacional por cinco anos (cfr. a tis. 77 da sentença);

q) - ln casu, o Réu não foi o culpado pelo encerramento do matadouro de Viseu - o encerramento foi devido à omissão de comportamentos que já anteriormente deveriam ter sido adoptados (e lhe haviam sido administrativamente impostos pelo Autor). Quando o Réu tomou posse do estabelecimento, já o mesmo não reunia as condições legais necessárias para estar aberto e não as reunia porque o Autor não o tinha dotado de condições estruturais para o efeito, só se encontrando ainda a funcionar porquanto contou para tal com a complacência I com o beneplácito das autoridades administrativas (cfr. a fls. 77M79 da sentença);

r) - A antedita impossibilidade de cumprimento total não imputável ao Réu exonera-o da parte restante não cumprida (cfr. a fls. 82 da sentença);

s) - Ainda que assim se não entendesse a actuação do Autor consubstanciaria um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium e/ou de tu quoque, dado que, ao contrário do afirmado pelo Autor, o matadouro de Viseu não estava em vias de ser licenciado e, ainda que o Autor não tenha actuado com dolo ou intenção deceptiva, a verdade é que tal informação que deu ao Réu não foi despicienda no quadro das negociações em curso, acrescendo que foi uma informação prestada no âmbito de negociações que tiveram intervenção de entidades com responsabilidades públicas, como públicos eram os bens a privatizar, com acrescido dever de actuação diligente (cfr. a fls. 82-83 da sentença);

t) - O Autor alienou um estabelecimento não dotado de condições estruturais para estar aberto ao público porquanto não efectuou as obras necessárias para o efeito, tendo violado a sua obrigação de transmitir ao Réu um estabelecimento plenamente operacional. Não tendo o Réu, depois, conseguido manter operacional esse estabelecimento por força de requisitos que o Autor não cumpriu, não pode o Autor pretender obter do Réu o cumprimento da obrigação de manter aberto o que já antes poderia ter sido fechado (cfr. a fls. 82-86 da sentença).

I.

Por seu turno, os Venerandos Senhores Doutores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra fundamentaram a sua decisão de fazer improceder, in totum, as pretensões do Autor do seguinte modo:

c) - Concorda-se integralmente com o entendimento perfilhada na sentença recorrida, e pela doutrina em geral, no sentido de que, numa situação como a dos autos se estará, juridicamente, perante a compra (e venda) de empresas / unidades industriais, onde se prossegue o objectivo de privatizar um sector de actividade, assegurando-se a continuidade da prestação de serviços com qualidade às populações e sem interesses estranhos a esse objectivo (cfr. a fls. 75 do Acórdão);

d) - Merece integral acolhimento a argumentação constante de fls. 78-82 da sentença da 1ª instância (cfr. a fls. 79-82 do Acórdão).

J.

Ora, se o Tribunal da Relação de Coimbra não só adere à fundamentacão utilizada pelo Tribunal de 1ª Instância para fazer improceder. in totum. as pretensões do Autor. COMO INCLUSIVAMENTE ESCREVE QUE A DÁ POR INTEGRALMENTE ACOLHIDA E TRANSCREVE NA FUNDAMENTAÇÃO DO SEU ACÓRDÃO, então é óbvio que estamos perante uma situação de DUPLA CONFORME,

K.

Pelo que - como muito bem sabe o Ministério Público e melhor ainda saberia se tivesse de autoliquidar uma taxa de justiça de, pelo menos, € 816,00 para interpor ou contra-alegar neste recurso ... - estará vedado ao Autor interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

L.

Por outro lado, em nada releva para a impossibilidade de recorrer de revista para o Supremo Tribunal de Justiça que o recurso apresentado pelo Autor seja apenas um recurso subordinado.

M.

Com efeito, como este Supremo Tribunal de Justiça já teve ocasião de considerar, "a dependência do recurso subordinado à sorte do recurso principal, a que alud[iam, na altura] os n:" 2 e 3 do eti? 682.° do C.P.C., importa que, caso o recurso principal não seia admissível, não pode ser conhecido o recurso subordinado" (cfr. o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/02/2014, consultável em http://www.dgsi.ptljstj. nsf/954fOce6ad9dd8b980256b5fO03fa814/4fabe55e 1 f645 20980257c8a00532dd3?OpenDocument).

N.

Esta situação é também assinalada pela melhor doutrina: neste sentido, depois de referir a possibilidade de apresentação de recurso subordinado ainda que o recurso principal fosse inadmissível em função do valor, expende ABRANTES GERALDES, ob. cii., pág. 76: "esta possibilidade apenas abarca as situações de irrecorribilidade em função do valor. JÁ SE ESTA DECORRER DA AUSÊNCIA DE OUTROS REQUISITOS, (\I.G, POR SER VEDADO O RECURSO PARA O SUPREMO EM FUNÇÃO DA EXISTÊNCIA DE DUPLA CONFORME RELATIVAMENTE À CONCRETA QUESTÃO DECIDIDA DESFAVORAVELMENTE), A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PRINCIPAL NÃO PODE SER INVOCADA COMO FUNDAMENTO PARA A ADMISSÃO DE RECURSO SUBORDINADO. Ou seja, o disposto no n. o 5 apenas atenua os efeitos ligados ao pressuposto da recorribilidade em função da sucumbência, não tendo, por si, a virtualidade de abrir múltiplos graus de jurisdição quanto a decisões que, por outros motivos, foram excluídas do recurso."

O.

Por conseguinte e sem mais considerações, deverá o recurso subordinado de revista interposto pelo Autor ser julgado inadmissível, por impossibilidade legal, não sendo apreciado por V. Exas., com todas as demais consequências legais.

Sem conceder e apenas subsidiariamente,

P.

Como referem as instâncias, a cláusula penal que foi aposta no contrato tinha uma função compulsória - a de pressionar o Réu, na qualidade de devedor sinalagmático, a cumprir a obrigação assumida de manter aberto, activo e operacional, durante pelo menos cinco anos, o matadouro de Viseu, o que, efectivamente, não veio a acontecer.

Q.

No entanto, como também - e muito bem - é referido pelas instâncias, a cláusula penal só poderia ter sido accionada se se demonstrasse que aquela obrigação não foi cumprida por culpa do Réu. E isso não só não se demonstrou, como as instâncias concluíram e decidiram o contrário.

R.

As instâncias concluíram e decidiram que:

a) - O não cumprimento integral (por pouco ... ) da prestação não foi imputável ao Réu, uma vez que procedeu de facto do próprio credor (cfr. a tis. 77 da sentença da 1.a instância e a fl5.75-82 do Acórdão do Tribunal da Relação);

b) - A partir do momento em que as autoridades sanitárias decidiram encerrar o matadouro de Viseu tornou-se impossível ao Réu cumprir a prestação a que se vinculara de o manter aberto e operacional por cinco anos (cfr. a tts. 77 da sentença da 1.a instância e a fl5.75-82 do Acórdão do Tribunal da Relação);

c) - ln casu, o Réu não foi o culpado pelo encerramento do matadouro de Viseu, mas antes que esse encerramento se ficou a dever à omissão de comportamentos que já anteriormente deveriam ter sido adoptados e lhe haviam sido administrativamente impostos pelo Autor (cfr. a tts. 77-79 da sentença e a tls.75-82 do Acórdão do Tribunal da Relação);

d) - Quando o Réu tomou posse do estabelecimento, já o mesmo não reunia as condições legais necessárias para estar aberto e não as reunia porque o Autor não o tinha dotado de condições estruturais para o efeito, só se encontrando ainda a funcionar porquanto contou para tal com a complacência J com o beneplácito das autoridades administrativas, não sendo a impossibilidade cumprimento imputável ao Réu (cfr. a fls. 77-82 da sentença e a fl5.75- 82 do Acórdão do Tribunal da Relação);

e) - ainda que assim se não entendesse, a actuação do Autor consubstanciaria um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium elou de tu quoque, dado que, ao contrário do afirmado pelo Autor, o matadouro de Viseu não estava em vias de ser licenciado (cfr. a fls. 82-83 da sentença e a fls.75-82 do Acórdão do Tribunal da Relação); e

f) - o Autor alienou um estabelecimento não dotado de condições estruturais para estar aberto ao público porquanto não efectuou as obras necessárias para o efeito, tendo violado a sua obrigação de transmitir ao Réu um estabelecimento plenamente operacional. Não tendo o Réu, depois, conseguido manter operacional esse estabelecimento por força de requisitos que o Autor não cumpriu, não pode o Autor pretender obter do Réu o cumprimento da obrigação de manter aberto o que já antes poderia ter sido fechado (ctr. a fls. 82-86 da sentença e a fls.75-82 do Acórdão do Tribunal da Relação).

S.

Por conseguinte, não só tem de soçobrar o pedido principal do Autor - Le., o accionamento total da cláusula penal - como igualmente cai por terra o argumento subsidiário de se ter tratado de um caso de inexecução parcial, determinativo da redução do montante da cláusula penal, pelo que deverá o recurso subordinado de revista interposto pelo Autor ser julgado improcedente quanto ao accionamento (total ou parcial) da cláusula penal, sendo o Réu absolvido do pedido, com todas as demais consequências legais.

Nestes termos, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverão as presentes contra-alegações ser recebidas e, em consequência:


a) - Ser julgado inadmissível, por violação do disposto no art,? 671.°, n.? 3, do N.C.P.C., o recurso subordinado de revista interposto pelo Autor, não sendo o mesmo apreciado; ou, sem conceder e apenas subsidiariamente,

b) - Ser julgado improcedente o recurso subordinado de revista interposto pelo Autor, sendo o Réu absolvido do pedido.

Tudo com as demais consequências legais.

Valor: € 275.000.00 (duzentos e setenta e cinco mil euros).




Colhidos os vistos, cumpre apreciar.



II - FUNDAMENTAÇÃO:


Os factos provados são os seguintes:


I – “AA – Produtos Pecuários de Portugal, SGPS, S.A.”, com a totalidade do seu capital social pertencente à sociedade “AA - Produtos Pecuários e Alimentação, S.A.”, detida pelo Estado, tem por objecto a gestão das participações sociais das empresas do Grupo AA. [al. A) dos factos assentes];

II – “AA- Produtos Pecuários de Portugal, S.A.”, e a Ré, “Matadouros da Beira Litoral, S.A.”, no dia 25 de Março de 1999, celebraram entre si um contrato de compra e venda de acções e de cessão de créditos, nos termos do qual a autora vendeu à ré, e esta comprou, um lote de 551.139 acções nominativas, representativas do capital social da sociedade “CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A.”, pelo preço global de 143.075.684$00, tendo também transmitido à ré, por € 682.975,60, os seus créditos sobre a "CC - Lusa", os quais ascendiam, à data da celebração do contrato, ao montante de 577.130.128$00, (2.878.712,94€). [al. B) dos factos assentes];

III – Mediante a cláusula quarta do referido contrato a ré, como segunda outorgante, obrigou-se a:

1. Prestar serviços de abate aos agentes económicos das regiões em que se situam as unidades de abate, propriedade da sociedade CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A., sempre que estes o solicitem, mediante a prática de preços correntes de mercado.

2. Manter abertos, operacionais e activos, os matadouros de Aveiro e Viseu, por forma a garantir continuidade dos abates de gado, pelo menos durante cinco anos a contar da data da celebração do presente contrato, com total respeito pelos requisitos impostos pela legislação em vigor, nomeadamente garantindo em tempo oportuno, a implementação do processo que possibilite o licenciamento do Matadouro de Aveiro.

3. Na eventualidade da segunda outorgante pretender construir uma unidade industrial de abate que substitua um dos matadouros referidos no ponto anterior, ou mesmo ambos, tal intenção, bem como os respectivos projectos, terão que ser previamente submetidos à apreciação da primeira outorgante, ou da entidade que lhe venha a suceder ou a ficar investida no seu património, para que esta possa ajuizar sobre se a continuidade da prestação de serviços de abate nas regiões, que se encontra prevista no ponto dois desta cláusula, se encontra devidamente salvaguardada.

4. Garantir o cumprimento do protocolo celebrado entre a sociedade "CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A." e a Câmara Municipal de Coimbra, cuja cópia se encontra anexa ao contrato-promessa referido no ponto 1. da cláusula segunda do presente contrato, relativo à venda, em hasta pública, das parcelas relativas ao Matadouro Industrial de Coimbra, cumprindo escrupulosamente toda obrigações dele decorrentes.

Assumir todas as posições contratuais de que a sociedade CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A. é presentemente parte, nomeadamente:

a) - Noventa e seis contratos de trabalho sem termo e cinco a termo certo, identificados na listagem que se encontra apensa ao contrato promessa referido no ponto 4 desta cláusula, da qual constam o nome, categoria, profissional, data de admissão, tipo de vínculo e vencimento base dos respectivos trabalhadores.

b) - Contratos de seguros diversos, contratos de "leasing" de equipamentos e viaturas, contratos diversos de manutenção e de assistência técnica, contratos de prestação de serviços nas áreas da higiene, segurança e vigilância e assessoria jurídica, nos termos da listagem que se encontra apensa ao contrato promessa referido na alínea anterior. [al. C) dos factos assentes];

IV – Mediante a cláusula quinta do referido contrato foi estipulado que "O não cumprimento por parte da segunda outorgante (ora ré) das obrigações referidas na cláusula anterior, constituí-la-á no dever de pagar à primeira outorgante (ora autora), ou à entidade que lhe venha a suceder ou ficar investida no seu património, um montante equivalente a 50% do valor global de alienação das acções". [al. D) dos factos assentes];

V – No dia 1 de Junho de 1999, procedeu-se a vistoria ao matadouro de Viseu, nos termos constantes do auto de folhas 18 a 22 dos autos, tendo aí sido exarado o seguinte:

    "Aos um de Junho de mil novecentos e noventa e nove, pelas onze horas, reuniram-se no Matadouro de Abate de Gado, propriedade de CC - LUSA — INDÚSTRIA DE PRODUTOS PECUÁRIOS DE AVEIRO COIMBRA E VISEU, sito em Viseu, a fim de verificarem o cumprimento das condições impostas no auto de vistoria, efectuado em nove de Fevereiro de mil novecentos e noventa e nove, conforme o disposto no ponto um, do artigo décimo sexto do Decreto Regulamentar número vinte e cinco, de dezassete de Agosto de mil novecentos e noventa e três, cujo processo de licenciamento decorreu ao abrigo do Regulamento do Exercício das Actividades Industriais, cujo projecto foi aprovado em vinte e sete de Julho de mil novecentos e noventa e oito, pelo Senhor Director Regional de Agricultura da Beira Litoral.

(...)

Os peritos intervenientes verificaram que foi dado cumprimento à quase totalidade das imposições feitas na vistoria acima referida devendo contudo proceder às seguintes correcções:

CIRCUITOS EXTERIORES

• As portarias dos circuitos exteriores limpos e sujos, deverão ser obrigatoriamente controladas.

• No local da lavagem de viaturas da área suja, aconselha-se a colocação de cobertura.

• Regularizar o pavimento do circuito limpo e sujo, cobertura de modo a evitar os empoçamentos provocados pelas águas pluviais, devendo ser feita a drenagem das mesmas e retirar o lixo existente no terreno adjacente ao estabelecimento e pertencente ao mesmo, bem como proceder à lavagem dos pavimentos.

• No sector de lavagem das viaturas de transporte de carnes deverá ser retirado todo o equipamento e demais material.

INSTALAÇÕES SANITÁRIAS

• Os lava mãos deverão ser dotados com torneiras de comando não manual.

• Nos urinóis deverão ser substituídas as torneiras por temporizadores

• Colocar molas de retorno nas portas de acesso às instalações sanitárias.

WC

• Colocar as vassouras de higienização das sanitas

• Substituir o banco de madeira por PVC

ARRUMO DE APOIO AO GABINETE

O sanitário existente deverá ser utilizado para arrumo de apoio ao Gabinete Veterinário, para arrumo de tintas e marcas sanitárias

ACESSO DO PESSOAL

• Corrigir a drenagem do lava botas.

ABEGOARIAS

• O cais de desembarque deverá Ter dimensões adequadas à recepção dos animais e altura ajustável à altura da viatura.

• Identificar os lazaretos

• Proceder à reparação dos pisos e paredes danificadas.

• Colocar manga de acesso à casa de abate.

• Corrigir a drenagem da zona de acesso, de modo a evitar que a mesma se faça para a sala de abate.

NAVE DE ABATE

• As grelhas dos esgotos partidos deverão ser substituídas

• As janelas degradadas deverão ser substituídas ou reparadas

• Fazer o ajustamento da porta, colocando banda de borracha ao postigo da saída de peles, a fim de evitar a entrada de insectos.

• O exaustor deverá ter rede mosquiteira de protecção

  Na entrada dos abates de urgência deverá colocar painel protector junto à via aérea e tubos.

• Proceder ao arranjo das paredes da box de insensibilização.

LINHA DE OVINOS E CAPRINOS

• Dotar o electrochoque de voltímetro, amperímetro e temporizador

LINHA DE SUÍNOS

• Dotar o electrochoque de voltímetro e temporizador

• A plataforma de sangria deverá ser substituída dado o estado de degradação

• Na depiladora todas as peças móveis deverão ser completamente protegidas e a tela substituída

• Deverá ter como reserva pinça de insensibilização de suínos

• Isolar a área envolvente do transportador da sala de abate para a abegoaria

• Colocar rede mosquiteira nos exaustores e isolar a área envolvente da chaminé a fim de evitar a entrada de insectos e pássaros.

• Colocar esterilizador da serra de carcaças.

• Colocar número de lavatórios e esterilizadores, adequados ao número de postos de trabalho.

• Substituir o machile por material em aço inox.

• Retirar da linha todo o material em madeira.

TRIPARIA

INSTALAÇÕES SANITÁRIAS DE APOIO À TRIPARIA

• Colocar torneiras de comando não manual.

• Dotar de exaustão forçada e adequada à volumetria das instalações.

• Colocar sistema de arejamento nas portas de acesso, assim como molas de retorno.

ZONA DE EXPEDIÇÃO

• Fechar aporta lateral existente na expedição (junto à nave de abate)

• Os tectos deverão ser lisos e a zona devidamente climatizada (12°C)

• Deverá colocar esterilizador de facas em local adequado

• A água do evaporador deverá escoar para o sistema de esgotos

CÂMARAS FRIGORÍFICAS

• Identificar as câmaras por espécies e a de observação devendo esta estar dotada de meios de segurança.

• O corredor de acesso e a câmara frigorífica de reprovados deverá ter o pavimento e paredes lisas de côr clara

C.F. — MIUDEZAS BRANCAS/VERMELHAS

• Reparar paredes, tectos e pavimentos

• Reparar a instalação de água (tubo do evaporador).

SECTOR DE LAVAGEM DE TABULEIROS PVC

• As dimensões não estão de acordo com o projecto técnico aprovado, dado a quantidade de equipamento móvel existente na unidade, recomenda-se o aumento desta área ou dotar o estabelecimento de outro local destinado a essa finalidade.

• O acesso exterior a este sector deverá estar desimpedido e toda a sucata existente e demais material, deverá ser retirado para local conveniente

SECTOR DE SALGA DE PELES

• Posicionar correctamente e higienizar o electrocutor de insectos.

EXPEDIÇÃO DE SUB PRODUTOS

• A calha existente na zona de cozedura de sangue deverá ser provida de grelha

GERAL

• Todo o estabelecimento deve ser higienizado

• Todos os lava mãos do estabelecimento deverão ser dotados de água quente e fria

• Todos os esterilizadores acopulados aos lava mãos deverão possuir água quente à temperatura mínima de 82° C

• Todos os manípulos das torneiras dos lava mãos das instalações sanitárias deverão ser substituídos por comando não manual

• Em todo o estabelecimento deverão ser reparados os revestimentos das paredes, tectos e pavimentos degradados, fissuras, juntas e orifícios deverão ser betomados com material específico e antifungico.

• Todo o equipamento em estado de degradação e com sinais de oxidação deverá ser substituído, reparado e pintado.

• Dotar o estabelecimento de sinalização de segurança e iluminação de emergência.

Todas as portas pivotantes de acesso ao exterior deverão possuir mola de retorno.

DOCUMENTAÇÃO

• Os efluentes gasosos e a altura das chaminés deverão obedecer aos parâmetros constantes do Dec-Lei n° 352/90 de 9 de Novembro e Portª 286/93 de 12 de Março.

Os peritos intervenientes entenderam que, apesar do esforço desenvolvido pela empresa no cumprimento do determinado pelas entidades licenciadoras no auto acima referenciado, o estabelecimento não reúne condições para homologação de acordo com a Directiva 64/433/CEE de 26 de Junho (Portª. 971/94 de 29/10) pelo que se propõe o assunto à consideração superior.(...)"

 [alínea E) dos factos assentes];

VI – No dia 16 de Junho de 1999, procedeu-se a nova vistoria ao matadouro de Viseu, nos termos constantes de folhas 24 a folhas 26 dos presentes autos, tendo aí sido exarado o seguinte:

"(…)

Após a vistoria, os técnicos intervenientes verificaram que as instalações não reúnem as condições estabelecidas na Portaria 971/94, de vinte e nove de Outubro, com vista à homologação do mesmo.

As condições estabelecidas na transposição da Directiva Comunitária, implicariam por parte da empresa grande investimento económico e com dificuldades de implementação dos requisitos legais no contexto estrutural e funcional bem como das áreas disponíveis, nas condições actuais existentes.

Considerando o problema de ordem social dos trabalhadores da unidade industrial em causa, bem como daqueles que a jusante e a montante, sobrevivem a custa dela.

Considerando a sobrecarga das estruturas na região, que funcionavam em boas condições higiosanitárias com a consequente sobrecarga de abates, as mesmas são impossíveis de manter, podendo por em risco a Saúde Pública.

Considerando que estão garantidos os requisitos mínimos de funcionamento de modo a garantir a segurança do produto final, pomos à consideração superior que o estabelecimento se mantenha em laboração como solução provisória até ao Licenciamento de nova unidade, que a empresa se propõe levar a cabo, e que não deverá ultrapassar o prazo máximo de doze meses para conclusão das instalações e trinta dias para apresentação do projecto.

Para tal deverá ser assinado como garantia um termo de responsabilidade por parte da Administração da empresa, com vista ao cumprimento dos prazos propostos e compromisso por parte das entidades intervenientes no processo de licenciamento de dar prioridade à apreciação do mesmo, o mais breve possível.

De referir ainda que de imediato deverão ser tomadas as seguintes medidas caso a proposta acima indicada seja aceite superiormente:

1 - Deverão ser ampliadas na sequência de esclarecimentos havidos anteriormente a zona de lavagem do equipamento móvel e ao cais de descarga dos animais vivos, com vista ao melhoramento das condições relativas ao bem estar animal.

2- A capacidade máxima diária de abate deverá ser a seguinte:

     Bovinos — sessenta

    Suínos adultos — cem

    Leitões — oitenta

    Pequenos ruminantes — oitenta

As capacidades estipuladas poderão ser alteradas em termos de conversão e sempre com a concordância do Inspector Sanitário.

3 - Estabelecimento de controlo mensal de potabilidade da água.

4 - Estabelecimento de programa escrito de limpeza e desinfecção da instalação e equipamento, com indicação dos produtos a utilizar e procedimentos, bem como referência do seu executante e controlador.

5 - Necessidade de estabelecimento de programa de controlo de pragas.

6 - Registo termográfico das temperaturas das câmaras frigoríficas e áreas climatizadas.

  A implementação destas medidas deverá ser supervisionada pelo Inspector Sanitário." [alínea F) dos factos assentes];

VII – Sobre a autorização de laboração do estabelecimento de abate PEC LUSA de Viseu, foram pela Direcção-Geral de Veterinária elaborados documentos datados de 07 de Junho de 2002 e de 16 de Maio de 2002, juntos a folhas 28 e de folhas 29 a 31 dos autos e com o seguinte teor:

" (...)

  Assunto: Autorização de Laboração de Estabelecimento de Abate CC - LUSA VISEU

(...)

A fim destes Serviços poderem dar uma resposta à solicitação contida na V/Telemensagem em referência, foi elaborada uma Informação ao Senhor Director Geral de Veterinária, a fim de se pronunciar sobre o assunto na qualidade de detentor da Autoridade Sanitária Veterinária Nacional.

Sobre a Informação em referência, onde se propunha a suspensão da laboração no Matadouro CC - LUSA VISEU e cancelamento da marca de salubridade, o Senhor Director Geral exarou o seguinte despacho:

"Concordo. Proceda-se em conformidade sujeitando a decisão final a uma inspecção actualizada ao matadouro em causa"

A fim de dar cumprimento ao estipulado no despacho superior, solicito os bons ofícios de V. Ex° no sentido de promover uma vistoria ao estabelecimento em epígrafe, nos termos do Art° 16° do Decreto-Regulamentar n°25/93 de 17 de Agosto com a presença de todas as entidades consultadas para o licenciamento industrial.

(...)

"Assunto: Autorização de Laboração de Estabelecimento de Abate CC - LUSA VISEU

     Exmª Senhora Directora de Serviços de Higiene Pública Veterinária

Foi recepcionada nesta Direcção de Serviços, a 15 de Abril de 2002, a telemensagem n° … de 2002-04-02 do Núcleo Técnico de Licenciamento da Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral, cuja cópia se anexa, abordando a hipótese de emissão de autorização para abate no Matadouro em epígrafe, mesmo com o matadouro da CC - LUSA AVEIRO, em funcionamento.

Para se poder pronunciar sobre o assunto é necessário recordar os antecedentes.

Através de várias reuniões havidas entre a Secretaria de Estado da Modernização Agrícola e da Qualidade Alimentar, a Direcção Geral de Veterinária e as Direcções Regionais de Agricultura, ficou superiormente decidido que todos os Matadouros deviam obedecer aos requisitos legais para colocarem os produtos no mercado até 1 de Junho de 1999.

Anexa-se a Circular n° ... de 1999-03-16 enviada a todas as Direcções Regionais de Agricultura.

No dia 16 de Junho de 1999, o estabelecimento em epígrafe, foi objecto de vistoria, tendo sido em seguida lavrado um auto em que se propunha superiormente que a empresa proprietária do estabelecimento tivesse um prazo máximo de doze meses para a conclusão de obras de um novo estabelecimento e de trinta dias para a apresentação desse projecto.

O Auto de Vistoria foi enviado pela DRABL ao Sr. Chefe de Gabinete de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado da Modernização Agrícola e Qualidade Alimentar, no dia da sua elaboração, cuja cópia se anexa.

Também foi remetida cópia do mesmo Auto de Vistoria ao Exm° Senhor Director Geral. A proposta efectuada mereceu parecer favorável do Sr. Subdirector Geral de Veterinária, que por sua vez deu conhecimento através das telemensagens n°s … 76/G e 177/G ambas de 99-06-17, dirigidas ao Sr. Director Regional de Agricultura da Beira Litoral e Sr. Chefe do Gabinete do SEMAQA, respectivamente e, cujas cópias se anexam.

Pelo exposto, o estabelecimento manteve-se em laboração até à data não tendo sido contudo, apresentado para apreciação qualquer processo de licenciamento para uma nova unidade.

Foi efectivamente apresentado um processo de licenciamento para a construção de uma nova unidade de abate para Aveiro.

A unidade de abate de Aveiro, encontra-se a laborar, em regime definitivo desde 25 de Janeiro de 2002, aguardando-se a conclusão de pequenas obras para a emissão de Licença Sanitária.

Atendendo a que durante todo o período que mediou entre a elaboração do Auto de Vistoria a 16 de Junho de 1999 até à presente data, o estabelecimento CC - LUSA VISEU não apresentou qualquer processo de licenciamento para uma nova unidade de abate a construir em obediência aos requisitos legais e tendo em conta que a nova unidade de abate de Aveiro não tem capacidade para absorver os abates que se verificam em Viseu, esta Divisão, leva a conhecimento superior a situação existente, para decisão, visto que legalmente o Matadouro de Viseu não cumpre o disposto na Portaria n°971/94 de 29 de Outubro, nem o estipulado na Circular nº2 de 1999-03-16, já referida.

Pelo facto da situação se ter mantido inalterável, sem ter havido qualquer diligência para apresentação de um processo de licenciamento para um novo estabelecimento ou mesmo de um processo de remodelação profunda com adequação à legislação em vigor, é opinião desta Divisão, que deve ser suspensa a laboração no Matadouro da CC - LUSA VISEU e cancelado o Número de Controlo Veterinário (B 17), que apesar da marca de salubridade ser de formato circular e permitir apenas a colocação de carne no mercado nacional, vai contra as imposições comunitárias. (...) [alínea G) dos factos assentes];

VIII – Pela mesma Direcção-Geral foi elaborado o documento datado de 10 de Setembro de 2002 endereçado ao Director Regional de Agricultura da Beira Litoral, sendo elaborado pela Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral documento datado de 17 de Setembro de 2002 endereçado ao Director Geral de Veterinária, os quais se mostram junto a folhas 33 e 34 dos autos e com os seguintes teores:

"Assunto: Autorização de Laboração de Estabelecimento de Abate CC - LUSA VISEU (...)

Em virtude desta Direcção Geral não ter recebido até esta data qualquer resposta ao solicitado nas d/duas últimas telemensagens em referência e de acordo com os contactos havidos entre o Sr. Sub-Director Regional de Agricultura, Dr. DD e a Sra. Directora de Serviços Dra. EE, proponho a V Exa o dia 9 de Outubro de 2002 como data para uma vistoria com todas as entidades a consultar nos termos do Decreto-Regulamentar n°25/93 de 17 de Agosto, ao estabelecimento em epígrafe.

Fica assim, esta Direcção Geral a aguardar a convocatória para a solicitada vistoria.

(…)"

"Vistoria a uma unidade industrial matadouro de bovinos classe B CC LUSA - IND. PROD.PEC.AV.CBR E VISEU Matadouro Viseu

Solicita-se a V Exa. A presença de um técnico a fim de ser feita a vistoria acima referenciada, no próximo dia 09/10/2002, pelas 10, 00 horas. (...)"

[alínea H) dos factos assentes];

IX – Em 09/10/2002, a Direcção-Geral de Agricultura da Beira Litoral procedeu a vistoria às instalações do matadouro de Viseu da "PEC Lusa" e elaborou auto de vistoria junto de folhas 36 e 37 e com o seguinte teor:

" (…)

Os peritos intervenientes verificaram as instalações ao abrigo do despacho do Exmo. Sr. Director Geral de Veterinária, exarado na Informação n° 276 de 2002-05-16, na sequência do Auto de Vistoria de 16 de Junho de 1999 e despacho do Exmo. Sr. Subdirector Geral de Veterinária, nela exarado.

Armários - vestiários. Na Triparia verificou-se um excesso de ruído, a não utilização, pelos trabalhadores, de protectores auriculares e a falta de captadores locais de voláteis. D.R.A.O.T. Centro/Divisão Sub-regional de Viseu deverá ser retirado o "chapéu" à chaminé de urgência da caldeira, sempre que a mesma entrar em funcionamento, conforme o estipulado no decreto-lei n°352/90 de 9 de Novembro.

Deverá ser dado cumprimento ao R.L.P.S. — regime legal sobre poluição sonora consignado no Decreto-lei n°292/2000 de 14 de Novembro.

Conclusão - face ao exposto e ao conteúdo do relatório técnico anexo, são os peritos presentes de opinião unânime de que o estabelecimento não reúne os requisitos legais de índole estrutural, funcional e higio-sanitária para continuar a laborar e propõe-se ao Senhora Director Geral de Veterinária o cancelamento do número de controlo veterinário."

[alínea I) os factos assentes];

X – Em 09/10/2002, a Direcção-Geral de Veterinária procedeu a vistoria do dito matadouro de Viseu, tendo elaborado relatório técnico junto de folhas 39 a 43 dos autos e com o seguinte teor:

"(…)

O estabelecimento em causa não cumpre os requisitos técnicos impostos pela Portaria n° 971/94 de 29 de Outubro e consequentemente não pode ser aprovado para produção sanitária de carnes de animais de talho e sua colocação no mercado.

A equipa técnica, sem prejuízo aos requisitos legais impostos, verificou as seguintes anomalias:

1. Nave de Abate (aspectos gerais)

- Pavimento em mau estado de conservação e passível de queda (derrapantes).

- Cobertura do tecto de difícil limpeza e de se manter limpo, apresenta-se em degradação, em vários locais.

- Paredes em mau estado de conservação e de higiene

- Grelhas das caleiras de drenagem em mau estado de conservação (oxidadas)

2. Linha de abate de Bovinos

- O corredor que serve a caixa de abate, não dispõe de portas de sectorização, a fim de evitar o retorno dos animais aos Parques e contribuir também para o seu Bem-Estar.

- A Câmara Frigorífica de "suspeitos" não dispõe de fechadura à chave, nem sinal luminoso de aviso

- A Área de Expedição dispõe de uma porta com abertura directa ao exterior, sem qualquer controlo, a entrada de pessoal, sem antecâmara e dispositivos de higienização

- As portas seccionais verticais que servem os Cais não apresentam estanquicidade.

- Inexistência de identificação nos contentores, sendo os mesmos para as vísceras brancas e subprodutos

Triparia Suja

- Inexistência de portas, de exaustão, mesas de trabalho com drenagem directa ao pavimento

- Lavatórios (2), existindo apenas um esterilizado para o equipamento de corte (facas)

- Inexistência de dispositivo para a lavagem de aventais e sua pendura, específicos para esta triparia

- Inexistência de armário em material inalterável para produtos e equipamentos de higienização

- Comunicação directa com a sala de armazenagem de sal e salgadura.

3. Corredor

- O corredor que serve as Treparias e expedição de subprodutos apresenta o pavimento permeável e degradado

- A porta de acesso ao exterior não é estanque e permite o acesso a pragas

- As instalações sanitárias de apoio e cujo acesso se faz através desse corredor, não dispõem de Átrio de Higienização e a exaustão é insuficiente.

- Inexistência de um posto de trabalho para a extracção das gorduras e rins e de meios para a higienização das mãos e equipamentos.

5. Linha de Abate de Pequenos Ruminantes

- A área destinada a parquear os pequenos-ruminantes para a subsequente insensibilização não obedece aos requisitos do Bem-Estar Animal

- O aparelho de insensibilização comum aos Pequenos-Ruminantes e Leitões não permite a visualização e leitura dos parâmetros de intensidade, tensão e tempo de aplicação da corrente eléctrica

- O sangradouro, comum aos Pequenos-Ruminantes e Suínos, apresenta o sistema de condução e bombagem do sangue avariado

- Toda a linha de preparação das carcaças de pequenos-ruminantes carece de remodelação, com definição de zonas suja e limpa, implantação de equipamentos para higienização das mãos e dos equipamentos, o que não nos parece viável pela exiguidade da área e dos cruzamentos que se verificam com outras actividades e respectivos circuitos

6. Parques de Espera (Abegoarias)

- Falta de meios de higienização do calçado e das mãos na passagem entre os parques de espera e a nave de abate

- Os parques de espera apresentam na totalidade, pavimentos irregulares e com fendas

- Os parques de animais suspeitos não apresentam portas com fechadura à chave, iluminação reforçada e auxiliar para o acto inspectivo, e a drenagem dos efluentes é comum aos de mais parques.

- Os parques destinados Pequenos-Ruminantes não apresentam bebedouros específicos para essas espécies

Os lavatórios apresentam torneiras de comando manual.

Os balneários apresentam bancos de apoio em madeira e sem cortina de separação entre a área de chuveiro e a troca de roupa.

As janelas com abertura para o exterior não têm rede mosquiteira.

As portas principais das Instalações Sanitárias não possuem molas de retorno.

As Instalações Sanitárias que servem o Corpo de Inspecção Sanitária também não obedecem aos requisitos legais e não têm renovação de ar.

Conclusão:

- No dia 16 de Março de 1999, foi emitida a circular n°2, a todas as Direcções Regionais de Agricultura, tendo como assunto o "Encerramento de Estabelecimentos de Carnes ", resultante de uma decisão do Senhor Secretário de Estado da Modernização Agrícola e da Qualidade Alimentar.

- No dia 1 de Junho de 1999, foi efectuada uma vistoria ao Matadouro da CC - LUSA em Viseu e foi opinião unânime dos técnicos presentes de que o estabelecimento não reunia condições para a sua homologação de acordo com a Directiva 64/433/CEE de 26 de Junho (Portaria n° 971/94 de 29/10) pelo que se propunha o assunto à consideração superior.

- Através da telemensagem n° … de 02-06-1999, o Senhor Director Geral de Veterinária instruiu o Senhor Director Regional de Agricultura da Beira Litoral para que fosse retirada a Inspecção Sanitária e recolhidas as marcas sanitárias em uso no estabelecimento em questão.

Também informou que o interessado poderia solicitar uma vistoria com todas as entidades consultadas para o licenciamento industrial.

- Cópia da Telemensagem n° …, foi enviada pela Comunicação de Serviço n° … de 04-06-1999 ao Senhor Eng° FF, da Secretaria de estado.

- Em 16 de Junho de 1999, foi efectuada nova vistoria ao Matadouro CC - LUSA VISEU e proposta, devido à conjuntura existente, a laboração provisória do estabelecimento, durante um prazo de 12 meses, que coincidiria com o licenciamento da nova Unidade de Abate, à apresentação de um projecto de remodelação profunda ou da construção de Novo Estabelecimento e definidas medidas correctivas e de controlo a implementar de imediato.

- A solução proposta teve parecer favorável do Senhor Director Geral de Veterinária que mandou dar conhecimento ao Senhor S.E.M.A.Q.A. (Telemensagem n° … 77/G de 17-06-99) e à D.R.A.B.L. (Telemensagem n°… 76/G de 17-06-99).

- No dia 25 de Janeiro de 2002, entrou em funcionamento o Matadouro de Aveiro.

- Pelo facto, da situação no Matadouro de Viseu, se ter mantido inalterada, sem qualquer modificação e/ou adequação à legislação vigente para a produção de carnes frescas e sua colocação no mercado, foi efectuada a informação n° … de 16-05-2002 pela Divisão de Estruturas da Direcção Geral de Serviços de Higiene Pública Veterinária, a qual teve como despacho do Senhor Director Geral a concordância da suspensão de laboração no referido Matadouro, mas sujeitando essa decisão, a uma inspecção actualizada, que é a presente.

Assim, só resta levar novamente o assunto ao conhecimento do Senhor Director Geral de Veterinária, para exarar o despacho de suspensão definitiva de laboração. (…)"

[alínea J) dos factos assentes];

XI – Em 15/09/2003, pelos serviços da Direcção-Geral de Veterinária foi proposto o cancelamento definitivo da aprovação do matadouro CC - LUSA de Viseu, mediante documento do teor do de folhas 45 a 52 dos autos do seguinte teor:

"Ex.ma Senhora Directora Serviços de Higiene Pública Veterinária

Na sequência do despacho exarado por V. Ex.a em 14/04/2003 na Informação 42/GJ/2003, relativa à suspensão da laboração do Matadouro da CC - Lusa Viseu, venho, pela presente informação, propor a V. Ex.a. o cancelamento definitivo da aprovação do estabelecimento em epígrafe, cassação das respectivas marcas de salubridade e retirada do Corpo de Inspecção Sanitária

Esta proposta decorre do facto de não estarem reunidos os requisitos estruturais e técnico funcionais abaixo referidos, previstos no Decreto-Lei n° 971/94, de 29 de Outubro, alterado pela Portaria 252/96, de 10 de Julho, para a aprovação sanitária de matadouros das espécies bovina, ovina, caprina e suína, bem como os previstos no Decreto-Lei n° 28/96, de 2 de Abril, relativo à protecção dos animais no abate e/ou occisão.

Importa salientar que, de acordo com os documentos remetidos em anexo, as não conformidades abaixo referidas se constataram nas vistorias de 01/06/1999, 16/06/1999 e 09/10/2002, sem qualquer evolução favorável.

