Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S3380
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
REMISSÃO ABDICATIVA
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
ÓNUS DA PROVA
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ200803120033804
Data do Acordão: 03/12/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário : I - A arguição de nulidades de acórdãos da Relação deve, por força do estatuído nas disposições combinadas dos artigos 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, sob pena de se considerar extemporânea e não se conhecer das nulidades arguidas somente nas alegação de recurso.
II - Tal exigência, justificada por razões de celeridade e economia processual, que, marcadamente, inspiram o processo laboral, visa possibilitar ao tribunal recorrido a rápida e clara detecção das nulidades arguidas e respectivo suprimento.
III – Por isso, não cumpre a referida exigência legal, a arguição da nulidade do acórdão da Relação, omitida no requerimento de interposição do recurso, e feita só no momento da apresentação da alegação da revista, uma vez que não permite que o tribunal recorrido, no momento em que se debruça sobre o requerimento de interposição, designadamente para apreciar da admissibilidade do recurso, facilmente se aperceba de quais os vícios apontados à decisão impugnada e respectivos fundamentos, de modo a que, rapidamente, deles tome conhecimento, procedendo, se for caso disso, à sanação, do que poderá resultar a desnecessidade de subsistir o recurso.
IV - Dada a natureza contratual da remissão abdicativa, pressupõe duas manifestações de vontade ou declarações – a do credor no sentido de perdoar a dívida e a do devedor de aceitar o perdão.
V - A vontade de perdoar a dívida como a de aceitação do perdão não exigem uma declaração expressa, podendo deduzir-se de manifestações que, não tendo expressão directa por palavras ou escritos, as revelem com um grau de probabilidade que as tornem inequívocas, quando apreciadas à luz do padrão de comportamento que rege a tomada de decisões por uma pessoa sensata.
VI - Por se tratar de facto extintivo do direito invocado pelo autor, incumbe ao réu o ónus da prova da declaração de remitir a dívida (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
VII - Não configura remissão abdicativa quanto a eventuais direitos do autor a diferenças salariais, subsídio por isenção de horário de trabalho e outros créditos directamente emergentes da prestação efectiva de trabalho, o facto de entre o autor e o réu, por iniciativa daquele, ter sido celebrado um acordo de suspensão do contrato de trabalho, com a fixação ao autor de uma prestação mensal de valor superior àquela a que teria direito segundo o Acordo de Empresa e a criação, por força do acordo, de uma situação semelhante à da pré-reforma.
VIII - O poder do Supremo de ordenar a ampliação da decisão da matéria de facto, a que se refere o artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, tem o seu âmbito delimitado pelos factos articulados pelas partes.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. "AA" demandou, através de acção instaurada em 24 de Novembro de 2000, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, “Empresa-A, S.A.”, alegando, no essencial, que:
Foi admitido ao serviço da antecessora da Ré, “Telefones de Lisboa e Porto, S.A. (...)”, em Janeiro de 1974, tendo sido promovido, em 24 de Maio de 1984, à categoria de Técnico Superior Especialista, que detinha quando os TLP se fundiram na Ré, em Maio de 1994, e manteve até 30 de Novembro de 1999;
Em Junho de 1992, foi convidado pela Administração para desempenhar outras funções mais complexas, que acarretavam a atribuição de um nível salarial superior, um subsídio de 30% da retribuição a título de isenção de horário de trabalho (IHT), telefone de serviço com direito a 3.000 impulsos anuais gratuitos e utilização de uma viatura com todas as despesas inerentes à mesma a cargo da Ré, convite que aceitou, passando a desempenhar tais funções;
Apesar de a Ré ter aprovado a atribuição daquelas correspondentes regalias, nunca lhas pagou e só lhe atribuiu a viatura até 1995.
Os respectivos valores, que o Autor tem direito a receber, devem, ainda ser integrados na prestação que a Ré lhe vem pagando, por força do acordo de suspensão do contrato de trabalho, celebrado entre as partes em 23 de Novembro de 1999.

Com tais fundamentos, pediu a condenação da Ré: i) no pagamento da quantia de Esc.: 38.637.410$00, referente a diferenças de retribuição, entre o que a Ré lhe pagou e o que devia ter-lhe pago nos anos de 1992 a 2000; ii) a rever a retribuição que se encontra a pagar-lhe em virtude da suspensão do contrato de trabalho, aumentando-a em Esc.: 476.203$00 mensais.

Na contestação, a Ré, a pugnar pela improcedência da acção, disse, em resumo, que, em 23 de Novembro de 1999, celebrou com o Autor um acordo de suspensão do contrato de trabalho no qual foi estipulado que, até à pré-reforma do Autor, a Ré lhe pagaria a quantia de Esc.: 423.665$00 (cláusula 2.ª); que esse acordo foi livremente aceite por ambas as partes e nele não foi salvaguardado o direito de o Autor receber quaisquer outras prestações; que tal acordo se mantém em vigor e só poderá ser alterado por escrito no âmbito de novo acordo das partes, conforme ficou clausulado, sendo que o Autor não põe em causa a sua validade. No mais, impugnou a factualidade alegada na petição inicial.

2. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.

O recurso de apelação, que o Autor levou ao Tribunal da Relação de Lisboa, foi julgado parcialmente procedente, em consequência do que se decidiu:

[...]

- Condenar a R. Empresa-A, S. A. a pagar ao A. AA, as quantias supra indicadas nos pontos 16, 17 e 18 da factualidade provada, referentes a diferenças salariais entre a remuneração pelo nível 8 e a recebida pelo A.; a IHT correspondente a 30% do vencimento e diuturnidades; a diferença entre o valor dos 1 000 e os 3 000 impulsos telefónicos, vencidos desde Junho de 1992 até 30/11/1999, bem como as quantias mensais referidas no ponto 19 da factualidade provada, relativas à atribuição de viatura e vencidas entre Abril de 1995 e 30/11/1999, a liquidar, se necessário, em execução de sentença.

- Confirmar, no mais, a decisão recorrida.

[...]

Ambas as partes se revelaram inconformadas com esta decisão, tendo, cada uma delas, apresentado o seu requerimento de interposição de recurso de revista.

O recurso do Autor não foi recebido por ter sido julgado extemporâneo, não tendo o despacho que assim decidiu sido objecto de impugnação.

Admitido o recurso da Ré, veio esta apresentar a respectiva alegação, que terminou com as conclusões, assim redigidas:

1. O Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa é nulo por violação da alínea d) do n.º 1 do Art.º 668.º do C.P.C. e artigos 217.º e 863.º do C.C., por entender que o Tribunal A Quo não se pronunciou sobre questões pertinentes e porque conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento e que vão além da matéria considerada provada

2. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fez uma leitura e interpretação desconforme com a matéria que foi considerada provada.

3. Foi considerado provado pelo Venerando Tribunal A Quo, um facto não provado (que serviu de fundamento à decisão agora em crise), designadamente, que o Autor teria exercido as funções específicas no “Grupo Especial” entre Junho de 1992 e até à suspensão do contrato de trabalho em 30/11/1999.

4. Da análise da matéria que foi considerada provada quanto a este particular, designadamente das alíneas F) e G) e Pontos 1., 3., 8. e 12., não existe um único ponto da matéria de facto que delimite o período em que o Autor teria desempenhado as funções naquele grupo especial.

5. Aliás, embora se encontre determinada a data do início no “Grupo Especial”, como sendo em Junho de 1992, e exista uma outra data, 03/04/1995, que delimita o fim de atribuição de viatura de serviço ao Autor.