Requisitos legais não cumpridos

1. Nave de Abate (aspectos gerais)

Pavimento em mau estado de conservação e passível de queda (não antiderrapante)

Cobertura do tecto de difícil limpeza e em mau estado de conservação em vários locais

Paredes em mau estado de conservação e de higiene

Grelhas das caleiras de drenagem de águas residuais em mau estado de conservação

2. Linha de abate de Bovinos

O corredor que serve a caixa de abate, não dispõe de portas de sectorização, a fim de evitar o retorno dos animais aos parques

A caixa de abate encontra-se em mau estado de conservação e de higiene

As paredes da área de insensibilização encontram-se degradadas, não permitindo a sua fácil higienização

Todo o equipamento de apoio às actividades desse sector apresenta-se oxidado

O sangradouro existente apresenta dimensões reduzidas, sendo considerado insuficiente do ponto de vista da sua capacidade

O posto de trabalho onde se efectuam os cortes das patas anteriores, incisão da barbela e extracção da língua necessita de reformulação, pois o operador não consegue realizar as suas tarefas de uma forma correcta e higiénica

A serra de cornos não dispõe de esterilizador

A circulação de peles não é realizada de forma funcional e racional, as mesmas são conduzidas através de uma abertura na parede para o exterior da nave de abate, circulando pelo circuito exterior, a céu aberto, até ao respectivo local de armazenagem.

A condução das vísceras abdominais é efectuada atravessando toda a nave de abate, facto que origina cruzamentos não adequados com outras operações de preparação das carcaças e de inspecção das vísceras torácicas

Não se encontra definido o posto para a Inspecção Sanitária das vísceras abdominais

Iluminação insuficiente do local onde se procede à inspecção sanitária dessas vísceras, e deficiências na higiene das operações

Posto de trabalho dedicado à limpeza exterior da carcaça sem meios de higienização de apoio à actividade.

Via aérea única, sem circuitos alternativos para os diferentes tipos de carcaças - aprovadas, suspeitas ou rejeitadas

Câmaras frigoríficas em avançado estado de degradação no que respeita as paredes e pavimentos

A Câmara frigorífica destinada a carcaças suspeitas não dispõe de fechadura à chave

A área de expedição de carcaças dispõe de uma porta com abertura directa ao exterior, não permitindo o controlo no acesso de pessoal. Inexistência de antecâmara provida de dispositivos de higienização de apoio ao pessoal que acede por esta porta

As portas seccionais verticais do cais de expedição não apresentam estanquicidade adequada, não prevenindo desse modo a entrada de pragas

Falta de adequada identificação dos contentores destinados ao transporte de vísceras brancas e subprodutos

3. Triparia Suja

Inexistência de portas de acesso e de exaustão adequada do ar

Mesas de trabalho com drenagem directa ao pavimento de águas e resíduos, originando deficientes condições higiénicas na laboração

N° insuficiente de lavatórios de apoio à laboração e apenas um esterilizado para o equipamento de corte

Inexistência de dispositivos específicos para esta triparia destinados à higienização de aventais e respectiva pendura

Inexistência de armário em material inalterável para arrumo de produtos e equipamentos de higienização

Comunicação directa com a sala de armazenagem de sal e salgadura ("layout" inadequado.

4. Corredor Acesso à Triparia

Este corredor, que serve as triparias e a expedição de subprodutos, apresenta o pavimento não impermeável e degradado

A porta de acesso ao exterior a partir deste corredor não é estanque, permitindo o acesso de pragas

As instalações sanitárias de apoio, cujo acesso se faz através desse corredor, não dispõem de átrio de higienização, A exaustão de ar das mesmas é considerada insuficiente.

Inexistência de um posto de trabalho para a extracção das gorduras e rins e de meios para a higienização das mãos e equipamentos.

5. Linha de Abate de Suínos

O esterilizador que serve o posto de sangria não está adaptado à esterilização da faca "trocarte "

Os procedimentos de recolha de sangue destinado a consumo humano são inadequados, não oferecendo garantias quanto à salubridade do sangue final obtido.

A mesa de recepção de suínos à saída do escaldão/depiladora é em material inadequado e carece de substituição

Deficiente exaustão dos fumos e vapores originados pela actividade de escaldão

Inexistência de um circuito adequado, provido dos equipamentos próprios para a actividade de abate e preparação de carcaças de leitões

A triagem final das carcaças de suínos e respectivo acabamento é efectuada em local considerado zona "limpa " do circuito de abate, facto considerado incorrecto

Inexistência de caleiras de esgoto para recolha das águas geradas na lavagem dos suínos, junto ao chamuscador, o que compromete a higiene das operações

A evisceração das carcaças é efectuada numa zona muito próxima do chamuscador, local onde também se regista a acumulação e movimento das vísceras abdominais e torácicas

Inexistência de uma caleira de esgoto para a recolha das escorrências resultantes das operações de preparação das carcaças de suínos (abertura toracoabdominal e extracção de vísceras)

Dispositivo (`carrossel ") para suspensão, inspecção e transporte das vísceras torácicas e abdominais inadequado, não permitindo a correlação das mesmas com a respectiva carcaça de origem

Posto de Inspecção Sanitária não definido, intensidade luminosa insuficiente e ausência de dispositivos para esterilização dos equipamentos de corte de apoio a esta actividade oficial

Inexistência de posto de trabalho para extracção das gorduras/rins, e dos respectivos equipamentos e meios de higienização de apoio

6. Linha de Abate de Pequenos Ruminantes

A área destinada à estabulação dos pequenos-ruminantes, para a subsequente insensibilização, não obedece aos requisitos do bem-estar animal

O aparelho de insensibilização comum aos pequenos-ruminantes e leitões não permite a visualização e leitura dos parâmetros da intensidade, tensão e tempo de aplicação da corrente eléctrica

O sangradouro, comum aos pequenos-ruminantes e suínos, apresenta o sistema de condução e bombagem do sangue não funcional

A linha de abate de pequenos-ruminantes carece, no geral, de remodelação, com definição de zonas suja e limpa, implantação de equipamentos de apoio às operações instalação de dispositivos para higienização das mãos

7. Parques de Espera (Abegoarias)

Inexistência de meios para a higienização do calçado e das mãos na zona de transição entre os parques de espera e a nave de abate

Parques de espera com pavimentos irregulares, com fendas e em mau estado de conservação geral

Portas dos parques destinados a animais suspeitos sem fechadura à chave

Iluminação insuficiente, não permitindo a realização adequada do acto inspectivo antemortem

Drenagem de efluentes e águas de lavagem comum aos diferentes parques.

Parques destinados a pequenos-ruminantes sem bebedouros específicos para essas espécies

Cais de descarga dos animais com pavimento de soleira irregular, não permitindo a sua adequada higienização

8. Áreas de Lavagem de Viaturas

A área destinada à higienização de viaturas de transporte de animais vivos carece de uma mitreira, para recolha e acumulação de resíduos orgânicos. Carece ainda de plataforma adequada que permita ao operador maior facilidade na higienização das viaturas

A área de lavagem de viaturas de transporte de carnes apresenta o piso degradado, não existindo local, provido de fecho com chave, para arrecadação de produtos e equipamentos de limpeza

9. ETAR

A sua localização não é considerada adequada, dada a proximidade com o cais de expedição das carnes

10. Lavandaria

As paredes apresentam-se degradadas e o equipamento instalado é inadequado para o arrumo da roupa de trabalho higienizada. A sua localização - num corpo do edifício separado da nave de abate - também não é considerada adequada.

11. Instalações sanitárias e vestiários

Estas instalações, que servem os trabalhadores da nave de abate de ambos os sexos, situam-se também num corpo do edifício separado da nave de abate. Assim, o pessoal trabalhador, após vestir a roupa de trabalho, tem de efectuar um percurso em área descoberta até atingir a nave de abate, facto considerado inadequado e não higiénico

Estas instalações não cumprem a Norma Portuguesa 1572, tornada legalmente obrigatória em indústrias alimentares pela Portaria n° 767/78, de 26 de Dezembro, abrindo os sanitários directamente para a área de vestiário.

Apresentam-se também em mau estado geral de conservação e higiene. Os cacifos existentes nos vestiários não se apresentam identificados, misturando roupa pessoal com fardamento de trabalho. Não existe local próprio para arrumo de calçado de trabalho. Os lavatórios apresentam torneiras de comando manual. Os balneários apresentam bancos de apoio em madeira, não existindo cortina de separação entre a área de chuveiro e a zona de troca de roupa. As janelas com abertura para o exterior não possuem rede mosquiteira. As portas principais de acesso aquelas instalações não possuem fecho automático (molas de retorno). As Instalações Sanitárias que servem o Corpo de Inspecção Sanitária também não obedecem aos requisitos legais atrás mencionados e não apresentam renovação de ar ambiente.

Em face do exposto se conclui que o estabelecimento não reúne condições estruturais, funcionais e higio-sanitárias para continuar a laborar, pelo que se remete a V Ex.a esta informação no sentido de exarar o despacho de cancelamento da aprovação sanitária do mesmo.(...)"

[alínea L) dos factos assentes];

XII – Em 23/05/2003, pelo Secretário de Estado Adjunto e das Pescas foi proferido despacho do teor emergente do documento de folhas 54 dos autos: "Face aos requisitos legais não cumpridos pelo matadouro de Viseu, de acordo com a vistoria a que foi sujeito em Outubro de 2002, no que respeita a condições estruturais, funcionais e higiosanitárias, deverá a Direcção-geral de Veterinária proceder, com urgência, ao seu encerramento, através do cancelamento do respectivo número de controlo veterinário". [alínea M) dos factos assentes];

XIII – Em 28/05/2003, pelo Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e das Pescas, foi enviado ao Director-Geral de Veterinária documento do teor emergente de folhas 56 dos autos no qual refere o envio do despacho mencionado em XII. [alínea N) dos factos assentes];

XIV – Em 05/06/2003, pela Direcção-Geral de Veterinária foi enviado ao Director Regional de Agricultura da Beira Litoral mensagem do teor emergente do documento de folhas 58 dos autos, no qual consta:

"(...)

A fim de dar cumprimento ao despacho do Senhor Director Geral exarado no oficio em referência e no sentido de agilizar o processo de cancelamento da aprovação do Matadouro da CC - LUSA, em Viseu, junto se anexam os documentos em referência, solicitando a V. Exa que a partir do dia 18 do corrente mês seja retirado do referido estabelecimento o Corpo de Inspecção Sanitária e cassação das marcas de salubridade (...)." [alínea O) dos factos assentes];

XV – Em 7/6/2003, na sequência de vistoria feita, foi o matadouro de Viseu encerrado pelas autoridades competentes. [alínea P) dos factos assentes];

XVI – A 08/06/1999, o matadouro de Aveiro foi sujeito a vistoria e também encerrado de 15/06/99 a 13/07/99, sendo então reaberto com o compromisso de a ré construir um novo matadouro, o que veio a acontecer. [alínea Q) dos factos assentes];

XVII – Em 5 de Julho de 1999, a ré escreveu à autora, com conhecimento ao Secretário de Estado da Tutela, carta conforme documento junto de folhas 233 a 237 dos autos e, em 16/07/99, enviou à autora carta conforme documento de folhas 239 a 241 dos autos, sendo o teor de cada uma destas cartas o seguinte:

"Assunto: Encerramento dos matadouros de Aveiro e Viseu

Exm ° Senhor Presidente:

Os nossos respeitosos cumprimentos.

1/- Conforme consta do contrato de compra e venda de acções e de cessão de créditos celebrado com V Ex°s, em 25 de Março passado, a n/ sociedade constituiu-se com o intuito de assumir a posição accionista da AA, S.G.P.S., no capital social da empresa, CC - LUSA, SA, ou seja,

2/- Constitui-se para ser proprietária e proceder à exploração dos matadouros existentes em Aveiro e Viseu!

3/- Assim é que, em 29 de Março passado tomamos posse dos referidos matadouros.

4/- Durante o desenrolar das negociações que levaram à concretização deste negócio tomamos conhecimento da "realidade fisica" destes dois matadouros,

5/- Sendo que, relativamente ao de Aveiro, foi-nos dito pela anterior administração da CC - LUSA, SA que havia um projecto aprovado, em Dezembro de 1997, visando a sua adequação às normas comunitárias;

6/- Quando tomamos posse deste matadouro a licença de obras havia sido prorrogada até Dezembro de 1999,

7/- O que nos permitia continuar a laborar e, simultaneamente,

8/- Decidir em função da sua adequação às normas comunitárias, ou,

9/- Construir uma unidade nova, de raiz, solução que, sejamos francos, interessa bastante mais à cidade de Aveiro e à empresa.

10/- Relativamente ao matadouro de Viseu a anterior administração da CC - LUSA, SA informou-nos que havia um processo de licenciamento, para o qual foi apresentado projecto e executadas todas as obras;

11/- A perspectiva era de homologar este matadouro, sendo o substituto temporário do de Aveiro, quando este encerrasse para as obras.

Infelizmente,

12/- A realidade mostrou-se bastante diferente dos "dizeres" e "informações" veiculadas pela anterior administração da CC - Lusa, SA!

Paralelamente,

13/- Temos de apontar o "dedo crítico e acusador " aos nossos governantes (actuais e anteriores) por não terem sabido "negociar" um regime de transição, de normas menos rigorosas, durante algum tempo, ao nível de matadouros.

Na verdade,

14/- Bastaria a esses governantes terem sabido pedir, à Comissão Europeia, as derrogações necessárias, à semelhança do que aconteceu na Espanha, Itália, França e Alemanha.

Presentemente,

15/- Vendo a realidade actual, apetece exclamar que nos foi oferecido um "presente envenenado "!

Como é sabido,

16/- Os matadouros de Aveiro e Viseu foram objecto de diversas vistorias, nos tempos mais recentes.

17/- Os técnicos que efectuaram essas vistorias concluíram, por maioria, que os estabelecimentos possuem, actualmente, o mínimo de condições higio-sanitárias de funcionamento.

18/- E foram mais longe, reconhecendo, expressamente, o grande esforço da nova administração desta sociedade no sentido da melhoria das condições higio- sanitárias.

Na verdade,

19/- Esta administração não se tem poupado a esforços, no sentido de executar as obras, os melhoramentos e adquirir o material que os técnicos, no decurso das vistorias técnicas que efectuaram preconizaram.

Assim é que,

20/- Nos matadouros de Aveiro e Viseu, o custo das reparações e equipamento adquirido ascende já a valores importantes.

Por outro lado,

21/- Estas duas unidades, já a funcionarem sob a batuta desta nova administração, apresentaram, em Maio deste ano, os seguintes valores:

a/- Matadouro de Aveiro

receitas operacionais — 37.073.000$00

custos fixos —14.992.280$00

b/- Matadouro de Viseu

receitas operacionais — 25.215.850$00

custos fixos —13.030.160$00

22/- Com o respectivo encerramento, já no decurso do mês de Junho, tudo se alterou, uma vez que os chamados "custos fixos" se mantém mas

23/- Os proveitos, resultante do abate, foram reduzidos drasticamente!

Pelo exposto,

24/- A culpa na situação que presentemente se vive nos matadouros de Aveiro e Viseu é da inteira responsabilidade das anteriores administrações da CC - LUSA, SA, e também, da AA, S.G.P. S. e da tutela (Secretário de Estado).

25/- Sentindo-se a Sociedade Matadouros da Beira Litoral, SA, vítima da actuação negligente dessas entidades,

26/- Para além de tremendamente lesada e enganada!

27/- Ocorre citar o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Aveiro que, a este propósito proferiu a seguinte afirmação:

«Não se percebe porque o Estado, enquanto o matadouro foi do Estado, teve um critério, e depois de o privatizar e a Câmara se tornar accionista, aplica outro critério; custa a entender».

A terminar,

Solicita-se a marcação urgente de uma reunião, para analisar, discutir e aprovar medida tendentes a, por um lado, pôr em funcionamento rapidamente, os matadouros de Aveiro e Viseu e, por outro, ressarcir a sociedade, Matadouros da Beira Litoral, SA dos elevados prejuízos que o encerramento destas unidades lhe está a acarretar, e também, para reequacionar todo o clausulado de compra e venda de acções e de cessão de créditos, celebrado com V.Exas, em 25 de Março de 1999.

(...)

"Assunto: Encerramento do Matadouro de Aveiro e Viseu

Ex. mo Senhor Presidente,

Como é do conhecimento de V. Ex. a., a nossa sociedade constituiu-se com o intuito de proceder à exploração dos matadouros da CC - Lusa, S.A., existentes em Aveiro e Viseu. É um facto que, durante o desenrolar das negociações, tomamos conhecimento da realidade física dos mesmos e de informações transmitidas pelos Conselhos de Administração da Pec, S.G.P.S. e da CC - Lusa, S. A., nomeadamente:

1. Matadouro de Aveiro

• existência de um projecto aprovado em Dezembro de 1997, com vista à sua adequação às normas comunitárias;

• existência de uma licença provisória de laboração prorrogável até Dezembro de 1999.

2. Matadouro de Viseu

• existência de um processo de licenciamento para o qual foi apresentado projecto e executadas todas as obras;

• a homologação deste matadouro permitiria a utilização da sua capacidade em substituição do de Aveiro, durante o período em que aquele estivesse encerrado para as obras com vista à concretização do projecto aprovado.

Porém, a realidade veio a revelar-se muito diferente da esperada e com efeitos gravosos a nível da sua exploração.

Os referidos matadouros foram objecto de vistorias oficiais, mas apesar do reconhecimento do trabalho desenvolvido pela actual administração e do esforço financeiro efectuado na execução das obras e melhoramentos recomendados, o certo é que estiveram encerrados nos seguintes períodos:

• Aveiro: de 99/06/15 a 99/07/13;

• Viseu: de 99/06/07 a 99/06/21.

Tais encerramentos conduziram aos seguintes custos:

Tipos de custo                        Aveiro             Viseu               Total

Custos de inactividade          9102                8055                17157

Custos de deslocação             458                  392                  850

Remunerações adicionais       45                    36                    81

Total                                     9605                8483                18088

Valores em contos

Os investimentos levados a cabo na sequência das vistorias, montam a valores muito significativos, ainda não totalmente quantificados.

Por outro lado, os proveitos decorrentes da prestação de serviços, crucial fonte de receita da empresa, necessários à cobertura dos custos acima exposto, tiveram a seguinte evolução:

Prest. Serviços Abril Maio Junho de 01/07 a 09/07

Aveiro

1998                   11810      9770      12171       4192

1999                   14410     15670      8411        1441


Viseu

1998          9982         8423      10352         3464

1999               9635         11854      6704         4956

Total

1998             21792       18193        22523         7656

1999             24045       27524       15115          4956

Valores em contos

Naturalmente que a situação descrita contraria as legítimas expectativas das partes, não só dos Matadouros da Beiras Litoral, mas também da AA - S.G.P.S., conforme decorre da análise da cláusula Quarta, no seu número dois, do contrato de compra e venda de acções e cessão de créditos, que tomamos a liberdade de abaixo transcrever:

"Manter abertos operacionais e activos, os Matadouros de Aveiro e Viseu, por forma a garantir a continuidade dos abates de gado, pelo menos durante cinco anos a contar da data da celebração do presente contrato, com total respeito pelos requisitos impostos pela legislação em vigor, nomeadamente garantindo, em tempo oportuno, a implementação do processo que possibilite o licenciamento do Matadouro de Aveiro."

Não há qualquer dúvida que um dos pressupostos do negócio, livremente aceite pelas partes, era o do funcionamento dos matadouros.

A decisão de encerramento lesou o património da sociedade que administramos e colocou em causa os pressupostos do negócio. Acresce, ainda, mais um conjunto de obras que nos são exigidas, em contradição com as informações que V. Ex.as. nos transmitiram.

Ainda há bem pouco tempo contámos com a disponibilidade e compreensão de V. Ex.as. para ultrapassar alguns problemas que pudessem vir a ocorrer. Estamos certos que, nesta fase difícil que atravessamos, se disponibilizarão para uma reunião onde pudéssemos analisar e (re)avaliar a situação com vista ao encontro de soluções que minorem os nossos prejuízos, pois, os nossos interesses patrimoniais foram seriamente lesados.

Aguardando a sua marcação com a maior brevidade, subscrevendo-nos,

Com os melhores cumprimentos.(...)"

[alínea R) dos factos assentes];

XVIII – Em Setembro de 1999, teve lugar uma reunião entre a autora e a ré, com a presença do anterior presidente da "CC - Lusa, SA", para analisar a situação, os prejuízos da ré e reequacionar o contrato, mas posteriormente a autora não deu andamento às pretensões da ré. [alínea S) dos factos assentes];

XIX – A ré, após o encerramento do matadouro de Viseu, continuou a assegurar através da "CC - Lusa, SA", o transporte, abate, comercialização e distribuição de gado dos utentes do matadouro de Viseu, sem encargos para estes, tendo criado para o efeito com a Câmara Municipal de Vouzela um parque de recolha de gado, de onde este é transportado para abate para o matadouro de Aveiro, construído de raiz pela ré, que efectua todo o serviço antes efectuado pelos velhos matadouros de Aveiro e Viseu. [alínea T) dos factos assentes];

XX – O valor da empresa "CC - Lusa, SA" e o das acções a alienar pela autora e a adquirir pela ré foi avaliado num relatório da "Coopers & Lybrand" em que era, entre outros critérios, valorado o estado das três estruturas de produção (matadouros). [alínea U) dos factos assentes].

XXI – A “CC - LUSA, S.A.” produziu memorando conforme documento junto a folhas 166 a 169 dos autos, bem como endereçou à autora o documento de folhas 170 e 171, documentos com os seguintes teores:

"Privatização da CC - Lusa S.A.

Memorando

1 - Importância Regional da Empresa

A CC - Lusa SA é uma empresa que tem como objectivo fundamental o abate, transformação e distribuição de carnes e possui unidades industriais em Aveiro, Viseu e Coimbra, esta última paralisada desde Junho de 1995.

Nascida como empresa regional de um grupo empresarial encabeçado pela CC - SA, nunca perdeu totalmente o seu estatuto de equipamento social, particularmente no sector bovino, herdado do IROMA, de quem foi transferida a propriedade das unidades industriais que possui e de onde é originária uma importante percentagem dos seus meios humanos.

Este tipo de empresas que tradicionalmente se destinava a promover o apoio à produção nacional numa óptica de abastecimento público, faz o interface entre a produção pecuária e o comércio de carnes. Para além da tradicional prestação de serviços de abate e distribuição de animais, a empresa possui, ainda, comercialização própria, já que o exercício isolado da actividade de abate a inviabiliza economicamente.

A CC - Lusa encontra-se implantada na Zona Centro do País que possuía em Dezembro de 1994 um efectivo bovino de 257.000 cabeças, tendo a DRABL classificado, em 1995, 12,4 % dos abates verificados no País, num total de 48776 cabeças e 13.394 toneladas. No mesmo ano foram aprovadas para consumo 8.395 toneladas no distrito de Aveiro e 3.034 toneladas no distrito de Viseu. Na sua área de influência, marcadamente minifundiária existe a Carne Arouquesa (D. O.) — Coop. Agr. Cinfanense, a Carne Marinhoa (D.O.) — Coop. Agr. De Aveiro e Ílhavo, e a Vitela de Lafões (I. G.) — Coop. Agr. De Vouzela.

A CC - Lusa possui cerca de 650 clientes regulares da prestação de serviços e comercialização própria, na sua quase totalidade pequenos retalhistas e talhantes da região que baseiam a sua competitividade num comércio de proximidade e qualidade, que se abastecem localmente e pela natureza do seu negócio pagam preços acima da média à produção, estando previsto o alargamento do negócio próprio (após a existência de uma pequena sala de desmancha na unidade de Aveiro) a retalhistas que adquirem peças açougueiras embaladas a vácuo e a outros consumidores colectivos como cantinas, refeitórios, cooperativas de consumo, etc, e a grandes superfícies (só e apenas se for concretizada a negociação em curso para a comercialização exclusiva de carnes D. O.).

Na região em que a CC - Lusa se insere apenas existem, na área dos bovinos, os matadouros da UNIAGRI em Vale de Cambra (que, quanto sabemos está em dificuldades económico-financeiras que lhe acarretará dificuldades acrescidas para obtenção de licenciamento), Petiz em Sta Maria da Feira (de pequenas dimensões), Oliveira do Hospital (de pequeno significado no domínio dos bovinos - 30/40 semana) e Figueira da Foz (gerido pela Comissão Liquidatária do IROMA e a encerrar), nenhum deles possuindo sala de desmancha licenciada em funcionamento, num contexto em que a progressiva aplicação dos normativos legais no que se refere à desmancha de carnes verdes vai implicar que o pequeno comércio tenha de realizar obras de adaptação das respectivas instalações, cujas características e custos, face às perspectivas de recuperação do investimento as desincentiva, atendendo a que, por regra, se trata de negócios de pequena dimensão

Tendo em atenção estas condicionantes somos de parecer que é absolutamente indispensável manter os Matadouros de Aveiro e Viseu em funcionamento, por o seu encerramento acarretar enormes custos sociais por se reflectir muito negativamente na produção e no pequeno comércio tradicional. É ainda conveniente construir uma sala de desmancha anexa a um matadouro por forma a permitir a manutenção em actividade de alguns operadores incapazes de se adaptarem aos novos normativos e apoiar os produtores de carnes D. O. da região.

2 - Situação de Licenciamento

Matadouro de Viseu

Está em curso o licenciamento da unidade, estando este pendente de certidões, já requeridas à Câmara Municipal de Viseu e respectivos Serviços Municipalizados. Prevê-se, tendo como referência o prazo verificado no licenciamento do matadouro de Aveiro, que até ao final do primeiro trimestre de 1998 se obtenha o licenciamento definitivo.

Matadouro de Aveiro

Projecto licenciado, conforme oficio n° 16997 de 23/12/97 da DRABL.

3 - Método de Privatização

Sendo que a privatização da empresa se poderá processar globalmente, através da alienação da acções detidas pela AA - SGPS, SA, ou pela venda dos activos de cada uma das unidades entende-se que a privatização da CC - Lusa SA se deverá processar globalmente.

Os fundamentos que justificam esta opinião são os seguintes:

- A dimensão das unidades que não lhes permite, isoladamente, sustentar a massa crítica necessária, circunstância que não se coloca ao conjunto das duas unidade por razões de economia de escala. Esta questão, prende-se com o aproveitamento de sinergias consequentes do exercício comum de funções fundamentais, que trazem economias à exploração e que deixarão de existir com a separação das unidades e, poderão inviabilizar economicamente o funcionamento isolado das unidades industriais existentes.

- É, no entanto, possível ultrapassar este problema e privatizar unidade a unidade desde que essa privatização seja feita simultaneamente em Aveiro e Viseu, No entanto, o facto de o Matadouro de Aveiro ter, necessariamente, de realizar obras que implicam a paralisação, durante algum tempo da sua sala de abate, vai-lhe criar uma situação de dependência funcional do matadouro de Viseu. A eventual alienação do Matadouro de Viseu até conclusão das obras em Aveiro implicará, por um lado, a impossibilidade de satisfação dos clientes da área de Aveiro da CC - Lusa, sem que existam alternativas na região, (que seria suprida pela própria CC - Lusa através do Matadouro de Viseu, sem perda da identidade da empresa e custos adicionais para os seus clientes) e, por outro, a inviabilização económica futura da própria unidade, com reflexos no processo de alienação, pelo provável desaparecimento de grande parte da sua quota de mercado de comercialização própria.

- Por outro lado, subsiste um eventual problema de propriedade dos terrenos do Matadouro de Aveiro que convém resolver antes de ser efectuada a sua privatização. A entrada em funções em Aveiro de um novo executivo em que é vereador o actual Presidente da Mesa da Assembleia Geral da CC - Lusa facilitará, certamente, a resolução deste problema.

- Finalmente a alienação unidade a unidade, embora possa parecer mais fácil e expedita, implicará, para a CC - Lusa a impossibilidade de cumprimento do seu objecto social e, em consequência, a sua dissolução e designação de Comissão Liquidatária, com os ónus financeiros e temporais que, normalmente estão ligados a este tipo de soluções.

4 - Terrenos do Matadouro de Coimbra

- Têm decorrido conversações (interrompidas pelo processo eleitoral autárquico) com a Câmara Municipal de Coimbra no sentido de, definitivamente, serem resolvidos os eventuais problemas de propriedade existentes relativamente a estes terrenos e instalações, tendo a CMC produzido uma proposta de minuta de protocolo, a ser estudado e eventualmente celebrado. Existindo um primeiro entendimento de não necessidade da prévia aquisição pela AA - SGPS, S.A das acções detidas pelos accionistas minoritários da CC - Lusa desde que do negócio não resultem menos-valias para a empresa, espera-se prosseguir negociações no sentido de melhorar as condições do texto do acordo por forma a este ser assinado, proceder à sua aprovação e deliberar a venda em A. G. da sociedade convocada para o efeito e proceder à venda das instalações no final do 1° semestre de 1998.

5 - Forma recomendada de Privatização da CC - Lusa

- Tendo em atenção as características específicas da CC - Lusa SA e das unidades industriais que a compõem bem como o meio empresarial envolvente crê-se que a melhor forma de a privatizar seria promovendo a criação de uma empresa que agregasse Câmara Municipais, associações de produtores, cooperativas e associações de comerciantes e industriais da região onde se insere, bem como funcionários da empresa que desejassem aderir que adquirisse a posição social da AA - SGPS na CC - Lusa por um valor, superiormente aceite, obtido através da avaliação efectuada por uma entidade idónea e independente.

- Este projecto é factível e, sendo certo que é fundamental em todo o processo de privatização evitar quaisquer convulsões sociais, seria a melhor forma de o conseguir. O CA da CC - Lusa crê, ainda, que vale a pena tentar este processo atendendo aos benefícios que dele certamente advirão para os agentes económicos do sector implantados na região.

- Se esta situação não vier a tornar-se possível dentro de limites temporais razoáveis (ou não for superiormente entendido seguir esta metodologia) o processo de privatização da CC - Lusa deve seguir com a tramitação que tem vindo a ser seguida para as outras empresas do grupo (vg. Ribacarnes) com a auscultação para reconhecimento da existência de interessados e após verificação da existência de interesses abertura de concurso público para venda.

6 - Cronograma das acções previstas

- Licenciamento Matadouro de Viseu 1° Trimestre 1998

- Lançamento Concurso. Obras Mat. Aveiro 1ºTrimestre 1998

- Alienação Matadouro Coimbra 2° Trimestre 1998

- Adjudicação das Obras Mat. Aveiro 3º Trimestre 1998

- Auscultação Interessados Privatização 3ºTrimestre 1998

- Conclusão Obras Mat. Aveiro 3° Trimestre 1999

- Licenciamento Definitivo Mat. Aveiro 3º Trimestre 1999

-Privatização da Empresa 4° Trimestre 1999

 (... )"

" Assunto: Contrato de prestação de serviços

     Contrato de suprimentos

     Privatização da empresa

Relativamente aos assuntos referidos em epígrafe, vimos submeter à consideração de V. Ex.as. o seguinte:

1) Em três de Julho de 1997, com produção de efeitos a partir de 01/01/97, foi celebrado contrato de prestação de serviços entre a AA - SGPS, S.A e esta empresa cujo termo se verificou em 31/12/97.

Previa a cláusula 5ª do referido contrato a sua renovação em, cita-se, ".. condições a definir por acordo."

Nestes termos e tendo em consideração a situação do sector, as perspectivas de evolução do negócio, conforme Plano de Actividades oportunamente apresentado, e as insuficientes margens obtidas, vimos sugerir a V Ex.as a celebração do protocolo que defina o âmbito da colaboração a prestar pela AA - SGPS, S.A. a esta empresa no ano de 1998, o qual, no essencial, deverá abranger as áreas previstas no contrato antes referido, sem quaisquer contrapartidas financeiras directas.

2) Em 10/03/97 foi celebrado entre a AA - SGPS, S.A. e a CC - LUSA, S.A. um contrato de suprimentos no montante de 50.000.000$00, remunerado à taxa Lisbor a 3 meses.

A cláusula sétima do referido contrato prevê, por acordo entre as partes, a transformação do empréstimo em capitais permanentes da empresa, como componente dos capitais próprios necessários ao financiamento dos investimentos associados ao licenciamento definitivo das unidades industriais.

Assim, tendo em consideração, por um lado, que está em vias de ser obtido o licenciamento definitivo do Matadouro de Viseu, após realização das obras indispensáveis e, por outro, que vai ser reaberto concurso público para a execução dos investimentos necessários ao licenciamento de Aveiro (em relação aos quais já se suportaram custos com o projecto e outros pequenos investimentos não contemplados no referido concurso), vimos solicitar a V. Ex.as. a manutenção dos referidos suprimentos sem vencimento de juros a partir de 01/04/98, revogando-se expressamente a cláusula contratual que prevê a respectiva remuneração.

3) No seguimento das instruções recebidas da Tutela no sentido de se desencadearem as diligências necessárias à privatização do capital da empresa ou à alienação conjunta ou individual das unidades industriais, foram consultadas diversas empresas especializadas no sentido de apresentarem propostas para a realização da respectiva avaliação.

Das propostas recebidas a que se apresenta mais favorável é a da Coopers & Librand, envolvendo o custo de 3.200.000$00, a que se adicionam despesas com deslocações que se prevê não ultrapassem 150.000$00.

Assim e tendo em consideração que está em causa a avaliação das acções detidas pela AA - SGPS, S.A., por via directa e indirecta, com base na qual se determinará o respectivo valor de alienação, vimos propor a V. Ex.as. uma comparticipação da AA - SGPS, S.A. no custo total, mediante débito a efectuar pela CC - LUSA, a considerar por encontro de contas com os créditos existentes.

Certo de que o exposto não deixará de merecer da V. parte o melhor acolhimento, apresentamos os nossos melhores cumprimentos"

[alínea V) dos factos assentes];

XXII – Matadouros da Beira Litoral, S.A. enviaram ao Secretário de Estado da Modernização Agrícola e Qualidade Alimentar documento que se encontra junto de folhas 179 a 184 do seguinte teor:

"Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado da Modernização Agrícola e da Qualidade Alimentar

Excelência:

1/- No dia 29 de Dezembro de 1998, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Aveiro, procedeu-se à outorga da escritura de constituição da sociedade comercial anónima com afirma, "MATADOUROS DA BEIRA LITORAL, SA ";

2/- A sociedade tem por objecto a promoção do desenvolvimento regional concretizado, designadamente, pelo exercício, directo ou indirecto, do abater, transformação, tratamento e comercialização de carnes e seus derivados.

3/- O capital social subscrito é de 97.450.000$00 (noventa e sete milhões quatrocentos e cinquenta mil escudos), do qual se encontra realizado 30 %,

4/- Devendo o restante capital ser realizado, em dinheiro, até 31 de Março de 1999;

5/- Paralelamente, a sociedade poderá aumentar o capital social, em dinheiro, por uma ou mais vezes, até ao montante de 500.000.000$00 (quinhentos milhões de escudos);

6/- Porém, o capital social até 300.000.000$00 (trezentos milhões de escudos) deverá ser subscrito, também, até 31 de Março de 1999;

7/- Este acto de constituição da sociedade anónima é o culminar de um processo iniciado em Fevereiro de 1998, que mobilizou produtores, comerciantes e autarquias;

8/- De momento, apenas comerciantes, industriais e a Associação Comercial de Aveiro subscreveram o capital social mas,

9/- Até 31 de Março de 1999, o sector produtivo, representado pela Lacticoop, as Autarquias e outras Associações Comerciais subscreverão o restante capital social (até 300.000.000$00);

10/- Então, através de uma representação tripartida e equilibrada este capital social ficará dividido do seguinte modo:

a/ 40 % - Comerciantes

b/- 40 % - Produtores

c/- 20 % - Autarquias e Associações Comerciais

Abarcando os seus subscritores as regiões de Aveiro, Viseu e Coimbra.

11/- A génese da criação desta sociedade anónima radica na necessidade sentida por todo o sector produtivo e comercial destas três regiões de se candidatar à aquisição da CC - LUSA, SA,

12/- Dado o receio de que os respectivos interesses pudessem vir a ser gravemente prejudicados, no caso desta empresa vir a ser alienada, caindo na esfera da influência de interesses estranhos às mencionadas regiões;

13/- A sociedade ora constituída é suficientemente abrangente e representativa, quer em termos financeiros, quer em termos das diversas actividades sectoriais em presença, tendo em vista os objectivos pretendidos;

14/- Procura-se, desta forma, assegurar que a produção pecuária da região seja escoada por uma estrutura (Matadouros da Beira Litoral, SA) situada nos seus limites e, ao mesmo tempo, permitir que os comerciantes se possam abastecer em locais próximos, com custos mais baixos;

15/- Aliás, a constituição desta sociedade anónima foi a resposta que os sectores nela representados encontraram para a posição tomada pelo Governo, que entendeu deixar de tutelar, nomeadamente, a CC - LUSA, SA;

16/- Este foi, pois, o caminho encontrado para evitar que "interesses estranhos" aos produtores e aos comerciantes se instalem na região e com os quais ambos ficariam prejudicados;

17/- Esta nova sociedade vem salvaguardar as condições existentes, o que só trará vantagens para os produtores, comerciantes e consumidores, tanto em termos de preço como de qualidade;

18/- O essencial é proteger os factores regionais, salvaguardando os interesses dos sectores intervenientes directamente com os objectivos de "Matadouros da Beira Litoral, Sa ";

19/- Esta nova sociedade vai criar condições e encontrar o melhor caminho para que as unidades que estão a funcionar resolvam os problemas das zonas que estão a ser servidas.

20/- Torna-se, pois, imperioso "deitar mãos à obra" a fim de se ter capacidade para responder às exigências que nos são impostas, não só pelas necessidades do mercado, mas também, pelas normas de higiene e de sanidade da União Europeia;

21/- Ao abraçar-se a solução que preconizamos — aquisição da CC - LUSA — estamos cientes de que poderemos assumir os nossos próprios destinos, lutando pelas nossas necessidades e resolvendo os nossos problemas;

22/- Por outro lado, a vontade de incluir as Autarquias nesta sociedade baseia-se na circunstância de se considerar que as mesmas têm um papel importante a desempenhar num projecto que interessa à região, aos consumidores e que tem que gerar riqueza;

23/- De igual sorte, as Autarquias poderão assumir o papel de "fiel da Balança" dos interesses entre o comércio e a produção;

24/- Para terminar, conceda-nos Vossa Excelência a ousadia de aflorar a questão da metodologia a seguir na privatização da CC - LUSA, SA;

25/- Como é sabido, o conjunto de agentes económicos que constitui a sociedade "Matadouros da Beira Litoral, Sa" está vivamente interessado e empenhado em adquirir a CC - LUSA, SA;

26/- Não se conhecem outros grupos, ou agentes económicos, empenhados na corrida à privatização da CC - LUSA, SA, a qual,

27/- Não se revelará, pois, muito atractiva para o mercado, à excepção da nova sociedade, ora exponente — "Matadouros da Beira Litoral, Sa"!

28/- Estas considerações valem para sublinhar que, do elenco dos métodos possíveis de alienação, a negociarão particular será aquele que no caso em apreço, se apresenta como mais flexível, permitindo ajustar melhor os interesses de quem quer vender aos de quem quer comprar, conferindo melhores garantias de êxito na concretização da venda;

29/- Chegados a este ponto, resta sublinhar o interesse (e desejo) de "Matadouros da Beira Litoral, Sa" de que a venda da CC - LUSA seja efectuada através da alienação das participações sociais detidas pela AA - SGPS no capital social daquela, que estiverem na sua propriedade, e depois de terminado o processo de compra, pela AA - SGPS, das acções detidas pelos pequenos accionistas da CC - LUSA,

30/- Estas são, em suma, as pretensões da sociedade "Matadouros da Beira Litoral, Sa", tendo em vista a aquisição da CC - LUSA, SA;

Certa do bom atendimento que as mesmas encontrará junto de Vossa Excelência,

Roga-se o obséquio de providenciar pela implementação e dinamização das medidas indispensáveis à rápida privatização da CC - LUSA, SA, preferencialmente nas condições e seguindo a metodologia defendida na presente exposição.

Na expectativa do favor da comunicação de Vossa Excelência (...)"

[alínea X) dos factos assentes];

XXIII – O identificado Secretário de Estado proferiu despacho do teor do que se encontra no documento de fls. 185 e 186, datado de 29 de Dezembro de 1998, do seguinte teor:

"DESPACHO

Vista a informação de 12/11/98 apresentada pela AA - SGPS e a proposta do respectivo Conselho de Administração nela contida, relativamente à privatização da CC - Lusa, S.A.:

1) Concordo que o objecto da alienação a encetar seja a totalidade das acções e respectivos direitos acessórios, incluindo os créditos relativos a suprimentos detidas pela AA - SGPS na CC - Lusa S.A. em detrimento da venda unidade a unidade, bem como com a metodologia de negociação particular a adoptar com a firma Matadouros da Beira Litoral, S.A., ou outra, com estatuto equivalente, no estrito cumprimento da Lei n° 71/88, de 24 de Maio e do Decreto-Lei n° 328/88, de 27 de Setembro, tendo em conta as características da empresa, o meio empresarial envolvente e a vantagem em fazer convergir nesta privatização um leque tão alargado quanto possível de operadores que garanta, de algum modo, a manutenção do interesse social da empresa.

2) No que se refere ao valor mínimo da alienação, este deverá ter como referência um valor base para a empresa nunca inferior a 275.000 contos, tendo em conta o relatório elaborado pela Coopers Lybrand, o critério de ponderação dos valores resultantes da avaliação da empresa segundo as ópticas do rendimento e do valor patrimonial seguidos nas anteriores privatizações e a expectativa da mais valia que a concretização da venda dos terrenos do antigo matadouro de Coimbra poderá proporcionar.

3) Antes da alienação das acções a CC - Lusa deverá celebrar, nos termos propostos, um protocolo com a Câmara Municipal de Coimbra, que dê enquadramento à negociação conjunta, em hasta pública,Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - Relatório



AA - Produtos Pecuários, S.A. intentou acção declarativa soba forma ordinária contra BB, S.A. pedindo que A Ré seja condenada a cumprir o contrato celebrado entre as partes em 25 de Março de 1999 (nº 2 e 3 da cláusula quarta) no prazo de 30 dias, ou, caso não seja possível a condenação nesse primeiro pedido, ou em caso de manutenção da situação da Ré em incumprimento após a condenação, que tenha então lugar a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 356.829,25 correspondente a 50% do valor global da alienação das acções, com juros vencidos desde a data do encerramento do Matadouro de … e vincendos até integral pagamento.

Em síntese, a Autora alegou ter celebrado com a Ré, a 25.3.99, um contrato por via do qual a “AA, SGPS” vendeu à Ré um lote de 551.139 acções nominativas, representativas do capital social da sociedade “CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A.”, pelo preço global de Pte. 143.075.684$00, tendo-lhe ainda transmitido por € 628.975,00 os créditos que detinha sobre a mesma (os quais ascendiam à data da celebração do contrato ao montante de Esc. 577.130.128$00).

Nos termos desse mesmo contrato, a Ré obrigou-se a prestar o serviço de abate aos agentes económicos das regiões em que se situam as unidades de abate da “CC - LUSA” mediante a prática de preços corrente de mercado, a manter abertos, operacionais e activos os matadouros de Aveiro e Viseu, por forma a garantir a continuidade dos abates de gado, com total respeito pelos requisitos impostos pela legislação em vigor, nomeadamente garantindo, em tempo oportuno, a implementação do processo que possibilite o licenciamento do matadouro de Aveiro e ainda a submeter à apreciação dela Autora de quaisquer intenções e projectos de construção de uma unidade de abate que substituísse qualquer ou ambos os Matadouros de Aveiro e Viseu, por forma a que a Autora pudesse ajuizar se a continuidade da prestação de serviços de abate nas regiões se encontrava devidamente salvaguardada. Para o caso de não serem cumpridas as obrigações antes referidas, ficou estabelecida uma cláusula penal, no montante equivalente a cinquenta por cento do valor global de alienação das acções, a ser paga pela Ré à Autora. Porém, a Ré não cumpriu a obrigação de prestar serviços de abate de acordo com os requisitos legalmente impostos, não demonstrou a intenção de construção de qualquer unidade que substituísse o Matadouro de Viseu, vindo a ser determinado o encerramento deste Matadouro a 23 de Maio de 2003, em virtude de não se mostrar em conformidade com a legislação nacional e comunitária aplicável.

*

Citada a Ré contestou, impugnando alguns dos factos articulados pela autora, excepcionando o incumprimento defeituoso do contrato por parte da Autora, em virtude do Matadouro de Viseu ter sido entregue sem condições para realizar o abate de animais, invocou violação do princípio da boa fé e abuso de direito por parte da Autora já que a Ré tem continuado a assegurar os abates de gado dos utentes do matadouro de Viseu, sem encargos para estes e, se assim se não entender, sempre o negócio celebrado pela Ré foi com erro incidental, devendo o preço do negócio ser reduzido, sendo certo que o primeiro pedido formulado pela Autora padece de impossibilidade legal porquanto o encerramento do Matadouro de … foi determinado por decisão administrativa, não tendo a Autora alegado a verificação de qualquer prejuízo que lhe confira o direito a qualquer indemnização e, se assim se não entender, sempre a cláusula penal deverá ser reduzida a zero.


Em reconvenção, a Ré pede a condenação da Autora a:


I - reconhecer que o contrato celebrado entre Autora e Ré a 25 de Março de 1999 seja válido nos termos em que teria sido concluído sem erro, ou seja, com redução do preço e com alteração das cláusulas Quarta, n° 2 e Quinta, de modo a que a Ré só tivesse a obrigação de manter o matadouro de Viseu aberto pelo período em que este fosse licenciado, pelas autoridades competentes, de modo provisório ou definitivo, e, ainda que a cláusula Quinta só abrangeria esse período, em que o referido matadouro estivesse licenciado, a título provisório ou definitivo;

II - pagar à Ré, a título de redução do preço pago no referido contrato, por diminuição do valor do património da empresa “CC - Lusa, S.A.” e consequentemente do património da Ré, o montante de € 458.077,31;

III - se assim se não entender, que a Autora seja condenada a pagar à Ré, a título de indemnização, o montante, que se apurar, até € 458.077,31, que não seja considerado no pedido anterior como redução do preço do contrato;

IV - a pagar à Ré juros vincendos a partir da citação e contados sobre o montante em que venha a ser condenada.

*

A Autora replicou alegando, em síntese, que as associações e demais entidades que vieram a constituir a Ré, bem sabiam da situação concreta dos Matadouros de Aveiro e de Viseu, por serem clientes habituais dos mesmos, o que também sucedia com os membros sociais da Ré, que a cláusula Quarta do contrato é reveladora da necessidade de obras nos matadouros, que os matadouros, pela sua estreita relação com a saúde pública estão sujeitos a deteriorações frequentes e a obras constantes para reparação das mesmas, que o licenciamento definitivo do matadouro de Viseu dependia da realização de algumas obras pouco significativas, dispondo de uma licença provisória, que o encerramento do matadouro em 2003 é da exclusiva responsabilidade da Ré, que a Autora nunca teria celebrado o negócio nas condições agora pedidas pela Ré, que a alegada impossibilidade legal de cumprimento invocada pela Ré foi por ela criada, invocando a caducidade do direito de pedir a anulação do contrato celebrado a 25 de Março de 1999 e, atenta a previsível demora na decisão do pleito, reduziu o seu petitório final ao pedido formulado em segundo lugar, na petição inicial.

*

A Ré treplicou admitindo alguns dos factos alegados na réplica e impugnou os restantes articulados na mesma peça processual, reafirmando os factos que havia invocado na contestação-reconvenção e requerendo a rectificação do pedido reconvencional formulado em primeiro lugar, bem como de outros alegados lapsos materiais na contestação-reconvenção.

*

A Autora ofereceu requerimento em que se pronunciou sobre os documentos que a ré remeteu juntamente com a tréplica e opôs-se à rectificação do pedido reconvencional por, em seu entender, configurar uma ampliação ou modificação do pedido reconvencional, sem o acordo da Autora, ao arrepio das regras previstas no Código de Processo Civil.


A Ré requereu o desentranhamento do requerimento da Autora em que esta se pronunciou sobre a réplica ou, se assim se não entender, que sejam declarados não escritos os pontos I e II e improcedente o peticionado na alínea a), do requerimento da autora, devendo proceder o pedido de rectificação do pedido reconvencional.


Realizou-se uma infrutífera audiência preliminar, sendo a instância suspensa por acordo das partes pelo período de trinta dias.

*

Na sequência foi proferido despacho saneador tabelar, sendo que ainda se indeferiu o requerimento da Autora para alteração do pedido, e se deferiu a alteração do pedido reconvencional, bem como dos erros materiais na contestação-reconvenção.


Procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos, estes últimos a integrarem a base instrutória.


A Ré reclamou contra a selecção da matéria de facto, apontando vários lapsos na matéria assente, arguiu a indevida especificação de alguma matéria na factualidade assente, acusou a falta de especificação dos factos vertidos na prova documental oferecida com a contestação-reconvenção e pugnou pela inserção na base instrutória de diversa factualidade por si alegada em sede de contestação-reconvenção.


A Autora ofereceu prova testemunhal requerendo a gravação da audiência final.


A Ré ofereceu prova testemunhal e documental, requerendo a notificação da Autora para juntar aos autos prova documental em poder desta, requerendo também a gravação da audiência final.

A Autora pronunciou-se pelo deferimento da correcção dos lapsos na matéria assente, pronunciando-se, no mais, pelo indeferimento da reclamação da Ré contra a selecção da matéria de facto.


Foi proferido despacho dando parcial provimento à reclamação da Ré contra a selecção da matéria de facto.


As provas oferecidas pelas partes foram admitidas.


Entretanto, face à dissolução da Autora, determinou-se o prosseguimento da acção, com o Estado Português na posição de Autor.


Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo, sendo que a Ré ofereceu alegações sobre a matéria de direito.


Proferiu-se sentença a julgar a acção totalmente improcedente e parcialmente procedente a reconvenção, condenando-se o Autor a reconhecer que no contrato celebrado entre a “AA, SGPS” e a Ré, a 25 de Março de 1999, as cláusulas Quarta n° 2 e Quinta, incluem apenas a obrigação da Ré manter o matadouro de Viseu aberto pelo período em que estivesse licenciado pelas autoridades competentes, de modo provisório ou definitivo, abrangendo a cláusula Quinta apenas esse período, a reconhecer a redução do preço da venda de acções em € 94.343,19, e no que se apurar em liquidação posterior quanto aos factos descritos na sentença sob o n° 44, condenando-se o Autor a pagar à Ré esses valores.

*

Dessa sentença foi interposto recurso por ambas as partes, em cuja apreciação esta mesma Relação de Coimbra decidiu julgar procedente o recurso do Autor, e, em consequência determinou ao abrigo do disposto no art. 712º, nº4 do C.P. Civil a ampliação da base instrutória (através do aditamento de 5 quesitos cuja redacção enunciou), a anulação parcial do julgamento e a anulação total da sentença recorrida, sendo que determinou que ficava prejudicado o conhecimento do objecto do recurso da Ré (fls. 1255-1288).


Baixados os autos à 1ª instância e realizada nova audiência com o indicado fim, veio na oportuna sequência a ser proferida nova sentença através da qual se julgou a acção improcedente e se absolveu a Ré do pedido, mas se julgou parcialmente procedente a reconvenção e, absolvendo o reconvindo do demais peticionado, se condenou o mesmo a pagar à Ré a quantia de € 94.343,19 e o que se apurasse em liquidação posterior quanto a determinados factos enunciados, ambos esses valores acrescidos de juros legais desde a notificação da reconvenção e até integral pagamento (fls. 1335-1386).


A Ré não se conformou e interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra

Também interpôs recurso o Estado Português recurso de apelação independente (fls. 1390) e ainda recurso subordinado (fls. 1391) que, no entanto, veio a desistir nos termos do requerimento de fls. 2005, desistência que determinou a extinção da respectiva instância recursiva (fls. 2006).


Pelo Acórdão da Relação de fls.2012 a 2107, foi dado provimento parcial ao recurso da A e na total improcedência do recurso de apelação da Ré:

I - Confirmar a sentença recorrida quanto à improcedência da acção, mantendo a absolvição da Ré do pedido.

II - Julgar totalmente improcedente a reconvenção, absolvendo o A / reconvindo dos pedidos contra si formulados nesta sede.


A Ré não se conformou com esta decisão e interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal.


Por seu turno, o MP em representação do Estado Português  a fls. 2317 interpôs recurso  subordinado .


Nas suas alegações de recurso a Ré formula as seguintes conclusões:

A.

O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra do qual ora se recorre encontra-se - no segmento em que aprecia o recurso interposto pela Ré sobre o pedido reconvencional - ferido de nulidade, verificando-se oposição na fundamentação de Direito e ambiguidade que leva a que a decisão seja diferente para os vários segmentos decisório-judicativos (cfr. art. 615.°, nº 1, al. c), aplicável ex vi do art. 674.°, nº 1 al. c), ambos do N.C.P.C.).

B.

O Tribunal a quo, para fazer improceder alguns dos argumentos esgrimidos pelo Autor na sua apelação, considerou ter existido violação de determinados deveres da sua parte no desenrolar do procedimento tendente à celebração do contrato em causa nos autos; mas depois acaba por cair em contradição, dado que para fazer improceder alguns dos argumentos esgrimidos pela Ré, considerou não ter existido essa mesma violação desses mesmos deveres por parte do Autor:


- «(. . .) o encerramento foi devido à omissão de comportamentos que já anteriormente deveriam ter sido adoptados (e lhe haviam sido administrativamente impostos) pelo Autor].

i Com efeito, quando a Ré tomou posse do estabelecimento, já o mesmo não reunia as condições legais necessárias para estar aberto e não as reunia porque a vendedora (ou melhor, a sua participada) não o tinha dotado de condições estruturais para o efeito.» (pág. 77 do Acórdão do T.RC.).

- «(, . .) foi a vendedora (ou a sua participada) que, com a sua actuação, tornou impossivel a prestação integral pela Ré.» (pág. 77 do Acórdão do TRC.);

- «De sorte que a impossibilidade do cumprimento não é imputável à Ré, mas sim à A. (, ,.) a vendedora não foi diligente nem cumpriu o dever de informação quando informou a devedora "de que o matadouro de Viseu estava em vias de ser licenciado por haverem sido feitas obras" (ponto nº 37), o que de todo não correspondia à realidade» (pág, 78 do Acórdão do TR.C.);

- «Esse também foi o entendimento da sentença recorrida, com suporte na categoria dogmática do "tu queque", epifenómeno do exercício inadmissível de posições jurídicas, no contexto das exigências da boa fé contratual.

De facto, a quem comete violações - como foi o caso do aqui A./recorrente nos termos já supra expostos - não pode actuar como se tivesse tido um comportamento leal ao contrato, sobretudo quando, num momento prévio, desequilibrou a regulação material das obrigações da contra-parte.:

Neste conspecto, tutelar tal pretensão do aqui A./recorrente, seria dar acolhimento a actuação duma sua posição jurídica indevidamente obtida!

O que também na sentença recorrida - e bem - se obstou ao abrigo deste instituto jurídico.» (pág. 81 do Acórdão do T.R.C.). .. ) sendo absolutamente irrelevante afirmar-se que também esta contratou na expectativa de que o matadouro de Viseu estava operacional e poderia funcionar por vários anos, porquanto, mesmo não tendo actuado de má fé, que se não demonstrou. (, . .)>> (pág. 78 do Acórdão do TR.C.);

- «I, . .) nenhum dever de informação se pode considerar que existia por parte do vendedor, na medida em que a ora Ré podia, "com a diligência normal, obter informação sobre as características do bem, os requisitos de validade elou eficácia do negócio, ou as suas implicações jurídicas e patrimoniais".» (págs. 91 e 92 do Acórdão do T.RC.);

- « O que tudo serve para dizer que não consideramos verificado o pressuposto da "culpa" por parte da A. - um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, também no quadro da invocada responsabilidade pré-contratual (culpa in contrasndo).» (pág. 92 do Acórdão do TR.C.).

C.

Verificando-se esta nulidade, deverá o Supremo Tribunal de Justiça supri-la e modificar a decisão recorrida no sentido de considerar ter existido violação dos deveres laterias de informação e de lealdade, nos termos do art.? 684.°, n.? 1, do N.C.P.C .

Sem conceder e cumulativamente,

D.

No caso sub iudice estamos perante uma situação de compra e venda de empresas, processada através de um contrato de compra e venda de acções e de cessão de créditos.

E.

Este contrato não se reconduz unicamente a uma situação típica de compra e venda, mas antes a um contrato misto com elementos de compra e venda (de acções e de cessão de créditos, i.e., de compra e venda de uma empresa) e elementos de prestação de serviços de interesse público a terceiros (hodiernamente subsumível à categoria dogmática da concessão de serviços públicos, nos termos do C.C.P.), contando com elementos de execução instantânea e com elementos de execução duradoura.

F.

Como assinala a melhor doutrina (cfr. ANTUNES VARELA, «Das Obrigações em Geral», vol, I, 10ª Edição, Almedina, págs. 64-68 e 121-122), na esteira de MANUEL DE ANDRADE, em «Teoria Geral da Relação Jurídica», nº 2), os efeitos jurídicos de um contrato de compra e venda não se esgotam nos seus efeitos essenciais ou principais (in casu, a transmissão da propriedade do alienante para o adquirente o direito/dever de entregar a coisa e o direito/dever do preço),

G.

Pelo que não se pode - sem mais - considerar cumprido um contrato de compra e venda cujos deveres principais se mostram realizados, mas em que não são realizados (rectius, são violados) os deveres secundários e os deveres acessórios daqueles deveres principais (cfr. Luís MENEZES LEITÃO, «Direito das Obrigações», Volume III, 8.a Edição, Almedina, 2013, pág. 30 (e n.r. 49) e doutrina e jurisprudência aí citadas; J.C. BRANDÃO PROENÇA, «Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações», Coimbra Editora, 2011, págs. 56 e SS .. ; e cfr., também, o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/2009, (proc. n.? 841/2002.S1), consultável em http://www.dgsLptljstj.nsf/954fOce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c9c123ed4e74c9f7 802576340046489d?OpenDocument;).

H.

Fazê-lo significaria olhar para a relação contratual que adstringe as partes como una ou simples e ignorar, por completo, a relação obrigacional complexa, como devem ser interpretados os art." 227.°, 397.° e ss., 762.° e ss. e 874.° e SS. do Código Civil.

I.

O Autor vendeu, pelo valor de € 1.396.634,10, e entregou à Ré – transmitindo-lhe a propriedade - o matadouro de Viseu em condições incompatíveis com o seu licenciamento definitivo, pese embora lhe tenha asseverado precisamente o contrário e pese embora lhe tenha ocultado documentos que atestavam o contrário, como as actas de vistoria de Fevereiro de 1999,

J.

Acabando o Autor por vi a encerrar o matadouro à Ré por este não reunir as condições para poder laborar definitivamente (cfr. pontos V a XV; XVII a XXXV; e, sobretudo, XXXVII e XXXVIII e XL e XLI [conjugados com os pontos II, III e IV], todos da matéria de facto provada).

K.

O contrato em causa - como bem assinalou a 1.a instância - embora se tenha celebrado, não chegou nunca a ser cumprido (nem em 25/03/1999, nem em data posterior). Aliás, a própria 1.a instância assinalou a impossibilidade lógica de se defender, por um lado, o cumprimento do contrato; e, por outro, o accionamento da cláusula penal pelo seu incumprimento (l).

L.

A Ré celebrou o contrato em erro sobre as bases do negócio (art. 252.°, nº 2, do C.C.), pelo que lhe deve ser reconhecido o direito à redução do preço, como forma de modificação do contrato e de respeito pelo princípio da conservação dos negócios jurídicos (cfr. art. 437.° do C.C. e, na doutrina, OLIVEIRA ASCENSÃO, «Direito Civil- Teoria Geral», Volume III, Relações e Situações Jurídicas, Coimbra Editora, 2002, págs. 182-212; e C.A. MOTA PINTO, PINTO MONTEIRO e P. MOTA PINTO, «Teoria Geral do Direito Civíl» , 4.a Edição, Coimbra Editora, 2005), dado que o contrário - tendo em conta os prejuízos sofridos pela Ré - afecta gravemente os princípios da boa fé contratual.

M.

Isto independentemente de se entender que se está perante uma compra e venda de um bem onerado (como entendeu a 1ª instância à luz do disposto nos art." 905.°, 909.° e 911.° do C.C. e sob a égide doutrinária de FERRER CORREIA e de A. DE SÁ); de se entender que se está perante uma compra e venda de um bem defeituoso (como entendeu a 2.a instância à luz do disposto nos art." 913.°, 915.° e 911.° do C.C. e seguindo CALVÃO DA SILVA); ou, ainda, por se ter verificado uma divergência entre a vontade negocial da Ré e a sua vontade conjectural (cfr. art.? 292.° do C.C.).

N.

Caso a Ré soubesse da real situação dos matadouros (seja dizer, se o Autor não lhe tivesse ocultado essa real situação), ainda assim o negócio ter-se-ia celebrado, mas seria realizado pelo preço encontrado descontado de todos os valores que a Ré teve de despender para assegurar a funcionalidade (provisória, está bom de se ver ... ) da coisa adquirida,

O.

O que quer dizer que ao preço encontrado (€ 1.396.634,10) se há que reduzir as seguintes quantias: € 33.050,80 pagos pela Ré a título de obras e aquisição de equipamentos em 1999 e € 61.292,39 pagos pela Ré a título de obras e aquisição de equipamentos em 2000 para que o matadouro pudesse, ainda que provisoriamente, laborar; € 2.606,00 pagos pela Ré à Câmara Municipal de Vouzela em 2003 e 2004 para assegurar o abate e a comercialização do gado dos utentes, por virtude do encerramento do matadouro de Viseu; € 11.419,73 pagos pela Ré para transportar os animais do parque de recolha de Campia para o matadouro de Aveiro, em 2003 e em 2004; e € 13.527,35 pagos pela Ré a título de impostos por lhe ter sido ocultada informação contabilística (cfr. pontos II, XL, XLII, XLIII, XLIV, XLV, XLVI e XLVII da matéria de facto provada).

P.

Para que um negócio seja anulável é necessário que o sujeito de Direito que argua o vício seja o mesmo em cujo interesse a lei o estabelece e - em princípio que o faça dentro do ano subsequente à cessação do vício que serve de fundamento à arguição (art.? 287.°, n.? 1, do C.C.); no entanto, esta regra não se aplica para todos aqueles casos em que o negócio nunca se cumpriu e onde é possível ao lesado arguir a anulabilidade, seja por via de acção, seja por via de excepção. sem dependência de prazo (cfr. art.? 287.°, n.o 2, do C.C.). E isto porque, como ensinam C.A. MOTA PINTO, PINTO MONTEIRO e P. MOTA PINTO, ob. cii., págs. 622-623 (e como foi acolhido na 1ª instância), se "o negócio não foi cumprido, ( ... ) não há expectativas da contraparte que legitimem a caducidade, pelo decurso do tempo, do direito de invocar a anulabilidade. H

Q.

Por conseguinte, deverá entender-se que o decurso do prazo não prejudica o direito da Ré a arguir a anulabilidade do negócio por ter contratado em erro-vício, na modalidade de erro incidental ou erro sobre as bases do negócio, uma vez que o mesmo se não mostrava (como nunca se mostrou) cumprido, ~ consequentemente, e nos termos do disposto no art. 437.° do C.C., deve o valor do contrato ser reduzido em € 121.896,27.

Sem conceder e apenas subsidiariamente,

R.

Ainda que se entendesse que o negócio se mostrava, em 07/06/2003, cumprido e que, nessa medida, devesse proceder a excepção da caducidade, ainda assim subsistiria a responsabilidade civil pré-contratual do Autor,

S.

Sendo hoje pacífico que se pode suscitar e efectivar a responsabilidade civil pré- contratual de um sujeito de Direito independentemente de o contrato se vir ou não a celebrar e independentemente de o contrato celebrado ser (in) válido ou (in) eficaz (cfr. CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, «Contratos - I - Conceito. Fontes. Formação», 4.a Edição, Almedina, 2008, págs. 207-208; e, também, HEINRICH HORSTER, «A Parte Geral do Código Civil  Português», pág. 474).

T.

E isto porque os factos praticados pelo Autor consubstanciam crime e, nessa medida, prorrogam o prazo prescricional da responsabilidade civil nos termos do Código Penal (cfr. art." 498.°, n." 1 e 3, do C.C., conjugados com os art." 217.°nº 1, 218.°, nº 1, 202.°, aI. b), e 118.°, nº 1, aI. b), do C.P.).

U.

Com efeito, a «AA. - Produtos Pecuários de Portugal, S.G.P.S., S.A» sabia do estado real do matadouro de Viseu (cfr. ponto XLI da matéria de facto); mas, não obstante, durante todo o período de negociações, não só o escondeu da Ré (cfr. ponto XLI da matéria de facto), como a informou erradamente (cfr. ponto XXXVII da matéria de facto), assim a levando a contratar em moldes que nunca aceitaria se soubesse da realidade do antedito matadouro (cfr. pontos LI e LIli, por referência aos pontos II, III e IV da matéria de facto) - i.e., em bom português, "vendendo-lhe gato por lebre".

V.

Desta forma, a «AA. - Produtos Pecuários de Portugal, S.G.P.S., S.A.» procurou e conseguiu obter um preço pela venda das acções e pela cessão de créditos que nunca teria conseguido e que não era devido em função da realidade do matadouro (cfr., conjugadamente, pontos LI e LIli, por referência aos pontos II, III e IV da matéria de facto), pelo que, ao agir da forma descrita, enganou a Ré, induzindo-a em erro sobre a conformidade jurídica do matadouro, situação que representou e que nunca desobnubilou (cfr., conjugadamente, pontos LI e LIli, por referência aos pontos II, III e IV da matéria de facto), assim levando a que a Ré despendesse, no total, um preço superior a € 1.518.530,37 (cfr. pontos II, XL, XLII, XLIII, XLIV, XLV, XLVI e XLVII da matéria de facto provada), quando, na verdade, o que foi acordado pelas partes foi a cedência de uma coisa pelo preço pago de € 1.396.634,10 (cfr. ponto II da matéria de facto provada).

W.

E, como se tal não bastasse, ainda veio tentar apropriar-se da quantia correspondente a 50% do valor global de alienação das acções a título de cláusula penal (qualquer coisa como € 698.317,05).

X.

Tudo isto paralelamente com o encerramento, pelo Autor, do matadouro, retirando à Ré a sua fonte de receitas, "justificado" ... pelo facto de o matadouro estar nas mesmas condições (rectius, em bem melhores condições) nas quais a própria «AA. - Produtos Pecuários de Portugal, S.G.P.S., S.A.» anteriormente o explorava ...

Y.

Ora, em face do exposto, cometeu a «AA. - Produtos Pecuários de Portugal, S.G.P.S., S.A.» um crime de burla, previsto e punível pelo 217.°, n.? 1, do Código Penal ("quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa"), sendo que, atendendo ao valor em causa, o mencionado tipo de crime seria qualificado, nos termos do art.? 218.°, n.º 1, do C.P., por referência ao art.º 202.°, aI. b), do C.P ..


Z.

O prazo prescricional do tipo de crime é, assim, ex vi do art.º 118.°, nº 1, aI. b), do C.P. de dez anos, sendo que a responsabilidade civil foi suscitada na contestação-reconvenção (em Março de 2004), momento em que apenas tinham decorrido 4 anos e 9 meses do hiato previsto na Lei Penal.

AA.

Assim, deve o Autor ser condenado a colocar a Ré na situação em que esta estaria se o Autor tivesse procedido de boa fé durante e após o processo negocial, e, como tal, a indemnizar a Ré no valor total de € 121.896,27 (cento e vinte e um mil, oitocentos e noventa e seis euros e vinte e sete cêntimos) correspondente à soma das seguintes parcelas:


6) - € 33.050,80 a título de obras e aquisição de equipamentos em 1999 para que o matadouro pudesse, ainda que provisoriamente, laborar (cfr. ponto XLII da matéria de facto provada);

7) - € 61.292,39 a título de obras e aquisição de equipamentos em 2000 para que o matadouro pudesse, ainda que provisoriamente, laborar (cfr. ponto XLIII da matéria de facto provada);

8) - € 2.606,00 a título de pagamentos à Câmara Municipal de Vouzela em 2003 e 2004 para assegurar o abate e a comercialização do gado dos utentes, por virtude do encerramento do matadouro de Viseu (cfr. ponto XLVI da matéria de facto provada);

9) - € 11.419,73 a título de pagamento dos transportes dos animais do parque de recolha de Campia para o matadouro de Aveiro, em 2003 e em 2004 (cfr. ponto XLVII da matéria de facto provada);

10) - € 13.527,35 a título de pagamento de impostos devidos antes da alienação das acções e não reflectido no balanço de Março, nem em nenhuma outra informação contabilística apresentada pelo Autor à Ré (cfr. ponto XL da matéria de facto provada)

BB.

Montante ao qual acrescerão os juros de mora já vencidos e contados desde a data da notificação ao Autor da reconvenção, bem como aqueles que se vierem a vencer até efectivo e integral pagamento,

CC.

E, ainda, os custos de inactividade, de deslocação e remunerações adicionais derivados do encerramento do matadouro de ..., de 07/06/99 a 21/06/99, e as pertas de receitas em Maio de 1999, a determinar em liquidação posterior (cfr. pontos XLIV e XLV da matéria de facto provada).

DD.

Tudo isto - em síntese e concluindo - porque, para citar o aresto recorrido (cfr. pág. 81 do Acórdão), "quem comete violações - como foi o caso do aqui A./recorrente - não pode actuar como se tivesse tido um comportamento leal ao contrato, sobretudo quando, num momento prévio, des[e]quilibrou a regulação material das obrigações da contra-parte ( ... ) tutelar tal pretensão do aqui A./recorrente, seria dar acolhimento a actuação duma sua posição jurídica indevidamente obtida!"

EE.

E sobretudo porque, parafraseando, mutatis mutandís, a célebre expressão do escritor François Andrieux, em «O Moleiro de Sans-Souc» - "ainda há Juízes em Lisboa [Berlim]', que farão como sempre a mais lídima JUSTIÇA.

Nestes termos, nos melhores de Direito deverá o presente recurso ser julgado provido e, em consequência, ser o Autor (Reconvindo) condenado a pagar à Ré (Reconvinte), a quantia de € 121.896,27 (cento e vinte e um mil, oitocentos e noventa e seis euros e vinte e sete cêntimos), acrescida dos juros de mora já vencidos e de todos aqueles que se vencerem até efectivo e integral pagamento, bem como da quantia que se vier a apurar em liquidação posterior.

Valor: € 121.896,27




O MP apresentou contra- alegações ( fls. 2289 e segs.) concluindo:


1 - Não há qualquer contradição entre nos fundamentos de direito do douto acórdão a quo, nem nenhuma ambiguidade a carecer de ser aclarada, discordando apenas a reclamante dos fundamentos do segmento em que, no douto acórdão, se conheceu do seu recurso, o que, a existir, poderia integrar um erro de julgamento, mas não as nulidades do acórdão reclamadas.


2 - A reclamante descontextualiza e põe em confronto excertos do douto acórdão a quo, resultantes, uns, da transcrição da sentença de 1a instância, sobre a culpa da R. no incumprimento da cláusula contratual em que a R. se obrigara a manter abertos e operacionais os matadouros durante 5 anos, e escritos, outros, pelo Ex.mos Desembargadores a quo, apreciando a eventual responsabilidade pré-contratual da A.; concluindo a reclamante haver contradições, quando, da leitura do douto acórdão a quo, se colhe que os Ex. mos Desembargadores entenderam que nem a postura contratual da CC - LUSA, SGPS, nem a dos Matadouros da Beira Litoral, SA tinham sido propriamente exemplares, mas que era a estes últimos que era exigível que, antes da celebração do contrato, tivessem procurado informar-se sobre as obras necessárias para a continuação do funcionamento do Matadouro de Viseu, pois, conhecendo eles, necessariamente, o quadro legal vigente para os matadouros e o estado deficitário do mesmo matadouro-, não poderiam ignorar que tinham de ser feitas obras estruturais, para o matadouro não ser administrativamente encerrado.

3 - A recorrente defende que o contrato em análise, através do qual a recorrente comprou a CC - LUSA-SGPS (à qual sucedeu, já durante a pendência da lide; o Estado) 91,43% das ações de CC - LUSA, SA e obteve a cessão dos créditos detidos por CC - LUSA, SGPS sobre a mesma sociedade, não estava cumprido, por ter havido incumprimento de deveres laterais e secundários por parte da citada CC - LUSA, SGPS.

4 - Porém, a matéria de facto provada retrata a venda à ora recorrente, por parte de CC - Lusa, SGPS, da quase totalidade (mais de 94%) das participações sociais da sociedade CC - Lusa, SA, à qual estavam confiados o abate e a vigilância sanitária do abate de gado nos 3 matadouros existentes na Beira Litoral, no âmbito da privatização desse serviço de interesse geral.

5 - Tratou-se, assim, de um contrato misto de venda de ações (ou seja de titulas de participação social que exprimem a medida da posição do sócio na sociedade comercial anónima respetiva) e de cessão de créditos - e não, como, pela primeira vez nas alegações da revista a que se responde, defendem os recorrentes, um contrato misto de compra e venda e de concessão de serviço público -, contrato esse que foi consumado, e o respetivo negócio cumprido, na data em que o mesmo foi outorgado e ocorreu a troca do preço (o capital que a R., então, pagou) pelas participações sociais vendidas e pela cedência dos créditos detidos sobre a mesma empresa.

6 - Não se poderá, pois, argumentar, como fazem os recorrentes, que o negócio não estava cumprido, para efeito das disposições conjugadas dos arts. 917° e 905° e 28r, nOZ do CC, porque, como o matadouro de … carecia de licenciamento (o que, está provado, ambas partes bem sabiam, sendo certo, ainda, que está provado que «os representantes da Ré conheciam as condições concretas em que laborava o matadouro de Viseu enquanto seus utilizadores (resposta ao 25° da BI»», como a vendedora informou, então, que o licenciamento estava em vias de ser obtido, e o licenciamento não foi obtido, teria havido incumprimento de um dever acessório, determinante do incumprimento do contrato.

7 - Na verdade, a compra e venda foi das participações sociais, e não do matadouro de …. Aliás, a empresa transacionada não se limitava a explorar o matadouro de …, mas este, o de Coimbra e o de Aveiro, explorando, ainda, o primeiro durante mais de 4 anos após a celebração do negócio, com licenciamento provisório, transferindo a R., depois, a atividade empresarial que desenvolvia no matadouro de Viseu, quando este foi encerrado pela DGV, para o novo matadouro de Aveiro, que construíra, embora sem respeitar minimamente o compromisso - que constava do contrato em análise -, de ouvir o A. sobre a sua intenção de concentrar em Aveiro os abates de gado que, antes, efetuava em Aveiro e Viseu.

8 - Logo, apesar do alegado "defeito" ou "ónus" do matadouro de Viseu (a falta de licenciamento do mesmo matadouro), por opção empresarial da R., a empresa de que a R. assumiu a quase totalidade do capital social continuou a laborar, noutras instalações e com outro modelo de produção - e as inerentes economias de escala, bem como as resultantes da reestruturação da empresa e as mais-valias imobiliárias, obtidas pela R., com a venda dos terrenos onde se situavam os Matadouros de Coimbra e de Viseu -, pelo que a hipótese teórica de incumprimento da prestação a que o A. se obrigara não tem cabimento.

9 - Atenta a matéria de facto provada quanto à data do conhecimento pela R., ora recorrente, dos alegados defeitos ou ónus do matadouro de Viseu e do não licenciamento do mesmo matadouro (sem margem para dúvidas, a 05 -07 -1999, quando a R. Matadouros escreveu a carta de fls. 233 a 237 e ss. dos autos à autora CC - Lusa SGPS, com conhecimento ao Secretário de Estado da Tutela); a data em que a R. contestou e reconviu, em 2004-03-02; os prazos de caducidade para a R. fazer valer as suas pretensões, decorrentes, ou da venda de coisa defeituosa, conforme previsto no art. 9170 do CC, ou da venda de coisa onerada, ex vi arts. 2870 n° 1 e 9050 do CC; há muito se tinham extinto, na data da reconvenção.

10 - Aliás, não é pacífico que seja aplicável o regime da venda de coisas defeituosas ou oneradas para efeito de garantia do comprador à venda de participações sociais de uma sociedade comercial que gere uma empresa ("share deal" da empresa em resultado da aquisição da totalidade ou de parte significativa das participações sociais), pois a venda de participações sociais de uma sociedade comercial é uma venda de direitos, e não da coisa 'empresa' .

11 - Daí que, os recorrentes aleguem ter direito a indemnização por responsabilidade pré-contratual da vendedora. Todavia, apesar de estar provado que, «37 A. informou a Ré de que o matadouro de Viseu estava em vias de ser licenciado por haverem sido feitas obras (resposta ao 5° da BI).», não se pode concluir que esta informação foi determinante para a R. ter decidido a compra das ações da CC - Lusa, porque apenas está provado que «51 A Ré não teria aceitado subscrever a cláusula referida em C) 2. [a cláusula penal] se tivesse conhecimento, à, data da outorga do contrato, que as autoridades licenciadoras não permitiriam o funcionamento do matadouro de Viseu durante, pelo menos, os cinco anos previstos naquela cláusula (resposta ao 23° da BI)>>.

12 - Logo, mesmo na tese da recorrente, de existência de culpa in contrahendo por parte da vendedora, atenta a matéria de facto provada, terá de se concluir que o comportamento que a R. Matadouros teria tido, se CC - Lusa, SGPS tivesse cumprido totalmente o dever de informação quanto à possibilidade de licenciamento do Matadouro de Viseu, era apenas não aceitar subscrever a cláusula penal. Como corolário desta tese da recorrente, o douto acórdão a quo não mereceria censura, pois a única consequência da incorreta informação fornecida pela vendedora era os RR não terem de pagar a cláusula penal, a nada mais tendo direito.

13 - Porém, está provado que «Os representantes da R. conheciam as condições concretas em que laborava o Matadouro de Viseu enquanto seus utilizadores» - facto provado n° L11.

14 - Para aferir de factos psicológicos, como a boa-fé dos contratantes, não se pode ignorar a especial natureza do contrato em análise, e a qualidade das partes que intervieram neste negócio.

15 - Com efeito, tratou-se de uma privatização de um setor de atividade económica, sendo adquirente uma sociedade expressamente formada por autarquias, Lactícoop, comerciantes e produtores regionais para concorrer a essa privatização, que pretendiam rápida, sendo esta sociedade constituida para, em face da decisão do Estado, de deixar de efetuar os abates de gado, «evitar que "interesses estranhos" aos produtores e aos comerciantes se instalem na região e com os quais ambos ficariam prejudicados.» - facto provado n° XXII, nºs 15 e 16.

16 - É facto notório que, nas privatizações, as partes são assessoradas por grandes escritórios de advocacia, que escalpelizam todos os pormenores pertinentes para o contrato a celebrar.

17 - Ora, a jurisprudência tem entendido que não se inclui no dever de informação da contra parte, implícito na regra de atuação segundo a boa-fé do art. ° 227° do Código Civil, a obrigação de dar a conhecer elementos ou circunstâncias a que qualquer pessoa tem acesso desde que atue com a diligência do homem médio.

18 - Acresce que, segundo a doutrina, na compra de empresas os deveres ou ónus do comprador, designadamente, o ónus de proceder a uma "due diligence", uma cuidada auditoria à sociedade que se vai adquirir, não podem ser ignorados.

19 - Finalmente, a razão de ser da responsabilidade pré-contratual é a tutela da confiança dos sujeitos de direito na correção, honestidade, lisura e lealdade do comportamento da outra parte, quando tal confiança se reporte a uma conduta juridicamente relevante e capaz de provocar danos.

20 - Atenta a matéria de facto provada, as partes negociaram e concluíram o contrato de acordo com os pressupostos e expectativas que tinham, quanto à possibilidade de licenciamento do Matadouro de Viseu - logo, ninguém defraudou a confiança da contraparte -, só que, este Matadouro, na ausência da realização das obras determinadas à R. pelas competentes autoridades higiossanitárias (em relação às quais o Estado/Ministério das Finanças, ora recorrido, é tão alheio como os recorrentes), ao fim de 4 anos, não mais serviu para o fim a que se destinava.

21 - Neste contexto, e como bem se decidiu no douto acórdão a quo, aos recorrentes não pode ser reconhecido qualquer direito, com fundamento em responsabilidade pré-contratual.