6. Não existe qualquer alocução quanto ao período da cessação das funções.

7. Assim sendo, só através da fundamentação da resposta à matéria de facto é possível delimitar a data em que teria cessado o mencionado “Grupo Especial” que, dando relevância ao depoimento da testemunha BB, o Meritíssimo Sr. Juiz do Tribunal de Primeira Instância atendeu ao seguinte: “... quando os TLP passaram a S.A. contratou três pacotes de seguros - e como prémios estavam a ser absorvidos foi criado um gabinete de auditoria – o "pacote" remuneratório foi proposto e aceite e foi dada ao Eng. CC para disponibilizar duas viaturas (o autor e DD tinham os carros e combustível Galp sem limite. O "memo" devia ter "ido" à testemunha para processar o vencimento do autor e dos outros mas tal não aconteceu). Mais referiu que a equipa funcionou até Março/Abril de 1995 – tendo o director dos recursos humanos decidido acabar com a equipa e suspensas as funções dos membros ...

8. “O grupo funcionou até à fusão e não lhes pagaram.” (o sublinhado é nosso)

9. Foi igualmente considerado provado no Ponto A. dos Factos Provados o seguinte: “A sociedade "Empresa-A, SA" resultou da transformação e fusão das empresas "Telefones de Lisboa e Porto - TLP, SA", Teledifusora de Portugal (TDP, SA), e Telecom Portugal, SA."”, sendo do conhecimento público, e do artigo 1.º da Petição Inicial, que a fusão que deu origem à sociedade “Empresa-A, S.A.” foi instituída e criada ao abrigo do Decreto-Lei n.º 122/94, de 14 de Maio.

10. Consequentemente, podemos concluir que o “Grupo Especial” que o Autor integrou, manteve-se activo entre Maio de 1994 e Março/Abril de 1995, data que deverá ser considerada como sendo a da cessação do exercício de funções especiais do Autor.

11. E daí entendermos que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa errou quanto à apreciação da matéria de facto, dando como provados factos que realmente não foram considerados provados.

12. Assim e na sequência do que atrás é alegado, não serão devidas ao Autor o pagamento de quaisquer importâncias calculadas a partir de Abril de 1995.

13. E aproveitando o raciocínio propalado no Douto Acórdão do Tribunal A Quo, no fim da página 17 e início da pág. 18, tendo o Autor deixado de exercer as funções especiais e de prestar qualquer actividade laboral à Ré, não tem sentido receber tais importâncias.

14. Pelo que e por maioria de razão, se deve entender apenas só serem devidas importâncias ao Autor desde que e enquanto se verificasse ter este exercido funções especiais, as quais, de acordo com os fundamentos acima descritos se limitam em Abril de 1995, data até à qual “a equipa funcionou”, “tendo o director dos recursos humanos decidido acabar com a equipa e suspensas as funções dos membros”.

15. Por outro lado, resulta da matéria considerada provada (Pontos B., D. e E.), que a partir de Maio de 1992 o Autor tinha a categoria de Técnico Superior Especialista Nível 4, desempenhando as funções previstas para aquela categoria profissional e descritas no BTE, 1.ª Série, n.º 38, de 15/10/1991.

16. Consequentemente, a partir de Abril de 1995 e após a extinção do grupo especial, o Autor continuou a desempenhar as funções próprias da sua categoria profissional, no seu local de trabalho, dentro do horário normal, pelo que nada lhe é devido quanto a esse particular.

17. Além do mais, encontra-se demonstrado através da análise dos documentos referentes à duração e permanência do Autor na Empresa (“picagens” de entrada e saída nos diversos períodos), que este, em igualdade de condições com os outros trabalhadores, praticava horários flexíveis, utilizando as plataformas de entrada e saída deslizantes, situação que permite a cada um dos trabalhadores gerir o seu horário segundo os seus interesses.

18. Pelo que, e também neste particular, deveria o Venerando TRL ter decidido no sentido de que, a existirem créditos do Autor, estes só deveriam ser contabilizados até à data do fim do exercício de funções especiais, ou seja, Abril de 1995.

19. Por outro lado, discordamos igualmente do Douto Acórdão do TRL na parte em que entende que a assinatura do acordo de suspensão celebrado entre o Autor e a Ré, onde esta se comprometeu a pagar àquele elevadas quantias em dinheiro (Pte: 423.665$00, correspondente a € 2.113,23 no ano de 1999), sem que este tivesse que prestar qualquer actividade laboral à Ré, que tal pagamento não representava uma verdadeira remissão de créditos.

20. E não concordamos porque em nossa opinião as regras de direito civil não têm de colidir com as de direito laboral, devendo em situações idênticas prevalecer a declaração negocial e a vontade.

21. É neste sentido que entendemos que os acordos de suspensão celebrados assinados pelo Autor e a Ré, devam ser considerados como verdadeiros contratos ou negócios jurídicos bilaterais.

22. Ora, o contrato de suspensão do contrato trabalho foi celebrado sem vícios e de livre e espontânea vontade, colocando-se então a questão de saber qual o seu valor no quadro das relações laborais e qual o sentido e efeitos que tal declaração negocial visava estabelecer para o futuro.

23. Face ao disposto no artigo 236.º do Código Civil, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.

24. Assim, o que pretendeu o Autor quando por sua iniciativa negociou a suspensão do contrato de trabalho, foi antecipar por uns anos os efeitos da aposentação, designadamente, passando à situação de pré-reforma e requerendo a aposentação logo que se encontrasse em condições para tal.

25. O Direito e o Bom Senso são realidades que não é possível dissociar, e não nos parece, salvo melhor opinião, que seja justo que após uma negociação por iniciativa do trabalhador onde através da qual obtém diversas contrapartidas, viesse à posterior reclamar novas mais valias que no processo negocial não conseguiu obter.

26. Contudo, o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, criticando a decisão do Tribunal de Primeira Instância, entendeu que a fundamentação da Ré violaria direitos irrenunciáveis do Autor.

27. Isto a propósito do Tribunal de Primeira Instância ter entendido que as importâncias reclamadas na acção pelo Autor se tinham extinguido por remissão.

28. Porém, com todo o respeito não perfilhamos de tal opinião face até, aliás, à matéria que foi considerada provada.

29. Em primeiro lugar, porque entendemos que só o salário goza de garantias especiais (art.º 59.º n.º 3 da C.R.P.) e as importâncias que o Autor reclamava não faziam parte do salário, sendo antes compensações específicas, pagas numa parte em dinheiro e outra em espécie

30. Assim, não tendo tais importâncias a natureza de salário, tinha o Autor a possibilidade de delas dispor, negociando-as, designadamente por via de contrato de suspensão, como efectivamente fez.

31. Por outro lado, o acordo celebrado pelo Autor traduz uma verdadeira remissão tácita aos eventuais créditos a que tivesse direito.

32. Tal contrato celebrado por iniciativa do Autor (cláusula 1.ª do Doc. 1 junto com contestação) tinha, como contrapartida monetária, o pagamento pela Ré ao Autor do pagamento da prestação mensal de Pte: 423.665$00 (€ 2.113,23),

33. Sendo que as prestações acima mencionadas nada tiveram a ver com carreiras, categorias ou níveis, mas sim, representaram os valores que as partes acordaram pagar e receber como contrapartida dos interesses mútuos.

34. Em tal contrato foi igualmente consignado que a alteração ou revogação do acordo só seria atendido caso revestisse a forma escrita e assinada por ambas as partes. (Cláusula 13.3).

35. Além do mais, à data da celebração do acordo, encontrava-se em vigor o Decreto-Lei n.º 398/83 de 2 de Novembro (entretanto revogado pela alínea h) do n.º 1 do artigo 21.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), resulta, quer de um, quer do outro diploma, que no âmbito da suspensão do contrato de trabalho se mantém os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho.