22 - Sem embargo, na data em que a R. reconviu, em 2004-03- 02, estava há muito completado o prazo de prescrição, de 3 anos - art. 498° n" 1 do CC -, de qualquer eventual direito de indemnização da R., com fundamento em responsabilidade pré-contratual da CC - Lusa, SGPS,

23 - Sendo a questão, que a recorrente, agora, coloca, de que a vendedora CC - Lusa, SGPS teria incorrido num (imaginário) crime de burla, pelo que o prazo aplicável seria o do procedimento criminal aplicável a este crime, ex vi art. 498°, n° 3 do Cc., uma questão nova, e que não é de conhecimento oficioso, pelo que não pode ser conhecida.

24 - Por tudo isto, o douto acórdão a quo deve ser mantido, no que concerne ao recurso a que se responde, com o que se fará a habitual

JUSTIÇA!



O A no recurso subordinado formula as seguintes concclusões:


1 - No contrato que a extinta AA, SGPS (uma sociedade comercial de capital exclusivamente público, entretanto extinta e à qual sucedeu o Estado português), celebrou, em 1999-03-25, com Matadouros da Beira Litoral, SA; e pelo qual, pelo preço de 143.075.684$00 (equivalente a € 713.658)50») vendeu à ora recorrida 91,43% das ações de CC - LUSA, SA, proprietária dos matadouros de Viseu, Coimbra e Aveiro, cedendo-lhe) ainda, por 136.924.225$50 (equivalente a €682.975,60) os seus créditos sobre a mesma sociedade, no montante de 577.130.128$00 (€2.878.712,94) as outorgantes estipularam uma cláusula penal, no montante de €356.829,25, para o caso de haver incumprimento pela compradora da obrigação de "manter abertos, operacionais e ativos os matadouros de Aveiro e Viseu, por forma a garantir a continuidade dos abates, pelo menos durante 5 anos a contar da celebração do presente contrato, com total respeito pelos requisitos impostos pela legislação em vigor" - Cláusula 5a do citado contrato, transcrita nos factos provados nºs III e IV.

2 - O matadouro de Viseu não foi mantido aberto e operacional durante o referido prazo de 5 anos, pois a 2003-06-07 esse matadouro foi mandado encerrar pelas autoridades competentes, por falta de condições estruturais, funcionais e higiossanitárias - facto provado n" XV.

3 - Atenta a presunção de culpa pela falta de cumprimento, contida no art. 799°, n° 1 do CC, incumbia aos Matadouros da Beira Litoral, SA provar que não tinha sido sua a culpa do incumprimento.

4 - Porém, no douto acórdão a quo foi considerada afastada a presunção de culpa da R. Matadouros porque, em síntese, se entendeu que, como o matadouro de Viseu tinha múltiplas e profundas deficiências estruturais já na data da celebração do contrato; como o alienante não tinha providenciado pelo suprimento dessas deficiências, não estando apurada a impossibilidade ou excessiva onerosidade das obras necessárias ao suprimento dessas deficiências; o encerramento do Matadouro de Viseu era natural e expectável. Acresceria que, como a R. Matadouros provou que, apesar do encerramento do Matadouro de Viseu, o abate de gado continuou a processar-se sem soluções de continuidade, sempre seria inexigível a indemnização predeterminada na cláusula penal convencionada, pois estaria provado que o A. não sofrera quaisquer danos.

5 - Com todo o respeito, discorda-se, pois está provado que, aquando da celebração do contrato (no qual não ficou previsto que ficasse a cargo da vendedora fazer as obras necessárias para permitir o licenciamento definitivo do matadouro), a compradora conhecia as condições em que funcionava o referido matadouro; está provado, ainda, que mediaram mais de 4 anos entre a data em que a compradora Matadouros da Beira Litoral passou a gerir e explorar o matadouro de Viseu e a data do encerramento administrativo deste matadouro, por incumprimento das condições estruturais, funcionais e higiossanitárias, legalmente previstas para este tipo de estabelecimentos.

6 - Está provado, também, que, neste período de 4 anos, o matadouro de Viseu foi sujeito a vistorias por parte das autoridades competentes e, sendo constatadas as deficiências estruturais, funcionais e higio-sanitárias que, 3 anos mais tarde, viriam a determinar o seu encerramento, foi decidido permitir a continuação do seu funcionamento provisório, na condição da R. Matadouros da Beira Litoral fazer as obras necessárias no prazo de 12 meses e, no prazo de 30 dias, apresentar o projeto das mesmas obras.

7 - Mais está provado que, 3 anos decorridos, as mesmas autoridades veterinárias constataram «a situação se ter mantido inalterável, sem ter havido qualquer diligência para a apresentação de um processo de licenciamento para um novo estabelecimento ou mesmo de um processo de remodelação profunda com adequação à legislação em vigor», o que levou à proposta superior de suspensão da laboração e ao decorrente encerramento do matadouro.

8 - Neste contexto, não poderia no douto acórdão a quo concluir-se que a R. Matadouros tinha provado que não tinha tido culpa no encerramento do matadouro de Viseu, OU provara que tinha sido diligente e se esforçara por cumprir a obrigação de manter ativo e operacional o mesmo matadouro,

9 -Pois não está provado que o incumprimento desta obrigação era impossível ou excessivamente oneroso.

10 - Na verdade, atenta a matéria de facto provada, designadamente, quanto ao conhecimento que as partes tinham dos requisitos legais previstos para o matadouro poder continuar a laborar e das reais condições de funcionamento do matadouro de Viseu, às expectativas que os contratantes tinham quanto à possibilidade do matadouro poder continuar operacional durante o prazo previsto na cláusula 5a, e às motivações da vendedora para que ficasse a constar do contrato a mesma cláusula penal, parece-nos poder concluir-se que se tratava de uma cláusula penal compulsória.

11 - Entendendo nós que não foi elidida a presunção de culpa da ora recorrida, e, segundo a melhor doutrina, sendo irrelevante que se não tenha provado que o incumprimento gerou danos, dado não se tratar de uma cláusula penal indemnizatória,

12 - Parece-nos que o douto acórdão a quo deve ser revogado, no segmento em que manteve a absolvição da R. do pedido de condenação no pagamento da cláusula penal estipulada no contrato.

13 - Subsidiariamente, sendo a cláusula penal, em regra, estabelecida em vista da inexecução integral, quando muito, poderia admitir-se que, como se tratou de um caso de inexecução parcial, a cláusula penal sofresse redução, segundo critérios de proporcionalidade e equidade, conforme previsão do art. 812°, n" 2 do Cc.

14 - Destarte, O douto acórdão a quo, ao decidir pela total improcedência do pedido do A., violou, nesta parte, o disposto nos arts 405°, n° 1, 810° e 812°, todos do Código de Civil.

15 - Assim, declarando-se procedente este recurso, far-se-á a habitual justiça.


A Ré apresentou contra- alegações relativamente ao recurso pugnando pela sua inamissibilidade, concluindo:

A.

Doutrina e jurisprudência civilística e constitucional são sincrónicas no que concerne à necessidade de "racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça" e no entendimento de que inexiste qualquer obrigatoriedade constitucional de assegurar um terceiro grau de jurisdição (cfr. ABRANTES GERALDES, «Recursos no Novo Código de Processo Civil», Almedina, 2013, págs. 283-285 e J.O. CARDONA FERREIRA, «Guia dos Recursos em Processo Civil», 5.a Edição, Coimbra Editora, 2010, pág. 261; e Acórdão do Tribunal Constitucional n.? 20/2007 [proe. n.? 715/06], in D.R., 2.a Série, de 20/03/2007).

B.

É, por isso, hodiernamente pacífica a consagração, no ordenamento pátrio jurídico-civil da figura da DUPLA CONFORME, no art.º 671.°, n.º 3, do N.C.P.C. (na esteira do art.º 721.°, n.º 3, do V.C.P.C.), não sendo em regra admitida a revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1. a instância.

C.

No caso sub iudice está em causa uma situação de compra e venda de empresas, processada através de um contrato de compra e venda de acções e de cessão de créditos, por intermédio do qual o Réu comprou ao Autor um lote de 551.139 acções nominativas, representativas do capital social da sociedade «CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A.», pelo preço global de 143.075.684$00, tendo o Autor transmitido ao Réu, por € 682.975.60, os seus créditos sobre «CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A.», os quais ascendiam, à data da celebração do contrato, ao montante de 577.130.128$00 (2.878.712,94€).

D.

No âmbito da relação obrigacional complexa que adstringiu as partes, foi convencionada uma cláusula penal, por força da qual ficou o Réu obrigado a manter abertos, operacionais e activos, os matadouros de Aveiro e de Viseu, de forma a garantir a continuidade dos abates de gado, pelo menos durante cinco anos a contar da data de celebração do contrato (Le., até, pelo menos, 25/03/2004), sob pena de ter de pagar ao Autor um montante equivalente a 50% do valor global de alienação das acções.

E.

Uma vez que - pelos motivos que infra se resumirão e que já foram (amplamente) abordados nos (muitos) articulados constantes dos presentes autos - as autoridades competentes encerraram, em 18/03/2003 o matadouro de Viseu (i.e., quatro anos, dois meses e vinte e dois dias após a celebração do contrato), o Autor intentou contra o Réu acção declarativa com forma ordinária, pedindo que este último fosse condenado a cumprir, no prazo de 30 dias, o supramencionado contrato ou, subsidiariamente, a condenação do Réu no pagamento da quantia total de € 356.829,25, correspondente a 50% do valor global da alienação das acções, com juros vencidos desde a data do encerramento do matadouro de Viseu e vincendos até integral pagamento,

F.

Pretensão à qual o Réu deduziu contestação e reconvenção, onde, em síntese, excepcionou o cumprimento defeituoso do contrato por parte do Autor, invocou a violação do princípio da boa-fé e o abuso de direito por parte do Autor, arguiu o erro incidental sobre o negócio, pugnando pela redução do negócio, defendeu a impossibilidade legal do primeiro pedido formulado pejo Autor e sustentou a redução a zero da cláusula penal, mais pedindo a condenação do Autor a reconhecer que o contrato celebrado a 25/03/1999 fosse válido nos termos em que teria sido concluído sem erro, a pagar ao Réu, a título de redução do preço pago no referido contrato, por diminuição do valor do património da empresa «CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A.», o montante de € 458.077,31, ou a pagar ao Réu, a título de indemnização, um montante a apurar até € 458.077,31, tudo acrescido dos respectivos juros legais.

G.

A 30/04/2012, a Meritíssima Senhora Doutora Juiz de Direito do Juízo de Grande Instância Cível de Aveiro (Juiz 3), Comarca do Baixo Vouga, proferiu sentença que julgou a acção inteiramente improcedente, absolvendo o Réu do pedido, e julgando parcialmente procedente a reconvenção, condenando o Autor a pagar à Ré a quantia de € 94.343,19, valor ao qual acresceria a importância que se apurasse em liquidação posterior quanto a determinados factos enunciados, ambos esses valores acrescidos de juros legais desde a notificação da reconvenção e até integral pagamento.

H.

Para tal, a Meritíssima Senhora Doutora Juiz de Direito fundamentou a sua decisão do seguinte modo:

k) - O contrato celebrado entre as partes foi, considerando a sua materialidade subjacente, um contrato de compra e venda de empresas que prosseguiu o escopo de privatizar um sector de actividade (cfr. a fls. 67-73 da sentença);

I) - As qualidades da coisa vendida (i.e., da empresa) devem ser consideradas como integrantes do próprio contrato de compra e venda, pelo que existirá um defeito ou um vício - uma situação de desconformidade com o contrato - se a empresa, incluindo a sua situação subjacente, não contiver as características asseguradas pelo vendedor (cfr. a tis. 71 da sentença);

m) - O Réu vinculou-se lateralmente, tendo em conta a relação obrigacional complexa que adstringia as partes, a manter abertos, operacionais e activos os matadouros da sociedade «CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A.», pelo menos até 25/03/2004 (cfr. a tis. 74-75 da sentença);

n) - O montante estipulado pelas partes a título de cláusula penal não é exigível senão quando o devedor tenha infringido culposamente a obrigação assumida (cfr. a tis. 76 da sentença);

o) - O não cumprimento integral da prestação não é imputável ao devedor quando procede de facto de terceiro, de circunstância fortuita ou força maior, da própria lei, ou mesmo do credor (cfr. a fls. 77 da sentença);

p) - A partir do momento em que as autoridades sanitárias decidiram encerrar o matadouro de Viseu tornou-se impossível ao Réu cumprir a prestação a que se vinculara de o manter aberto e operacional por cinco anos (cfr. a tis. 77 da sentença);

q) - ln casu, o Réu não foi o culpado pelo encerramento do matadouro de Viseu - o encerramento foi devido à omissão de comportamentos que já anteriormente deveriam ter sido adoptados (e lhe haviam sido administrativamente impostos pelo Autor). Quando o Réu tomou posse do estabelecimento, já o mesmo não reunia as condições legais necessárias para estar aberto e não as reunia porque o Autor não o tinha dotado de condições estruturais para o efeito, só se encontrando ainda a funcionar porquanto contou para tal com a complacência I com o beneplácito das autoridades administrativas (cfr. a fls. 77M79 da sentença);

r) - A antedita impossibilidade de cumprimento total não imputável ao Réu exonera-o da parte restante não cumprida (cfr. a fls. 82 da sentença);

s) - Ainda que assim se não entendesse a actuação do Autor consubstanciaria um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium e/ou de tu quoque, dado que, ao contrário do afirmado pelo Autor, o matadouro de Viseu não estava em vias de ser licenciado e, ainda que o Autor não tenha actuado com dolo ou intenção deceptiva, a verdade é que tal informação que deu ao Réu não foi despicienda no quadro das negociações em curso, acrescendo que foi uma informação prestada no âmbito de negociações que tiveram intervenção de entidades com responsabilidades públicas, como públicos eram os bens a privatizar, com acrescido dever de actuação diligente (cfr. a fls. 82-83 da sentença);

t) - O Autor alienou um estabelecimento não dotado de condições estruturais para estar aberto ao público porquanto não efectuou as obras necessárias para o efeito, tendo violado a sua obrigação de transmitir ao Réu um estabelecimento plenamente operacional. Não tendo o Réu, depois, conseguido manter operacional esse estabelecimento por força de requisitos que o Autor não cumpriu, não pode o Autor pretender obter do Réu o cumprimento da obrigação de manter aberto o que já antes poderia ter sido fechado (cfr. a fls. 82-86 da sentença).

I.

Por seu turno, os Venerandos Senhores Doutores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra fundamentaram a sua decisão de fazer improceder, in totum, as pretensões do Autor do seguinte modo:

c) - Concorda-se integralmente com o entendimento perfilhada na sentença recorrida, e pela doutrina em geral, no sentido de que, numa situação como a dos autos se estará, juridicamente, perante a compra (e venda) de empresas / unidades industriais, onde se prossegue o objectivo de privatizar um sector de actividade, assegurando-se a continuidade da prestação de serviços com qualidade às populações e sem interesses estranhos a esse objectivo (cfr. a fls. 75 do Acórdão);

d) - Merece integral acolhimento a argumentação constante de fls. 78-82 da sentença da 1ª instância (cfr. a fls. 79-82 do Acórdão).

J.

Ora, se o Tribunal da Relação de Coimbra não só adere à fundamentacão utilizada pelo Tribunal de 1ª Instância para fazer improceder. in totum. as pretensões do Autor. COMO INCLUSIVAMENTE ESCREVE QUE A DÁ POR INTEGRALMENTE ACOLHIDA E TRANSCREVE NA FUNDAMENTAÇÃO DO SEU ACÓRDÃO, então é óbvio que estamos perante uma situação de DUPLA CONFORME,

K.

Pelo que - como muito bem sabe o Ministério Público e melhor ainda saberia se tivesse de autoliquidar uma taxa de justiça de, pelo menos, € 816,00 para interpor ou contra-alegar neste recurso ... - estará vedado ao Autor interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

L.

Por outro lado, em nada releva para a impossibilidade de recorrer de revista para o Supremo Tribunal de Justiça que o recurso apresentado pelo Autor seja apenas um recurso subordinado.

M.

Com efeito, como este Supremo Tribunal de Justiça já teve ocasião de considerar, "a dependência do recurso subordinado à sorte do recurso principal, a que alud[iam, na altura] os n:" 2 e 3 do eti? 682.° do C.P.C., importa que, caso o recurso principal não seia admissível, não pode ser conhecido o recurso subordinado" (cfr. o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/02/2014, consultável em http://www.dgsi.ptljstj. nsf/954fOce6ad9dd8b980256b5fO03fa814/4fabe55e 1 f645 20980257c8a00532dd3?OpenDocument).

N.

Esta situação é também assinalada pela melhor doutrina: neste sentido, depois de referir a possibilidade de apresentação de recurso subordinado ainda que o recurso principal fosse inadmissível em função do valor, expende ABRANTES GERALDES, ob. cii., pág. 76: "esta possibilidade apenas abarca as situações de irrecorribilidade em função do valor. JÁ SE ESTA DECORRER DA AUSÊNCIA DE OUTROS REQUISITOS, (\I.G, POR SER VEDADO O RECURSO PARA O SUPREMO EM FUNÇÃO DA EXISTÊNCIA DE DUPLA CONFORME RELATIVAMENTE À CONCRETA QUESTÃO DECIDIDA DESFAVORAVELMENTE), A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO PRINCIPAL NÃO PODE SER INVOCADA COMO FUNDAMENTO PARA A ADMISSÃO DE RECURSO SUBORDINADO. Ou seja, o disposto no n. o 5 apenas atenua os efeitos ligados ao pressuposto da recorribilidade em função da sucumbência, não tendo, por si, a virtualidade de abrir múltiplos graus de jurisdição quanto a decisões que, por outros motivos, foram excluídas do recurso."

O.

Por conseguinte e sem mais considerações, deverá o recurso subordinado de revista interposto pelo Autor ser julgado inadmissível, por impossibilidade legal, não sendo apreciado por V. Exas., com todas as demais consequências legais.

Sem conceder e apenas subsidiariamente,

P.

Como referem as instâncias, a cláusula penal que foi aposta no contrato tinha uma função compulsória - a de pressionar o Réu, na qualidade de devedor sinalagmático, a cumprir a obrigação assumida de manter aberto, activo e operacional, durante pelo menos cinco anos, o matadouro de Viseu, o que, efectivamente, não veio a acontecer.

Q.

No entanto, como também - e muito bem - é referido pelas instâncias, a cláusula penal só poderia ter sido accionada se se demonstrasse que aquela obrigação não foi cumprida por culpa do Réu. E isso não só não se demonstrou, como as instâncias concluíram e decidiram o contrário.

R.

As instâncias concluíram e decidiram que:

a) - O não cumprimento integral (por pouco ... ) da prestação não foi imputável ao Réu, uma vez que procedeu de facto do próprio credor (cfr. a tis. 77 da sentença da 1.a instância e a fl5.75-82 do Acórdão do Tribunal da Relação);

b) - A partir do momento em que as autoridades sanitárias decidiram encerrar o matadouro de Viseu tornou-se impossível ao Réu cumprir a prestação a que se vinculara de o manter aberto e operacional por cinco anos (cfr. a tts. 77 da sentença da 1.a instância e a fl5.75-82 do Acórdão do Tribunal da Relação);

c) - ln casu, o Réu não foi o culpado pelo encerramento do matadouro de Viseu, mas antes que esse encerramento se ficou a dever à omissão de comportamentos que já anteriormente deveriam ter sido adoptados e lhe haviam sido administrativamente impostos pelo Autor (cfr. a tts. 77-79 da sentença e a tls.75-82 do Acórdão do Tribunal da Relação);

d) - Quando o Réu tomou posse do estabelecimento, já o mesmo não reunia as condições legais necessárias para estar aberto e não as reunia porque o Autor não o tinha dotado de condições estruturais para o efeito, só se encontrando ainda a funcionar porquanto contou para tal com a complacência J com o beneplácito das autoridades administrativas, não sendo a impossibilidade cumprimento imputável ao Réu (cfr. a fls. 77-82 da sentença e a fl5.75- 82 do Acórdão do Tribunal da Relação);

e) - ainda que assim se não entendesse, a actuação do Autor consubstanciaria um abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium elou de tu quoque, dado que, ao contrário do afirmado pelo Autor, o matadouro de Viseu não estava em vias de ser licenciado (cfr. a fls. 82-83 da sentença e a fls.75-82 do Acórdão do Tribunal da Relação); e

f) - o Autor alienou um estabelecimento não dotado de condições estruturais para estar aberto ao público porquanto não efectuou as obras necessárias para o efeito, tendo violado a sua obrigação de transmitir ao Réu um estabelecimento plenamente operacional. Não tendo o Réu, depois, conseguido manter operacional esse estabelecimento por força de requisitos que o Autor não cumpriu, não pode o Autor pretender obter do Réu o cumprimento da obrigação de manter aberto o que já antes poderia ter sido fechado (ctr. a fls. 82-86 da sentença e a fls.75-82 do Acórdão do Tribunal da Relação).

S.

Por conseguinte, não só tem de soçobrar o pedido principal do Autor - Le., o accionamento total da cláusula penal - como igualmente cai por terra o argumento subsidiário de se ter tratado de um caso de inexecução parcial, determinativo da redução do montante da cláusula penal, pelo que deverá o recurso subordinado de revista interposto pelo Autor ser julgado improcedente quanto ao accionamento (total ou parcial) da cláusula penal, sendo o Réu absolvido do pedido, com todas as demais consequências legais.

Nestes termos, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverão as presentes contra-alegações ser recebidas e, em consequência:


a) - Ser julgado inadmissível, por violação do disposto no art,? 671.°, n.? 3, do N.C.P.C., o recurso subordinado de revista interposto pelo Autor, não sendo o mesmo apreciado; ou, sem conceder e apenas subsidiariamente,

b) - Ser julgado improcedente o recurso subordinado de revista interposto pelo Autor, sendo o Réu absolvido do pedido.

Tudo com as demais consequências legais.

Valor: € 275.000.00 (duzentos e setenta e cinco mil euros).




Colhidos os vistos, cumpre apreciar.



II - FUNDAMENTAÇÃO:


Os factos provados são os seguintes:


I – “AA – Produtos Pecuários de Portugal, SGPS, S.A.”, com a totalidade do seu capital social pertencente à sociedade “AA - Produtos Pecuários e Alimentação, S.A.”, detida pelo Estado, tem por objecto a gestão das participações sociais das empresas do Grupo AA. [al. A) dos factos assentes];

II – “AA- Produtos Pecuários de Portugal, S.A.”, e a Ré, “Matadouros da Beira Litoral, S.A.”, no dia 25 de Março de 1999, celebraram entre si um contrato de compra e venda de acções e de cessão de créditos, nos termos do qual a autora vendeu à ré, e esta comprou, um lote de 551.139 acções nominativas, representativas do capital social da sociedade “CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A.”, pelo preço global de 143.075.684$00, tendo também transmitido à ré, por € 682.975,60, os seus créditos sobre a "CC - Lusa", os quais ascendiam, à data da celebração do contrato, ao montante de 577.130.128$00, (2.878.712,94€). [al. B) dos factos assentes];

III – Mediante a cláusula quarta do referido contrato a ré, como segunda outorgante, obrigou-se a:

1. Prestar serviços de abate aos agentes económicos das regiões em que se situam as unidades de abate, propriedade da sociedade CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A., sempre que estes o solicitem, mediante a prática de preços correntes de mercado.

2. Manter abertos, operacionais e activos, os matadouros de Aveiro e Viseu, por forma a garantir continuidade dos abates de gado, pelo menos durante cinco anos a contar da data da celebração do presente contrato, com total respeito pelos requisitos impostos pela legislação em vigor, nomeadamente garantindo em tempo oportuno, a implementação do processo que possibilite o licenciamento do Matadouro de Aveiro.

3. Na eventualidade da segunda outorgante pretender construir uma unidade industrial de abate que substitua um dos matadouros referidos no ponto anterior, ou mesmo ambos, tal intenção, bem como os respectivos projectos, terão que ser previamente submetidos à apreciação da primeira outorgante, ou da entidade que lhe venha a suceder ou a ficar investida no seu património, para que esta possa ajuizar sobre se a continuidade da prestação de serviços de abate nas regiões, que se encontra prevista no ponto dois desta cláusula, se encontra devidamente salvaguardada.

4. Garantir o cumprimento do protocolo celebrado entre a sociedade "CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A." e a Câmara Municipal de Coimbra, cuja cópia se encontra anexa ao contrato-promessa referido no ponto 1. da cláusula segunda do presente contrato, relativo à venda, em hasta pública, das parcelas relativas ao Matadouro Industrial de Coimbra, cumprindo escrupulosamente toda obrigações dele decorrentes.

Assumir todas as posições contratuais de que a sociedade CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A. é presentemente parte, nomeadamente:

a) - Noventa e seis contratos de trabalho sem termo e cinco a termo certo, identificados na listagem que se encontra apensa ao contrato promessa referido no ponto 4 desta cláusula, da qual constam o nome, categoria, profissional, data de admissão, tipo de vínculo e vencimento base dos respectivos trabalhadores.

b) - Contratos de seguros diversos, contratos de "leasing" de equipamentos e viaturas, contratos diversos de manutenção e de assistência técnica, contratos de prestação de serviços nas áreas da higiene, segurança e vigilância e assessoria jurídica, nos termos da listagem que se encontra apensa ao contrato promessa referido na alínea anterior. [al. C) dos factos assentes];

IV – Mediante a cláusula quinta do referido contrato foi estipulado que "O não cumprimento por parte da segunda outorgante (ora ré) das obrigações referidas na cláusula anterior, constituí-la-á no dever de pagar à primeira outorgante (ora autora), ou à entidade que lhe venha a suceder ou ficar investida no seu património, um montante equivalente a 50% do valor global de alienação das acções". [al. D) dos factos assentes];

V – No dia 1 de Junho de 1999, procedeu-se a vistoria ao matadouro de Viseu, nos termos constantes do auto de folhas 18 a 22 dos autos, tendo aí sido exarado o seguinte:

    "Aos um de Junho de mil novecentos e noventa e nove, pelas onze horas, reuniram-se no Matadouro de Abate de Gado, propriedade de CC - LUSA — INDÚSTRIA DE PRODUTOS PECUÁRIOS DE AVEIRO COIMBRA E VISEU, sito em Viseu, a fim de verificarem o cumprimento das condições impostas no auto de vistoria, efectuado em nove de Fevereiro de mil novecentos e noventa e nove, conforme o disposto no ponto um, do artigo décimo sexto do Decreto Regulamentar número vinte e cinco, de dezassete de Agosto de mil novecentos e noventa e três, cujo processo de licenciamento decorreu ao abrigo do Regulamento do Exercício das Actividades Industriais, cujo projecto foi aprovado em vinte e sete de Julho de mil novecentos e noventa e oito, pelo Senhor Director Regional de Agricultura da Beira Litoral.

(...)

Os peritos intervenientes verificaram que foi dado cumprimento à quase totalidade das imposições feitas na vistoria acima referida devendo contudo proceder às seguintes correcções:

CIRCUITOS EXTERIORES

• As portarias dos circuitos exteriores limpos e sujos, deverão ser obrigatoriamente controladas.

• No local da lavagem de viaturas da área suja, aconselha-se a colocação de cobertura.

• Regularizar o pavimento do circuito limpo e sujo, cobertura de modo a evitar os empoçamentos provocados pelas águas pluviais, devendo ser feita a drenagem das mesmas e retirar o lixo existente no terreno adjacente ao estabelecimento e pertencente ao mesmo, bem como proceder à lavagem dos pavimentos.

• No sector de lavagem das viaturas de transporte de carnes deverá ser retirado todo o equipamento e demais material.

INSTALAÇÕES SANITÁRIAS

• Os lava mãos deverão ser dotados com torneiras de comando não manual.

• Nos urinóis deverão ser substituídas as torneiras por temporizadores

• Colocar molas de retorno nas portas de acesso às instalações sanitárias.

WC

• Colocar as vassouras de higienização das sanitas

• Substituir o banco de madeira por PVC

ARRUMO DE APOIO AO GABINETE

O sanitário existente deverá ser utilizado para arrumo de apoio ao Gabinete Veterinário, para arrumo de tintas e marcas sanitárias

ACESSO DO PESSOAL

• Corrigir a drenagem do lava botas.

ABEGOARIAS

• O cais de desembarque deverá Ter dimensões adequadas à recepção dos animais e altura ajustável à altura da viatura.

• Identificar os lazaretos

• Proceder à reparação dos pisos e paredes danificadas.

• Colocar manga de acesso à casa de abate.

• Corrigir a drenagem da zona de acesso, de modo a evitar que a mesma se faça para a sala de abate.

NAVE DE ABATE

• As grelhas dos esgotos partidos deverão ser substituídas

• As janelas degradadas deverão ser substituídas ou reparadas

• Fazer o ajustamento da porta, colocando banda de borracha ao postigo da saída de peles, a fim de evitar a entrada de insectos.

• O exaustor deverá ter rede mosquiteira de protecção

  Na entrada dos abates de urgência deverá colocar painel protector junto à via aérea e tubos.

• Proceder ao arranjo das paredes da box de insensibilização.

LINHA DE OVINOS E CAPRINOS

• Dotar o electrochoque de voltímetro, amperímetro e temporizador

LINHA DE SUÍNOS

• Dotar o electrochoque de voltímetro e temporizador

• A plataforma de sangria deverá ser substituída dado o estado de degradação

• Na depiladora todas as peças móveis deverão ser completamente protegidas e a tela substituída

• Deverá ter como reserva pinça de insensibilização de suínos

• Isolar a área envolvente do transportador da sala de abate para a abegoaria

• Colocar rede mosquiteira nos exaustores e isolar a área envolvente da chaminé a fim de evitar a entrada de insectos e pássaros.

• Colocar esterilizador da serra de carcaças.

• Colocar número de lavatórios e esterilizadores, adequados ao número de postos de trabalho.

• Substituir o machile por material em aço inox.

• Retirar da linha todo o material em madeira.

TRIPARIA

INSTALAÇÕES SANITÁRIAS DE APOIO À TRIPARIA

• Colocar torneiras de comando não manual.

• Dotar de exaustão forçada e adequada à volumetria das instalações.

• Colocar sistema de arejamento nas portas de acesso, assim como molas de retorno.

ZONA DE EXPEDIÇÃO

• Fechar aporta lateral existente na expedição (junto à nave de abate)

• Os tectos deverão ser lisos e a zona devidamente climatizada (12°C)

• Deverá colocar esterilizador de facas em local adequado

• A água do evaporador deverá escoar para o sistema de esgotos

CÂMARAS FRIGORÍFICAS

• Identificar as câmaras por espécies e a de observação devendo esta estar dotada de meios de segurança.

• O corredor de acesso e a câmara frigorífica de reprovados deverá ter o pavimento e paredes lisas de côr clara

C.F. — MIUDEZAS BRANCAS/VERMELHAS

• Reparar paredes, tectos e pavimentos

• Reparar a instalação de água (tubo do evaporador).

SECTOR DE LAVAGEM DE TABULEIROS PVC

• As dimensões não estão de acordo com o projecto técnico aprovado, dado a quantidade de equipamento móvel existente na unidade, recomenda-se o aumento desta área ou dotar o estabelecimento de outro local destinado a essa finalidade.

• O acesso exterior a este sector deverá estar desimpedido e toda a sucata existente e demais material, deverá ser retirado para local conveniente

SECTOR DE SALGA DE PELES

• Posicionar correctamente e higienizar o electrocutor de insectos.

EXPEDIÇÃO DE SUB PRODUTOS

• A calha existente na zona de cozedura de sangue deverá ser provida de grelha

GERAL

• Todo o estabelecimento deve ser higienizado

• Todos os lava mãos do estabelecimento deverão ser dotados de água quente e fria

• Todos os esterilizadores acopulados aos lava mãos deverão possuir água quente à temperatura mínima de 82° C

• Todos os manípulos das torneiras dos lava mãos das instalações sanitárias deverão ser substituídos por comando não manual

• Em todo o estabelecimento deverão ser reparados os revestimentos das paredes, tectos e pavimentos degradados, fissuras, juntas e orifícios deverão ser betomados com material específico e antifungico.

• Todo o equipamento em estado de degradação e com sinais de oxidação deverá ser substituído, reparado e pintado.

• Dotar o estabelecimento de sinalização de segurança e iluminação de emergência.

Todas as portas pivotantes de acesso ao exterior deverão possuir mola de retorno.

DOCUMENTAÇÃO

• Os efluentes gasosos e a altura das chaminés deverão obedecer aos parâmetros constantes do Dec-Lei n° 352/90 de 9 de Novembro e Portª 286/93 de 12 de Março.

Os peritos intervenientes entenderam que, apesar do esforço desenvolvido pela empresa no cumprimento do determinado pelas entidades licenciadoras no auto acima referenciado, o estabelecimento não reúne condições para homologação de acordo com a Directiva 64/433/CEE de 26 de Junho (Portª. 971/94 de 29/10) pelo que se propõe o assunto à consideração superior.(...)"

 [alínea E) dos factos assentes];

VI – No dia 16 de Junho de 1999, procedeu-se a nova vistoria ao matadouro de Viseu, nos termos constantes de folhas 24 a folhas 26 dos presentes autos, tendo aí sido exarado o seguinte:

"(…)

Após a vistoria, os técnicos intervenientes verificaram que as instalações não reúnem as condições estabelecidas na Portaria 971/94, de vinte e nove de Outubro, com vista à homologação do mesmo.

As condições estabelecidas na transposição da Directiva Comunitária, implicariam por parte da empresa grande investimento económico e com dificuldades de implementação dos requisitos legais no contexto estrutural e funcional bem como das áreas disponíveis, nas condições actuais existentes.

Considerando o problema de ordem social dos trabalhadores da unidade industrial em causa, bem como daqueles que a jusante e a montante, sobrevivem a custa dela.

Considerando a sobrecarga das estruturas na região, que funcionavam em boas condições higiosanitárias com a consequente sobrecarga de abates, as mesmas são impossíveis de manter, podendo por em risco a Saúde Pública.

Considerando que estão garantidos os requisitos mínimos de funcionamento de modo a garantir a segurança do produto final, pomos à consideração superior que o estabelecimento se mantenha em laboração como solução provisória até ao Licenciamento de nova unidade, que a empresa se propõe levar a cabo, e que não deverá ultrapassar o prazo máximo de doze meses para conclusão das instalações e trinta dias para apresentação do projecto.

Para tal deverá ser assinado como garantia um termo de responsabilidade por parte da Administração da empresa, com vista ao cumprimento dos prazos propostos e compromisso por parte das entidades intervenientes no processo de licenciamento de dar prioridade à apreciação do mesmo, o mais breve possível.

De referir ainda que de imediato deverão ser tomadas as seguintes medidas caso a proposta acima indicada seja aceite superiormente:

1 - Deverão ser ampliadas na sequência de esclarecimentos havidos anteriormente a zona de lavagem do equipamento móvel e ao cais de descarga dos animais vivos, com vista ao melhoramento das condições relativas ao bem estar animal.

2- A capacidade máxima diária de abate deverá ser a seguinte:

     Bovinos — sessenta

    Suínos adultos — cem

    Leitões — oitenta

    Pequenos ruminantes — oitenta

As capacidades estipuladas poderão ser alteradas em termos de conversão e sempre com a concordância do Inspector Sanitário.

3 - Estabelecimento de controlo mensal de potabilidade da água.

4 - Estabelecimento de programa escrito de limpeza e desinfecção da instalação e equipamento, com indicação dos produtos a utilizar e procedimentos, bem como referência do seu executante e controlador.

5 - Necessidade de estabelecimento de programa de controlo de pragas.

6 - Registo termográfico das temperaturas das câmaras frigoríficas e áreas climatizadas.

  A implementação destas medidas deverá ser supervisionada pelo Inspector Sanitário." [alínea F) dos factos assentes];

VII – Sobre a autorização de laboração do estabelecimento de abate PEC LUSA de Viseu, foram pela Direcção-Geral de Veterinária elaborados documentos datados de 07 de Junho de 2002 e de 16 de Maio de 2002, juntos a folhas 28 e de folhas 29 a 31 dos autos e com o seguinte teor:

" (...)

  Assunto: Autorização de Laboração de Estabelecimento de Abate CC - LUSA VISEU

(...)

A fim destes Serviços poderem dar uma resposta à solicitação contida na V/Telemensagem em referência, foi elaborada uma Informação ao Senhor Director Geral de Veterinária, a fim de se pronunciar sobre o assunto na qualidade de detentor da Autoridade Sanitária Veterinária Nacional.

Sobre a Informação em referência, onde se propunha a suspensão da laboração no Matadouro CC - LUSA VISEU e cancelamento da marca de salubridade, o Senhor Director Geral exarou o seguinte despacho:

"Concordo. Proceda-se em conformidade sujeitando a decisão final a uma inspecção actualizada ao matadouro em causa"

A fim de dar cumprimento ao estipulado no despacho superior, solicito os bons ofícios de V. Ex° no sentido de promover uma vistoria ao estabelecimento em epígrafe, nos termos do Art° 16° do Decreto-Regulamentar n°25/93 de 17 de Agosto com a presença de todas as entidades consultadas para o licenciamento industrial.

(...)

"Assunto: Autorização de Laboração de Estabelecimento de Abate CC - LUSA VISEU

     Exmª Senhora Directora de Serviços de Higiene Pública Veterinária

Foi recepcionada nesta Direcção de Serviços, a 15 de Abril de 2002, a telemensagem n° … de 2002-04-02 do Núcleo Técnico de Licenciamento da Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral, cuja cópia se anexa, abordando a hipótese de emissão de autorização para abate no Matadouro em epígrafe, mesmo com o matadouro da CC - LUSA AVEIRO, em funcionamento.

Para se poder pronunciar sobre o assunto é necessário recordar os antecedentes.

Através de várias reuniões havidas entre a Secretaria de Estado da Modernização Agrícola e da Qualidade Alimentar, a Direcção Geral de Veterinária e as Direcções Regionais de Agricultura, ficou superiormente decidido que todos os Matadouros deviam obedecer aos requisitos legais para colocarem os produtos no mercado até 1 de Junho de 1999.

Anexa-se a Circular n° ... de 1999-03-16 enviada a todas as Direcções Regionais de Agricultura.

No dia 16 de Junho de 1999, o estabelecimento em epígrafe, foi objecto de vistoria, tendo sido em seguida lavrado um auto em que se propunha superiormente que a empresa proprietária do estabelecimento tivesse um prazo máximo de doze meses para a conclusão de obras de um novo estabelecimento e de trinta dias para a apresentação desse projecto.

O Auto de Vistoria foi enviado pela DRABL ao Sr. Chefe de Gabinete de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado da Modernização Agrícola e Qualidade Alimentar, no dia da sua elaboração, cuja cópia se anexa.

Também foi remetida cópia do mesmo Auto de Vistoria ao Exm° Senhor Director Geral. A proposta efectuada mereceu parecer favorável do Sr. Subdirector Geral de Veterinária, que por sua vez deu conhecimento através das telemensagens n°s … 76/G e 177/G ambas de 99-06-17, dirigidas ao Sr. Director Regional de Agricultura da Beira Litoral e Sr. Chefe do Gabinete do SEMAQA, respectivamente e, cujas cópias se anexam.

Pelo exposto, o estabelecimento manteve-se em laboração até à data não tendo sido contudo, apresentado para apreciação qualquer processo de licenciamento para uma nova unidade.

Foi efectivamente apresentado um processo de licenciamento para a construção de uma nova unidade de abate para Aveiro.

A unidade de abate de Aveiro, encontra-se a laborar, em regime definitivo desde 25 de Janeiro de 2002, aguardando-se a conclusão de pequenas obras para a emissão de Licença Sanitária.

Atendendo a que durante todo o período que mediou entre a elaboração do Auto de Vistoria a 16 de Junho de 1999 até à presente data, o estabelecimento CC - LUSA VISEU não apresentou qualquer processo de licenciamento para uma nova unidade de abate a construir em obediência aos requisitos legais e tendo em conta que a nova unidade de abate de Aveiro não tem capacidade para absorver os abates que se verificam em Viseu, esta Divisão, leva a conhecimento superior a situação existente, para decisão, visto que legalmente o Matadouro de Viseu não cumpre o disposto na Portaria n°971/94 de 29 de Outubro, nem o estipulado na Circular nº2 de 1999-03-16, já referida.

Pelo facto da situação se ter mantido inalterável, sem ter havido qualquer diligência para apresentação de um processo de licenciamento para um novo estabelecimento ou mesmo de um processo de remodelação profunda com adequação à legislação em vigor, é opinião desta Divisão, que deve ser suspensa a laboração no Matadouro da CC - LUSA VISEU e cancelado o Número de Controlo Veterinário (B 17), que apesar da marca de salubridade ser de formato circular e permitir apenas a colocação de carne no mercado nacional, vai contra as imposições comunitárias. (...) [alínea G) dos factos assentes];

VIII – Pela mesma Direcção-Geral foi elaborado o documento datado de 10 de Setembro de 2002 endereçado ao Director Regional de Agricultura da Beira Litoral, sendo elaborado pela Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral documento datado de 17 de Setembro de 2002 endereçado ao Director Geral de Veterinária, os quais se mostram junto a folhas 33 e 34 dos autos e com os seguintes teores:

"Assunto: Autorização de Laboração de Estabelecimento de Abate CC - LUSA VISEU (...)

Em virtude desta Direcção Geral não ter recebido até esta data qualquer resposta ao solicitado nas d/duas últimas telemensagens em referência e de acordo com os contactos havidos entre o Sr. Sub-Director Regional de Agricultura, Dr. DD e a Sra. Directora de Serviços Dra. EE, proponho a V Exa o dia 9 de Outubro de 2002 como data para uma vistoria com todas as entidades a consultar nos termos do Decreto-Regulamentar n°25/93 de 17 de Agosto, ao estabelecimento em epígrafe.

Fica assim, esta Direcção Geral a aguardar a convocatória para a solicitada vistoria.

(…)"

"Vistoria a uma unidade industrial matadouro de bovinos classe B CC LUSA - IND. PROD.PEC.AV.CBR E VISEU Matadouro Viseu

Solicita-se a V Exa. A presença de um técnico a fim de ser feita a vistoria acima referenciada, no próximo dia 09/10/2002, pelas 10, 00 horas. (...)"

[alínea H) dos factos assentes];

IX – Em 09/10/2002, a Direcção-Geral de Agricultura da Beira Litoral procedeu a vistoria às instalações do matadouro de Viseu da "PEC Lusa" e elaborou auto de vistoria junto de folhas 36 e 37 e com o seguinte teor:

" (…)

Os peritos intervenientes verificaram as instalações ao abrigo do despacho do Exmo. Sr. Director Geral de Veterinária, exarado na Informação n° 276 de 2002-05-16, na sequência do Auto de Vistoria de 16 de Junho de 1999 e despacho do Exmo. Sr. Subdirector Geral de Veterinária, nela exarado.

Armários - vestiários. Na Triparia verificou-se um excesso de ruído, a não utilização, pelos trabalhadores, de protectores auriculares e a falta de captadores locais de voláteis. D.R.A.O.T. Centro/Divisão Sub-regional de Viseu deverá ser retirado o "chapéu" à chaminé de urgência da caldeira, sempre que a mesma entrar em funcionamento, conforme o estipulado no decreto-lei n°352/90 de 9 de Novembro.

Deverá ser dado cumprimento ao R.L.P.S. — regime legal sobre poluição sonora consignado no Decreto-lei n°292/2000 de 14 de Novembro.

Conclusão - face ao exposto e ao conteúdo do relatório técnico anexo, são os peritos presentes de opinião unânime de que o estabelecimento não reúne os requisitos legais de índole estrutural, funcional e higio-sanitária para continuar a laborar e propõe-se ao Senhora Director Geral de Veterinária o cancelamento do número de controlo veterinário."

[alínea I) os factos assentes];

X – Em 09/10/2002, a Direcção-Geral de Veterinária procedeu a vistoria do dito matadouro de Viseu, tendo elaborado relatório técnico junto de folhas 39 a 43 dos autos e com o seguinte teor:

"(…)

O estabelecimento em causa não cumpre os requisitos técnicos impostos pela Portaria n° 971/94 de 29 de Outubro e consequentemente não pode ser aprovado para produção sanitária de carnes de animais de talho e sua colocação no mercado.

A equipa técnica, sem prejuízo aos requisitos legais impostos, verificou as seguintes anomalias:

1. Nave de Abate (aspectos gerais)

- Pavimento em mau estado de conservação e passível de queda (derrapantes).

- Cobertura do tecto de difícil limpeza e de se manter limpo, apresenta-se em degradação, em vários locais.

- Paredes em mau estado de conservação e de higiene

- Grelhas das caleiras de drenagem em mau estado de conservação (oxidadas)

2. Linha de abate de Bovinos

- O corredor que serve a caixa de abate, não dispõe de portas de sectorização, a fim de evitar o retorno dos animais aos Parques e contribuir também para o seu Bem-Estar.

- A Câmara Frigorífica de "suspeitos" não dispõe de fechadura à chave, nem sinal luminoso de aviso

- A Área de Expedição dispõe de uma porta com abertura directa ao exterior, sem qualquer controlo, a entrada de pessoal, sem antecâmara e dispositivos de higienização

- As portas seccionais verticais que servem os Cais não apresentam estanquicidade.

- Inexistência de identificação nos contentores, sendo os mesmos para as vísceras brancas e subprodutos

Triparia Suja

- Inexistência de portas, de exaustão, mesas de trabalho com drenagem directa ao pavimento

- Lavatórios (2), existindo apenas um esterilizado para o equipamento de corte (facas)

- Inexistência de dispositivo para a lavagem de aventais e sua pendura, específicos para esta triparia

- Inexistência de armário em material inalterável para produtos e equipamentos de higienização

- Comunicação directa com a sala de armazenagem de sal e salgadura.

3. Corredor

- O corredor que serve as Treparias e expedição de subprodutos apresenta o pavimento permeável e degradado

- A porta de acesso ao exterior não é estanque e permite o acesso a pragas

- As instalações sanitárias de apoio e cujo acesso se faz através desse corredor, não dispõem de Átrio de Higienização e a exaustão é insuficiente.

- Inexistência de um posto de trabalho para a extracção das gorduras e rins e de meios para a higienização das mãos e equipamentos.

5. Linha de Abate de Pequenos Ruminantes

- A área destinada a parquear os pequenos-ruminantes para a subsequente insensibilização não obedece aos requisitos do Bem-Estar Animal

- O aparelho de insensibilização comum aos Pequenos-Ruminantes e Leitões não permite a visualização e leitura dos parâmetros de intensidade, tensão e tempo de aplicação da corrente eléctrica

- O sangradouro, comum aos Pequenos-Ruminantes e Suínos, apresenta o sistema de condução e bombagem do sangue avariado

- Toda a linha de preparação das carcaças de pequenos-ruminantes carece de remodelação, com definição de zonas suja e limpa, implantação de equipamentos para higienização das mãos e dos equipamentos, o que não nos parece viável pela exiguidade da área e dos cruzamentos que se verificam com outras actividades e respectivos circuitos

6. Parques de Espera (Abegoarias)

- Falta de meios de higienização do calçado e das mãos na passagem entre os parques de espera e a nave de abate

- Os parques de espera apresentam na totalidade, pavimentos irregulares e com fendas

- Os parques de animais suspeitos não apresentam portas com fechadura à chave, iluminação reforçada e auxiliar para o acto inspectivo, e a drenagem dos efluentes é comum aos de mais parques.

- Os parques destinados Pequenos-Ruminantes não apresentam bebedouros específicos para essas espécies

Os lavatórios apresentam torneiras de comando manual.

Os balneários apresentam bancos de apoio em madeira e sem cortina de separação entre a área de chuveiro e a troca de roupa.

As janelas com abertura para o exterior não têm rede mosquiteira.

As portas principais das Instalações Sanitárias não possuem molas de retorno.

As Instalações Sanitárias que servem o Corpo de Inspecção Sanitária também não obedecem aos requisitos legais e não têm renovação de ar.

Conclusão:

- No dia 16 de Março de 1999, foi emitida a circular n°2, a todas as Direcções Regionais de Agricultura, tendo como assunto o "Encerramento de Estabelecimentos de Carnes ", resultante de uma decisão do Senhor Secretário de Estado da Modernização Agrícola e da Qualidade Alimentar.

- No dia 1 de Junho de 1999, foi efectuada uma vistoria ao Matadouro da CC - LUSA em Viseu e foi opinião unânime dos técnicos presentes de que o estabelecimento não reunia condições para a sua homologação de acordo com a Directiva 64/433/CEE de 26 de Junho (Portaria n° 971/94 de 29/10) pelo que se propunha o assunto à consideração superior.

- Através da telemensagem n° … de 02-06-1999, o Senhor Director Geral de Veterinária instruiu o Senhor Director Regional de Agricultura da Beira Litoral para que fosse retirada a Inspecção Sanitária e recolhidas as marcas sanitárias em uso no estabelecimento em questão.

Também informou que o interessado poderia solicitar uma vistoria com todas as entidades consultadas para o licenciamento industrial.

- Cópia da Telemensagem n° …, foi enviada pela Comunicação de Serviço n° … de 04-06-1999 ao Senhor Eng° FF, da Secretaria de estado.

- Em 16 de Junho de 1999, foi efectuada nova vistoria ao Matadouro CC - LUSA VISEU e proposta, devido à conjuntura existente, a laboração provisória do estabelecimento, durante um prazo de 12 meses, que coincidiria com o licenciamento da nova Unidade de Abate, à apresentação de um projecto de remodelação profunda ou da construção de Novo Estabelecimento e definidas medidas correctivas e de controlo a implementar de imediato.

- A solução proposta teve parecer favorável do Senhor Director Geral de Veterinária que mandou dar conhecimento ao Senhor S.E.M.A.Q.A. (Telemensagem n° … 77/G de 17-06-99) e à D.R.A.B.L. (Telemensagem n°… 76/G de 17-06-99).

- No dia 25 de Janeiro de 2002, entrou em funcionamento o Matadouro de Aveiro.

- Pelo facto, da situação no Matadouro de Viseu, se ter mantido inalterada, sem qualquer modificação e/ou adequação à legislação vigente para a produção de carnes frescas e sua colocação no mercado, foi efectuada a informação n° … de 16-05-2002 pela Divisão de Estruturas da Direcção Geral de Serviços de Higiene Pública Veterinária, a qual teve como despacho do Senhor Director Geral a concordância da suspensão de laboração no referido Matadouro, mas sujeitando essa decisão, a uma inspecção actualizada, que é a presente.

Assim, só resta levar novamente o assunto ao conhecimento do Senhor Director Geral de Veterinária, para exarar o despacho de suspensão definitiva de laboração. (…)"

[alínea J) dos factos assentes];

XI – Em 15/09/2003, pelos serviços da Direcção-Geral de Veterinária foi proposto o cancelamento definitivo da aprovação do matadouro CC - LUSA de Viseu, mediante documento do teor do de folhas 45 a 52 dos autos do seguinte teor:

"Ex.ma Senhora Directora Serviços de Higiene Pública Veterinária

Na sequência do despacho exarado por V. Ex.a em 14/04/2003 na Informação 42/GJ/2003, relativa à suspensão da laboração do Matadouro da CC - Lusa Viseu, venho, pela presente informação, propor a V. Ex.a. o cancelamento definitivo da aprovação do estabelecimento em epígrafe, cassação das respectivas marcas de salubridade e retirada do Corpo de Inspecção Sanitária

Esta proposta decorre do facto de não estarem reunidos os requisitos estruturais e técnico funcionais abaixo referidos, previstos no Decreto-Lei n° 971/94, de 29 de Outubro, alterado pela Portaria 252/96, de 10 de Julho, para a aprovação sanitária de matadouros das espécies bovina, ovina, caprina e suína, bem como os previstos no Decreto-Lei n° 28/96, de 2 de Abril, relativo à protecção dos animais no abate e/ou occisão.

Importa salientar que, de acordo com os documentos remetidos em anexo, as não conformidades abaixo referidas se constataram nas vistorias de 01/06/1999, 16/06/1999 e 09/10/2002, sem qualquer evolução favorável.

Requisitos legais não cumpridos

1. Nave de Abate (aspectos gerais)

Pavimento em mau estado de conservação e passível de queda (não antiderrapante)

Cobertura do tecto de difícil limpeza e em mau estado de conservação em vários locais

Paredes em mau estado de conservação e de higiene

Grelhas das caleiras de drenagem de águas residuais em mau estado de conservação

2. Linha de abate de Bovinos

O corredor que serve a caixa de abate, não dispõe de portas de sectorização, a fim de evitar o retorno dos animais aos parques

A caixa de abate encontra-se em mau estado de conservação e de higiene

As paredes da área de insensibilização encontram-se degradadas, não permitindo a sua fácil higienização

Todo o equipamento de apoio às actividades desse sector apresenta-se oxidado

O sangradouro existente apresenta dimensões reduzidas, sendo considerado insuficiente do ponto de vista da sua capacidade

O posto de trabalho onde se efectuam os cortes das patas anteriores, incisão da barbela e extracção da língua necessita de reformulação, pois o operador não consegue realizar as suas tarefas de uma forma correcta e higiénica

A serra de cornos não dispõe de esterilizador

A circulação de peles não é realizada de forma funcional e racional, as mesmas são conduzidas através de uma abertura na parede para o exterior da nave de abate, circulando pelo circuito exterior, a céu aberto, até ao respectivo local de armazenagem.

A condução das vísceras abdominais é efectuada atravessando toda a nave de abate, facto que origina cruzamentos não adequados com outras operações de preparação das carcaças e de inspecção das vísceras torácicas

Não se encontra definido o posto para a Inspecção Sanitária das vísceras abdominais

Iluminação insuficiente do local onde se procede à inspecção sanitária dessas vísceras, e deficiências na higiene das operações

Posto de trabalho dedicado à limpeza exterior da carcaça sem meios de higienização de apoio à actividade.

Via aérea única, sem circuitos alternativos para os diferentes tipos de carcaças - aprovadas, suspeitas ou rejeitadas

Câmaras frigoríficas em avançado estado de degradação no que respeita as paredes e pavimentos

A Câmara frigorífica destinada a carcaças suspeitas não dispõe de fechadura à chave

A área de expedição de carcaças dispõe de uma porta com abertura directa ao exterior, não permitindo o controlo no acesso de pessoal. Inexistência de antecâmara provida de dispositivos de higienização de apoio ao pessoal que acede por esta porta

As portas seccionais verticais do cais de expedição não apresentam estanquicidade adequada, não prevenindo desse modo a entrada de pragas

Falta de adequada identificação dos contentores destinados ao transporte de vísceras brancas e subprodutos

3. Triparia Suja

Inexistência de portas de acesso e de exaustão adequada do ar

Mesas de trabalho com drenagem directa ao pavimento de águas e resíduos, originando deficientes condições higiénicas na laboração

N° insuficiente de lavatórios de apoio à laboração e apenas um esterilizado para o equipamento de corte

Inexistência de dispositivos específicos para esta triparia destinados à higienização de aventais e respectiva pendura

Inexistência de armário em material inalterável para arrumo de produtos e equipamentos de higienização

Comunicação directa com a sala de armazenagem de sal e salgadura ("layout" inadequado.

4. Corredor Acesso à Triparia

Este corredor, que serve as triparias e a expedição de subprodutos, apresenta o pavimento não impermeável e degradado

A porta de acesso ao exterior a partir deste corredor não é estanque, permitindo o acesso de pragas

As instalações sanitárias de apoio, cujo acesso se faz através desse corredor, não dispõem de átrio de higienização, A exaustão de ar das mesmas é considerada insuficiente.

Inexistência de um posto de trabalho para a extracção das gorduras e rins e de meios para a higienização das mãos e equipamentos.

5. Linha de Abate de Suínos

O esterilizador que serve o posto de sangria não está adaptado à esterilização da faca "trocarte "

Os procedimentos de recolha de sangue destinado a consumo humano são inadequados, não oferecendo garantias quanto à salubridade do sangue final obtido.

A mesa de recepção de suínos à saída do escaldão/depiladora é em material inadequado e carece de substituição

Deficiente exaustão dos fumos e vapores originados pela actividade de escaldão

Inexistência de um circuito adequado, provido dos equipamentos próprios para a actividade de abate e preparação de carcaças de leitões

A triagem final das carcaças de suínos e respectivo acabamento é efectuada em local considerado zona "limpa " do circuito de abate, facto considerado incorrecto

Inexistência de caleiras de esgoto para recolha das águas geradas na lavagem dos suínos, junto ao chamuscador, o que compromete a higiene das operações

A evisceração das carcaças é efectuada numa zona muito próxima do chamuscador, local onde também se regista a acumulação e movimento das vísceras abdominais e torácicas

Inexistência de uma caleira de esgoto para a recolha das escorrências resultantes das operações de preparação das carcaças de suínos (abertura toracoabdominal e extracção de vísceras)

Dispositivo (`carrossel ") para suspensão, inspecção e transporte das vísceras torácicas e abdominais inadequado, não permitindo a correlação das mesmas com a respectiva carcaça de origem

Posto de Inspecção Sanitária não definido, intensidade luminosa insuficiente e ausência de dispositivos para esterilização dos equipamentos de corte de apoio a esta actividade oficial

Inexistência de posto de trabalho para extracção das gorduras/rins, e dos respectivos equipamentos e meios de higienização de apoio

6. Linha de Abate de Pequenos Ruminantes

A área destinada à estabulação dos pequenos-ruminantes, para a subsequente insensibilização, não obedece aos requisitos do bem-estar animal

O aparelho de insensibilização comum aos pequenos-ruminantes e leitões não permite a visualização e leitura dos parâmetros da intensidade, tensão e tempo de aplicação da corrente eléctrica

O sangradouro, comum aos pequenos-ruminantes e suínos, apresenta o sistema de condução e bombagem do sangue não funcional

A linha de abate de pequenos-ruminantes carece, no geral, de remodelação, com definição de zonas suja e limpa, implantação de equipamentos de apoio às operações instalação de dispositivos para higienização das mãos

7. Parques de Espera (Abegoarias)

Inexistência de meios para a higienização do calçado e das mãos na zona de transição entre os parques de espera e a nave de abate

Parques de espera com pavimentos irregulares, com fendas e em mau estado de conservação geral

Portas dos parques destinados a animais suspeitos sem fechadura à chave

Iluminação insuficiente, não permitindo a realização adequada do acto inspectivo antemortem

Drenagem de efluentes e águas de lavagem comum aos diferentes parques.

Parques destinados a pequenos-ruminantes sem bebedouros específicos para essas espécies

Cais de descarga dos animais com pavimento de soleira irregular, não permitindo a sua adequada higienização

8. Áreas de Lavagem de Viaturas

A área destinada à higienização de viaturas de transporte de animais vivos carece de uma mitreira, para recolha e acumulação de resíduos orgânicos. Carece ainda de plataforma adequada que permita ao operador maior facilidade na higienização das viaturas

A área de lavagem de viaturas de transporte de carnes apresenta o piso degradado, não existindo local, provido de fecho com chave, para arrecadação de produtos e equipamentos de limpeza

9. ETAR

A sua localização não é considerada adequada, dada a proximidade com o cais de expedição das carnes

10. Lavandaria

As paredes apresentam-se degradadas e o equipamento instalado é inadequado para o arrumo da roupa de trabalho higienizada. A sua localização - num corpo do edifício separado da nave de abate - também não é considerada adequada.

11. Instalações sanitárias e vestiários

Estas instalações, que servem os trabalhadores da nave de abate de ambos os sexos, situam-se também num corpo do edifício separado da nave de abate. Assim, o pessoal trabalhador, após vestir a roupa de trabalho, tem de efectuar um percurso em área descoberta até atingir a nave de abate, facto considerado inadequado e não higiénico

Estas instalações não cumprem a Norma Portuguesa 1572, tornada legalmente obrigatória em indústrias alimentares pela Portaria n° 767/78, de 26 de Dezembro, abrindo os sanitários directamente para a área de vestiário.

Apresentam-se também em mau estado geral de conservação e higiene. Os cacifos existentes nos vestiários não se apresentam identificados, misturando roupa pessoal com fardamento de trabalho. Não existe local próprio para arrumo de calçado de trabalho. Os lavatórios apresentam torneiras de comando manual. Os balneários apresentam bancos de apoio em madeira, não existindo cortina de separação entre a área de chuveiro e a zona de troca de roupa. As janelas com abertura para o exterior não possuem rede mosquiteira. As portas principais de acesso aquelas instalações não possuem fecho automático (molas de retorno). As Instalações Sanitárias que servem o Corpo de Inspecção Sanitária também não obedecem aos requisitos legais atrás mencionados e não apresentam renovação de ar ambiente.

Em face do exposto se conclui que o estabelecimento não reúne condições estruturais, funcionais e higio-sanitárias para continuar a laborar, pelo que se remete a V Ex.a esta informação no sentido de exarar o despacho de cancelamento da aprovação sanitária do mesmo.(...)"

[alínea L) dos factos assentes];

XII – Em 23/05/2003, pelo Secretário de Estado Adjunto e das Pescas foi proferido despacho do teor emergente do documento de folhas 54 dos autos: "Face aos requisitos legais não cumpridos pelo matadouro de Viseu, de acordo com a vistoria a que foi sujeito em Outubro de 2002, no que respeita a condições estruturais, funcionais e higiosanitárias, deverá a Direcção-geral de Veterinária proceder, com urgência, ao seu encerramento, através do cancelamento do respectivo número de controlo veterinário". [alínea M) dos factos assentes];

XIII – Em 28/05/2003, pelo Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e das Pescas, foi enviado ao Director-Geral de Veterinária documento do teor emergente de folhas 56 dos autos no qual refere o envio do despacho mencionado em XII. [alínea N) dos factos assentes];

XIV – Em 05/06/2003, pela Direcção-Geral de Veterinária foi enviado ao Director Regional de Agricultura da Beira Litoral mensagem do teor emergente do documento de folhas 58 dos autos, no qual consta:

"(...)

A fim de dar cumprimento ao despacho do Senhor Director Geral exarado no oficio em referência e no sentido de agilizar o processo de cancelamento da aprovação do Matadouro da CC - LUSA, em Viseu, junto se anexam os documentos em referência, solicitando a V. Exa que a partir do dia 18 do corrente mês seja retirado do referido estabelecimento o Corpo de Inspecção Sanitária e cassação das marcas de salubridade (...)." [alínea O) dos factos assentes];

XV – Em 7/6/2003, na sequência de vistoria feita, foi o matadouro de Viseu encerrado pelas autoridades competentes. [alínea P) dos factos assentes];

XVI – A 08/06/1999, o matadouro de Aveiro foi sujeito a vistoria e também encerrado de 15/06/99 a 13/07/99, sendo então reaberto com o compromisso de a ré construir um novo matadouro, o que veio a acontecer. [alínea Q) dos factos assentes];

XVII – Em 5 de Julho de 1999, a ré escreveu à autora, com conhecimento ao Secretário de Estado da Tutela, carta conforme documento junto de folhas 233 a 237 dos autos e, em 16/07/99, enviou à autora carta conforme documento de folhas 239 a 241 dos autos, sendo o teor de cada uma destas cartas o seguinte:

"Assunto: Encerramento dos matadouros de Aveiro e Viseu

Exm ° Senhor Presidente:

Os nossos respeitosos cumprimentos.

1/- Conforme consta do contrato de compra e venda de acções e de cessão de créditos celebrado com V Ex°s, em 25 de Março passado, a n/ sociedade constituiu-se com o intuito de assumir a posição accionista da AA, S.G.P.S., no capital social da empresa, CC - LUSA, SA, ou seja,

2/- Constitui-se para ser proprietária e proceder à exploração dos matadouros existentes em Aveiro e Viseu!

3/- Assim é que, em 29 de Março passado tomamos posse dos referidos matadouros.

4/- Durante o desenrolar das negociações que levaram à concretização deste negócio tomamos conhecimento da "realidade fisica" destes dois matadouros,

5/- Sendo que, relativamente ao de Aveiro, foi-nos dito pela anterior administração da CC - LUSA, SA que havia um projecto aprovado, em Dezembro de 1997, visando a sua adequação às normas comunitárias;

6/- Quando tomamos posse deste matadouro a licença de obras havia sido prorrogada até Dezembro de 1999,

7/- O que nos permitia continuar a laborar e, simultaneamente,

8/- Decidir em função da sua adequação às normas comunitárias, ou,

9/- Construir uma unidade nova, de raiz, solução que, sejamos francos, interessa bastante mais à cidade de Aveiro e à empresa.

10/- Relativamente ao matadouro de Viseu a anterior administração da CC - LUSA, SA informou-nos que havia um processo de licenciamento, para o qual foi apresentado projecto e executadas todas as obras;

11/- A perspectiva era de homologar este matadouro, sendo o substituto temporário do de Aveiro, quando este encerrasse para as obras.

Infelizmente,

12/- A realidade mostrou-se bastante diferente dos "dizeres" e "informações" veiculadas pela anterior administração da CC - Lusa, SA!

Paralelamente,

13/- Temos de apontar o "dedo crítico e acusador " aos nossos governantes (actuais e anteriores) por não terem sabido "negociar" um regime de transição, de normas menos rigorosas, durante algum tempo, ao nível de matadouros.

Na verdade,

14/- Bastaria a esses governantes terem sabido pedir, à Comissão Europeia, as derrogações necessárias, à semelhança do que aconteceu na Espanha, Itália, França e Alemanha.

Presentemente,

15/- Vendo a realidade actual, apetece exclamar que nos foi oferecido um "presente envenenado "!

Como é sabido,

16/- Os matadouros de Aveiro e Viseu foram objecto de diversas vistorias, nos tempos mais recentes.

17/- Os técnicos que efectuaram essas vistorias concluíram, por maioria, que os estabelecimentos possuem, actualmente, o mínimo de condições higio-sanitárias de funcionamento.

18/- E foram mais longe, reconhecendo, expressamente, o grande esforço da nova administração desta sociedade no sentido da melhoria das condições higio- sanitárias.

Na verdade,

19/- Esta administração não se tem poupado a esforços, no sentido de executar as obras, os melhoramentos e adquirir o material que os técnicos, no decurso das vistorias técnicas que efectuaram preconizaram.

Assim é que,

20/- Nos matadouros de Aveiro e Viseu, o custo das reparações e equipamento adquirido ascende já a valores importantes.

Por outro lado,

21/- Estas duas unidades, já a funcionarem sob a batuta desta nova administração, apresentaram, em Maio deste ano, os seguintes valores:

a/- Matadouro de Aveiro

receitas operacionais — 37.073.000$00

custos fixos —14.992.280$00

b/- Matadouro de Viseu

receitas operacionais — 25.215.850$00

custos fixos —13.030.160$00

22/- Com o respectivo encerramento, já no decurso do mês de Junho, tudo se alterou, uma vez que os chamados "custos fixos" se mantém mas

23/- Os proveitos, resultante do abate, foram reduzidos drasticamente!

Pelo exposto,

24/- A culpa na situação que presentemente se vive nos matadouros de Aveiro e Viseu é da inteira responsabilidade das anteriores administrações da CC - LUSA, SA, e também, da AA, S.G.P. S. e da tutela (Secretário de Estado).

25/- Sentindo-se a Sociedade Matadouros da Beira Litoral, SA, vítima da actuação negligente dessas entidades,

26/- Para além de tremendamente lesada e enganada!

27/- Ocorre citar o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Aveiro que, a este propósito proferiu a seguinte afirmação:

«Não se percebe porque o Estado, enquanto o matadouro foi do Estado, teve um critério, e depois de o privatizar e a Câmara se tornar accionista, aplica outro critério; custa a entender».

A terminar,

Solicita-se a marcação urgente de uma reunião, para analisar, discutir e aprovar medida tendentes a, por um lado, pôr em funcionamento rapidamente, os matadouros de Aveiro e Viseu e, por outro, ressarcir a sociedade, Matadouros da Beira Litoral, SA dos elevados prejuízos que o encerramento destas unidades lhe está a acarretar, e também, para reequacionar todo o clausulado de compra e venda de acções e de cessão de créditos, celebrado com V.Exas, em 25 de Março de 1999.

(...)

"Assunto: Encerramento do Matadouro de Aveiro e Viseu

Ex. mo Senhor Presidente,

Como é do conhecimento de V. Ex. a., a nossa sociedade constituiu-se com o intuito de proceder à exploração dos matadouros da CC - Lusa, S.A., existentes em Aveiro e Viseu. É um facto que, durante o desenrolar das negociações, tomamos conhecimento da realidade física dos mesmos e de informações transmitidas pelos Conselhos de Administração da Pec, S.G.P.S. e da CC - Lusa, S. A., nomeadamente:

1. Matadouro de Aveiro

• existência de um projecto aprovado em Dezembro de 1997, com vista à sua adequação às normas comunitárias;

• existência de uma licença provisória de laboração prorrogável até Dezembro de 1999.

2. Matadouro de Viseu

• existência de um processo de licenciamento para o qual foi apresentado projecto e executadas todas as obras;

• a homologação deste matadouro permitiria a utilização da sua capacidade em substituição do de Aveiro, durante o período em que aquele estivesse encerrado para as obras com vista à concretização do projecto aprovado.

Porém, a realidade veio a revelar-se muito diferente da esperada e com efeitos gravosos a nível da sua exploração.

Os referidos matadouros foram objecto de vistorias oficiais, mas apesar do reconhecimento do trabalho desenvolvido pela actual administração e do esforço financeiro efectuado na execução das obras e melhoramentos recomendados, o certo é que estiveram encerrados nos seguintes períodos:

• Aveiro: de 99/06/15 a 99/07/13;

• Viseu: de 99/06/07 a 99/06/21.

Tais encerramentos conduziram aos seguintes custos:

Tipos de custo                        Aveiro             Viseu               Total

Custos de inactividade          9102                8055                17157

Custos de deslocação             458                  392                  850

Remunerações adicionais       45                    36                    81

Total                                     9605                8483                18088

Valores em contos

Os investimentos levados a cabo na sequência das vistorias, montam a valores muito significativos, ainda não totalmente quantificados.

Por outro lado, os proveitos decorrentes da prestação de serviços, crucial fonte de receita da empresa, necessários à cobertura dos custos acima exposto, tiveram a seguinte evolução:

Prest. Serviços Abril Maio Junho de 01/07 a 09/07

Aveiro

1998                   11810      9770      12171       4192

1999                   14410     15670      8411        1441


Viseu

1998          9982         8423      10352         3464

1999               9635         11854      6704         4956

Total

1998             21792       18193        22523         7656

1999             24045       27524       15115          4956

Valores em contos

Naturalmente que a situação descrita contraria as legítimas expectativas das partes, não só dos Matadouros da Beiras Litoral, mas também da AA - S.G.P.S., conforme decorre da análise da cláusula Quarta, no seu número dois, do contrato de compra e venda de acções e cessão de créditos, que tomamos a liberdade de abaixo transcrever:

"Manter abertos operacionais e activos, os Matadouros de Aveiro e Viseu, por forma a garantir a continuidade dos abates de gado, pelo menos durante cinco anos a contar da data da celebração do presente contrato, com total respeito pelos requisitos impostos pela legislação em vigor, nomeadamente garantindo, em tempo oportuno, a implementação do processo que possibilite o licenciamento do Matadouro de Aveiro."

Não há qualquer dúvida que um dos pressupostos do negócio, livremente aceite pelas partes, era o do funcionamento dos matadouros.

A decisão de encerramento lesou o património da sociedade que administramos e colocou em causa os pressupostos do negócio. Acresce, ainda, mais um conjunto de obras que nos são exigidas, em contradição com as informações que V. Ex.as. nos transmitiram.

Ainda há bem pouco tempo contámos com a disponibilidade e compreensão de V. Ex.as. para ultrapassar alguns problemas que pudessem vir a ocorrer. Estamos certos que, nesta fase difícil que atravessamos, se disponibilizarão para uma reunião onde pudéssemos analisar e (re)avaliar a situação com vista ao encontro de soluções que minorem os nossos prejuízos, pois, os nossos interesses patrimoniais foram seriamente lesados.

Aguardando a sua marcação com a maior brevidade, subscrevendo-nos,

Com os melhores cumprimentos.(...)"

[alínea R) dos factos assentes];

XVIII – Em Setembro de 1999, teve lugar uma reunião entre a autora e a ré, com a presença do anterior presidente da "CC - Lusa, SA", para analisar a situação, os prejuízos da ré e reequacionar o contrato, mas posteriormente a autora não deu andamento às pretensões da ré. [alínea S) dos factos assentes];

XIX – A ré, após o encerramento do matadouro de Viseu, continuou a assegurar através da "CC - Lusa, SA", o transporte, abate, comercialização e distribuição de gado dos utentes do matadouro de Viseu, sem encargos para estes, tendo criado para o efeito com a Câmara Municipal de Vouzela um parque de recolha de gado, de onde este é transportado para abate para o matadouro de Aveiro, construído de raiz pela ré, que efectua todo o serviço antes efectuado pelos velhos matadouros de Aveiro e Viseu. [alínea T) dos factos assentes];

XX – O valor da empresa "CC - Lusa, SA" e o das acções a alienar pela autora e a adquirir pela ré foi avaliado num relatório da "Coopers & Lybrand" em que era, entre outros critérios, valorado o estado das três estruturas de produção (matadouros). [alínea U) dos factos assentes].

XXI – A “CC - LUSA, S.A.” produziu memorando conforme documento junto a folhas 166 a 169 dos autos, bem como endereçou à autora o documento de folhas 170 e 171, documentos com os seguintes teores:

"Privatização da CC - Lusa S.A.

Memorando

1 - Importância Regional da Empresa

A CC - Lusa SA é uma empresa que tem como objectivo fundamental o abate, transformação e distribuição de carnes e possui unidades industriais em Aveiro, Viseu e Coimbra, esta última paralisada desde Junho de 1995.

Nascida como empresa regional de um grupo empresarial encabeçado pela CC - SA, nunca perdeu totalmente o seu estatuto de equipamento social, particularmente no sector bovino, herdado do IROMA, de quem foi transferida a propriedade das unidades industriais que possui e de onde é originária uma importante percentagem dos seus meios humanos.

Este tipo de empresas que tradicionalmente se destinava a promover o apoio à produção nacional numa óptica de abastecimento público, faz o interface entre a produção pecuária e o comércio de carnes. Para além da tradicional prestação de serviços de abate e distribuição de animais, a empresa possui, ainda, comercialização própria, já que o exercício isolado da actividade de abate a inviabiliza economicamente.

A CC - Lusa encontra-se implantada na Zona Centro do País que possuía em Dezembro de 1994 um efectivo bovino de 257.000 cabeças, tendo a DRABL classificado, em 1995, 12,4 % dos abates verificados no País, num total de 48776 cabeças e 13.394 toneladas. No mesmo ano foram aprovadas para consumo 8.395 toneladas no distrito de Aveiro e 3.034 toneladas no distrito de Viseu. Na sua área de influência, marcadamente minifundiária existe a Carne Arouquesa (D. O.) — Coop. Agr. Cinfanense, a Carne Marinhoa (D.O.) — Coop. Agr. De Aveiro e Ílhavo, e a Vitela de Lafões (I. G.) — Coop. Agr. De Vouzela.

A CC - Lusa possui cerca de 650 clientes regulares da prestação de serviços e comercialização própria, na sua quase totalidade pequenos retalhistas e talhantes da região que baseiam a sua competitividade num comércio de proximidade e qualidade, que se abastecem localmente e pela natureza do seu negócio pagam preços acima da média à produção, estando previsto o alargamento do negócio próprio (após a existência de uma pequena sala de desmancha na unidade de Aveiro) a retalhistas que adquirem peças açougueiras embaladas a vácuo e a outros consumidores colectivos como cantinas, refeitórios, cooperativas de consumo, etc, e a grandes superfícies (só e apenas se for concretizada a negociação em curso para a comercialização exclusiva de carnes D. O.).

Na região em que a CC - Lusa se insere apenas existem, na área dos bovinos, os matadouros da UNIAGRI em Vale de Cambra (que, quanto sabemos está em dificuldades económico-financeiras que lhe acarretará dificuldades acrescidas para obtenção de licenciamento), Petiz em Sta Maria da Feira (de pequenas dimensões), Oliveira do Hospital (de pequeno significado no domínio dos bovinos - 30/40 semana) e Figueira da Foz (gerido pela Comissão Liquidatária do IROMA e a encerrar), nenhum deles possuindo sala de desmancha licenciada em funcionamento, num contexto em que a progressiva aplicação dos normativos legais no que se refere à desmancha de carnes verdes vai implicar que o pequeno comércio tenha de realizar obras de adaptação das respectivas instalações, cujas características e custos, face às perspectivas de recuperação do investimento as desincentiva, atendendo a que, por regra, se trata de negócios de pequena dimensão

Tendo em atenção estas condicionantes somos de parecer que é absolutamente indispensável manter os Matadouros de Aveiro e Viseu em funcionamento, por o seu encerramento acarretar enormes custos sociais por se reflectir muito negativamente na produção e no pequeno comércio tradicional. É ainda conveniente construir uma sala de desmancha anexa a um matadouro por forma a permitir a manutenção em actividade de alguns operadores incapazes de se adaptarem aos novos normativos e apoiar os produtores de carnes D. O. da região.

2 - Situação de Licenciamento

Matadouro de Viseu

Está em curso o licenciamento da unidade, estando este pendente de certidões, já requeridas à Câmara Municipal de Viseu e respectivos Serviços Municipalizados. Prevê-se, tendo como referência o prazo verificado no licenciamento do matadouro de Aveiro, que até ao final do primeiro trimestre de 1998 se obtenha o licenciamento definitivo.

Matadouro de Aveiro

Projecto licenciado, conforme oficio n° 16997 de 23/12/97 da DRABL.

3 - Método de Privatização

Sendo que a privatização da empresa se poderá processar globalmente, através da alienação da acções detidas pela AA - SGPS, SA, ou pela venda dos activos de cada uma das unidades entende-se que a privatização da CC - Lusa SA se deverá processar globalmente.

Os fundamentos que justificam esta opinião são os seguintes:

- A dimensão das unidades que não lhes permite, isoladamente, sustentar a massa crítica necessária, circunstância que não se coloca ao conjunto das duas unidade por razões de economia de escala. Esta questão, prende-se com o aproveitamento de sinergias consequentes do exercício comum de funções fundamentais, que trazem economias à exploração e que deixarão de existir com a separação das unidades e, poderão inviabilizar economicamente o funcionamento isolado das unidades industriais existentes.

- É, no entanto, possível ultrapassar este problema e privatizar unidade a unidade desde que essa privatização seja feita simultaneamente em Aveiro e Viseu, No entanto, o facto de o Matadouro de Aveiro ter, necessariamente, de realizar obras que implicam a paralisação, durante algum tempo da sua sala de abate, vai-lhe criar uma situação de dependência funcional do matadouro de Viseu. A eventual alienação do Matadouro de Viseu até conclusão das obras em Aveiro implicará, por um lado, a impossibilidade de satisfação dos clientes da área de Aveiro da CC - Lusa, sem que existam alternativas na região, (que seria suprida pela própria CC - Lusa através do Matadouro de Viseu, sem perda da identidade da empresa e custos adicionais para os seus clientes) e, por outro, a inviabilização económica futura da própria unidade, com reflexos no processo de alienação, pelo provável desaparecimento de grande parte da sua quota de mercado de comercialização própria.

- Por outro lado, subsiste um eventual problema de propriedade dos terrenos do Matadouro de Aveiro que convém resolver antes de ser efectuada a sua privatização. A entrada em funções em Aveiro de um novo executivo em que é vereador o actual Presidente da Mesa da Assembleia Geral da CC - Lusa facilitará, certamente, a resolução deste problema.

- Finalmente a alienação unidade a unidade, embora possa parecer mais fácil e expedita, implicará, para a CC - Lusa a impossibilidade de cumprimento do seu objecto social e, em consequência, a sua dissolução e designação de Comissão Liquidatária, com os ónus financeiros e temporais que, normalmente estão ligados a este tipo de soluções.

4 - Terrenos do Matadouro de Coimbra

- Têm decorrido conversações (interrompidas pelo processo eleitoral autárquico) com a Câmara Municipal de Coimbra no sentido de, definitivamente, serem resolvidos os eventuais problemas de propriedade existentes relativamente a estes terrenos e instalações, tendo a CMC produzido uma proposta de minuta de protocolo, a ser estudado e eventualmente celebrado. Existindo um primeiro entendimento de não necessidade da prévia aquisição pela AA - SGPS, S.A das acções detidas pelos accionistas minoritários da CC - Lusa desde que do negócio não resultem menos-valias para a empresa, espera-se prosseguir negociações no sentido de melhorar as condições do texto do acordo por forma a este ser assinado, proceder à sua aprovação e deliberar a venda em A. G. da sociedade convocada para o efeito e proceder à venda das instalações no final do 1° semestre de 1998.