36. Como se disse, o Autor ficou através do acordo de suspensão desobrigado da prestação de trabalho, embora mantivesse e até reforçasse a importância mensal auferida.

37. “Foi atendendo aos pressupostos constantes naquele acordo, designadamente quanto à prestação mensal a pagar pela R. ao A., que o A. e a R. aceitaram suspender o contrato de trabalho.” (Ponto 21. da matéria facto provada)

38. E foi precisamente por acordo que foi atribuído ao Autor uma importância acima do valor que este auferia à data da assinatura do contrato de suspensão.

39. Consequentemente, a não prestação do trabalho desonera a Ré pelo pagamento de qualquer importância ao Autor.

40. Outro aspecto que é relevante e que por lapso foi mal apreciado, é de que à data em que o Autor requereu a suspensão do contrato de trabalho já era Técnico Superior Especialista TSE nível 8 (Doc. 37 do requerimento do Autor de 7/05/2001).

41. Facto que é relevante tendo em conta que o Autor veio reclamar algo que já tinha, ou seja, a categoria de TSE 8.

42. Mas mais, não obstante o Autor ter o nível que pretendia à data em que requereu a suspensão do contrato de trabalho (TSE 8), o Autor ainda conseguiu da Ré a atribuição de remuneração base superior à que se encontrava estabelecida no Acordo de Empresa.

43. Estas são as regras da livre negociação entre as partes, com cedências mútuas, e nós defendemos que o acordo a que a Ré se obrigou, pagando ao Autor muitos milhares de euros, ... , actualizados todos os anos, ... , sem qualquer contrapartida pelo Autor, ... , que tais factos representam uma verdadeira remissão de créditos que o Autor eventualmente poderia ter sobre a Ré, tal como estipula o art.º 863.° do Código Civil.

44. Isto porque, a remissão como forma de extinção das obrigações pode ser expressa ou tácita, resultando do acordo celebrado e respectivas condições que é de considerar manifestada a vontade de remir por parte do Autor, tal como decorre do disposto na segunda parte do n.º 1 do art.º 217.° do C.C ..

45. Aliás, a remissão não tem de se traduzir numa manifestação expressa com tal conteúdo, tal como se obtém da Doutrina e Jurisprudência.

46. Por outro lado, a remissão deverá considerar-se onerosa, uma vez que a Ré se obrigou a pagar mensalmente, durante muitos meses, uma importância patrimonial sem receber qualquer contrapartida por parte do Autor.

47. E sempre que esteja em dúvida o sentido duma declaração negocial, prevalece, nos negócios onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (artigo 237.º do mesmo diploma).

48. Qualificando-se como equilibrada a declaração do trabalhador da vontade de remir eventuais créditos que tivesse sobre a Ré, ao beneficiar do pagamento por parte desta, por longo período, de avultadas importâncias, sem a obrigação da prestação de qualquer contrapartida.

49. De resto, após a celebração do acordo de suspensão e de pré-reforma, nos termos e segundo as condições alegadas, não podemos olhar para as partes em conflito de forma desigual.

50. A partir do contrato celebrado, o Autor e a sua Entidade Patronal passam a regular-se segundo os princípios da liberdade contratual prevista nos artigos 405.º e seguintes do Código Civil, onde é determinante o cumprimento das cláusulas acordadas.

51. Consequentemente, com a assinatura de tais contratos, ganha forma uma nova situação jurídica para o A. e a R., onde, o que ganha relevância, é o cumprimento das condições aceites pelas partes, deixando em absoluto de ter sentido a apreciação de quaisquer outras questões relacionadas com as disposições próprias das convenções de trabalho, designadamente, carreiras, categorias, níveis, prestação do trabalho, etc.

52. Por fim, gostaríamos de realçar o facto de que tudo o que foi alegado prende-se com a lógica do resultado.

53. No fundo, aquilo que o Autor e a Ré pretenderam com a assinatura do acordo de suspensão, foi antecipar o que só ao fim de alguns anos se iria materializar – a reforma do trabalhador.

54. Facto que resulta claramente do conteúdo da Cláusula 10.ª e 11.ª do “Acordo de Suspensão” (Doc. 1 junto com a contestação) onde ficou desde logo consignada a obrigação do trabalhador de passar à situação de pré-reforma e reforma logo que se encontre nas condições legais para o efeito.

55. Neste sentido, entendemos que o acordo celebrado entre Autor e Ré deverá ser qualificado nos mesmos termos como que se o Autor tivesse recebido de uma só vez a totalidade das prestações mensais calculadas entre a data de assinatura do contrato de suspensão e a data de aposentação.

56. E, consequentemente, quando é celebrado um acordo desse tipo, tudo o que é pago é entendido como compensação global, considerando-se remidos todos os créditos existentes.

57. Face ao exposto, e tendo em conta tudo o que é alegado no articulado que antecede e demais alegações, o Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa é nulo, por violação da lei substantiva, designadamente:

o Não aplicando correctamente o direito, por desadequada interpretação dos diversos normativos e matéria considerada provada, assim como pela incorrecta apreciação dos factos que foram considerados provados, os quais conduzem a decisão diversa da que foi proferida;
o Não se pronunciou ou fê-lo de modo deficiente, relativamente a questões que devia apreciar, e conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, violando assim o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º e artigo 721.º, ambos do C.P.C.
o Pelo que, na parte em que é desfavorável à Ré, deverá o Douto Acórdão do Venerando Tribunal A Quo ser considerado nulo e, em consequência, deverá o mesmo ser revogado e proferido novo Acórdão que absolva a Ré de todos os pedidos contra ela formulados.

[...]

Na contra-alegação, o Autor sustentou a extemporaneidade da arguição da nulidade do acórdão e defendeu a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público, emitiu douto parecer, no qual expressou o entendimento de que:

– O vício que a recorrente imputa ao acórdão impugnado não configura nulidade por excesso de pronúncia, mas eventual erro de julgamento;
– Não se verifica a excepção peremptória da remissão abdicativa relativamente a eventuais créditos do Autor, emergentes da execução do contrato de trabalho, antes da suspensão deste;
– A matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, no que diz respeito à determinação quantitativa dos créditos associados às funções especiais desempenhadas pelos Autor.

Concluiu no sentido de ser negada a revista, quanto à questão da remissão abdicativa, propugnando que, nos termos do artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), o processo volte à Relação para ser ampliada a matéria de facto, em ordem ao apuramento da data em que o Autor cessou as funções especiais que lhe foram cometidas a partir de Junho de 1992.

As partes não responderam a tal parecer.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. As instâncias deram como provada, nos termos que se transcrevem, a seguinte factualidade:

A - A sociedade “Empresa-A, S.A.” resultou da transformação e fusão das empresas “Telefones de Lisboa e Porto (TLP), S.A.”, “Teledifusora de Portugal (TDP), S.A”, e “Telecom Portugal, S.A.”.

B - O A. foi promovido a técnico superior especialista em 24.05.84 e exerceu as respectivas funções até 30.11.99.

C - O autor ingressou nos TLP em 14.01.74.

D - Em Maio de 1992, o autor tinha a categoria de técnico superior especialista (nível 4) e exercia as funções na subdirecção de relações de trabalho e assuntos sindicais.