5 - Forma recomendada de Privatização da CC - Lusa

- Tendo em atenção as características específicas da CC - Lusa SA e das unidades industriais que a compõem bem como o meio empresarial envolvente crê-se que a melhor forma de a privatizar seria promovendo a criação de uma empresa que agregasse Câmara Municipais, associações de produtores, cooperativas e associações de comerciantes e industriais da região onde se insere, bem como funcionários da empresa que desejassem aderir que adquirisse a posição social da AA - SGPS na CC - Lusa por um valor, superiormente aceite, obtido através da avaliação efectuada por uma entidade idónea e independente.

- Este projecto é factível e, sendo certo que é fundamental em todo o processo de privatização evitar quaisquer convulsões sociais, seria a melhor forma de o conseguir. O CA da CC - Lusa crê, ainda, que vale a pena tentar este processo atendendo aos benefícios que dele certamente advirão para os agentes económicos do sector implantados na região.

- Se esta situação não vier a tornar-se possível dentro de limites temporais razoáveis (ou não for superiormente entendido seguir esta metodologia) o processo de privatização da CC - Lusa deve seguir com a tramitação que tem vindo a ser seguida para as outras empresas do grupo (vg. Ribacarnes) com a auscultação para reconhecimento da existência de interessados e após verificação da existência de interesses abertura de concurso público para venda.

6 - Cronograma das acções previstas

- Licenciamento Matadouro de Viseu 1° Trimestre 1998

- Lançamento Concurso. Obras Mat. Aveiro 1ºTrimestre 1998

- Alienação Matadouro Coimbra 2° Trimestre 1998

- Adjudicação das Obras Mat. Aveiro 3º Trimestre 1998

- Auscultação Interessados Privatização 3ºTrimestre 1998

- Conclusão Obras Mat. Aveiro 3° Trimestre 1999

- Licenciamento Definitivo Mat. Aveiro 3º Trimestre 1999

-Privatização da Empresa 4° Trimestre 1999

 (... )"

" Assunto: Contrato de prestação de serviços

     Contrato de suprimentos

     Privatização da empresa

Relativamente aos assuntos referidos em epígrafe, vimos submeter à consideração de V. Ex.as. o seguinte:

1) Em três de Julho de 1997, com produção de efeitos a partir de 01/01/97, foi celebrado contrato de prestação de serviços entre a AA - SGPS, S.A e esta empresa cujo termo se verificou em 31/12/97.

Previa a cláusula 5ª do referido contrato a sua renovação em, cita-se, ".. condições a definir por acordo."

Nestes termos e tendo em consideração a situação do sector, as perspectivas de evolução do negócio, conforme Plano de Actividades oportunamente apresentado, e as insuficientes margens obtidas, vimos sugerir a V Ex.as a celebração do protocolo que defina o âmbito da colaboração a prestar pela AA - SGPS, S.A. a esta empresa no ano de 1998, o qual, no essencial, deverá abranger as áreas previstas no contrato antes referido, sem quaisquer contrapartidas financeiras directas.

2) Em 10/03/97 foi celebrado entre a AA - SGPS, S.A. e a CC - LUSA, S.A. um contrato de suprimentos no montante de 50.000.000$00, remunerado à taxa Lisbor a 3 meses.

A cláusula sétima do referido contrato prevê, por acordo entre as partes, a transformação do empréstimo em capitais permanentes da empresa, como componente dos capitais próprios necessários ao financiamento dos investimentos associados ao licenciamento definitivo das unidades industriais.

Assim, tendo em consideração, por um lado, que está em vias de ser obtido o licenciamento definitivo do Matadouro de Viseu, após realização das obras indispensáveis e, por outro, que vai ser reaberto concurso público para a execução dos investimentos necessários ao licenciamento de Aveiro (em relação aos quais já se suportaram custos com o projecto e outros pequenos investimentos não contemplados no referido concurso), vimos solicitar a V. Ex.as. a manutenção dos referidos suprimentos sem vencimento de juros a partir de 01/04/98, revogando-se expressamente a cláusula contratual que prevê a respectiva remuneração.

3) No seguimento das instruções recebidas da Tutela no sentido de se desencadearem as diligências necessárias à privatização do capital da empresa ou à alienação conjunta ou individual das unidades industriais, foram consultadas diversas empresas especializadas no sentido de apresentarem propostas para a realização da respectiva avaliação.

Das propostas recebidas a que se apresenta mais favorável é a da Coopers & Librand, envolvendo o custo de 3.200.000$00, a que se adicionam despesas com deslocações que se prevê não ultrapassem 150.000$00.

Assim e tendo em consideração que está em causa a avaliação das acções detidas pela AA - SGPS, S.A., por via directa e indirecta, com base na qual se determinará o respectivo valor de alienação, vimos propor a V. Ex.as. uma comparticipação da AA - SGPS, S.A. no custo total, mediante débito a efectuar pela CC - LUSA, a considerar por encontro de contas com os créditos existentes.

Certo de que o exposto não deixará de merecer da V. parte o melhor acolhimento, apresentamos os nossos melhores cumprimentos"

[alínea V) dos factos assentes];

XXII – Matadouros da Beira Litoral, S.A. enviaram ao Secretário de Estado da Modernização Agrícola e Qualidade Alimentar documento que se encontra junto de folhas 179 a 184 do seguinte teor:

"Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado da Modernização Agrícola e da Qualidade Alimentar

Excelência:

1/- No dia 29 de Dezembro de 1998, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Aveiro, procedeu-se à outorga da escritura de constituição da sociedade comercial anónima com afirma, "MATADOUROS DA BEIRA LITORAL, SA ";

2/- A sociedade tem por objecto a promoção do desenvolvimento regional concretizado, designadamente, pelo exercício, directo ou indirecto, do abater, transformação, tratamento e comercialização de carnes e seus derivados.

3/- O capital social subscrito é de 97.450.000$00 (noventa e sete milhões quatrocentos e cinquenta mil escudos), do qual se encontra realizado 30 %,

4/- Devendo o restante capital ser realizado, em dinheiro, até 31 de Março de 1999;

5/- Paralelamente, a sociedade poderá aumentar o capital social, em dinheiro, por uma ou mais vezes, até ao montante de 500.000.000$00 (quinhentos milhões de escudos);

6/- Porém, o capital social até 300.000.000$00 (trezentos milhões de escudos) deverá ser subscrito, também, até 31 de Março de 1999;

7/- Este acto de constituição da sociedade anónima é o culminar de um processo iniciado em Fevereiro de 1998, que mobilizou produtores, comerciantes e autarquias;

8/- De momento, apenas comerciantes, industriais e a Associação Comercial de Aveiro subscreveram o capital social mas,

9/- Até 31 de Março de 1999, o sector produtivo, representado pela Lacticoop, as Autarquias e outras Associações Comerciais subscreverão o restante capital social (até 300.000.000$00);

10/- Então, através de uma representação tripartida e equilibrada este capital social ficará dividido do seguinte modo:

a/ 40 % - Comerciantes

b/- 40 % - Produtores

c/- 20 % - Autarquias e Associações Comerciais

Abarcando os seus subscritores as regiões de Aveiro, Viseu e Coimbra.

11/- A génese da criação desta sociedade anónima radica na necessidade sentida por todo o sector produtivo e comercial destas três regiões de se candidatar à aquisição da CC - LUSA, SA,

12/- Dado o receio de que os respectivos interesses pudessem vir a ser gravemente prejudicados, no caso desta empresa vir a ser alienada, caindo na esfera da influência de interesses estranhos às mencionadas regiões;

13/- A sociedade ora constituída é suficientemente abrangente e representativa, quer em termos financeiros, quer em termos das diversas actividades sectoriais em presença, tendo em vista os objectivos pretendidos;

14/- Procura-se, desta forma, assegurar que a produção pecuária da região seja escoada por uma estrutura (Matadouros da Beira Litoral, SA) situada nos seus limites e, ao mesmo tempo, permitir que os comerciantes se possam abastecer em locais próximos, com custos mais baixos;

15/- Aliás, a constituição desta sociedade anónima foi a resposta que os sectores nela representados encontraram para a posição tomada pelo Governo, que entendeu deixar de tutelar, nomeadamente, a CC - LUSA, SA;

16/- Este foi, pois, o caminho encontrado para evitar que "interesses estranhos" aos produtores e aos comerciantes se instalem na região e com os quais ambos ficariam prejudicados;

17/- Esta nova sociedade vem salvaguardar as condições existentes, o que só trará vantagens para os produtores, comerciantes e consumidores, tanto em termos de preço como de qualidade;

18/- O essencial é proteger os factores regionais, salvaguardando os interesses dos sectores intervenientes directamente com os objectivos de "Matadouros da Beira Litoral, Sa ";

19/- Esta nova sociedade vai criar condições e encontrar o melhor caminho para que as unidades que estão a funcionar resolvam os problemas das zonas que estão a ser servidas.

20/- Torna-se, pois, imperioso "deitar mãos à obra" a fim de se ter capacidade para responder às exigências que nos são impostas, não só pelas necessidades do mercado, mas também, pelas normas de higiene e de sanidade da União Europeia;

21/- Ao abraçar-se a solução que preconizamos — aquisição da CC - LUSA — estamos cientes de que poderemos assumir os nossos próprios destinos, lutando pelas nossas necessidades e resolvendo os nossos problemas;

22/- Por outro lado, a vontade de incluir as Autarquias nesta sociedade baseia-se na circunstância de se considerar que as mesmas têm um papel importante a desempenhar num projecto que interessa à região, aos consumidores e que tem que gerar riqueza;

23/- De igual sorte, as Autarquias poderão assumir o papel de "fiel da Balança" dos interesses entre o comércio e a produção;

24/- Para terminar, conceda-nos Vossa Excelência a ousadia de aflorar a questão da metodologia a seguir na privatização da CC - LUSA, SA;

25/- Como é sabido, o conjunto de agentes económicos que constitui a sociedade "Matadouros da Beira Litoral, Sa" está vivamente interessado e empenhado em adquirir a CC - LUSA, SA;

26/- Não se conhecem outros grupos, ou agentes económicos, empenhados na corrida à privatização da CC - LUSA, SA, a qual,

27/- Não se revelará, pois, muito atractiva para o mercado, à excepção da nova sociedade, ora exponente — "Matadouros da Beira Litoral, Sa"!

28/- Estas considerações valem para sublinhar que, do elenco dos métodos possíveis de alienação, a negociarão particular será aquele que no caso em apreço, se apresenta como mais flexível, permitindo ajustar melhor os interesses de quem quer vender aos de quem quer comprar, conferindo melhores garantias de êxito na concretização da venda;

29/- Chegados a este ponto, resta sublinhar o interesse (e desejo) de "Matadouros da Beira Litoral, Sa" de que a venda da CC - LUSA seja efectuada através da alienação das participações sociais detidas pela AA - SGPS no capital social daquela, que estiverem na sua propriedade, e depois de terminado o processo de compra, pela AA - SGPS, das acções detidas pelos pequenos accionistas da CC - LUSA,

30/- Estas são, em suma, as pretensões da sociedade "Matadouros da Beira Litoral, Sa", tendo em vista a aquisição da CC - LUSA, SA;

Certa do bom atendimento que as mesmas encontrará junto de Vossa Excelência,

Roga-se o obséquio de providenciar pela implementação e dinamização das medidas indispensáveis à rápida privatização da CC - LUSA, SA, preferencialmente nas condições e seguindo a metodologia defendida na presente exposição.

Na expectativa do favor da comunicação de Vossa Excelência (...)"

[alínea X) dos factos assentes];

XXIII – O identificado Secretário de Estado proferiu despacho do teor do que se encontra no documento de fls. 185 e 186, datado de 29 de Dezembro de 1998, do seguinte teor:

"DESPACHO

Vista a informação de 12/11/98 apresentada pela AA - SGPS e a proposta do respectivo Conselho de Administração nela contida, relativamente à privatização da CC - Lusa, S.A.:

1) Concordo que o objecto da alienação a encetar seja a totalidade das acções e respectivos direitos acessórios, incluindo os créditos relativos a suprimentos detidas pela AA - SGPS na CC - Lusa S.A. em detrimento da venda unidade a unidade, bem como com a metodologia de negociação particular a adoptar com a firma Matadouros da Beira Litoral, S.A., ou outra, com estatuto equivalente, no estrito cumprimento da Lei n° 71/88, de 24 de Maio e do Decreto-Lei n° 328/88, de 27 de Setembro, tendo em conta as características da empresa, o meio empresarial envolvente e a vantagem em fazer convergir nesta privatização um leque tão alargado quanto possível de operadores que garanta, de algum modo, a manutenção do interesse social da empresa.

2) No que se refere ao valor mínimo da alienação, este deverá ter como referência um valor base para a empresa nunca inferior a 275.000 contos, tendo em conta o relatório elaborado pela Coopers Lybrand, o critério de ponderação dos valores resultantes da avaliação da empresa segundo as ópticas do rendimento e do valor patrimonial seguidos nas anteriores privatizações e a expectativa da mais valia que a concretização da venda dos terrenos do antigo matadouro de Coimbra poderá proporcionar.

3) Antes da alienação das acções a CC - Lusa deverá celeb

dos terrenos do antigo matadouro de Coimbra, do qual me deve ser dado prévio conhecimento.

4) O processo de negociação particular atrás referido deverá estar concluído no prazo máximo de 90 dias a contar da data do presente despacho. Se tal não for possível proceder-se-á à abertura de concurso público nos 60 dias seguintes.

5) Em consequência, deverá o Conselho de Administração da AA - SGPS apresentar-me uma proposta acompanhada de parecer do Revisor Oficial de Contas da Sociedade alienante, sobre as condições mínimas a respeitar na negociação particular e sobre a composição da comissão negociadora."

[alínea Z) dos factos assentes];

XXIV – Matadouros da Beira Litoral endereçaram ao Presidente da Câmara de Viseu (ao cuidado do Sr. Vereador, Professor Lemos), o documento que se encontra junto de folhas 187 e 188, datado de 02 de Fevereiro de 1999, do seguinte teor:

"Exm ° Senhor Vereador:

Os nossos respeitosos cumprimentos.

Como é do conhecimento de V. Exª, na sequência da nossa carta de 15 de Janeiro passado, teve lugar uma reunião, na Associação Comercial de Viseu, no dia 21 de Janeiro, com um grupo alargado de interessados-subscritores desta região, destinada a esclarecer dúvidas, por eles apresentadas, quanto à evolução do processo de constituição e implementação da sociedade, Matadouros das Beiras, Sa.

Estiveram presentes:

- Vereador da C.M. Viseu, Sr. Prof. GG

- Presidente da Associação Comercial de Viseu e Vereador da Câmara

- Vereador da Câmara de Lamego, Sr. HH

- Presidente da Assoc. Criadores de Gado Beira Alta, Sr. Eng. II

Depois, a pedido do grupo de investidores de Viseu, realizou-se nova reunião, em Aveiro, no dia 26 de Janeiro, com a comissão por eles enviada e constituída por:

- Sr. Eng° II - Sr. JJ

- Sr. LL

- Sr. II

Aí, tratou-se de conciliar as posições accionistas de Viseu e Aveiro, em virtude daquela pretender ocupar um "espaço societário " igual ao de Aveiro.

Esta pretensão foi aceite, disponibilizando-se, até, um subscritor de Aveiro, a colocar à disposição de Viseu acções suas, tendo em vista a equiparação desejada.

Aliás, a principal preocupação é a de impedir o surgimento de posições individuais com grande peso accionista.

Ao invés, pretende-se uma repartição equilibrada do capital accionista — prefere-se vinte accionistas com 5.000 contos, do que dez com 10.000 contos.

Para se alcançarem os objectivos a que nos propusemos, é indispensável cumprir o calendário de subscrição do capital, previamente estipulado.

Assim, mais uma vez tomamos a liberdade de vincar a obrigatoriedade da subscrição total do capital de 300.000.000$00 (trezentos milhões de escudos) em 31 de Março de 1999.

Na expectativa da rápida adesão da vossa Autarquia a este projecto, que é de todos nós, (...)"

[alínea A-1) dos factos assentes];

XXV - O Registo Nacional de Pessoas Colectivas emitiu certificado de admissibilidade da firma Matadouros da Beira, S.A., datado de 28 de Janeiro de 1999. [alínea B-1) dos factos assentes];

XXVI – Matadouros da Beira Litoral, S.A., enviaram ao Secretário de Estado da Modernização Agrícola e Qualidade Alimentar documento do teor do que se encontra juntos de folhas 196 e 197, datado de 02 de Fevereiro de 1999 e com o seguinte conteúdo:

"EXCELÊNCIA

Os nossos respeitosos cumprimentos.

Serve a presente para trazer ao conhecimento de Vossa Excelência as mais recentes e importantes diligências que temos efectuado, no sentido de implementar a nossa sociedade e cumprir os objectivos para que foi criada.

Assim:

1/- Em 28 de Dezembro de 1998 teve lugar, em Viseu uma reunião, aí sendo pedida a participação desta região (comerciantes e produtores), em 20 % do capital social, conforme cópia da acta que juntamos como anexo 1.

2/- Em 15 de Janeiro de 1999 enviamos para diversas Câmaras Municipais das regiões de Aveiro, Coimbra e Viseu, a carta de que juntamos cópia — anexo 2.

3/- Em 21 de Janeiro de 1999 realizou-se nova reunião, em Viseu, tendo sido pedida, pelos seus interessados-subscritores, a participação igualitária, à de Aveiro, na nova sociedade anónima.

4/- Em 26 de Janeiro de 1999, agora em Aveiro, ficou decidido que a posição de Viseu seria igual à de Aveiro, em termos de subscrição do capital social. Aliás, um accionista individual de Aveiro, disponibilizou-se, até, caso seja necessário, a ceder parte das suas acções, para preencher e, assim, equilibrar a participação societária de Viseu.

Na verdade, é nossa preocupação primeira não permitir que accionistas individuais possuam participações elevadas, de capital, na nossa sociedade.

Essa possibilidade é apenas reservada à Lacticoop, entidade que representa a produção nos três distritos, lembrando no entanto, que para Viseu as estruturas de produtores que se encontram fora do universo da mesma, já se encontram como accionistas da Empresa, caso de:

- Associação de Criadores de Gado da Beira Alta

- União das ADS dos Distrito de Viseu. (anexo 4

Hoje mesmo, foi enviada nova carta às Câmaras Municipais de Viseu e Lamego, conforme cópia que se junta - anexo 3 - , a sensibilizá-las para a necessidade do cumprimento do calendário de subscrição do capital, de 300.000.000$00 (trezentos milhões de escudos), previamente estabelecido.

Em suma, de momento, são estes os elementos mais relevantes que pretendemos trazer ao conhecimento e consideração de vossa Excelência. (...)"

[alínea C-1) dos factos assentes];

XXVII – A Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral efectuou vistoria ao Matadouro de Abate de Gado de Viseu, propriedade de CC - LUSA — INDÚSTRIA DE PRODUTOS PECUÁRIOS DE AVEIRO, COIMBRA E VISEU, a nove de Fevereiro de 1999, conforme documento que encontra junto de folhas 208 a 215 emitiu autorização provisória de laboração do mesmo matadouro, a 23 de Fevereiro de 1999, sendo o essencial do conteúdo do auto de vistoria o seguinte:

"Os peritos intervenientes verificaram que as instalações correspondem ao projecto técnico aprovado devendo contudo proceder às seguintes beneficiações:

CIRCUITOS EXTERIORES

• As portarias dos circuitos exteriores limpos e sujos deverão ser controladas

• Separar fisicamente o circuito limpo do sujo

• Proceder à reparação do pavimento e da vedação do circuito exterior sujo

• No local de lavagem de viaturas da área suja deverão ser melhorados: pavimento, drenagem das águas de lavagem e a protecção da tomada eléctrica e da água de abastecimento

• Regularizar o pavimento de modo a evitar os empoçamentos provocados pelas águas pluviais, devendo ser feita a drenagem das mesmas e retirar o lixo existente no terreno adjacente ao estabelecimento e pertencente ao mesmo.

INSTALAÇÕES SANITÁRIAS

• Os armários vestiários deverão ser identificados por utilizador

• Colocar logótipo de identificação nas instalações sanitárias

• Os lava mãos deverão ser dotadas de contentor de inutilizados de comando não manual

DUCHES

• Colocar portas tipo vai vem

• Colocar banco em PVC

WC

• Dotá-los de contentor para inutilizados de comando não manual protegido com saco de plástico

• Dotá-lo de ventilação adequada

GABINETE DO VETERINÁRIO

• Colocar redes mosquiteiras nas janelas móveis

• Retirar lixo existente

ARRUMO DE APOIO AO GABINETE

• O sanitário existente deverá ser utilizado para arrumo de apoio ao Gabinete Veterinário, para arrumo de tintas e marcas sanitárias

ACESSO AO PESSOAL

• O lava mãos de apoio ao lava botas deverá drenar directamente à rede de esgotos e possuir água quente.

• O lava botas deverá ser provido de um dispositivo de fornecimento de desinfectante automático

• Colocar mola de retorno da porta de acesso ao exterior e electrocutor de insectos correctamente posicionado

ABEGOARIAS

• Reparar os bebedouros avariados

• Substituir as lâmpadas e as armaduras de protecção danificadas

• Identificar os lazaretos e reparar as fechaduras das respectivas portas

• Reparar os electrocutores avariados

• Proceder à reparação das áreas danificadas do telhado

NAVE DE ABATE

• Dotar de exaustão potente o local de produção de vapor de água

• As grelhas dos esgotos partidas deverão ser substituídas

• As janelas degradadas deverão ser substituídas ou reparadas

• Fazer o ajustamento da porta, ao postigo de saída de peles, afim de evitar a entrada de insectos e roedores.

• O exaustor deverá ter rede mosquiteira de protecção

• A porta de acesso à nave de abate deverá ter electrocutor de insectos

• A porta de emergência existente deverá fazer o ajustamento à parede e pavimento

• Proceder ao arranjo das paredes da box de insensibilização

• Na escada de acesso à abegoaria deverá ser colocado corrimão de protecção

LINHA DE BOVINOS

• Na calha de sangria deverá ser feito o ajustamento da calha à parede, com material adequado

LINHA DE OVINOS E CAPRINOS

• O lava mãos de apoio à esfola deverá ser arranjado o esgoto e ligado ao pavimento

• Dotar o electrochoque de voltímetro, amperímetro e temporizador

LINHA DE SUÍNOS

• Dotar o electrochoque de voltímetro e temporizador

• A plataforma de sangria deverá ser substituída dado o estado de degradação

• A mesa rotativa de recepção de porcos deverá ser reparada com ligação à rede de esgotos

• O equipamento de desinfecção da faca vampiro deverá estar operacional

• Na depiladora todas as peças móveis deverão estar completamente protegidas e a tela substituída

TRIPARIA

ZONA LIMPA

• Dotá-la de exaustão adequada

• Reparar o tecto (faltam placas)

• Reparar a saída da água existente (cano roto) junto da separação Zona Limpa/Zona Suja

• A porta de acesso desta área ao corredor da zona suja deverá ser encerrada afim de evitar cruzamentos de circuitos

ZONA SUJA

• Substituir os vidros e as chapas acrílicas partidas

• Colocar grelhas de protecção nos esgotos

INSTALAÇÕES SANITÁRIAS DE APOIO À TRIPARIA

• Substituir as portas de madeira e ferro por outras de material adequado

ZONA DE EXPEDIÇÃO

• O aro da porta de acesso às câmaras das miudezas deverá ser reparado

• A temperatura máxima de climatização deverá ser de 12°C

CÂMARAS FRIGORÍFICAS

C.F. — MIUDEZAS BRANCAS

• Reparar paredes tectos e pavimentos

• Colocar paletes PVC por baixo dos contentores

• Retirar as lamelas das portas

C.F. — MIUDEZAS VERMELHAS

• Reparar paredes tectos e pavimentos

• Retirar as lamelas das portas

• No corredor de acesso a esta câmara deverá ser colocada protecção da lâmpada

SECTOR DE LA VAGEM DE TABULEIROS PVC

• As dimensões não estão de acordo com o projecto técnico aprovado, dado a quantidade de equipamento móvel existente na unidade, recomenda-se o aumento desta área ou dotar o estabelecimento de outro local destinado a essa finalidade.

SECTOR DE SALGA DE PELES

• Tirar o lixo e equipamento inútil à laboração

• As portas de acesso ao exterior deverão fazer o ajustamento aos pavimentos e paredes a fim de evitar a entrada de insectos e roedores

ARMAZÈM DE SAL

• O sal deverá ser colocado em contentores adequados

• Substituir rede mosquiteira das janelas

EXPEDIÇÃO DE SUB PRODUTOS

• Colocar protecção da lâmpada

• Substituir electrocutor

• Substituir a porta danificada existente no corredor

• Todos os contentores deverão possuir tampa com fecho e serem facilmente identificados

INSTALAÇÕES SOCIAIS

REFEITÓRIO

• No refeitório todo o equipamento deverá ser higienizado, bem como em todo o estabelecimento

GABINETE DO MÉDICO DE TRABALHO

• Deverá ser colocado lavatório com comando de pé

GERAL

• Todo o estabelecimento deverá ser higienizado

• Todos os lava mãos excepto os colocados na linha de abate, deverão ser dotados de meios de higiene (sabão liquido, toalhetes de papel, contentor de inutilizados tipo basculante ou de comando de pé)

• Todos os esterilizadores acopulados aos lava mãos deverão possuir água quente à temperatura mínima de 82°C

• Todos os manípulos das torneiras dos lava mãos das instalações sanitárias deverão ser substituídos por comando não manual

• Todos os lava mãos deverão esgotar directamente à rede de esgotos

• Em todo o estabelecimento deverão ser reparados os revestimentos das paredes, tectos e pavimentos degradados

• Todo o equipamento em estado de degradação e com sinais de oxidação deverá ser substituído ou reparado

• Todo o equipamento existente na nave de abate deverá esgotar directamente na rede de esgotos e não para o pavimento

• Todas as chapas acrílicas partidas deverão ser substituídas

• Dotar o estabelecimento de sinalização de segurança

• Todas as portas pivotantes de acesso ao exterior deverão possuir mola de retorno

• Numerar todas as torneiras existentes no estabelecimento.

DOCUMENTAÇÃO

• Apresentar documento comprovativo da análise periódica da água de abastecimento

• Os resíduos sólidos resultantes da laboração, deverão ser identificados, separados e acondicionados até destino final de acordo com o Decreto Lei n° 239/97 de 9 de Setembro e Port°s n° 335/97 de 16 de Maio, 818/97 de 5 de Setembro e Portaria 792/98 de 22 de Setembro devendo apresentar Mapa de Resíduos Sólidos na DRAC.

• A eventual descarga de efluentes industriais líquidos resultantes da laboração deverão estar de acordo com os parâmetros constantes no Dec. Lei 236/98 de 1 de Agosto, devendo apresentar licença de Utilização do Domínio Hídrico

• Aos óleos usados deverá ser dado o destino previsto na legislação vigente (D. L.n° 88/91, de 23 de Fevereiro).

• Os efluentes gasosos e a altura das chaminés deverão obedecer aos parâmetros do Dec. Lei n° 352/90 de 9 de Novembro e Port 286/93 de 12 de Março.

• Apresentar modelo 1360 no IDICT, relativo aos Serviços de Segurança e Saúde no Trabalho

Os peritos intervenientes entenderam ser de atribuir uma autorização provisória de laboração, devendo contudo cumprir as beneficiações no prazo de noventa dias, findo o qual deverá ser comunicado à Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral.(...)"

[alínea D-1) dos factos assentes];

XXVIII – A Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral efectuou vistorias conforme documentos que se encontra junto de folhas 217 a 2213 e do que se encontra junto de folhas 222 a 226, esta última a 14 de Junho de 1999 e com o seguinte conteúdo:

"Os peritos intervenientes verificaram que faltam cumprir, as seguintes imposições feitas nas vistorias acima referenciadas:

• O cais de desembarque dos animais deverá possuir dimensões adequadas à recepção dos mesmos com vista à sua protecção.

• Na linha dos suínos concluir a protecção de todas as peças móveis, na depiladora e no elevador.

• Consertar o fecho da câmara frigorífica n°2 reservada aos suínos, de modo a que a porta possa ser aberta por dentro.

• Colocar borracha nas portas de acesso ao exterior, a fim de permitir uma vedação completa às ombreiras e pavimentos, no sector de lavagem de equipamento móvel e no sector de salga de peles.

• Colocar redes mosquiteiras nas janelas da triparia e nas do gabinete do veterinário e instalações sanitárias.

• Em todo o estabelecimento deverão ser melhorados os revestimentos das paredes e pavimentos, bem como betonadas as fissuras, juntas e orifícios com material específico e antifungíco.

Na vistoria os peritos entenderam recomendar a correcção das seguintes anomalias:

ABEGORIAS

• Recomenda-se a colocação de lanternis no tecto a fim de aumentar a ventilação

NAVE DE ABATE

LINHA DE OVINOS E CAPRINOS

• Recomenda-se dotar o corredor de acesso à nave, de box de insensibilização.

TRIPARIA

• Na triparia, zona suja, recomenda-se a colocação de sistema borboleta, no vazadouro dos conteúdos gástricos, a fim de evitar a entrada de insectos.

• As janelas deverão permitira abertura, para possibilitara ventilação. CÂMARAS

FRIGORÍFICAS

• Consertar o fecho da câmara frigorífica n°2 reservada aos suínos, de modo a que a porta possa ser aberta por dentro.

SECTOR DE LAVAGEM DE TABULEIROS PVC

• Recomenda-se o aumento da área do sector destinado à higienização do equipamento móvel, bem como dotá-lo de pio de lavagem industrial, para lavagem de ganchos e carroceis.

SECTOR DE SALGA DE PELES

• A caixa de esgoto, no acesso ao corredor deverá ser correctamente afagada. GERAL

• Dotar o pessoal exposto ao ruído, de protectores auriculares. O pessoal que manobra as serras eléctricas deverá possuir óculos de protecção.

Os peritos intervenientes entenderam que, face ao esforço desenvolvido pela empresa no cumprimento do determinado pelas entidades licenciadoras nos autos acima referenciados, o estabelecimento reúne o mínimo de condições para funcionamento, devendo a entidade competente nacional determinar a sua homologação, face à melhoria substancial das condições verificadas. (...)"

[alínea E- 1) dos factos assentes);

XXIX – Em 8/6/1999 procedeu-se à vistoria ao Matadouro de Abate de Gado de Aveiro, propriedade de CC - LUSA — INDÚSTRIA DE PRODUTOS PECUÁRIOS DE AVEIRO, COIMBRA E VISEU, conforme documento que se encontra junto a folhas 227 a 230 e cujo conteúdo essencial é o seguinte:

"Após a vistoria os peritos intervenientes verificaram que, não foi dado cumprimento ao projecto técnico aprovado em 18/12/1997.

Foram verificadas as seguintes anomalias:

CIRCUITOS EXTERIORES

CIRCUITO SUJO

• Não existe pavimentação das vias de circulação

• Não existe controlo de entradas e saídas das viaturas de transporte dos animais.

• O local de lavagem das viaturas de animais vivos não está dotado de meios de higienização (enrolados de mangueira, tomada de corrente, local de arrumo de detergentes e desinfectantes) e alpendre.

• Não estão definidas as áreas de parqueamento de viaturas.

CIRCUITO LIMPO

• Não existe pavimentação das vias de circulação.

• Não está definida a área de parqueamento de viaturas.

• O local de lavagem das viaturas não está identificado e dotado de local para arrumo de detergentes e desinfectantes

CAIS DE RECEPÇÃO DE ANIMAIS VIVOS

• Os pavimentos estão degradados ABEGOARIAS

• As condições de abeberamento dos animais são deficientes

• O escoamento das águas de lavagem dos pavimentos é deficiente

• Nos parques de sequestro, as portas não estão dotadas de fecho nem dotados de rede de esgotos separada dos outros parques

• O revestimento das paredes é insuficiente

NAVE DE ABATE

• A nave de abate não está devidamente isolada das abegoarias

• O sistema de recolha de sangue e separação das águas de lavagem é deficiente

• Os esterilizadores acoplados aos lavatórios não possuem resistência eléctrica que garanta uma temperatura de 82°C

• As carcaças rejeitadas possuem circuito comum ao das carcaças aprovadas

• O Lay-Out existente não permite uma separação correcta dos circuitos limpo e sujo

LINHA DE BOVINOS

• Não existem barras de protecção, á saída da box de insensibilização

• As operações de corte de patas, cornos e cabeça é feita directamente para a cadeira de sangria

• O material de constituição da caleira de sangria não é o mais adequado

• Os procedimentos na linha de abate, relativos à esfola não são correctos

• O dispositivo de esterilização da serra tem deficiências no encaminhamento das águas de lavagem e garantia da temperatura da água a mais de 82°

LINHA DE OVINOS CAPRINOS

• A pinça de insensibilização não dispõe de dispositivo que permita a leitura dos parâmetros da descarga eléctrica

LINHA DE SUÍNOS

• A pinça de insensibilização não dispõe de dispositivo que permita a leitura dos parâmetros da descarga eléctrica

• O número de lavatórios na zona de evisceração de suínos é insuficiente

• Existem vários pontos de oxidação no carrossel de evisceração

• A serra circular não possui meios de esterilização adequados

GERAL

• O lava mãos existente na nave de abate, não esgotam directamente para a rede de esgotos

• Alguns dos lava mãos incluindo os dos sanitários não possuem torneiras de comando não manual e não estão dotados de água quente e fria

• Algumas das portas de acesso ao exterior, não estão dotadas de electrocutor de insectos

• Algumas das janelas não possuem rede mosquiteira

• As estruturas de suporte de via aérea e outros equipamentos possuem pontos de oxidação

• As tomadas de água destinadas à higienização do estabelecimento não possuem enrolador de mangueira nem estão dotadas de dispositivo para ligação de máquina de pressão

• Os lava botas existentes não possuem lava mãos

• Algum equipamento existente na nave de abate não esgota directamente para a rede de esgotos

• Os isolamentos das condutas de água quente são deficientes

• Não existe local de lavagem e esterilização de todo o equipamento móvel (facas, ganchos, carrosséis e tabuleiros em PVC)

• O sistema de transferência das vísceras até à triparia é feito em calha aberta

• Os contentores de recolha de subprodutos não possuem tampa hermética

• Não existe local para armazenar subprodutos devidamente isolado nem lavagem dos contentores

• O estado de conservação das instalações de recolha e cozimento de sangue é deficiente

• Não existem instalações sanitárias/vestiários de apoio directo aos trabalhadores da zona limpa do matadouro, funcionando estas em edifício separado

• As condições de conservação das instalações (paredes, pavimentos, tectos, etc), são deficientes

ZONA DE SALGA

• Os revestimentos dos pavimentos e paredes são deficientes, possuindo porta de madeira

TRIPARIA LIMPA

• Este sector não está completamente isolado, da zona suja

SECTOR DE LAVAGEM DE AVENTAIS

• Não existe um local específico dotado de meios de higienização adequados

INSTALAÇÕES SANITÁRIAS/VESTIÁRIOS (Edifício Anexo)

• As instalações sanitárias não obedecem às condições estabelecidas na NP 1572

• As lâmpadas não possuem armadura de protecção

• O revestimento das paredes, pintura e azulejo são deficientes

ACESSO PESSOAL/UTENTES

• A porta de acesso ao exterior não possui mola de retorno

• Não existem meios para distribuição de equipamento higienizado

GABINETE DO INSPECTOR SANITÁRIO

• Não possui rede mosquiteira na janela, nem lavatório de comando não manual.

DOCUMENTAÇÃO

• Não procedeu à avaliação do ruído

• Não apresentou Licença de Utilização do Domínio Hídrico

• Após vistoria os peritos intervenientes concluíram que o estabelecimento não reúne condições para homologação de acordo com a Directiva 64/433/CEE de 26 de Junho e Legislação Nacional (Portaria n° 971/94 de 29/10) pelo que a Direcção Geral de Veterinária não poderá atribuir a Licença Sanitária. (...)"

[alínea F-1) dos factos assentes];

XXX – A Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral efectuou adenda ao auto de vistoria referido em 29, com o seguinte conteúdo:

"Em vistoria efectuada a 08/06/1999 foi verificado que o circuito técnico funcional não é o mais correcto, tendo havido por parte da nova Administração grande esforço no sentido da melhoria das condições higio-sanitárias.

O estabelecimento possui actualmente o mínimo de condições higio-sanitárias de funcionamento (...)". [al. G-1) dos factos assentes];

XXXI – A CC - Lusa, S.A., enviou à autora documento datado de 4.6.99, do teor do de folhas 232, com o seguinte conteúdo:

"Conforme o solicitado por V. Exª, na conversa telefónica estabelecida no passado dia 2 do corrente mês de Junho com o Administrador MM, tomo a liberdade de enviar os Autos de Vistoria relativos ao Matadouro de Viseu, respeitantes às inspecções realizadas às respectivas instalações nos dias 9 de Fevereiro e 1 de Junho de 1999 (...)". [al. H-1) dos factos assentes];

XXXII – Matadouros da Beira Litoral, S.A. enviou à autora documento do teor do que se encontra junto de fls. 233 a 237, já supra reproduzido em XVII. [al. I-1) dos factos assentes];

XXXIII – Matadouros da Beira Litoral, S.A. enviaram ao Secretário de Estado da Modernização Agrícola e Qualidade Alimentar documento do teor do que se encontra juntos de folhas 238 [“Assunto: Encerramento dos matadouros de Aveiro e Viseu Excelência, os nossos respeitosos cumprimentos. Junto enviamos cópia do ofício-exposição que, hoje mesmo, endereçamos ao Senhor Presidente do Conselho de Administração da AA - SGPS, SA, a propósito do assunto em epígrafe. Certos do bom atendimento e acolhimento que o mesmo também terá junto de V. Exª”] e enviaram à autora documento do ter que se encontra junto de folhas 239 a 241, já reproduzido supra em XVII. [al. J-1) dos factos assentes];

XXXIV – A Direcção Regional de Agricultura da Beira Litoral enviou para Administração do Matadouro da PEC documento do teor do de folhas 242, com o seguinte conteúdo:

"Comunica-se a V. Exª, como Administrador do Matadouro de Viseu, que, por despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Pescas, o referido Matadouro encerra a partir de 18 de Junho de 2003, pelo que a partir desta data é retirada a competente Inspecção Sanitária e o respectivo número de controlo veterinário, uma vez que há incumprimento das condições estruturais, funcionais e higio-sanitárias face aos requisitos previstos pela legislação". [al. al. L-1) dos factos assentes];

XXXV – O preço pelo qual foram alienadas as acções teve por base a avaliação efectuada pela Coopers & Lybrand, a pedido da AA - SGPS, cujo relatório consta de fls. 605 a 628. [resposta aos quesitos 1º e 2º da BI];

XXXVI – A cláusula penal constante do contrato visava acautelar o interesse dos produtores pecuários e o interesse público local na “continuidade dos abates de gado” sem ruptura de abastecimento aos consumidores. [resposta ao quesito 3º da BI];

XXXVII – A A. informou a Ré de que o matadouro de Viseu estava em vias de ser licenciado por haverem sido feitas obras. [resposta ao quesito 5º da BI];

XXXVIII – A e Ré celebraram o dito contrato no pressuposto e expectativa de que o matadouro de Viseu estava operacional, embora não definitivamente licenciado, e poderia funcionar ainda por vários anos. [resposta ao quesito 6º da BI];

XXXIX – E de que o matadouro de Aveiro tinha um projecto de financiamento aprovado para a sua reconstrução. [resposta ao quesito 7º da BI];

XL – E ainda na convicção e pressuposto de que as contas da "CC - Lusa" eram, na data da aquisição, as que constam do balanço de 31/03/99, do teor do documento de folhas 199 a folhas 201 dos autos, balanço no qual se menciona que o total activo da CC - LUSA era de 1.016.104.952$00, sendo o total do activo líquido de 629.373.426$00 e o total do passivo de 162.945.682$00. [resposta ao quesito 8º da BI];

XLI – A ré só teve conhecimento das actas do teor dos documentos de folhas 202 a 207 dos autos [actas nº 11, de 24.11.97, nº15, de 2.2.98, nº 22, de 20.8.98, nº 25, de 2.11.98, e nº 31, de 22.2.99, nas quais se alude à necessidade de realização de obras no matadouro de Viseu, em ordem ao seu licenciamento definitivo], após ter comprado as ditas acções à autora. [resposta ao quesito 9º da BI);

XLII – Para que o matadouro de Viseu fosse autorizado a laborar, após a dita cessão de quotas, a “CC - Lusa" pagou em obras e aquisição de equipamentos de facturas de Março de 1999 a Novembro de 1999, o montante de € 33.050,80. [resposta ao quesito 12º da BI];

XLIII – E ainda, no ano de 2000, em obras e aquisição de equipamentos, para o mesmo efeito de que o matadouro de Viseu fosse autorizado a laborar, o montante de € 61.292,39. [resposta ao quesito 13º da BI];

XLIV – O encerramento do matadouro de Viseu, de 07/06/99 a 21/06/99, causou à "CC - Lusa", como custos de inactividade, correspondentes ao montante de custos fixos deduzido à margem bruta de vendas, no período em que o matadouro esteve encerrado, custos de deslocação e remunerações adicionais, montante não determinado. [resposta ao quesito 14º da BI];

XLV – A "CC - Lusa" teve uma perda de receitas, em Maio de 1999, em montante não apurado. [resposta ao quesito 15º da BI];

XLVI – A "CC - Lusa", para assegurar o abate e a comercialização do gado dos utentes do matadouro de Viseu, por virtude do seu encerramento, efectuou, nos meses de Julho de 2003 a Março de 2004, à Câmara Municipal de Vouzela pagamentos no montante de € 2.606,00. [resposta ao quesito 16º da BI);

XLVII – E despendeu no pagamento dos transportes dos animais do parque de recolha de Campia para o matadouro de Aveiro, de Julho de 2003 a Março de 2004, o valor de € 11.419,73. [resposta ao quesito 17º da BI].