E - Anteriormente à publicação das funções de técnico especialista no BTE, 1.a série, n.º 38, de 15 de Outubro de 1991, e antes de ter sido transferido para a auditoria de seguros, as funções específicas do autor eram as seguintes:

- reúne, analisa informações e elabora relatórios e/ou pareceres visando a fundamentação de decisões e respostas por parte da empresa;

- recebe orientações de carácter geral sendo responsável pelo planeamento das suas tarefas, por forma a cumprir os prazos fixados; pode coordenar e avaliar trabalhos efectuados por outros técnicos, nomeadamente documentalistas;

- apoia tecnicamente a preparação e acompanha reuniões ou outros contactos entre a empresa e a organizações representativas dos trabalhadores (ORT,S), sendo responsável pelo posterior tratamento da informação, respeitante a estes contactos;

- diagnostica situações potencialmente problemáticas, propõe medidas adequadas à sua prevenção e/ou resolução;

- estabelece contactos com interlocutores das ORT,S e da empresa, visando fornecer informação sobre assuntos de natureza diversa;

- elabora documentação vária como mapas, listagens, etc., relativa a informações a prestar à hierarquia, a outros órgãos da empresa e às ORT'S ;

- dá respostas a questões colocadas pela chefias e trabalhadores sobre interpretação do Acordo de Empresa e a sua aplicação.

F - O director-geral dos TLP, em 15.05.89, emitiu o despacho documentado a fls. 45.

G - Até 3.04.95 a ré atribuiu ao autor viatura automóvel, suportando os custos do seguro, gasolina, parque, portagens, garagem, assistência e substituição, em serviço.

H - À “Empresa-A, S.A.” veio a suceder a “Empresa-B, S.A.”.

I - Em 23.11.99 o autor e a “Empresa-A, S.A.” subscreveram o acordo documentado a fls. 100-103, referente à suspensão do contrato de trabalho do autor e, nos termos do qual durante o período de suspensão anterior à pré-reforma a “Empresa-B, S.A.” pagaria ao autor uma prestação mensal de 423.665$00 (correspondente a 100% da retribuição mensal ilíquida remuneração base e diuturnidades), auferida à data da celebração do acordo.

Da resposta à base instrutória

1 - Em Abril de 1992, a antecessora da actual ré, “TLP, S.A.”, encarregou o seu consultor de direcção de recursos humanos, antigo chefe de divisão da inspecção e disciplina de criar uma equipa de auditoria e de apoio directo à administração.

2 - Aquela incumbência que aquele indigitado consultor aceitou tinha como pressuposto a apresentação de um estudo e diagnóstico de empresa, uma vertente supra departamental, acumulada especificamente com a área de seguros.

3 - Em 9 de Julho de 1992, o indigitado chefe de auditoria de seguros e apoios à administração apresentou os resultados de estudo e diagnóstico da empresa, tendo sido confirmado e investido definitivamente no exercício da liderança daquelas novas funções e, através daquele chefe, as atribuídas ao autor.
4 - Com o estudo referido no quesito anterior foi apresentado o projecto, os trabalhadores iniciais indispensáveis e fixamente afectos e as condições de estatuto profissional e de retribuição respectiva, nos termos do “memo” documentado a fls. 37-38 (e no que se refere designadamente ao a.)
5 - As funções e tarefas do autor cobriam as áreas e competências seguintes:

- empreitadas:

Auditorias e inspecções sobre a observância dos cadernos de empreitadas de redes telefónicas - contratos programa de prestação de serviços da rede exterior, cadernos de encargos para empreitadas de subsolo, numeração de projectos de conduta, equipamento de redes locais, equipamento de redes de interligação, orçamentos de trabalhos de rede exterior, valores padrão de mão de obra e sobre todas as demais situações ligadas a concursos e execução de empreitadas e observância dos cadernos de encargos.

6 - Função pessoal:

a) redução de efectivos:

Colaboração de [estudos] e aplicação de todas as medidas legalmente admissíveis abrangendo reformas antecipadas, cessação dos contratos de trabalho por mútuo acordo, reformas por limite de idade, velhice, reformas por invalidez (negociadas), reconversões e pré-reformas.

b) colaboração em estudos e diagnósticos sobre todas as versões de absentismo e modos de recuperação da força do trabalho sem constrangimento e sem medidas consultivas com vista à sua fixação em padrões legais e europeus.

c) colaboração na elaboração de estudos de conjuntura e pareceres sobre situações concretas com vista à execução de uma administração de pessoal humanista, produtiva e programaticamente equilibrada.

7 - Frota automóvel da empresa:

Gestão de “Risco”:

A) O ano de 1989 foi o último ano em que a antecessora da ré, “TLP, E.P.”, actuou como auto seguradora em danos próprios, tendo registado uma despesa de Esc. 20.854$00 por viatura.

B) Nos anos de 1990 e 1991 em que a empresa, antecessora da ré, “TLP, S.A.”, já estava convertida em sociedade anónima, aquela quantia evoluiu de Esc. 20.854$00 por viatura em 1989 para Esc. 64.349$00 em 1990 e Esc. 86.967$00 em 1991.

C) Esta evolução de encargos emergentes do risco com danos próprios não levou em linha de conta as despesas pagas pela seguradora directamente às oficinas e que atingiram um valor aproximado de Esc. 230.000$00.

D) A frota registava uma paralisação constante de 5,9% (82 viaturas), registava uma evolução de custos gerais de +1.853%, registava uma evolução de franquias [em] 1991 de Esc. 11.566.825$00 para em 1992 de Esc. 13.251.000$00, nos custos de reparação de Esc. 102.506.000$00 para Esc. 127.121.000$00 e nos custos de exploração variavam de Esc. 127.121.000$00 para Esc. 315.858.000$00.

E) [A] antecessora da ré, “TLP, S.A.”, em 1992, registou 1.714 acidentes.

8 - Atendendo ao significado e alcance dos valores dos números transcritos, a administração da antecessora da ré, “TLP, S.A.”, muito justificadamente preocupada com a evolução registada convidou em princípios de Junho de 1992, o autor, através do responsável pelo sector de auditoria de seguros e que mais tarde haveria de designar-se de “Apoio à administração e auditoria de seguros”, para [n]aqueles serviços colaborar e intervir neste e noutros sectores como [o] dos posto[s] públicos e (a “metê-la na ordem”) rentabilizá-los.
9 - O apoio à administração consistia em a administração directamente determinar e obter e o departamento prestar informações directamente à administração sem a sua intromissão ou o conhecimento e a intervenção ou dependência de qualquer direcção, serviço ou pessoa.
10 - O departamento dependia pois e, funcionalmente, só e exclusivamente da administração, muito embora, em termos de centro de custo e razões geoestratégicas, estivesse integrado na direcção de pessoal, através do qual movimenta todas as suas despesas.
11 - O convite formulado pelo responsável pelo sector, por quem o autor já havia sido dirigido na divisão da inspecção e disciplina, formulado com a pré aprovação do administrador, para além do prestígio de exercício de uma função na quase directa dependência da administração acarretava, também

A) atribuição de nível “08” (=288.650$00) da sua categoria de técnico superior especialista.

B) atribuição e pagamento de um subsídio mensal acumulável com o vencimento e correspondente a 30% da retribuição devida, igual a Esc. 90.135$00, que é igual [ao] produto do somatório do vencimento (288.650$00) mais as diuturnidades ( 11.800$00).

C) atribuição de viatura cujo valor estimado, na altura, era +/- Esc. 200.000$00 por mês (viatura + combustível + portagens + parque de estacionamento + seguro auto assistência + franquia de três dias e substituição até 30 dias + franquia em caso de acidente + manutenção e revisões + estação de serviço + mudança de pneus + comodidade + selo de carro + IRS).

D) atribuição de telefone de serviço, com direito de usufruir gratuitamente de 3.000 impulsos anuais, que na altura correspondia, em termos mensais a Esc. 2.450$00.

12 - O autor integrou a passou a fazer parte da equipa dedicada à gestão de risco, nos termos supra aludidos, exercendo as respectivas funções.
13 - O “memo” referido em 4) veio a ser aprovado.
14 - A ré manteve o autor a trabalhar sem horário de trabalho, quer exigindo-lhe a entrada antecipada, quer ordenando-lhe que prestasse serviço para além do horário.
15 - Não lhe pagando tais horas de trabalho a mais como horas de “trabalho extraordinário”.
16 - Os valores correspondentes à diferença entre a remuneração pelo nível 8 (mais 3 níveis) e a recebida pelo autor, somavam nos anos abaixo mencionados:

- 1992 - 647.650$00

- 1993 - 1.001.170$00

- 1994 - 925.071$00

- 1995 - 975.555$00

- 1996 - 1.016.967$00

- 1997 - 882.542$00

- 1998 - 478.008$00

- 1999 - 499.368$00

- 2000 - 492.481$00

17 - A IHT correspondente a 30% do vencimento e diuturnidades somava, nos anos abaixo mencionados

- 1992 - 783.135$00

- 1993 - 1.421.385$00

- 1994 - 1.497.807$00

- 1995 - 1.566.614$00

- 1996 - 1.640.000$00

- 1997 - 1.704.106$00

- 1998 - 1.756.786$00

- 1999 - 1.853.787$00

- 2000 - 1.823.923$00

18 - A diferença entre o valor dos 1.000 impulsos telefónicos concedidos o autor e os 3.000 impulsos somava, nos anos abaixo mencionados:

- 1992 - 8.820$00

- 1993 - 18.585$00

- 1994 - 19.260$00

- 1995 - 22.200$00

- 1996 - 22.500$00

- 1997 - 24.300$00

- 1998 - 16.394$00

- 1999 - 15.648$00

- 2000 - 14.334$00

19 - Os valores correspondentes à atribuição de viatura, combustível, portagens, parqueamento, seguros, assistência e garagem eram os seguintes:

- de Abril de 1995 até Julho de 1996 - 231.525$00 mensais.

- de Agosto de 1996 até Junho de 1997 - 243.101$00.

- de Julho de 1996 até Junho de 1998 - 255.256$00 mensais.

- de Julho de 1998 até Junho de 1999 - 268.019$00 mensais.

- de Julho de 1999 até Junho de 2000 - 281.420$00 mensais.

- de Julho até Novembro de 2000 - 295.491$00.

20 - O acordo referido em 1) foi assinado por iniciativa do autor.
21 - Foi atendendo aos pressupostos constantes naquela acordo, designadamente quanto à prestação mensal a pagar pela ré ao autor, que o autor e a ré aceitaram suspender o contrato de trabalho.

22 - O veículo aludido em G) era utilizado pelo autor também para uso particular.

2. Nas conclusões da revista, vêm suscitadas as seguintes questões, que se enunciam por ordem de precedência lógica:

1.ª – Saber se o acórdão da Relação é nulo, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC;

2.ª – Saber se os créditos reclamados pelo Autor, com referência ao período anterior à vigência do acordo de suspensão do contrato de Trabalho, se extinguiram por remissão abdicativa;

3.ª – Sendo negativa a resposta à anterior questão, saber se tais créditos devem ser calculados até ao momento da celebração daquele acordo, ou, apenas, até Abril de 1995.

3. Nulidade do acórdão recorrido:

Dispõe o artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro (1), que “[a] arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”.

Tal exigência, justificada por razões de celeridade e economia processual, que, marcadamente, inspiram o processo laboral, visa possibilitar ao tribunal recorrido a rápida e clara detecção das nulidades arguidas e respectivo suprimento, daí que a explanação das razões pelas quais se suscita a nulidade haja de constar do requerimento de interposição de recurso, dirigido à instância recorrida.

As razões que justificam o regime especial de arguição das nulidades da sentença estabelecido na lei adjectiva laboral permanecem válidas quando se trate da imputação de nulidades ao acórdão da Relação.

Por isso, de há muito, este Supremo, no entendimento de que a remissão constante do artigo 716.º, n.º 1, do CPC – ao mandar aplicar aos acórdãos da 2.ª instância o que se acha disposto nos artigos 666.º a 670.º, e, pois, o regime de arguição de nulidades da sentença da 1.ª instância – contempla, tratando-se de processo laboral, o regime especial consignado no artigo 77.º, n.º 1, do CPT, do que decorre que a arguição das nulidades do acórdão da Relação deve ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, sob pena de se considerar extemporânea e não se conhecer das nulidades arguidas somente na alegação de recurso (2).

A recorrente, no requerimento de interposição de recurso, apresentado em 11 de Maio de 2007 (fls. 1075 dos autos), não fez qualquer referência à nulidade do acórdão.

Tal referência apenas veio a ser feita na peça apresentada para motivar o recurso, em 28 de Junho de 2007 (fls. 1142), que contém duas partes.

A primeira, dirigida ao “Exmo. Senhor Doutor Juiz Desembargador Relator”, é do seguinte teor:

[...]

Empresa-B, S.A., Recorrente nos autos à margem indicados, tendo sido notificada do Douto Despacho de fls. 1083 que admite o recurso interposto, vem suscitar nulidades e apresentar as suas alegações para o SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

Assim, pretende-se ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 721.º do C.P.C., que seja apreciado o seguinte:

· A nulidade do Douto Acórdão, por violação das alínea d) do n.º 1 do Art.º 668.º do C.P.C., designadamente, por entender que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não se pronunciou sobre questões que devia apreciar e pronunciou-se sobre outras que não devia conhecer, indo estes para além da matéria considerada provada.

A fundamentação será desenvolvida nas alegações que abaixo se transcrevem e que aqui se dão por reproduzidas (evitando-se a repetição inútil das mesmas), nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do Artigo 77.º do C.P.T.;

· A decisão, por violação da lei substantiva, designadamente, de interpretação e aplicação do disposto nos artigos 217.º e 863.º do Código Civil, e por tal interpretação não estar de acordo com a matéria que foi considerada provada e não provada.

O que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:

[...]

Imediatamente a seguir, dirigida aos “Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça”, surge a segunda parte que começa pela menção “A – Nulidade do Douto Acórdão”, aí se desenvolvendo argumentação tendente a demonstrar que o tribunal a quo “não se pronunciou sobre questões pertinentes, que conduziriam necessariamente a decisão diferente”, e “conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento tendo em conta que vão para além da matéria considerada provada”.

Este modo de proceder não respeita a exigência contida no n.º 1 do artigo 77.º do CPT, uma vez que a arguição da nulidade do acórdão da Relação, omitida no requerimento de interposição do recurso, e feita só no momento da apresentação da alegação da revista, não cumpre a finalidade prosseguida por aquele preceito que é a de permitir que o tribunal recorrido, no momento em que se debruça sobre o requerimento de interposição, designadamente para apreciar da admissibilidade do recurso, facilmente se aperceba de quais os vícios apontados à decisão impugnada e respectivos fundamentos, de modo a que, rapidamente, deles tome conhecimento, procedendo, se for caso disso, à sanação, do que poderá resultar a desnecessidade de subsistir o recurso – por exemplo, se o suprimento da nulidade conduzir a uma solução favorável à parte recorrente, no tocante ao mérito da causa.

A arguição da nulidade mostra-se, por conseguinte, no caso que nos ocupa, intempestiva, pelo que não se pode conhecer dos pretensos vícios de excesso e omissão de pronúncia assacados ao acórdão recorrido.

Tal não impede que sejam apreciados os fundamentos e questões objecto do recurso que, embora invocados pelo recorrente como determinantes de nulidade do acórdão, possam configurar, pela forma como foram explanados no texto da alegação, erros de interpretação e aplicação da lei substantiva e/ou adjectiva.