XLVIII – Na sequência do referido encerramento definitivo do matadouro de Viseu, por despacho do Secretário de Estado Adjunto e das Pescas, com efeito a partir de 18/06/03, a "CC - Lusa", viu-se obrigada a cessar os contratos de trabalho com os seus trabalhadores do matadouro de Viseu, à excepção de, pelo menos, três, que transitaram para o matadouro de Aveiro. [resposta ao quesito 18º da BI];

XLIX – O que conseguiu efectuar por mútuo acordo, pagando em indemnizações a esses trabalhadores o montante de € 263.800,69. [resposta ao quesito 19º da BI);

L – O encerramento do matadouro de Viseu foi a causa do despedimento dos referidos trabalhadores. [resposta ao quesito 20º da BI];

LI – A Ré não teria aceite subscrever a cláusula referida em C) 2 se tivesse conhecimento, à data da outorga do contrato, que as autoridades licenciadoras não permitiriam o funcionamento do matadouro de Viseu durante, pelo menos, os cinco anos previstos naquela cláusula. [resposta ao quesito 23º da BI);

LII – Os representantes da Ré conheciam as condições concretas em que laborava o matadouro de Viseu enquanto seus utilizadores. [resposta ao quesito 25º da BI);

LIII – O preço da transacção referida em II corresponde ao valor dos activos da CC - Lusa tal como se encontravam utilizáveis na actividade industrial para que estavam vocacionados. [resposta ao quesito 26º da BI];

LIV – O valor das acções é um valor intrínseco e global que tem de ser avaliado no conjunto de todos os activos e passivos da empresa. [resposta ao quesito 29º da BI];

LV – AA – Produtos Pecuários de Portugal, SGPS, SA, estava limitada na venda das referidas acções a quem aceitasse esse conjunto. [resposta ao quesito 30º da BI).



Apreciando:


Delineados os objectos dos recursos – principal e subordinado- pelas conclusões dos recorrentes – cf. art. 635 nº 4 do Novo Código de Processo Civil – são suscitadas as subsequentes questões.

1. Recurso principal da ré/ reconvinte:


a) - Nulidade do Acórdão, no segmento que aprecia a reconvenção, por oposição na fundamentação de direito e ambiguidade – cf. art. 615 nº1 al. c) aplicável ex vi do art. 674 nº 1 al. c) do CPC.(  conclusões A a C);

b) - Qualificação jurídica do contrato celebrado em 25.03.2009 e sua anulabilidade por erro vício, sem dependência de prazo, sem dependência de prazo, pelo facto de não se encontrar cumprido - arts. 252 nº 2 e 287 nº2 do C Civil, podendo como tal ser reduzido nos termos do regime de alteração das circunstâncias – cfr. art. 437 do CC ( conclusão D a S)

c) - Subsidiariamente, existência de burla pelo autor e alargamento do prazo prescricional para efectivação da responsabilidade civil – cfr. art. 498 nºs 1 e 3 do CC e arts, 217, 218º e 118 do Código Penal ( conclusões T a Z).


2. No recurso do autor / reconvindo:


Relacionado com a condenação da ré/ reconvinte no pagamento da cláusula penal, com eventual redução da mesma.



Face à conexão existente entre o recurso da Ré e o recurso subordinado da A  a apreciação vai incidir sobre ambas as revistas..


1. a) - Nulidade do Acórdão:


        A ré/reconvinte começa por argumentar que o Acórdão exarado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no pretérito dia 05-11-2013, é nulo, no segmento que apreciou a reconvenção, por se registar oposição na fundamentação de direito, assim como ambiguidade que conduz a que a decisão seja diferente para os vários segmentos decisório - judicativos, escorando-se no art. 615.º, n.º 1, al. c), aplicável ex vi do art. 674.º, n.º 1, al. c), ambos do NCPC.

As nulidades da decisão judicial, no NCPC, aparecem plasmadas no art. 615.º, o qual, quando comparado com o antigo art. 668.º do CPC (na redacção dos DL n.ºs 303/2007, de 24-08, e 34/2008, de 26-02), veio acrescentar, na alínea c), a expressão “…ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”, ao mesmo tempo que suprimiu a alínea f), onde se preceituava que a omissão da fixação da responsabilidade quanto a custas consubstanciava uma nulidade decisória. O legislador sanciona, no indicado art. 615.º, n.º 1, al. c), do NCPC, os casos de oposição entre os fundamentos e a decisão, bem como as situações de ambiguidade ou obscuridade que tornem a decisão ininteligível.

Destarte, se na fundamentação da decisão o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada solução, mas, em vez de tirar essa conclusão, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, tal situação será causa de nulidade da sentença/acórdão (no âmbito do CPC revogado, cf. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 2.º Volume, 2001, p. 670), do mesmo modo que será causa de nulidade se, por exemplo, as expressões ou raciocínios empregues na decisão forem de sentido incerto ou duvidoso – ambiguidade – ou revestirem pouco clareza – obscuridade.

Ora, na situação analisada, não há qualquer contradição entre os fundamentos de direito do Acórdão recorrido, nem nenhuma ambiguidade a carecer de ser aclarada, sendo manifesto que a recorrente apenas discorda dos fundamentos do segmento da decisão que conheceu do seu recurso, descontextualizando e pondo em confronto excertos do Acórdão, resultantes, uns, da transcrição da sentença de 1.ª instância – sobre a culpa da ré no incumprimento da cláusula contratual, segundo a qual mesma se tinha vinculado a manter abertos e operacionais os matadouros durante 5 anos –, e escritos, outros, pelos senhores juízes desembargadores – ao apreciarem a alegada responsabilidade pré-contratual do autor. O que se assenta do entendimento sufragado no Acórdão é que ali se ponderou que nem a postura contratual da CC - LUSA, SGPS, nem a dos Matadouros da Beira Litoral, S.A., foram exemplares, mas que, em todo o caso, cabia à sociedade ré, antes da celebração do contrato, ter procurado informar-se sobre as obras necessárias para a continuação da laboração do matadouro de Viseu, porquanto, conhecendo ela, necessariamente, o quadro legal vigente e o estado deficitário daquele matadouro, não poderia ignorar que tivessem de ser efectuadas obras no estabelecimento de modo a que não ocorresse o seu encerramento administrativo.

Estabelece assim a recorrente confusão entre uma suposta nulidade decisória e o erro de julgamento, que nada tem a ver com as invalidades da decisão, e que apenas poderá servir de suporte à apreciação das demais questões recursivas.

Deste modo, e sem necessidade de maiores considerandos, julga-se improcedente a matéria de recurso atinente à invocada nulidade do acórdão recorrido.

1. b) - Qualificação jurídica do Contrato


Passemos, então, ao debate das questões do recurso (da ré/reconvinte) que se prendem com a substância deste litígio – designadamente, a qualificação jurídica do contrato celebrado e a pretensa anulabilidade do mesmo por erro-vício, sem dependência de qualquer prazo, pelo facto de (alegadamente) não se encontrar cumprido, podendo, como tal, ser reduzido nos termos do regime da alteração das circunstâncias.


Relembra-se, preliminarmente, a jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal, segundo a qual não há que confundir as questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões que estas esgrimem em ordem à decisão da causa em determinado sentido: as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas; coisa diferente são os raciocínios ou as razões jurídicas argumentadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista – que não constituem questões no sentido do art. 615.º, n.º 1, al. d), do NCPC.

É pacífico que o vocábulo “questões“, no mencionado normativo – à semelhança do que ocorria no revogado art. 668.º do CPC –, não abrange os argumentos, motivos ou entendimentos jurídicos evocados pelas partes, já que o juiz é livre na qualificação jurídica da factualidade, de harmonia com o prescrito no n.º 3 do art. 5.º do NCPC. Por isso, quando seja justificado, o STJ pode – e deve – julgar as questões que constituem o objecto do recurso com base em razões jurídicas diversas das alegadas, não estando adstrito a esgotar a análise de toda a argumentação esgrimida, mas, apenas, a explicar e considerar as questões nucleares que devam ser conhecidas, avaliando aqueles considerandos na estrita medida do necessário e suficiente para a resolução do pleito, e sem que da sua postergação decorra qualquer omissão de pronúncia.


Torna-se, então, imperioso proceder ao correcto enquadramento jurídico do contrato celebrado, a 25-03-1999, entre a extinta AA, SGPS – sociedade comercial de capital exclusivamente público, entretanto extinta e à qual sucedeu o Estado português –, e os Matadouros da Beira Litoral, S.A., por força do qual aquela entidade vendeu, à aqui recorrente, 91,43% das acções da CC - LUSA, S.A., proprietária dos matadouros de Viseu, Coimbra e Aveiro, pelo preço total de Esc. 143 075 684$00 – equivalente a € 713 658,50 –, cedendo-lhe, ainda, por Esc. 136 924 225$50 – equivalente a € 682 975,60 –, os seus créditos sobre a mesma sociedade, no montante de Esc. 577 130 128$00 – € 2 878 712,94.


De acordo com a cláusula 4.ª desse contrato, a ré, como segunda outorgante – compradora/cessionária obrigou-se a:


1. Prestar serviços de abate aos agentes económicos das regiões em que se situam as unidades de abate, propriedade da sociedade AA - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A., sempre que estes o solicitem, mediante a prática de preços correntes de mercado.

2. Manter abertos, operacionais e activos, os matadouros de Aveiro e Viseu, por forma a garantir continuidade dos abates de gado, pelo menos durante cinco anos a contar da data da celebração do presente contrato, com total respeito pelos requisitos impostos pela legislação em vigor, nomeadamente garantindo em tempo oportuno, a implementação do processo que possibilite o licenciamento do Matadouro de Aveiro.

3. Na eventualidade da segunda outorgante pretender construir uma unidade industrial de abate que substitua um dos matadouros referidos no ponto anterior, ou mesmo ambos, tal intenção, bem como os respectivos projectos, terão que ser previamente submetidos à apreciação da primeira outorgante, ou da entidade que lhe venha a suceder ou a ficar investida no seu património, para que esta possa ajuizar sobre se a continuidade da prestação de serviços de abate nas regiões, que se encontra prevista no ponto dois desta cláusula, se encontra devidamente salvaguardada.

4. Garantir o cumprimento do protocolo celebrado entre a sociedade CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A. e a Câmara Municipal de Coimbra, cuja cópia se encontra anexa ao contrato-promessa referido no ponto 1. da cláusula segunda do presente contrato, relativo à venda, em hasta pública, das parcelas relativas ao Matadouro Industrial de Coimbra, cumprindo escrupulosamente todas as obrigações dele decorrentes.

Assumir todas as posições contratuais de que a sociedade CC - LUSA, Indústria de Produtos Pecuários de Aveiro, Coimbra e Viseu, S.A. é presentemente parte, nomeadamente:

a) Noventa e seis contratos de trabalho sem termo e cinco a termo certo, identificados na listagem que se encontra apensa ao contrato-promessa referido no ponto 4. desta cláusula, da qual constam o nome, categoria, profissional, data de admissão, tipo de vínculo e vencimento base dos respectivos trabalhadores.

b) Contratos de seguros diversos, contratos de leasing de equipamentos e viaturas, contratos diversos de manutenção e de assistência técnica, contratos de prestação de serviços nas áreas da higiene, segurança e vigilância e assessoria jurídica, nos termos da listagem que se encontra apensa ao contrato promessa referido na alínea anterior (sublinhados nossos).


E, por fim, na cláusula 5.ª do contrato, as partes estabeleceram:


“O não cumprimento por parte da segunda outorgante (ora ré) das obrigações referidas na cláusula anterior, constitui-la-á no dever de pagar à primeira outorgante (ora autora), ou à entidade que lhe venha a suceder ou ficar investida no seu património, um montante equivalente a 50% do valor global de alienação das acções” (cláusula sobre a qual deteremos a nossa atenção ao analisar o recurso subordinado do autor).


A compreensão e integração do conteúdo das declarações, vertidas num contrato, obedecem, por regra, aos critérios delineados no Código Civil, em especial, no art. 236.º– onde se consagra a teoria da impressão do destinatário –, devendo tais declarações valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, desde que no documento esse sentido encontre um mínimo de correspondência. Para tanto, o declaratário é obrigado a investigar, num plano de boa fé e atendendo a todas as circunstâncias por ele sabidas ou cognoscíveis, o que o declarante quis; este, por seu lado, é também obrigado pela boa fé a deixar valer a declaração no sentido que o declaratário, mediante cuidadosa verificação, tinha de atribuir-lhe. Acresce que nessa interpretação deve buscar-se não apenas o sentido de declarações negociais separadas e alheadas do seu contexto negocial global, mas antes o sentido juridicamente relevante do complexo regulativo como um todo (a este respeito, cf. o Acórdão do STJ, de 16-04-2013, Proc. n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt, tal como os demais arestos que se mencionarem sem referência adicional).

Feita a devida exegese do contrato, é inequívoco que se está perante um contrato misto de compra e venda de acções e cessão de créditos (a respeito da caracterização e do regime dos contratos mistos, vejam-se as obras de Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atípicos, 2.ª edição, 2009 [págs. 209-247], e Rui Pinto Duarte, Tipicidade e Atipicidade dos Contratos, 2000 [págs. 42-55 e 131-158]. Assim, ao abrigo do princípio da autonomia privada [art. 405.º do CC], para além dos contratos tipificados na lei, podem também ser celebrados contratos atípicos, entre os quais se devem distinguir os que são completamente diferentes dos tipos contratuais legais – contratos atípicos puros – e os que são construídos a partir de um ou mais tipos que são combinados ou modificados de modo a satisfazerem os interesses contratuais das partes – contratos mistos), relevando, no âmbito deste ponto do recurso, deter a atenção sobre aquela compra e venda, para o que importará tecer algumas considerações, designadamente, sobre a natureza jurídica das acções, das sociedades anónimas, do património social e do capital social.

A acção é uma participação social, que exprime a posição do sócio na sociedade anónima, manifestando-se num complexo de direitos e deveres que traduzem a condição do accionista, não se confundido com a empresa explorada pela sociedade a que as acções dizem respeito (Henrique Mesquita, Oferta Pública de Venda de Acções e Violação do Dever de Informar, 1996, págs. 101/102).

As sociedades anónimas constituem sociedades de responsabilidade limitada, nas quais, por regra, apenas o património social responde perante os credores sociais – cf. arts. 197.º, n.º 3, e 271.º do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo DL n.º 262/86, de 02-09 (doravante, CSC).

O património social distingue-se do capital social, traduzindo duas figuras jurídicas distintas: o património social consubstancia um fundo real de bens e direitos, efectivo, concreto e continuamente variável na sua composição e montante – “é a expressão de uma realidade tangível e inconstante” –, enquanto que o capital social se traduz numa cifra representativa da soma dos valores nominais das participações sociais – “valor ideal e constante que não significa nem corresponde a uma realidade tangível ou a uma massa de bens” (Paulo de Tarso Domingues, Garantias da Consistência do Património Social, “Problemas do Direito das Sociedades”, 2.ª reimpressão, 2008, pág. 498).

O capital social constitui um elemento essencial do contrato de sociedade, dividindo-se por acções, no caso das sociedades anónimas – arts. 9.º, n.º 1, al. f), 42.º, n.º 1, al. b), e 271.º, todos do CSC (Nogueira Serens, Notas Sobre A Sociedade Anónima, Coimbra, 1995, pág. 101. O capital social corresponde, pois, à soma das participações sociais, devendo ter um valor nominal, i.e., expresso numa cifra monetária).

O capital próprio, por sua vez, representa o conjunto de meios financeiros colocados, directa ou indirectamente, pelos sócios à disposição da sociedade, cuja expressão monetária consta do lado passivo do respectivo balanço, o qual é constituído pelo capital social, mas também pelas reservas (parte dos resultados positivos obrigatoriamente retida na sociedade, seja por força da lei, dos estatutos, ou por deliberação dos próprios accionistas – reservas legais, estatutárias e livres), pelos lucros sociais transitados (lucros gerados em exercícios anteriores que foram transferidos no balanço para o exercício actual), pelo lucro de exercício (resultados positivos gerados pela actividade da empresa social durante o ano económico) e pelas prestações suplementares (José Engrácia Antunes, Capital próprio, reservas legais especiais e perdas sociais, “Scientia Iuridica”, Tomo LVII, n.º 313, Jan./Mar. de 2008, págs. 96/97).

A compra e venda de acções (de sociedades comerciais), segundo o art. 463.º, n.º 5 do Código Comercial, consubstancia um negócio objectivamente comercial, ainda que o objectivo não seja a revenda, sendo inequívoco que, in casu, a transmissão das acções operou, entre as partes, por meio do contrato oneroso, de compra e venda – art. 874.º do CC –, celebrado e concluído em 25-03-1999, de harmonia com a regra consagrada no art. 408.º, n.º 1, do CC (Para maiores desenvolvimentos sobre este tema, cf. Acórdão do STJ, de 10-11-2011, Proc. n.º 6152/03.0TVLSB.S1).

De facto, sem prejuízo das regras próprias, prescritas, pelo direito das sociedades, para a validade da transmissão de acções e das formalidades subsequentes necessárias para que a mesma se torne eficaz, “concluído o acordo transmissivo, desencadeiam-se os seus efeitos inter partes” (Menezes Cordeiro, Manual de Direito das Sociedades, II Volume, 2.ª edição, 2007, pág. 683). Trata-se de um contrato de execução instantânea.

Ademais, a mesma natureza de contrato instantâneo aplica à cessão de créditos – cf. arts. 577.º e segs. do CC. Como negócio jurídico bilateral a cessão de créditos é válida e eficaz entre as partes independentemente da sua eficácia em relação ao devedor. Conforme se decidiu no Acórdão do STJ, de 03-06-2004: “A validade da cessão depende da inexistência de vício formal ou substancial e a sua eficácia entre os contraentes é imediata a menos que estes tenham estipulado outra coisa. Significa isto, por conseguinte, que no caso em apreço a validade e eficácia da cessão entre cedente e cessionário ocorreu logo que o contrato foi outorgado, tornando-se a cessionária a titular imediata do crédito cedido” (Proc. n.º 04B815).

É por isso de afastar, in limine, a leitura da ré/recorrente, vertida nas alíneas E. a K. das conclusões recursivas, sendo certo que, com o devido respeito, o Acórdão do STJ, de 17-09-2009, proferido no Proc. n.º 841/2002.S1, não desvia o que se refere, ao aludir ao dever de entrega ao comprador dos “documentos relativos à coisa ou direito”, sendo destituída de fundamento jurídico a afirmação (inserta na alínea K) de que o “contrato em causa embora se tenha celebrado, não chegou nunca ser cumprido (nem em 25/03/1999, nem em data posterior”.

Concluindo, o contrato sub judice mostra(va)-se cumprido. Bem ou defeituosamente, é outra questão, que se analisará mais adiante...

Acontece que a compra e venda – tendo por objecto situações jurídicas complexas, nas quais se incluem direitos subjectivos, como são as participações sociais (v.g., acções) – pode abranger casos em que o contrato tem como efeito o controlo da sociedade pelo comprador, a que comummente se atribui a impressiva designação de compra e venda de empresa (cf. Carlos Ferreira de Almeida, Contratos – Conteúdo. Contratos de Troca, II, 2007, págs. 140/141), tal como ocorreu nesta situação.

Com efeito, a aquisição de uma empresa é susceptível de ocorrer por mais do que uma forma: seja através da aquisição directa da empresa [Asset Deal] – situação em que o titular da empresa muda com a aquisição desta (compra e venda pela transmissão do estabelecimento) –, seja mediante a aquisição do capital social da sociedade que é titular da empresa [Share Deal] – há uma aquisição das participações sociais da sociedade que explora o estabelecimento.

Na segunda situação – Share Deal –, a sociedade mantém a exploração, mas com a transmissão das participações, no seu capital social, transmite-se igualmente a empresa. Como escrevem Paulo Mota Pinto e Pinto Monteiro: “Dogmaticamente, a diferença entre a aquisição da empresa e a aquisição de participações sociais é clara: a compra e venda do «estabelecimento comercial» (trespasse) é alienação de uma coisa, embora de uma coisa composta; a compra da participação social, por sua vez, é compra de direitos. Neste último caso, com a transmissão das participações, pode, porém, transmitir-se igualmente a empresa” (Compra e Venda de empresa – A venda de participações sociais como venda de empresa («share deal»), Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 137, n.º 3947, Nov./Dez. 2007 (págs. 76 a 102), pág. 78).

Ou seja, existe a possibilidade de a compra de empresas se concretizar não apenas através da aquisição directa do estabelecimento, mas igualmente mediante a compra da totalidade ou da maioria das participações na sociedade que explora o estabelecimento.

Através da compra e venda de todas ou da maioria das participações numa sociedade – e exceptuados os casos em que se pretende negociar tão só as participações sociais, porquanto a sociedade não explora um empresa, nem possui bens suficientes para constituí-la –, do ponto de vista subjectivo e objectivo, uma das partes cede, e a outra parte adquire, o controlo societário e, consequentemente, o poder de determinar a gestão da empresa social: “Há uma transmissão indirecta da empresa – podendo mesmo falar-se de transferência de propriedade indirecta ou mediata sobre o estabelecimento” (Coutinho de Abreu, Da Empresarialidade (As Empresas no Direito), 1996, págs. 351/352, que adverte não se dever confundir esta situação com a do designado negócio indirecto, quer por não se verificar desvio da função concreta de compra e venda de participações sociais relativamente à causa típica do contrato, quer por o regime aplicável ao negócio indirecto ser o do tipo contratual escolhido, sem prejuízo de, como decidido no Acórdão do STJ, de 14-06-2011, Proc. n.º 3222/05.4TBVCT.S2: “O contrato de cessão de quotas de uma sociedade comercial pode configurar um negócio indirecto cujo escopo é a compra e venda do estabelecimento dessa sociedade”).

Nas palavras de Calvão da Silva: “[A] compra e venda de empresas é uma realidade crescente, ora de forma directa e imediata, pela alienação do património social ou do estabelecimento, ora de forma indirecta e mediata, através da cessão das participações sociais da sociedade exploradora da empresa (…) A segunda modalidade – compra de uma empresa através da aquisição de participações sociais da sociedade que a explora – constitui prática corrente na vida dos negócios. (…) Ou seja, o vendedor torna o comprador titular da empresa através da transmissão das participações sociais na sociedade que a explora” (Parecer relativo à reprivatização da Petrogal, Estudos de Direito Comercial (Pareceres), 1999, págs. 176/177). E, prossegue este autor: “Noutros termos e em síntese: para se poder falar de compra e venda de empresa urge, por um lado, que a vontade das partes configure a empresa como o objecto negocial, sendo a transmissão das acções o meio de concretizar esse intento, e, por outro, que o comprador obtenha o domínio da empresa ou a posição dominante na empresa” (Op. cit., pág. 178).

Esta mesma posição, além dos autores supra mencionados – Paulo Mota Pinto, Pinto Monteiro, Coutinho de Abreu e Calvão da Silva –, foi abertamente acolhida, em primeira mão, por Ferrer Correia: “A compra e venda de empresas pode concretizar-se através da aquisição directa do estabelecimento ou através da aquisição das participações sociais da sociedade que explora o estabelecimento” (Oferta Pública de Venda de Acções e Compra e Venda de Empresa, Parecer de Ferrer Correia e Almeno de Sá, “Colectânea de Jurisprudência”, Ano XVIII, Tomo IV, 1993, págs. 15-32).

A problemática de saber se se quis tão-só a aquisição de direitos de participação, ou se, para além disso, se pretendeu, através da compra das acções, a compra da empresa, terá de ser solucionada através da interpretação do contrato, sendo pacificamente aceite que a interpretação da declaração negocial, de acordo com a teoria da impressão do destinatário, constitui matéria de direito, para cuja apreciação o STJ tem aptidão.

Destarte, “pode falar-se de uma transmissão do estabelecimento quando se atribuem ao adquirente as faculdades de disposição e de decisão sobre os elementos corpóreos e incorpóreos da empresa, incluindo também, por exemplo, o poder de direcção sobre os colaboradores, as relações com os clientes e/ou fornecedores, bem como as relações com o mercado e os instrumentos de financiamento, estando o vendedor obrigado a introduzir o comprador neste complexo de coisas, direitos, deveres e valores imateriais de organização e de exploração” (Paulo Mota Pinto e Pinto Monteiro, op. cit., págs. 86/87).

Acresce que além da interpretação do clausulado contratual, interessará indagar, como indícios de que se está perante uma efectiva venda da empresa:

a) a percentagem de participações sociais alienadas,

b) a análise do processo que levou à formação do contrato, de modo a indagar se as partes pretenderam que uma nova pessoa jurídica ficasse, através da venda das acções, encarregada da exploração da empresa,

c) o modo de fixação do preço das participações sociais: “se o património da empresa, e em geral o seu valor, foram tomados como base para a determinação do preço, o qual não resultou simplesmente de variações de cotação das acções nos mercados de valores mobiliários, isso constituirá mais uma circunstância que depõe no sentido da existência de uma aquisição de empresa” (Idem, págs. 87/88).


Aqui chegados, e retomando o caso sub judice, é manifesto que a interpretação do contrato de “compra e venda de acções e de cessão de créditos” de 25-03-1999, revela, como meridiana clareza, que aquilo que a Matadouros da Beira Litoral, S.A., adquirente das acções (e cessionária dos créditos), pretendeu, foi adquirir os matadouros de Aveiro, Coimbra e Viseu, ao passo que o objectivo do Estado – através da já extinta AA – Produtos Pecuários de Portugal, SGPS, S.A. –, foi vender as empresas/unidades industriais em si mesmas, enquanto unidades jurídicas autónomas e objectivamente consideradas, segundo o plano estruturado para a privatização [Está fora de quaisquer dúvidas, neste momento, que o contrato sub judice se enquadrou no âmbito da privatização de um ramo da actividade económica, concretamente ligado ao abate de animais para consumo humano, de acordo com a lei-quadro vigente – cf. art. 6.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 11/90, de 15-04: “A reprivatização da titularidade realizar-se-á, alternativa ou cumulativamente, pelos seguintes processos: a) Alienação das acções representativas do capital social”. (cf., ainda, a Lei n.º 71/88, de 24-05, e o DL n.º 328/88, de 27-09)] do sector dos serviços de abate na região centro do País, salvaguardando-se a continuidade dessa prestação de serviços.

Só desta forma se compreende que tenha ficado expressamente clausulado que a ré/recorrente, pela compra das acções da CC - LUSA, se vinculava a continuar a prestar os serviços de abate de gado, a manter abertos, operacionais e activos os matadouros de Aveiro e Viseu, a assumir todas as posições contratuais que aquela sociedade detinha nos contratos de trabalho, de seguros, de leasing, de manutenção e de assistência técnica, etc…

De outro modo, as próprias partes não dissentem desta interpretação, assumindo nos respectivos articulados, e ao longo do litígio, que a vontade negocial dos contraentes se dirigia ao aparecimento, como adquirente, de um novo dono da empresa, e não de um mero titular de participações sociais, assim possibilitando que este dominasse e dirigisse a CC - LUSA e não fosse um simples comprador das suas acções.

Assim se explica, por fim, a elevada alienação de acções efectuada – um lote de 551 139 acções nominativas, representativas de 91,43% do capital social da CC - LUSA –, sendo certo que no apuramento do preço se atendeu à avaliação efectuada pela Coopers & Lybrand, tendo o valor de transacção daquelas acções um valor intrínseco e global que teve de ser avaliado no conjunto de todos os activos e passivos da empresa, valorando, entre outros critérios, o estado das três estruturas de produção (matadouros) (factos II, XX, XXXV e LIV).

Estamos, por isso, perante uma situação em que o objectivo foi claramente o de transmitir a empresa encarregue da exploração dos matadouros de Aveiro, Coimbra e Viseu, para um novo dono, que passasse a dominá-la e dirigi-la.

A diferenciação referida – entre compra de participações sociais e compra de empresa – é especialmente relevante, em caso de existência de desconformidades na empresa, para efeitos de aplicação do regime da venda de coisas defeituosas: ou seja, funcionando a transmissão de participações sociais como um veículo para a transmissão jurídica do estabelecimento, no que se reporta ao regime de não cumprimento (ou cumprimento defeituoso), aquele negócio poderá ser considerado como venda de empresa (cf., uma vez mais, Paulo Mota Pinto e Pinto Monteiro, op. cit., em especial págs. 82-83).

Sendo este o pano de fundo a ponderar, a verdade é que se registou, ab initio e ao longo do tempo, que o matadouro de Viseu apresentava uma série de carências e problemas estruturais, melhor discriminados, designadamente, nos seguintes autos de vistoria:

• Auto de vistoria de 09-02-1999, inserto a fls. 208 a 215 (facto XXVII) – no qual “os peritos intervenientes verificaram que as instalações correspondem ao projecto técnico aprovado devendo contudo proceder às seguintes beneficiações”, nos itens: “Circuitos exteriores”, “Instalações sanitárias”, “Duches”, “Gabinete do veterinário”, “Arrumo de apoio ao gabinete”, “Acesso do pessoal”, “Abegoarias”, “Nave de abate”, “Linha de bovinos”, “Linha de ovinos e caprinos”, “Linha de suínos”, “Triparia”, “Zona limpa”, “Zona suja”, “Instalações sanitárias de apoio à triparia”, “Zona de expedição”, “Câmaras frigoríficas”, “C.F – Miudezas brancas”, “C.F – Miudezas vermelhas”, “Sector de lavagem de tabuleiros PVC”, “Sector de salga de peles”, “Armazém de sal”, “Expedição de subprodutos”, “Instalações sociais”, “Refeitório”, “Gabinete médico de trabalho”, “Geral”, “Documentação”;

• Auto de vistoria de 01-06-1999, inserto a fls. 18 a 22 (facto V) – em que, apesar dos peritos terem verificado que “foi dado cumprimento à quase totalidade das imposições feitas na vistoria [de 09-02-1999]” deviam ser efectuadas múltiplas correcções, nos seguintes itens: “circuitos exteriores”, “Instalações sanitárias”, “Arrumo de apoio ao gabinete”, “Acesso do pessoal”, “Abegoarias”, “Nave de abate”, “Linha de ovinos e caprinos”, “Linha de suínos”, “Triparia”, “Instalações sanitárias de apoio à triparia”, “Zona de expedição”, “Câmaras frigoríficas”, “C.F – Miudezas brancas/vermelhas”, “sector de lavagem de tabuleiros PVC”, “Sector de salga de peles”, “Expedição de subprodutos”, “Geral”, “Documentação”;

• Auto de vistoria de 16-06-1999, inserto a fls. 24 a 26 (facto VI) – no qual “os técnicos intervenientes verificaram que as instalações não reúnem as condições estabelecidas” na Portaria n.º 971/94, de 29-10, “com vista à homologação”; porém, “considerando que estão garantidos os requisitos mínimos de funcionamento, de modo a garantir a segurança do produto final, pomos à consideração superior que se mantenha em laboração como solução provisória até ao Licenciamento de nova unidade, que a empresa se propõe levar a cabo, e que não deverá ultrapassar o prazo máximo de doze meses para conclusão das instalações e trinta dias para apresentação do projecto”;

• Auto de vistoria de 09-10-2002, inserto a fls. 39 a 43 (facto X) – em que se exarou que ”o estabelecimento em causa [matadouro de Viseu] não cumpre os requisitos técnicos impostos pela Portaria n.º 971/94, de 29 de Outubro, e, consequentemente, não pode ser aprovado para produção sanitária de carnes de animais de talho e sua colocação no mercado”, tendo registado anomalias nos itens: “Nave de abate”, “Linha de abate de bovinos”, “Corredor”, “Linha de abate de pequenos ruminantes”, “Parques de espera (Abegoarias)”, propondo, no final das conclusões, “levar o assunto novamente ao conhecimento do Senhor Director Geral de Veterinária, para exarar o despacho de suspensão definitiva de laboração”, que acabariam por conduzir ao seu encerramento em 07-06-2003 (facto XV) e, definitivamente, com efeito a partir de 18-06-2003 (facto XLVIII), na sequência, em especial: a) da proposta de cancelamento definitivo da aprovação do matadouro de Viseu, elaborada em 15-09-2003, pelos serviços da Direcção-Geral de Veterinária (facto XI); b) do Despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Pescas, de 23-05-2003 (“Face aos requisitos legais não cumpridos pelo matadouro de Viseu, de acordo com a vistoria a que foi sujeito em Outubro de 2002, no que respeita a condições estruturais, funcionais e higiosanitárias, deverá a Direcção-Geral de Veterinária proceder, com urgência, ao seu encerramento, através do cancelamento do respectivo número de controlo veterinário”] (facto XII) (sublinhados nossos).


A factualidade é elucidativa de que a ré/recorrente, além de ter adquirido o feixe de direitos e deveres societários, decorrentes da compra das acções, adquiriu a empresa, enquanto entidade exploradora dos matadouros de Viseu, Aveiro e Coimbra, com a legítima expectativa de que ela reunia as qualidades devidas para o cabal exercício do seu escopo social, porquanto essas qualidades deverão ser consideradas como integrantes do próprio contrato de compra e venda, existindo em consequência um defeito (ou vício), traduzido na situação de desconformidade com o contrato, pelo facto da sociedade, incluindo a sua situação subjacente (v.g., estabelecimentos) não corresponder às características que eram devidas.

No Acórdão recorrido ponderou-se, a este propósito, “(…) que o que ocorreu in casu – e simplificando por referência ao estabelecimento/matadouro de Viseu que aqui releva – foi uma venda de um bem com uma limitação de direito: o mesmo apenas tinha uma licença de funcionamento “provisória” (dadas as deficiências estruturais e higio-sanitárias do mesmo), sendo que o vendedor comunicou e deu a entender ao comprador que o mesmo estava em vias de ser licenciado definitivamente, por já haverem sido feitas obras; existiu, assim, um vício respeitante ao estado jurídico daquele estabelecimento, vício que a melhor doutrina qualifica como falta de conformidade jurídica (“bem onerado”), consequente do cumprimento imperfeito da obrigação de entrega, donde ser aplicável à situação o regime prescrito no arts. 905.º a 912.º do C. Civil./Admitindo que esse vício possa ser considerado da própria coisa/estabelecimento, que pelos vícios que tinha não podia ser objecto do licenciamento, então o regime aplicável será o da venda de “coisa defeituosa” (a que aludem os arts. 913.º a 922.º do C. Civil, de aplicação subsidiária, ex vi do art. 3.º do C. Comercial, à compra e venda “mercantil”  nos pontos não regulados nos arts. 463.º a 476.º do C. Comercial)./De facto, a distinção entre os dois tipos de vício nem sempre é fácil, mas a questão em geral nem tem particular relevância – na medida em que os dois regimes estão legalmente equiparados pela remissão constante do artigo 913.º do Código Civil; nomeadamente com o sentido de que, por força do art. 905.º do mesmo C. Civil, se integram ambos nos regimes do erro e do dolo (em sentido técnico) – excepção feita quanto à necessidade de denúncia do defeito e ao prazo de exercício dos direitos” (sic, págs. 78/79 do aresto recorrido).

Concorda-se, por inteiro, com tal asserção, sendo certo que propendemos a considerar que se está perante uma situação de compra e venda de coisa defeituosa, e, desde já adiantamos e reiteramos, que, contrariamente ao sustentado pela recorrente, o contrato foi cumprido – nos termos já explanados supra –, embora defeituosamente, não se verificando, in casu, uma situação de erro sobre a base do negócio.

Não há, assim, qualquer tipo de dúvida – contrariamente ao sustentado pela ré/recorrente – de que estamos perante um contrato de execução instantânea, porquanto os efeitos do contrato de compra e venda esgotam-se num só momento, “o efeito translativo é imediato e, depois, há a ter em conta a entrega da coisa e o pagamento do preço”, diversamente do que ocorre no contrato de fornecimento (cf. Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial) - Contratos, 2.ª edição, 2001, pág. 26; na jurisprudência, cf., entre muitos, o Acórdão do STJ, de 07-05-2009, Proc. n.º 09B0057).

Aliás, “o facto de a transferência da propriedade ocorrer logo no momento da celebração do contrato atribui um importante benefício ao comprador”, uma vez que ele se torna logo proprietário da coisa vendida e não apenas credor do vendedor relativamente à sua entrega. E assim, mesmo que ainda não tenham sido cumpridas as obrigações resultantes do contrato, o risco fica a cargo do comprador – cf. art. 796.º, n.º 1, do CC (cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações – Contratos em Especial, Volume III, 2010, 7.ª edição, págs. 30 e 31).

Que assim é, resulta, além do mais, do regime vertido no art. 882.º, n.º 1, do CC, segundo o qual a coisa vendida “deve ser entregue no estado em que se encontrava ao tempo da venda”, solução se afasta da acolhida no art. 3.º, n.º 1, do DL n.º 67/2003, de 08-04 – relativo à compra e venda de bens de consumo – em que a conformidade do bem deve verificar-se “no momento em que a coisa é entregue ao consumidor” (cf. Januário da Costa Gomes, Ser Ou Não Ser Conforme – Em tema de garantia legal de conformidade na venda de bens de consumo, “Estudos de Homenagem ao Prof. Paulo de Pitta e Cunha”, Volume III, 2010, págs. 261/262. Em coerência com o regime do art. 882.º, n.º 1, o art. 918.º do CC, referente aos defeitos supervenientes, dispõe que se a coisa se deteriorar, depois de vendida e antes de entregue, adquirindo vícios ou perdendo qualidades, ou a venda respeitar a coisa futura ou a coisa indeterminada de certo género, são aplicáveis as regras relativas ao não cumprimento das obrigações).

Afastamo-nos assim, e por completo, da tese da ré/recorrente de que se estaria perante um erro-vício.

Com efeito, a declaração de vontade, para ser válida, não deve ter sido provocada por erro, entendido este como a “ignorância ou falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo ou interveio entre os motivos da declaração negocial” (Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, edição revista em 1985, II, pág. 78).

O erro-vício traduz-se “numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que for determinante na decisão de efectuar o negócio” (Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, revista por Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, 2005, pág. 504).

Especificamente, dispõe o art. 252.º do CC:

“1. O erro que recaia nos motivos determinantes da vontade, mas se não refira à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio, só é causa de anulação se as partes houverem reconhecido, por acordo, a essencialidade do motivo.

2. Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído”.

No n.º 2 deste preceito legal, estabelece-se um regime especial para certos casos de erro sobre os motivos: se o erro incidir sobre as circunstâncias que constituem a chamada base negocial, haverá lugar à anulabilidade do contrato, nos termos em que nos arts. 437.º a 439.º se dispõe acerca da resolução por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído, “desde que a exigência das obrigações assumidas afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do negócio” (cf., parte final do art. 437.º, n.º 1, do CC).