Segundo a recorrente, a nulidade que assaca ao acórdão impugnado consistiu em ter-se feito “uma leitura e interpretação desconforme com a matéria de facto provada”, na medida em que o tribunal recorrido se serviu de um facto não provado e desconsiderou factos provados, do que resultou decidir serem devidos créditos pelo exercício de funções especiais após Abril de 1995, sendo que, na óptica da recorrente, a factualidade atendível, numa leitura correcta, imporia decisão diferente.

Alegando deste jeito, o que a recorrente, em rigor, pretende ver censurado por este Supremo Tribunal é o modo como o tribunal recorrido valorou, à luz do direito aplicável, o quadro factual desenhado pela actividade probatória, o que consubstancia imputação de erro de julgamento, não podendo, assim, perspectivar-se a actuação do tribunal como excesso e/ou omissão de pronúncia, para efeitos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

Como, bem, assinala a Exma. Magistrada do Ministério Público, no seu douto parecer, “uma coisa é o erro de julgamento por o acórdão se ter servido de determinado facto de que não podia socorrer-se, outra a nulidade decorrente do conhecimento de questões de que o tribunal não podia tomar conhecimento, sendo que o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”.

Nesta conformidade, os fundamentos da discordância da recorrente serão adiante apreciados, em ordem a apurar se houve erro de julgamento.

4. Da extinção dos créditos laborais por remissão abdicativa:

4. 1. A remissão constitui uma das causas de extinção das obrigações, assumindo, nos termos do n.º 1 do artigo 863.º do Código Civil, a estrutura de negócio bilateral (contrato), em que o credor, com a aquiescência do devedor, renuncia ao direito de exigir a prestação.

Dada a sua natureza contratual, pressupõe duas manifestações de vontade ou declarações – a do credor no sentido de perdoar a dívida e a do devedor de aceitar o perdão.

A declaração negocial pode ser expressa – feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade – ou tácita – quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam (artigo 217.º, n.º 1, do Código Civil). E o carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz (n.º 2 do artigo 217.º).

No que diz respeito ao contrato de remissão, a lei não exige a declaração expressa, por isso que rege o princípio da liberdade declarativa (3), o que significa que tanto a vontade de perdoar a dívida como a de aceitação do perdão podem deduzir-se de manifestações que, não tendo expressão directa por palavras ou escritos, as revelem com um grau de probabilidade que as tornem inequívocas, quando apreciadas à luz do padrão de comportamento que rege a tomada de decisões por uma pessoa sensata.

Entre os possíveis sentidos da declaração negocial, vale aquele que um declaratário normal – medianamente instruído e diligente –, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, e, em caso de dúvida, prevalece, nos negócios onerosos, o sentido que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (artigos 236.º, n.º 1 e 237.º do Código Civil).

Nos negócios formais, em princípio, só pode valer o sentido que tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, se bem que, sendo outro o sentido correspondente à vontade real das partes, será este o válido, desde que as razões determinantes da forma do negócio a tal não obstem (artigo 238.º do Código Civil).

4. 2. No caso que nos ocupa, trata-se de interpretar o que foi declarado pelo Autor no escrito que formalizou o acordo de suspensão do contrato de trabalho, em ordem a determinar se do respectivo texto, e das circunstâncias em que foi elaborado, resulta o sentido de perdoar à Ré, ora recorrente, dívidas emergentes da execução do contrato, subsistentes à data da celebração daquele acordo.

A sentença da 1.ª instância, após considerar que o Autor provou a existência de créditos laborais, vencidos até à data da celebração do acordo, discorreu assim:

[...]

Em 23.11.99, o autor e a ré subscreveram um acordo de suspensão do contrato de trabalho (fls. 100), nos termos do qual durante o período de suspensão anterior à pré-reforma a ré pagaria ao autor uma prestação mensal de 423.665$00 correspondente a 100% da retribuição mensal ilíquida (remuneração base e diuturnidades) auferida à data da celebração do acordo.

Tal acordo foi assinado por iniciativa do autor.

E foi atendendo aos pressupostos constantes naquele acordo, designadamente quanto à prestação mensal a pagar pela ré ao autor, que o autor e a ré aceitaram suspender o contrato de trabalho.

Assim, importa saber se este acordo extinguiu os direitos de crédito agora reclamados pelo autor.

Em meu entender tal documento contém uma remissão de tais créditos, definindo-se esta figura por uma renúncia do credor/trabalhador, com o acordo do devedor/empregador, do direito de exigir a prestação devida, afastando-se, assim, a tutela que a lei lhe conferia para proteger os seus interesses – art. 863.º do Cód. Civil.

É certo que no acordo efectuado não se refere expressamente a renúncia aos outros créditos, designadamente através do uso da expressão corrente “nada mais tendo a exigir ou a receber...

Contudo, a remissão, como forma de extinção das obrigações, pode ser expressa ou tácita, sendo esta a que se deduz de factos que com toda a probabilidade a revelem – art. 217.º do Cód. Civil, e, na doutrina, Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 5.ª ed., p. 952 e segs..

No caso, face ao conteúdo do acordo supra referido e às circunstâncias que o rodearam, sobretudo considerando que o mesmo contém um acordo de suspensão do contrato de trabalho, com data posterior à esmagadora [maioria] dos créditos reclamados, e celebrado por iniciativa do trabalhador, com vista à pré-reforma (uma espécie de pré-reforma), ficando este a receber uma quantia significativa sem desenvolver qualquer trabalho, fixada por acordo das partes, é de considerar manifestada a vontade de remir por parte do autor.

Remissão essa, que, aliás, é onerosa e não gratuita, como decorre do clausulado, pois, por alguma razão a entidade patronal acordou continuar a pagar uma retribuição sem contrapartida do trabalho e sem nenhum outro acolhimento legal que não seja o acordo das parte[s].

[...]

Por sua vez, o acórdão da Relação, julgando “ser demasiado forçado, por despido de suporte factual que o sustente, aquele entendimento da sentença recorrida, no sentido de que o autor renunciou tacitamente aos créditos sobre a R., com a celebração do acordo de suspensão do contrato de trabalho”, explicou:

[...]

Quanto à renúncia expressa, ela não existe sem sombra de dúvida, como a própria sentença recorrida reconhece pois que, naquele acordo de suspensão do contrato de trabalho, nada é dito sobre tal matéria, nem directa nem indirectamente.

E quanto à renúncia tácita?

De harmonia com o disposto no art. 217.º do Cód. Civil há declaração negocial tácita quando a mesma se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam.

Não basta, pois, haver meros indícios (ainda que existam), de declaração tácita. A lei exige algo muito mais forte que isso.

É necessária a existência de factos que com toda a probabilidade (realce nosso), a revelem.

E, salvo o devido respeito por opinião contrária, no caso “sub judice” não existem esses factos.

Contrariamente ao que se entendeu na sentença recorrida, não nos parece que o facto de o A. ter celebrado com a R. o acordo de suspensão do contrato de trabalho, ainda que por sua iniciativa, com vista à pré-reforma, ficando a receber uma quantia equivalente ao seu vencimento base e diuturnidades, revele de algum modo e muito menos que releve com toda a probabilidade, renúncia aos créditos que detinha sobre a R., ou seja, vontade de remir tais créditos nos termos do art. 863.º do Cód. Civil.

E não há quaisquer outros factos que demonstrem, ou sequer indiciem renúncia tácita do A. àqueles créditos sobre a R..

Como refere o M. P. no seu parecer a fls. 996, com o que concordamos, o acordo de suspensão do contrato de trabalho celebrado entre A. e R., está perspectivado para uma nova etapa, um período futuro de vida até à pré--reforma, não podendo ser interpretado como uma tácita remissão de créditos anteriores.

Quase todos os montantes que o A vem peticionar (os montantes vencidos até 30/11/1999), referem-se a créditos laborais anteriores àquele acordo de suspensão e têm a ver [com] a prestação efectiva das suas funções laborais, em plena igualdade com qualquer outro trabalhador em efectiva actividade.

É de ter em conta que estão em causa direitos de um trabalhador a diferenças salariais, subsídio por IHT e outros créditos directamente emergentes da prestação efectiva do trabalho que, tal como se entendeu, entre outros, no Ac. do STJ de 24/01/1995 publicado em www.dgsi/jstj.pt, são direitos irrenunciáveis durante a vigência do contrato de trabalho.

[...]

Na revista, a recorrente sustenta, em suma, a tese da sentença da 1.ª instância – segundo a qual, dos termos e circunstâncias em que foi celebrado o acordo de suspensão do contrato de trabalho, decorre, implicitamente, a vontade do Autor de renunciar aos créditos a que eventualmente tivesse direito, uma vez que o acordo foi da iniciativa do Autor, com vista antecipar por uns anos os efeitos da aposentação, a contrapartida monetária nele estipulada partiu de remuneração base superior à que se encontrava estabelecida no Acordo de Empresa –, acrescentando que os créditos em causa, por não fazerem parte do salário, não são irrenunciáveis.

É pacífico que, no texto do documento firmado pelas partes não existe qualquer expressão atribuída ao Autor a que possa directamente conferir-se o significado de renunciar a eventuais créditos vencidos à data da celebração do acordo – a própria recorrente o reconhece, sustentando, tão só, a remissão tácita.

Ora, os factos invocados – iniciativa do Autor na origem da celebração do acordo de suspensão do contrato, fixação de uma prestação mensal de valor superior àquela a que ele teria direito segundo o Acordo de Empresa e a criação, por força do acordo, de uma situação semelhante à da pré-reforma – não permitem, encarados isolada ou conjugadamente, à luz do padrão de comportamento negocial de uma pessoa medianamente informada e diligente, deduzir com grau de probabilidade bastante – toda a probabilidade – a declaração de vontade, inequívoca, de, através do acordo firmado, nos termos em que o foi, o Autor perdoar as dívidas em causa.

Como, bem, se observa no douto parecer do Ministério Público, já referido, “[o] que resulta da matéria de facto provada é que, no acordo de suspensão do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré, as partes estabeleceram as obrigações que para cada uma delas decorria da celebração desse acordo, sem que nas respectivas cláusulas ficasse a constar qualquer referência, ainda que implícita, à renúncia do Autor a eventuais créditos emergentes do contrato de trabalho, vencidos à data em que foi celebrado o referido acordo”.

Importa registar que, nas circunstâncias do caso, um declaratário normal, colocado na posição da Ré, seguramente, não deduziria do comportamento do Autor a vontade de operar a extinção de créditos reportados ao passado, pelo que não há que convocar a norma do artigo 237.º do Código Civil, que se refere aos casos duvidosos, não resolvidos pela aplicação dos critérios consignados no artigo 236.º do mesmo diploma.

Assim, independentemente do juízo sobre a renunciabilidade dos créditos em causa, há que concluir que, na ausência de prova da declaração de remitir a dívida, cujo ónus impendia sobre a Ré, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, por se tratar de facto extintivo do direito invocado pelo Autor, não poderiam considerar-se extintos aqueles créditos.

Improcedem, por isso, nesta parte, as conclusões da alegação da revista.

5. Da quantificação dos créditos laborais associados ao exercício de funções especiais:

No que respeita a esta questão, o acórdão recorrido congregou os factos disponíveis e pertinentes, resumindo-os como segue:

[...]

Em Abril de 1992, a antecessora da actual ré, TLP, S.A., encarregou o seu consultor de direcção de recursos humanos, antigo chefe de divisão da inspecção e disciplina de criar uma equipa de auditoria e de apoio directo à administração, tendo como pressuposto a apresentação de um estudo e diagnóstico de empresa, uma vertente supra departamental, acumulada especificamente com a área de seguros.

Em 9 de Julho de 1992, esse chefe de auditoria apresentou os resultados de estudo e diagnóstico da empresa, tendo sido confirmado e investido definitivamente no exercício da liderança daquelas novas funções e, através daquele chefe, as atribuídas ao autor, sendo apresentado, também, o projecto, os trabalhadores iniciais indispensáveis e fixamente afectos e as condições de estatuto profissional e de retribuição respectiva, nos termos do “memo” documentado a fls. 37-38.

As funções e tarefas do autor cobriam as áreas e competências especificadas nos pontos 5, 6 e 7 supra consignados da matéria provada, que aqui nos dispensamos de transcrever de novo.

Atendendo ao significado e alcance do projecto em causa, a administração da antecessora da ré, TLP, S.A, convidou o autor, em princípios de Junho de 1992, para colaborar e intervir neste e noutros sectores.

O apoio à administração consistia em esta directamente determinar e obter daquele departamento informações directas sem a sua intromissão ou o conhecimento e a intervenção ou dependência de qualquer direcção, serviço ou pessoa, dependendo o departamento, funcionalmente, só e exclusivamente da administração muito embora, em termos de centro de custo e razões geoestratégicas estivesse integrado na direcção de pessoal, através do qual movimenta todas as suas despesas.

O convite formulado ao autor e que este aceitou determinava, para além do prestígio de exercício de uma função na quase directa dependência da administração, também, a atribuição de nível "08" (288.650$00) da sua categoria de técnico superior especialista; atribuição e pagamento de um subsidio mensal acumulável com o vencimento e correspondente a 30% da retribuição devida, igual a Esc. 90.135$00, que é igual produto do somatório do vencimento (288.650$00) mais as diuturnidades (11.800$00); atribuição de viatura cujo valor estimado, na altura, era +/- Esc. 200.000$00 por mês (viatura + combustível + portagens + parque de estacionamento seguro auto assistência + franquia de três dias e substituição até 30 dais + franquia em caso de acidente + manutenção e revisões + estação de serviço + mudança de pneus + comodidade + selo de carro + IRS) e atribuição de telefone de serviço, com direito de usufruir gratuitamente de 3.000 impulsos anuais, que na altura correspondia, em termos mensais a Esc. 2.450$00.

O autor integrou e passou a fazer parte da equipa dedicada à gestão de risco, nos termos supra aludidos, exercendo as respectivas funções, tendo o “memo” documentado a fls. 37 e 38 vindo a ser aprovado pela administração.

A Ré manteve o Autor a trabalhar sem horário de trabalho, quer exigindo-lhe a entrada antecipada, quer ordenando-lhe que prestasse serviço para além do horário, mas não lhe pagando tais horas de trabalho a mais como horas de “trabalho extraordinário”.

Os valores correspondentes à diferença entre a remuneração pelo nível 8 (mais 3 níveis) e a recebida pelo autor, somavam nos anos a seguir mencionados: em 1992 - 647.650$00; em 1993 - 1.001.170$00; em 1994 - 925.071$00; em 1995 - 975.555$00; em 1996 - 1.016.967$00; em 1997 - 882.542$00; em 1998 - 478.008$00; em 1999 - 499.368$00 e em 2000 - 492.481$00.

A IHT (isenção de horário de trabalho) correspondente a 30% do vencimento e diuturnidades somava, nos anos a seguir mencionados: em 1992 - 783.135$00; em 1993 - 1.421.385$00; em 1994 - 1.497.807$00; em 1995 - 1.566.614$00; em 1996 - 1.640.000$00; em 1997 - 1.704.106$00; em 1998 - 1.756.786$00; em 1999 - 1.853.787$00 e em 2000 - 1.823.923$00.