Como concretiza Carvalho Fernandes “a base do negócio é constituída por aquelas circunstâncias que, sendo conhecidas de ambas as partes, foram tomadas em consideração por elas na celebração do acto e determinaram os termos concretos do conteúdo do negócio”. Assim, “se as partes, ao celebrarem determinado negócio, dão como verificadas certas circunstâncias, que não existem ou são diferentes das que elas tomaram como certas, há erro”. Porém, “no erro sobre a base do negócio, está em causa o valor do acto no momento da sua celebração, ou seja, um vício genético do negócio, que, como é próprio de tais vícios, deve gerar uma invalidade” (Teoria Geral do Direito Civil, II, 3.ª edição, 2001, págs. 163 e 165).

Nas palavras de Menezes Cordeiro: “A base do negócio será, então, uma representação duma das partes, conhecida pela outra e relativa a certa circunstância basilar atinente ao próprio contrato e que foi essencial para a decisão de contratar”. E, acrescenta: “Quanto aos concretos elementos que integrem a base do negócio e ao quantum de erro que justifique a intervenção do tribunal, há que apelar para o regime da figura, no seu todo. A lei manda aplicar o regime da alteração das circunstâncias. Pois bem: integram a «base do negócio» os elementos essenciais para a formação da vontade do declarante e conhecidos pela outra parte, os quais, por não corresponderem à realidade, tornam a exigência do cumprimento do negócio concluído gravemente contrário aos princípios da boa fé” (Tratado de Direito Civil Português, I, 2009, págs. 833 e 834).

Assim, como se regista dos factos provados nestes autos, a situação não é subsumível à categoria do erro-vício, mas ao regime da compra e venda de coisa defeituosa, uma vez que a ré não podia deixar de saber que o matadouro de Viseu não estava definitivamente licenciado, sendo certo que os seus representantes conheciam as condições concretas em aquele matadouro laborava, enquanto seus utilizadores (facto LII). Tal facto, por si só, é suficientemente concludente para afastar o regime do erro-vício.

Ora, ao passo que o vendedor de participações sociais não responde pelos vícios da empresa de que é titular a sociedade, a doutrina maioritária continua a conceder importância à distinção (já acima apresentada) entre a compra de participações sociais e a compra de empresa, para efeito de aplicação do regime da garantia do comprador: por outro lado, é relevante, para a sujeição ao regime dos arts. 905.º e segs. – venda de coisa onerada – ou 913.º e segs. do CC – venda de coisa defeituosa – apurar se se está perante um vício jurídico, do direito transmitido, ou perante vícios de facto da empresa (cf. Paulo Mota Pinto e Pinto Monteiro, op. cit., págs. 89-92).

Para a aplicação do regime da compra e venda de coisas defeituosas – arts. 913.º e segs. do CC – exige-se que a coisa padeça de um vício que a desvalorize ou que impeça a realização do fim a que se destina, ou que falte uma qualidade assegurada pelo vendedor ou necessária para a realização do fim a que a coisa se destina.

Tal foi, na situação vertente, o facto do licenciamento do matadouro de Viseu não ser definitivo, mas apenas provisório, e de, concomitantemente, apresentar uma série de deficiências funcionais e estruturais, melhor discriminadas nos autos de vistoria – mormente naquele que precedeu a outorga do contrato, datado de 09-02-1999 –, que comprometiam a concessão daquela licença.

Louvando-nos em Calvão da Silva, inexistem grandes dúvidas de que sendo o fim primacial do contrato não o de mera alienação de acções, mas sim a transmissão do domínio e direcção da empresa explorada, esta situação é susceptível de ser subsumida ao regime da compra e venda de coisas defeituosas, previsto no art. 913.º do CC: com efeito, se o objecto mediato do negócio de compra e venda de acções é uma organização complexa de pessoas e bens (os três matadouros devidamente licenciados, com todos os bens corpóreos e incorpóreos, créditos e débitos, etc.), ocorrendo uma não conformidade entre esse objecto e o objecto realmente transmitido, ter-se-á de recorrer àquele regime.

Constitui princípio estruturante, do direito das obrigações, vertido no art. 406.º do CC, o de que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, só podendo modificar-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos legalmente admitidos; essa pontualidade não visa apenas o aspecto temporal, significando que o contrato deve ser executado ponto por ponto, com a integral satisfação de todos os deveres que dele emergem.

Sendo a entrega da coisa o cumprimento de uma obrigação, aplicam-se-lhe as regras gerais deste acto jurídico quanto, por exemplo, ao princípio geral da boa fé e ao tempo e ao lugar da realização da prestação: o vendedor, ao entregar a coisa, bem como o comprador, ao exigi-la, devem proceder de boa fé, tal como promana do art. 762.º, n.º 2, do CC (Pedro Romano Martinez, op. cit., pág. 44).

É pacífico que o dever de entregar a coisa não se reconduz, apenas, ao acto isolado de entrega da coisa, devendo corresponder à entrega da coisa devida, em conformidade com o programa contratual ajustado entre as partes: por isso, mais do que a obrigação do vendedor em entregar a coisa vendida, o vendedor tem a obrigação de entregar “coisa conforme ao contrato”. Este princípio da conformidade ou pontualidade no cumprimento dos contratos aparece preconizado ao longo do Código Civil, mormente nos arts. 406.º, 763.º, 879.º, al. b), e 882.º: na execução da obrigação de entrega da coisa, o vendedor deve respeitar escrupulosamente o contrato, pela tradição da coisa convencionada e nos termos devidos, isenta de vícios ou defeitos, não podendo o comprador ser constrangido a receber coisa diversa da devida.

A definição de coisa defeituosa é-nos dada pelo art. 913.º, n.º 1, do CC:

“1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.

2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.

  Nela avulta, por um lado, a sujeição do vício e a falta de qualidades ao mesmo regime e, por outro, o carácter funcional das quatro categorias de vícios aí previstas: a) vício que desvalorize a coisa; b) vício que impeça a realização do fim a que é destinada; c) falta de qualidades asseguradas pelo vendedor; e, d) falta de qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina.

Assim, desde que o devedor, de forma espontânea ou em resposta a uma pergunta da contraparte, assegure a existência de certos atributos no bem, qualquer falta em relação ao prometido implica um cumprimento defeituoso, bastando, para haver violação do contrato, que a qualidade seja assegurada.

Por sua vez, no domínio do cumprimento defeituoso, importa salientar que tem inteira aplicação o regime do ónus da prova, decorrente do art. 342.º do CC, pelo que sendo a existência do defeito um facto constitutivo dos direitos atribuídos ao comprador, cabe a este a respectiva prova (Nas palavras de Pedro Romano Martinez: “Sempre que o devedor realiza a prestação a que estava adstrito, mas esta não corresponde, totalmente, à que era devida, a violação contratual subsume-se ao cumprimento defeituoso” – Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e na Empreitada, 2001, pág. 31).

Pires de Lima e Antunes Varela, comentando o estatuído no art. 913.º do CC, anotam: “Equiparando, no seu tratamento, os vícios às faltas de qualidade da coisa e integrando todas as coisas por uns e outras afectadas na categoria genérica das coisas defeituosas, a lei evitou as dúvidas que, na doutrina italiana, por exemplo, se têm suscitado sobre o critério de distinção entre um e outro grupo de casos. Como disposição interpretativa, manda o n.º 2 atender, para a determinação do fim da coisa vendida, à função normal das coisas da mesma categoria”(Código Civil Anotado, II, 4.ª edição, 1997, pág. 205)

Escreve, a propósito, Calvão da Silva: “A «venda de coisa defeituosa» respeita à falta de conformidade ou de qualidade do bem adquirido para o fim (específico e/ou normal) a que é destinado. E na premissa de que parte o Código Civil para considerar a coisa defeituosa, só é directamente contemplado o interesse do comprador/consumidor no préstimo ou qualidade da coisa, na sua aptidão ou idoneidade para o uso ou função a que é destinada, com vista à salvaguarda da equivalência entre a prestação e a contraprestação subjacente ao cumprimento perfeito ou conforme do contrato” (Compra e Venda de Coisas Defeituosas (Conformidade e Segurança), 4.ª edição, 2006, pág. 46). Noutro local, o mesmo autor concretiza que “o legislador fundamenta a garantia edilícia num duplo pólo – o pólo do erro e o pólo do cumprimento inexacto ou cumprimento defeituoso – configurando-a com uma natureza híbrida” e prossegue: “Ao conceber assim as coisas, o legislador português articula o pressuposto da garantia nas duas fases sucessivas do negócio: a fase estipulativa, em que o comprador adquire a coisa na errónea convicção de que seja isenta de vícios; a fase executiva, em que a venda, não invalidada, não pode manter-se de pé sem correcções, como se não tivesse sido precedida e afectada na sua função económico-social por uma falsa representação da realidade no momento da sua formação. Por isso, a primeira é tutelada com a anulabilidade (total ou parcial) do contrato, em virtude dos vícios serem anteriores ou contemporâneos da formação do negócio, subsumíveis ao erro; já na segunda fase, a hipótese é considerada por lei como cumprimento defeituoso, em nome da necessidade de corrigir o desequilíbrio ou turbação no sinalagma funcional causado pela projecção daquele erro na aceitação da coisa defeituosa – supostamente isenta de vícios pelo comprador e em regra pelo próprio vendedor - na fase dinâmica da realização do programa prestacional ou programa de cumprimento querido pelas partes” (Parecer relativo à reprivatização da Petrogal, op. cit., págs. 183/184).

Por fim, Menezes Leitão corrobora: “A aplicação do regime da venda de coisas defeituosas assenta em dois pressupostos de natureza diferente, sendo o primeiro a ocorrência de um defeito e o segundo a existência de determinadas repercussões desse defeito no âmbito do programa contratual. Quanto ao primeiro pressuposto, a lei faz incluir assim no âmbito da venda de coisas defeituosas, quer os vícios da coisa, quer a falta de qualidades asseguradas ou necessárias. Apesar de a distinção entre vícios e falta de qualidades não se apresentar fácil, parece que se poderá sustentar que a expressão «vícios», tendo um conteúdo pejorativo, abrangerá as características da coisa que levam a que esta seja valorada negativamente, enquanto que «a falta de qualidades», embora não implicando a valoração negativa da coisa, a coloca em desconformidade com o contrato ” (Direito das Obrigações – Contratos em Especial, III, 7.ª edição, 2010, pág. 124. Por sua vez, Pedro Romano Martinez, Compra e Venda e Empreitada, “Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977”, 2007, III, pág. 246, expende: “Para a compra e venda, o art. 913.º considera que há defeito em três situações: se existe um vício que desvaloriza ou impede a realização do fim contratual da coisa vendida; se a coisa vendida apresenta uma falha em relação à qualidade assegurada; se falta na coisa vendida a qualidade necessária para a realização do fim a que se destina”).

Em suma, o relevante para se aferir da correcta execução da prestação do contraente vendedor é saber se a coisa vendida é idónea para a função a que se destina, consagrando a lei, pois, um critério funcional: “vício que desvaloriza a coisa ou impede a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina. Nesta medida, diz-se defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente – função negocial concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina (art. 913.º, n.º 2)” (Novamente, Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, pág. 42).

O defeito, traduzido na falta de qualidades assinalada supra, está assim directamente relacionado com a desconformidade da “coisa” com o contrato, repercutindo-se no programa contratual por via daquilo que Menezes Leitão apelida de inaptidão para o fim a que a coisa é destinada: “O impedimento da realização do fim a que a coisa se destina corresponde (…) a uma concepção subjectiva do defeito, estando em causa as utilidades específicas que o comprador pretende que lhe sejam proporcionadas pela coisa. Esta indicação do fim tem, no entanto, que ser aceite pelo vendedor, ainda que tal possa ocorrer tacitamente, como sucede no caso de o comprador indicar ao vendedor que pretende dar um uso específico ao bem, concordando ele com esse facto. Se, no entanto, não houver aceitação de uma destinação específica da coisa pelo vendedor, entende-se que a coisa se destina à função normal das coisas da mesma natureza (art. 913.º, n.º 2)” (Menezes Leitão, op. cit., pág. 125).

Pois bem. Para proteger o comprador de coisa defeituosa, o art. 913.º, n.º 1, do CC, manda observar, com as necessárias adaptações, o prescrito na secção relativa aos vícios de direito – cf. arts. 905.º e segs..

Daí resulta que o Código Civil concede ao comprador os seguintes direitos: 1) Anulação do contrato, por erro ou dolo, verificados os respectivos requisitos de relevância exigidos pelos arts. 251.º e 254.º; 2) Redução do preço, quando as circunstâncias do contrato mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os bens, mas por um preço inferior (art. 911.º); 3) Indemnização do interesse contratual negativo, traduzido no prejuízo que o comprador sofreu pelo facto de ter celebrado o contrato, cumulável com a anulação do contrato ou redução ou minoração do preço (arts 908.º, 909.º e 911.º, por força do art. 913.º); 4) Reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a sua substituição (art. 914.º, 1.ª parte), independentemente de culpa do vendedor, se este estiver obrigado a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, quer por convenção das partes, quer por força dos usos (art. 921.º, n.º 1).

Independentemente disso, o comprador pode escolher e exercer autonomamente a acção de responsabilidade civil pelo interesse contratual positivo decorrente de cumprimento defeituoso ou inexacto, presumidamente imputável ao devedor (arts. 798.º, 799.º e 801.º, n.º 1, do CC), sem fazer valer outros remédios, ou seja, sem pedir a resolução do contrato, a redução do preço, ou a reparação ou substituição da coisa.

Dilucidado que estamos perante um caso de compra e venda de coisa defeituosa (e não de erro), há, então, que observar o estatuído nos arts. 916.º e 917.º do CC, quanto aos prazos de denúncia do defeito e de exercício judicial dos direitos.

O art. 916.º, n.º 1, do CC, prescreve que o comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este tiver usado de dolo (como diz Menezes Leitão: “Há, assim, a imposição ao comprador de um ónus de denúncia dos defeitos da coisa ao vendedor, com o qual se visa permitir-lhe adquirir conhecimento dos defeitos da coisa vendida, que poderia ignorar” – op. cit., pág. 129).

Os prazos para denúncia dos defeitos variam consoante se trate de bens móveis ou imóveis. Relativamente aos bens móveis, o prazo de denúncia é de trinta dias após o conhecimento do defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa; em caso de imóveis, esses prazos elevam-se para, respectivamente, um e cinco anos – cf. n.ºs  2 e 3, do art. 916.º.

O art. 917.º do CC, por sua vez, estatui que a acção de anulação por simples erro, além de pressupor a denúncia dentro dos prazos estabelecidos no art. 916.º, deve ser instaurada no prazo de seis meses – salvo se o contrato ainda não estiver integralmente cumprido, caso em que poderá ser instaurada a todo o tempo (cf. art. 287.º, n.º 2, do CC).

Não se vê razão, em todo o caso, para deixar de seguir o entendimento largamente maioritário, na doutrina e na jurisprudência (cf., entre muitos arestos, o Acórdão do STJ, de 16-03-2011, Proc. n.º 558/03.3TVPRT.P1.S1), de que o prazo de caducidade previsto no art. 917.º do CC (seis meses) se deverá aplicar, por interpretação extensiva, para além da acção de anulação, também às acções que visem obter a reparação ou substituição da coisa, ou ainda a redução do preço e o pagamento de uma indemnização pela violação contratual. Isto é, este preceito legal aborda a questão do prazo de caducidade da acção – prazo para interpor a acção judicial contra o vendedor com base na responsabilidade pelo cumprimento defeituoso.

Vistos os ensinamentos reproduzidos, e o caso em apreço, estamos plenamente convictos que a Relação bem andou na solução acolhida, designadamente no que toca à verificação da caducidade dos direitos da ré/reconvinte/recorrente, pelo que sufragamos, sem reservas, o que ali se escreveu nesta parte: “(…) In casu a ré teve conhecimento do vício logo em 1 de Junho de 1999, quando teve lugar a vistoria ao matadouro de Viseu a que se reporta o facto V, atento o teor do que ficou exarado no auto respectivo quanto à extensão e natureza das obras em falta e recomendações não supridas, e bem assim face ao entendimento expresso pelos Exmos. Peritos no sentido de que “(…) o estabelecimento não reúne condições para homologação de acordo com a Directiva 64/433/CEE de 26 de Junho (Portª. 971/94 de 29/10) pelo que se propõe o assunto à consideração superior.(...)"./ Conhecimento que ficou inquestionavelmente assente quando, poucos dias depois, em 16 de Junho de 1999 teve lugar nova vistoria – é a que se reporta o facto VI – mormente pelo que daí resultou, a saber, sem prejuízo da realização naquele matadouro pela Ré de uma remodelação profunda com adequação à legislação em vigor, foi proposto superiormente que a empresa proprietária do estabelecimento tivesse um prazo máximo de doze meses para a conclusão de obras de um novo estabelecimento e de trinta dias para a apresentação desse projecto, sem embargo de, na ponderação de outros interesses, nomeadamente por se considerar que estavam garantidos os requisitos mínimos de funcionamento de modo a garantir a segurança do produto final, ter igualmente sido posto à consideração superior que o estabelecimento se mantivesse em laboração como solução provisória até ao Licenciamento de nova unidade./ Neste conspecto, e sem prejuízo da ré ter feito a denúncia dentro do prazo de 6 meses com e através da carta datada de 5 de Julho de 1999, a que se reporta o facto XVII, o que é certo é que não exerceu qualquer direito através de propositura de acção nos anos subsequentes, apenas o fazendo em via reconvencional nestes autos, quase 5 anos depois dessa “denúncia”, com a contestação que neles apresentou em 1 de Março de 2004 (cf. fls. 65). Só que estava a essa data da apresentação da contestação/reconvenção há muito esgotado o prazo de que dispunha para esse efeito à luz do disposto no art. 917.º do C. Civil. Como igualmente o estava nos termos e para o efeito do previsto no art. 287.º, n.º 1 do C. Civil. Sendo certo que, em nosso entender não é de todo caso de aplicação da ressalva constante do art. 287.º, n.º 2 do C. Civil, isto é, do exercício do direito a poder ser feito sem dependência de prazo, por ser caso de o negócio ainda não estar cumprido./ Com efeito, ao invés do sustentado na sentença recorrida, não releva para este efeito a obrigação assumida pela Ré de manter aberto o dito Matadouro de Viseu pelo clausulado prazo de 5 anos, segundo a interpretação de que enquanto este prazo não estivesse concluído o negócio não estava cumprido para este efeito./De facto, cremos ser entendimento pacífico o de que a compra e venda é dotada de eficácia real e obrigacional, tendo como efeitos essenciais “um” direito real, a saber, a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito vendido, e “dois” direitos obrigacionais, a saber, a obrigação, para o vendedor, de entregar a coisa objecto do contrato e a obrigação, para o comprador, de pagar o respectivo preço [vide BAPTISTA LOPES, in “Do Contrato de Compra e Venda”, Almedina, Coimbra, 1971, a págs. 89]. Ora, face a esta definição, não vemos como pode legitimamente ser sustentado que in casu o contrato não se encontrava cumprido à data da apresentação da contestação/reconvenção… A obrigação decorrente da cláusula quarta configurou entre as partes um dever lateral do contrato. É sabido, com efeito, que ao lado das obrigações principais, decorrentes da celebração de contratos, surgem ou podem surgir outras obrigações, sejam elas resultantes de deveres laterais ou acessórios, de puras expectativas, de direitos potestativos, sujeições ou ónus jurídicos. As obrigações “laterais” ou “acessórias” surgem-nos como o resultado do comprometimento das partes e ligadas ao cumprimento das obrigações principais, com estas coenvolvidas, mas não é por isso legítimo sustentar que sem o seu cumprimento não se mostra cumprido o contrato – para os ditos efeitos do art. 287.º, n.º 2 do C. Civil. Assim, quanto ao direito à “redução” do preço, o A./recorrente arguiu válida e tempestivamente a excepção peremptória de caducidade – ainda que não a qualificando ou nomeando como tal – enquanto fundada e com referência a vícios na formação da vontade, como é o erro na formação de vontade, pressuposto em ambos os regimes da venda de coisa defeituosa e da venda de coisa onerada com defeito de “direito”, nos termos supra expostos./O que significa a procedência dessa excepção nessa correspondente medida” (sic, fls. 80-82 do aresto recorrido).


Resumindo, valorando os considerandos acima reproduzidos, e atendendo à factualidade provada quanto à data do conhecimento pela ré/recorrente dos defeitos do matadouro de Viseu – e do não licenciamento do mesmo –, data essa que, inequivocamente, se teria dado, pelo menos, em 05-07-1999, quando a ré escreveu a carta de fls. 233 a 237 e segs. dos autos, à AA - SGPS, com conhecimento ao Sr. Secretário de Estado da tutela (factos XVII e XXXII), e sopesando, igualmente, a data em que a ré contestou e deduziu reconvenção neste processo, em 01-03-2004 (cf. fls. 65 dos autos), é manifesto que o prazo de caducidade para a Matadouros da Beira Litoral, S.A., fazer valer as suas pretensões, decorrentes da venda de coisa defeituosa, há muito se encontrava transcorrido – cf. art. 917.º do CC (o mesmo acontecendo se se tratasse da venda de coisa onerada ex vi dos arts. 287.º, n.º 1, e 905.º, ambos do CC).

O mesmo se diga, ademais, no que tange à alegada responsabilidade pré-contratual do autor. A responsabilidade pré-contratual, a que alude o art. 227.º do CC, situa-se entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual, porquanto não emerge, em rigor, nem do incumprimento de uma obrigação previamente assumida, nem da violação de um dever genérico de respeito de direitos absolutos (cf. Acórdão do STJ, de 20-03-2012, Proc. n.º 1903/06.4TVLSB.L1.S1).

É comum aludir-se a deveres de informação, de comunicação e de esclarecimento na fase negociatória de qualquer contrato, mas não se pode olvidar que a densificação desses deveres é bastante variável, acentuando-se que, no caso de aquisição de empresas, existe, da parte do comprador, um ónus de informação deste, que implica uma cuidada auditoria à sociedade que pretende adquirir, uma verdadeira diligência devida ou due diligence (cf. Paulo Mota Pinto e Pinto Monteiro, op. cit., págs. 77 e 91).

Ora, como se referiu no aresto recorrido, “estando o dito matadouro de Viseu apenas licenciado «provisoriamente», não era por o vendedor informar/comunicar à compradora ora ré que tal estabelecimento “estava em vias” de ser licenciado “por haverem sido feitas obras”, que autorizava esta a, sem mais, em tal confiar, dispensando-se de averiguar autonomamente a situação, junto da entidade licenciadora e da própria vendedora, nomeadamente exigindo a consulta e confronto de todo o dossier a tal respeitante!/ Note-se que a vendedora nem sequer informou/comunicou que tivessem sido feitas “todas” as obras exigidas pelas entidades licenciadoras, acrescendo que não assumiu nenhum dever lateral de ser a própria a responsável pela obtenção do licenciamento definitivo, ou garantindo que este seria obtido naquelas circunstâncias./Neste conspecto, ressalta necessariamente uma atitude negligente da ora ré, que sendo formada maioritariamente por agentes económicos com conhecimento e acção no sector de actividade económica dos serviços de abate de gado (comerciantes e produtores), e cujos representantes bem conheciam as condições de funcionamento reais daquele matadouro (cf. facto LII), não podiam deixar de conhecer, por um lado, as exigências das novas normas comunitárias para o funcionamento dos estabelecimentos naquele sector de actividade (sendo até que o desconhecimento da lei, em geral, não escusa – cf. art. 6.º do C. Civil), e que, por outro lado, no confronto daquelas, o matadouro de Viseu incontornavelmente não teria condições de «conformidade»” (sic, págs. 85/86).

Aliás, o que ressalta dos factos provados é que apesar de estar demonstrado que a ré foi informada de que o matadouro de Viseu estava em vias de ser licenciado por haverem sido feitas obras (facto XXXVII), daí não se pode concluir que essa informação foi determinante para a ré ter decidido comprar as acções da CC - LUSA, porquanto apenas se provou que a ré não teria aceitado subscrever a cláusula penal se tivesse conhecimento, à data da outorga do contrato, que as autoridades licenciadoras não permitiriam o funcionamento do matadouro de Viseu durante, pelo menos, os cinco anos previstos naquela cláusula (facto LI). Por isso, mesmo que a tese da ré/recorrente fosse de acolher – e não é pelos motivos já assinalados –, ter-se-ia de concluir que o comportamento que a Matadouros da Beira Litoral, S.A., teria assumido era apenas de não aceitar subscrever a dita cláusula penal.

Acresce, por fim, que sempre se dirá que, na data em que a ré deduziu a sua reconvenção, em 01-03-2004 (cf. fls. 65), já há bastante tempo se tinha exaurido o prazo prescricional para apresentar qualquer indemnização decorrente da alegada responsabilidade pré-contratual, o qual é de 3 anos ex vi do art. 498.º, n.º 1, do CC.

Improcedem, assim, todas as conclusões vertidas nas alíneas D. a S. do recurso da ré/reconvinte.


1. c) Crime de burla e prazo prescricional:


A finalizar, no que se reporta à questão que a recorrente agora coloca de que a vendedora teria incorrido num hipotético crime de burla, pelo que o prazo de prescrição da responsabilidade civil seria o do procedimento criminal ex vi do art. 498.º, n.º 3, do CC, trata-se, manifestamente, de questão nova, pelo que não será a mesma aflorada.

De facto, não tendo sido alegado pela recorrente, no âmbito do seu recurso de apelação, esta questão, a qual apenas aparece colocada em sede de recurso de revista, ela constitui, manifestamente, questão nova que o acórdão não tem que apreciar.

Tratando-se de questão nova, que não foi posta, nem consequentemente resolvida pela Relação, não pode ela ser considerada pelo Supremo, no recurso de revista, pois os recursos visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões novas.

Acresce que a prescrição, não sendo de conhecimento oficioso, devia ser invocada nos articulados, sob pena de preclusão.

De facto, a prescrição aproveita a todos os que dela possam tirar proveito, mas, por outro lado, o tribunal não pode conhecer oficiosamente da excepção da prescrição, uma vez que, para ser eficaz, tem de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, sendo um instituto concedido essencialmente no interesse do devedor, pelo que não é de conhecimento oficioso – cf. arts. 301.º e 303.º do CC.

E, assim sendo, o conhecimento da excepção da prescrição rege-se pelo princípio do dispositivo, pelo que deve ser apreciada pelos fundamentos invocados pela parte que a suscita (Neste sentido, cf. Acórdãos do STJ, de 15-09-2011, Proc. n.º 1951/09.2TVPRT.P1.S1; de 11-10-2011, Proc. n.º 2041/07.8TVLSB.L1.S1; de 10-11-2011, Proc. n.º 4950/09.0TVLSB.L1.S1; de 18-10-2010, Proc. n.º 1227/08.2TVLSB.L1.S1 – todos acessíveis nos cadernos dos sumários do STJ – assessoria cível).

Destarte, uma vez que as questões apresentadas pela ré/recorrente, no seu recurso para o STJ, relativas à aplicação do regime do prazo prescricional alargado, não integravam o objecto do recurso para a Relação, tratando-se, ostensivamente, de questões novas, extravasam, as mesmas, os poderes de cognição deste Supremo Tribunal.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões T. a Z do recurso de revista da ré/reconvinte.

Tanto basta para concluir pela total improcedência desta revista nesta matéria.


2. Recurso subordinado do Estado Português.


Levanta-se, como questão prévia, a admissibilidade deste recurso, perante o teor das contra-alegações da ré/recorrida, que sob as alíneas A. a O. (cf. fls. 2352 a 2358), suscita a inadmissibilidade legal do recurso subordinado, por verificada uma situação de dupla conforme. Sem razão, todavia.

Tendo a acção sido instaurada em 21-01-2004 (cf. carimbo de entrada da petição inicial – cf. fls. 2), foi proferido o acórdão recorrido em 05-11-2013 (cf. fls. 2106), a confirmar, sem qualquer voto de vencido, a sentença antes proferida (em 30-04-2012) no que respeita à questão da cláusula penal.

Tendo entrado em vigor o Novo Código do Processo Civil (NCPC), em 01-09-2013, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26-06, preceitua o art. 7.º, n.º 1, daquele diploma legal que “aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008 aplica-se o regime dos recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com excepção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código do Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.”

Por sua vez, dispõe o mencionado n.º 3 do art. 671.º: “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.

Assim, relativamente aos processos instaurados antes de 1 de Janeiro de 2008 – data da entrada em vigor do referido DL n.º 303/2007 – aplica-se o regime deste mesmo diploma legal, com excepção da restrição da revista em situações de dupla conforme, ou seja, sem esta limitação, a qual, à data da instauração da acção, não existia.

Esta posição é sustentada, sem margem para quaisquer dúvidas, por toda a doutrina (cf. a título de exemplo, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código do Processo Civil, pág. 15; Abílio Neto, Novo Código do Processo Civil Anotado, pág. 12; e Mário Carvalho Gonçalves, Cadernos de Direito Privado, n.º 44 (Outubro/Dezembro de 2013), pág. 23).

A revista subordinada é, pois, admissível.


Vejamos:


Procede, da referida cláusula 5.ª do contrato, que os outorgantes estipularam uma cláusula penal, em montante equivalente a 50% do valor global de alienação das acções (i.e., no montante de € 356 829,25), a ser paga pela ré (ao autor), para o caso de haver incumprimento, pela compradora, da obrigação de manter abertos, activos e operacionais os matadouros de Aveiro e Viseu, por forma a garantir a continuidade dos abates de animais, pelo menos, durante 5 anos a contar da celebração do contrato, com total respeito pelos requisitos impostos pela legislação em vigor.

Extrai-se do art. 810.º do CC, titulado “Cláusula Penal”, que as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível em caso de incumprimento contratual, disciplinando-se, no art. 811.º, o seu funcionamento.

A doutrina vem definindo a cláusula penal como sendo a estipulação mediante a qual as partes – qualquer delas ou apenas uma – convencionam ou fixam antecipadamente, antes de ocorrer o facto constitutivo da responsabilidade, uma determinada prestação, normalmente uma quantia em dinheiro, que o devedor deverá satisfazer ao credor, na eventualidade do incumprimento das obrigações assumidas como sejam os casos de não cumprimento, cumprimento defeituoso ou não cumprimento perfeito (mora) (vide, entre outros autores, Vaz Serra, Pena Convencional, BMJ n.º 67, 1957, pág. 185; e Pinto Monteiro, Cláusula Penal e de Indemnização, 1990, pág. 602).

No conceito de cláusula penal cabem as cláusulas penais indemnizatórias e cláusulas penais compulsórias: “nas primeiras (cláusulas penais indemnizatórias), o acordo das partes tem por exclusiva finalidade liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso; nas segundas (cláusulas penais compulsórias), o acordo das partes tem por finalidade compelir o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o não cumprimento” (Nuno Manuel Pinto Oliveira, Cláusulas Acessórias ao Contrato – Cláusulas de Exclusão e de Limitação do Dever de Indemnizar – Cláusulas Penais, 2.ª edição, 2005, págs. 63-64).

Pois bem, no negócio jurídico em apreço procurava-se garantir a continuidade dos abates de gado [a cláusula penal visava acautelar o interesse dos produtores pecuários e o interesse público local na “continuidade dos abates de gado” sem ruptura de abastecimento aos consumidores (facto XXXVI)], tendo a ré assumido a obrigação de prestar o serviço de abate oferecido pelos matadouros de Aveiro e Viseu até, pelo menos, 25-03-2004.

Como decidido pelas instâncias, esta cláusula penal tinha uma função compulsória, visando pressionar a ré, na qualidade de devedora, a cumprir aquela obrigação.

Acontece, porém, que, objectivamente, a ré não cumpriu a obrigação de prestar aqueles serviços de abate, de acordo com os requisitos legalmente impostos, no que ao matadouro de Viseu diz respeito – nem veio a demonstrar a intenção de construção de qualquer unidade que substituísse esse matadouro –, o que motivou o seu encerramento a 23-05-2003 – data do despacho do Sr. Secretário de Estado Adjunto e das Pescas (facto XII), tendo o encerramento sido levado a cabo em 07-06-2003 (facto XV) e, definitivamente, com efeito a partir de 18-06-2003 (facto XLVIII) –, por não se mostrar em conformidade com a legislação nacional e comunitária aplicável (tendo os Serviços da Direcção-Geral de Veterinária (facto XI) certificado o incumprimento das condições estruturais, funcionais, higiénicas e sanitárias).

Sendo inquestionável que a ré não logrou manter aberto o matadouro de Viseu pelo prazo convencionado de 5 anos – à data do encerramento estavam decorridos 4 anos, 2 meses e 22 dias –, é tempo de indagar se, todavia, se poderá sancionar a mesma no pagamento daquela cláusula penal.

A resposta, evidentemente, só pode ser negativa – desde logo por se ter considerado que estamos em face de uma situação de compra e venda de coisa defeituosa, por banda do Estado –, dando-se aqui por reproduzidas as considerações do Acórdão recorrido, a este respeito tecidas, e com as quais concordamos.

Efectivamente, não é legítimo sustentar que o encerramento foi uma ocorrência inesperada para o autor: ao invés, tendo o estabelecimento (matadouro de Viseu) uma licença apenas “provisória”, fruto das suas múltiplas e profundas deficiências estruturais, o mais natural e expectável era que, não tendo a alienante daquele matadouro de Viseu providenciado pelo seu adequado e integral suprimento, o encerramento viesse a ter lugar.

Por outro lado, a ré não se vinculou a levar a efeito as obras necessárias para que o estabelecimento pudesse continuar a operar, ou a ter que obter o licenciamento definitivo daquele matadouro, como condições para assegurar a continuidade da prestação de serviços de abate oferecido pelo matadouro de Viseu até, pelo menos, 25 de Março de 2004.

O pressuposto da negociação entre as partes e do convencionado sob a cláusula 5.ª do contrato foi o de que as partes celebraram o contrato no pressuposto e expectativa de que aquele matadouro estava operacional, sendo verdade, outrossim, que a vendedora das acções da CC - LUSA informou a compradora que o estabelecimento estava em vias de ser licenciado (facto XXXVII).

Aliás, a ré veio a fazer variadas obras, desde Março de 1999 (factos XLII e XLIII), como não deixou de ser reconhecido positivamente nas vistorias a que o matadouro de Viseu foi na sequência sujeito, o que, aliás, permitiu que viesse a ser prorrogado o licenciamento provisório por mais de 4 anos.

Não se olvide, igualmente, que as partes celebraram o contrato no pressuposto e expectativa de que o matadouro de Viseu estava operacional, embora não definitivamente licenciado, e poderia funcionar ainda por vários anos (facto XXXVIII).

Do expendido supra extrai-se que, tal como decidido no Acórdão recorrido, também em nosso entender, a impossibilidade do cumprimento – leia-se, a prestação dos serviço de abate através do matadouro de Viseu durante todo o período temporal de 5 anos a contar desde 25 de Março de 1999 – não foi imputável à ré, tendo esta logrado afastar a presunção de culpa do incumprimento desse dever lateral a que se obrigara no contrato – cf. art. 799.º, n.º 1 do CC.

Diga-se, por outro lado, que na circunstância, o comportamento do autor/recorrente – ao pretender accionar e exigir o pagamento da cláusula penal – constituiria um abuso do direito, nos termos do art. 334.º do CC, tal como muito bem está explicado no Acórdão recorrido (neste preciso sentido, Pinto Monteiro, op. cit., pág. 722), e para onde remetemos, ao abrigo do disposto no art. 663.º, n.º 5, aplicável ex vi do art. 679.º, ambos do NCPC.

A terminar, não se compreende bem como descortinar o “prejuízo” do Estado, aqui recorrente, com referência à violação da obrigação contratual constante da cláusula penal: por um lado, o matadouro de Viseu, já sob a gestão da ré, prestou os serviços de abate, como se indicou antes, durante um total de 4 anos, 2 meses e 22 dias, dos 5 anos constantes daquela cláusula; por outro lado, após o seu encerramento, não deixaram de ser prestados os serviços de transporte, abate, comercialização e distribuição de gado dos utentes do matadouro de Viseu, sem encargos para estes (facto XIX); por fim, sem embargo de a cláusula penal visar acautelar o interesse dos produtores pecuários e o interesse público local na “continuidade dos abates de gado” (facto XXXVI), a realidade é que não ocorreu qualquer ruptura de abastecimento aos consumidores na zona centro do País. Donde se retira que a ré, também por esta via, conseguiu fazer a prova de que inexistiu qualquer prejuízo do Estado, o que torna inexigível peticionar a soma indemnizatória predeterminada constante da cláusula penal (ou mesmo reduzi-la, como a título subsidiário consta da 13.ª conclusão do recurso subordinado) (também assim, Pinto Monteiro, op. cit., págs. 723-724).

Soçobram assim, na globalidade, as conclusões do recurso subordinado do Estado.


Do exposto, conclui-se que ambas as revistas, da ré e do autor, deverão improceder, sendo de manter a decisão da Relação de Coimbra.


Tudo visto e sumariando (cf. n.º 7 do art. 663.º do NCPC):


1 - A aquisição de uma empresa pode ser efectuada quer através da sua aquisição directa, com a transmissão do estabelecimento, quer indirectamente, mediante a aquisição da totalidade ou da maioria do capital social da sociedade comercial que é titular da empresa.

2 - Para indagar se com a compra e venda de acções se pretendeu, apenas, a transmissão das participações sociais (compra de direitos) ou, também, da empresa (compra de uma coisa), terá de recorrer-se, entre outros, aos seguintes elementos: interpretação do clausulado contratual, percentagem de participações sociais alienadas, análise do processo que conduziu à formação do contrato e modo de fixação do preço das participações sociais.

3 - A distinção entre compra de participações sociais e compra de empresa é especialmente relevante, em caso de existência de desconformidades na empresa, para efeitos de aplicação do regime da compra e venda de coisas defeituosas.

4 - Tendo uma sociedade comercial, através da compra e venda de acções de uma sociedade anónima, adquirido, além dos direitos e deveres societários inerentes às participações, a própria empresa, com a legítima expectativa de que ela reunia as qualidades devidas para o cabal exercício do seu escopo social, a falta dessas qualidades, traduzindo uma situação desconformidade com o contrato, consubstancia a existência de defeitos ou vícios.

5 - Se, aquando daquela aquisição, os representantes da sociedade compradora das acções conheciam as condições concretas em que a empresa adquirida laborava, uma vez que eram seus utilizadores, designadamente que a mesma não estava licenciada a título definitivo para exercer a sua actividade, é de afastar a existência de erro-vício incidente sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio.

6 - Uma vez que o contrato de compra e venda (das acções e da empresa) é um contrato de execução instantânea, produzindo imediatamente os seus efeitos, o prazo para o exercício dos direitos decorrentes da compra e venda da coisa defeituosa (i.e., anulação do contrato, redução do preço, indemnização, reparação da coisa ou sua substituição) começa a contar a partir da data do conhecimento do defeito.

7 - Nas situações de aquisição de empresas, sem prejuízo dos deveres de informação, de comunicação e de esclarecimento na fase negocial do contrato, existe, da parte do comprador, um ónus reforçado de informação deste.

8 - A questão do alargamento do prazo prescricional, por via da aplicação do regime do art. 498.º, n.º 3, do CC, apenas suscitada em sede de recurso, constitui uma questão nova que, não sendo de conhecimento oficioso, extravasa os poderes de cognição do tribunal de recurso.

9 - Tendo sido convencionada uma cláusula penal compulsória, por via da qual a sociedade adquirente da empresa se vinculava a mantê-la em laboração por um determinado período temporal, o encerramento de um dos seus estabelecimentos, antes de transcorrido aquele prazo, não é susceptível de desencadear o accionamento daquela cláusula nomeadamente, quando a compradora logrou afastar a presunção de culpa de incumprimento, a que alude o art. 799 nº1 do C. Civil e se verifica uma situação de venda de coisa defeituosa


III - Decisão:



Nestes termos e em conformidade com os fundamentos expostos, acordam os Juízes deste Supremo em negar as revistas (principal e subordinada), confirmando o Acórdão recorrido.


Custas por ambas as partes, na proporção dos respectivos decaimentos.


Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 26 de novembro de 2014



Tavares de Paiva (Relator)


Abrantes Geraldes


Bettencourt de Faria