A diferença entre o valor dos 1.000 impulsos telefónicos concedidos o autor e os 3.000 impulsos somava, nos anos a seguir mencionados: em 1992 - 8.820$00; em 1993 - 18.585$00; em 1994 - 19.260$00; em 1995 - 22.200$00; em 1996 - 22.500$00; em 1997 - 24.300$00; em 1998 - 16.394$00; 1999 - 15.648$00 e em 2000 - 14.334$00.

Os valores correspondentes à atribuição de viatura, combustível, portagens, parqueamento, seguros, assistência e garagem eram os seguintes: de Abril de 1995 até Julho de 1996 - 231.525$00 mensais; de Agosto de 1996 até Junho de 1997 - 243.101$00; de Julho de 1996 até Junho de 1998 - 255.256$00 mensais; de Julho de 1998 até Junho de 1999 - 268.019$00 mensais; de Julho de 1999 até Junho de 2000 - 281.420$00 mensais e de Julho até Novembro de 2000 - 295.491$00.

O veículo aludido em G) era utilizado pelo autor também para uso particular.

[...]

E concluiu:

[...]

Desta factualidade resulta, sem dúvida, que pelas especiais e mais complexas funções que exerceu desde Junho de 1992 até à suspensão do contrato de trabalho em 30/11/1999, o autor tinha direito a receber, para além do vencimento base correspondente à sua categoria profissional e diuturnidades, também aqueles montantes a título de diferenças salariais entre essa remuneração e a remuneração pelo nível 8; de subsídio por IHT; de diferenças referentes aos impulsos telefónicos e de valores correspondentes ao uso da viatura, sendo que esta apenas lhe foi concedida até Abril de 1995.

[...]

De tal sequência veio a resultar a condenação da Ré no pagamento ao Autor das “quantias supra indicadas nos pontos 16, 17 e 18 da factualidade provada, referentes a diferenças salariais entre a remuneração pelo nível 8 e a recebida pelo A.; a IHT correspondente a 30% do vencimento e diuturnidades; a diferença entre o valor dos 1000 e os 3 000 impulsos telefónicos, vencidos desde Junho de 1992 até 30/11/1999, bem como as quantias mensais referidas no ponto 19 da factualidade provada, relativas à atribuição de viatura e vencidas entre Abril de 1995 e 30/11/1999, a liquidar, se necessário, em execução de sentença”.

A discordância da Ré, como se vê do teor das conclusões 3. a 18., assenta no entendimento de que, a existirem créditos do Autor correspondentes ao exercício de funções especiais, eles só deveriam ser contabilizados até à data do fim do exercício de tais funções, que, na sua interpretação dos factos, ocorreu em Abril de 1995, uma vez que, por um lado, não consta da matéria de facto provada o momento em que o Autor cessou as referidas funções, e, por outro lado, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, concretamente da referência ao teor do depoimento de uma testemunha que serviu de fundamento à convicção do tribunal, resulta que a equipa que desenvolvia as ditas tarefas especiais, se extinguiu em Março/Abril de 1995.

É certo que não consta do elenco dos factos provados qualquer referência ao termo do exercício das funções especiais, cuja execução se provou ter começado em Junho de 1992, pelo que não tem suporte factual a afirmação, produzida no acórdão, segundo a qual o Autor exerceu tais funções até à suspensão do contrato.

Trata-se de um facto constitutivo do direito invocado, que ao Autor competia alegar e provar, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

Como assinala a Exma. Magistrada do Ministério Público, no já aludido parecer, embora o Autor tenha alegado que as diferenças de valores por ele reclamados, àquele título, dizem respeito ao período de 1992 a 2000, a verdade é que essa afirmação não pode ser entendida como tendo ele desempenhado as ditas funções especiais até 2000, tanto mais que a partir de Dezembro de 1999, por força do acordo de suspensão do contrato de trabalho, o Autor deixou de exercer quaisquer funções para a Ré.

É verdade que, como alega a recorrente, consta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que o depoimento da testemunha BB, que o Mmo. Juiz acolheu para formar a sua convicção, incidiu sobre aquele ponto concreto, tendo ela afirmado, entre o mais, que “[...] a equipa [dedicada à execução das funções especiais, na qual se integrava o Autor] funcionou até Março/Abril de 1995 – tendo o director dos recursos humanos decidido acabar com a equipa e suspensas [sic] as funções dos seus membros [...]” – fls. 824.

Disto resulta que o limite temporal, no que respeita ao termo do exercício das funções em causa, essencial para a determinação do montante dos créditos a ela associados, foi aflorado no decurso da produção da prova.

Porém, não pode, agora, ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, face aos limitados poderes, nesse domínio, concedidos ao Supremo Tribunal – artigos 712.º, n.º 6, 721.º, n.º 2, e 722.º, n.º 1, 722.º, n.º 2, 1.ª parte e 729.º, n.º 2, 1.ª parte, todos do CPC, sendo que, no caso, não ocorre nenhuma das situações previstas no bloco normativo constituído pelos artigos 722.º, n.º 2, parte final, e 729.º, n.º 2, do mesmo diploma.

É certo que, de acordo com o disposto no artigo 72.º, n.º 1, do CPT, se no decurso da produção da prova surgirem factos que, embora não articulados, se mostrem relevantes para a boa decisão da causa, deve o tribunal ampliar a base instrutória, e o n.º 4 do mesmo artigo dispõe que, findos os debates, “pode ainda o tribunal ampliar a matéria de facto, desde que tenha sido articulada, resulte da discussão e seja relevante para a boa decisão da causa”.

Todavia, segundo a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal o poder de ordenar a ampliação da decisão da matéria de facto, a que se refere o artigo 729.º, n.º 3, do CPC (4), tem o seu âmbito delimitado pelos factos articulados pelas partes.

Assim sendo, a incerteza, quanto ao momento da cessação do exercício de funções especiais, tem de resolver-se em desfavor do Autor, a quem, como se disse, incumbia alegar e provar o facto – no caso, que se manteve no exercício daquelas funções até à data da suspensão do contrato –, de harmonia com o disposto nos artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 516.º do CPC.

Na revista, a Ré apenas põe em causa que o Autor tenha exercido as ditas funções depois de Abril de 1995, aceitando que, até àquele mês, o exercício delas se manteve, ou seja, apenas discute – para além da questão da extinção dos atinentes créditos por remissão abdicativa, acima resolvida –, a condenação relativa ao período que inclui os meses de Maio de 1995 a Novembro de 1999.

Nesta conformidade, tem de se considerar que se tornou definitiva a decisão condenatória, proferida pelo Tribunal da Relação, no que concerne aos créditos laborais referentes ao período de Junho de 1992 a Abril de 1995, inclusive.

Procede, assim, nesta parte, a pretensão da recorrente.

III

Em face do exposto, decide-se conceder, parcialmente, a revista e, em consequência, revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou a Ré no pagamento ao Autor das importâncias correspondentes ao exercício de funções especiais reportado ao tempo que compreende os meses de Maio de 1995 a Novembro de 1999, confirmando-se, no mais, o julgado.

Custas nas instâncias e no Supremo a cargo do Autor e da Ré, na proporção do vencido.

Lisboa, 12 de Março de 2008.

Vasques Dinis (Relator)
Bravo Serra
Mário Pereira
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(1) À semelhança do que dispunha o artigo 72.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de Setembro.
(2) Neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos de 10 de Maio de 2001 e de 14 de Março de 2006, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, Documentos n.os SJ200105100018124 e SJ200603140040284.
(3) Cfr. Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 1968, p. 108.
(4) Segundo o qual o processo “volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito”