Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
864/20.1JABRG.G1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: AGOSTINHO TORRES
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS
IRRECORRIBILIDADE
PODERES DE COGNIÇÃO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
PENA ÚNICA
ABUSO SEXUAL DE MENORES DEPENDENTES
GRAVIDEZ
IMPROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :

I- Da conjugação do disposto nos artigos 434.º e 432.º, n.º1, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, retira-se que, na actual redação destes preceitos, os poderes de cognição em recurso do Supremo Tribunal de Justiça se restringem ao reexame da matéria de direito podendo ainda conhecer, a requerimento do recorrente, dos vícios e nulidades a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.410.º do mesmo Código, em caso de recurso de decisão das relações proferidas em 1.ª instância ou de recurso de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos.


II- No caso, não estando em causa nem uma situação de recurso de decisão da Relação proferida em 1.ª instância (alínea a) n.º1 do art.432.º do CPP ), nem uma situação de recurso direto, per saltum, de decisão proferida por tribunal do júri ou do coletivo de 1.ª instância (alínea c) n.º1 do art.432.º do ), mas uma situação de recurso de acórdão da Relação, que conheceu de recurso interposto de acórdão proferido em 1.ª instância e havendo uma situação de dupla conforme relativamente às penas parcelares atribuídas ao arguido (uma de 5 anos e as restantes inferiores a esse limite) assim como no que toca à pena única cumulatória fixada a final ao recorrente, confirmativa in mellius mas, ainda assim acima de 8 anos de prisão, caímos no âmbito de aplicação do artigo 432.º, número 1, alínea b), em conjugação com o disposto no número 1, alínea f), ambos do Código de Processo Penal.


III- Tendo em conta o quadro processual desenhado, fica arredada a competência deste Supremo Tribunal de Justiça no que concerne à análise e ponderação críticas da forma da determinação e fixação das penas parcelares concretas iguais e inferiores a 5 anos em que o recorrente foi condenado, de acordo com os critérios legais constantes dos artigos 40.º, números 1 e 2, 70.º e 71.º do Código Penal, conforme decidido pelas instâncias. Assim, o Supremo Tribunal de Justiça apenas é competente para conhecer a matéria relativa à medida da pena única de 8 anos e 6 meses, sendo certo que a aludida irrecorribilidade abrange assim, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objecto da decisão, nomeadamente as questões relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos, o concurso (natureza) efectivo de crimes e a determinação das penas parcelares.


IV- Considerando assim o disposto no art.434.º do Código de Processo Penal, o recurso interposto pelo arguido do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça segue a regra geral, ou seja, apenas pode visar o reexame de matéria de direito, restringindo-se os consequentes poderes de cognição deste Supremo Tribunal ao conhecimento desta matéria, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios a que alude o n.º2 do art.410.º do mesmo Código, caso se verifiquem, tenham ou não sido invocados (ou, tendo-o sido, mesmo que formalmente não pudessem ser fundamento de recurso face à nova redacção do artº 434 que apenas remete para os casos das alíneas a) e c) do artº 432º do CPP).


V- Não cabe no conceito de vicio de erro notório uma pretensa errónea valoração das provas produzidas em audiência de julgamento, v. g., a credibilidade atribuída ao depoimento de certa testemunha ou a de certo documento, sendo lícita, perante o disposto no nº1 do art. 129º do CPP, a valoração de testemunhos indiretos, in casu, de pessoas que presenciaram directamente a mundividência familiar e comportamento mais intimista ou referenciado da falecida ofendida, tendo em conta a forma relatada de aquisição desse conhecimento, o respeito que foi feito pelo contraditório, o texto da decisão em si e que, conjugadamente com as regras da experiência comum, não indica minimamente qualquer abuso ou hipervalorização de prova, nem sequer proibida, pois que a vítima não poderia depor em julgamento, em face do seu falecimento. Não se mostrando minimamente violadas regras de produção probatória nem das regras da experiência comum ou da lógica corrente, nada aponta a existência do vicio de erro notório.


VI- Na definição mais adequada da pena unitária em dissentimento caberá encontrar o ponto de equilíbrio entre as necessidades de prevenção geral e as de prevenção especial. Não tendo o arguido demonstrado vigor de ressonância ética, arrependimento activo ou sequer uma confissão a que fosse possível dar relevo impressivo, tendo embora já 77 anos, idade essa da qual já se poderá dizer que não se alcança um grau de perigosidade muito acentuado bem como, apesar de não ter antecedentes criminais e revelar uma integração social normal ( o que é expectável de qualquer cidadão), o olhar hermenêutico e de escrutínio da adequação ou correção da medida da pena em sede de recurso será incontornável sobretudo em caso de manifesta desproporcionalidade (injustiça) ou de violação da racionalidade e das regras da experiência (arbítrio) na configuração e estruturação das operações tidas como necessárias à sua determinação nos parâmetros da lei. Apenas nessas e só em função dessas circunstâncias se justificará uma intervenção modificadora pelo tribunal ad quem na escolha e a determinação da medida da pena.


VII- A actuação do arguido, gravíssima pelos abusos sexuais sobre a sua própria neta e as consequências que tal implicou em todo o agregado familiar pode revelar alguma tendência criminosa face à perduração temporal dos factos e à natureza da motivação do crime radicada em aspectos (parafílicos) muito ligados a elementos (des)estruturantes de personalidade. Tendo sido a acção tudo menos episódica ou acidental a aplicação aos 77 anos de idade de uma pena de prisão efectiva de 8 anos e 6 meses, tendo em conta as expectativas de vida média dos homens bem próximas da sua actual idade poderia ser vista, aparentemente, como algo desproporcionada. Mas também as exigências comunitárias de reprovação são muito prementes e não devem os tribunais transmitir uma postura de impunidade.


VIII- O arguido, na sua actual fase de vida, com capacidade de sentir o efeito da pena de prisão na sua vida, deve ser submetido a reacção privativa de liberdade que se manifeste com um sentido pessoal e comunitário, sobretudo dissuasor e eficaz. Não se verifica no caso uma excepcionalidade de circunstâncias que fundasse alteração, para menos, da pena unitária fixada no Tribunal da Relação.


IX- As exigências de prevenção geral são muito intensas e a reacção institucional tem de assumir uma postura assertiva e eficaz de dissuasão, tanto mais que o arguido, não obstante a sua idade e o tempo decorrido, não parece estar minimamente em conformidade com o nível expectável de consciência, de arrependimento e de compreensão do desvalor da acção. Assim , não se justifica a aplicação de uma pena inferior à fixada pelo Tribunal da Relação, devendo pois manter-se a a pena única resultante do cúmulo jurídico de penas, nos termos dos artigos 30.º, nºs 1 e 3, e 77.º, nºs 1 a 4, do Código Penal, em 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Decisão Texto Integral:




Acordam na 5ª Secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça


I- RELATÓRIO


Por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, em decisão de recurso, proferida a 3 de Outubro de 2023, fixou-se ao arguido AA, a pena única resultante do cúmulo jurídico de penas, em 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.


Antes desta decisão, no processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, que correu termos no Juízo Central Criminal de ... - Juiz ., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, sob o n.º 864/20.1JABRG.G1.S1, foi o arguido AA, melhor identificado nos autos, submetido a julgamento, tendo sido, a final, proferido acórdão no qual foi decidido, além do mais [transcrição1]:

I. Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e em concurso efectivo e real, de:

a. 4 (quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 172.º, nº1, 171.º, nº2, e 177.º, nº1, als. a) e b), do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº59/2007, de 4.09, de que foi vítima BB, nas penas parcelares de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b. 1 (um) crime de abuso sexual de menores dependentes agravado pelo resultado gravidez, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 172.º, nº1, 171.º, nº2, e 177.º, nº1, als. a) e b), e nº4, do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº59/2007, de 4.09, de que foi vítima BB, na pena de 8 (oito) anos de prisão;

c. 1 (um) crime de importunação sexual agravada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 170.º e 177.º, nº1, al. a), do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº101/2019, de 6.09, de que foi vítima BB, na pena de 8 (oito) meses de prisão; e

d. em cúmulo jurídico, ao abrigo dos artigos 30.º, nºs 1 e 3, e 77.º, nºs 1 a 4, do Código Penal, na pena única de 12 (doze) anos e 10 (dez) meses de prisão.

II. Absolver o arguido da prática, em autoria material e em concurso real, de 196 (cento e noventa e seis) crimes de abuso sexual de crianças agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 171.º, nºs 1 e 2, e 177.º, nº1, als. a) e b), do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº59/07, de 4.09.

III. Absolver o arguido da prática, em autoria material e em concurso real, de 219 (duzentos e dezanove) crimes de abuso sexual de menores dependentes agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 171.º, nºs 1 e 2, e 177.º, nº1, als. a) e b), do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº59/07, de 4.09.

IV. Absolver o arguido da prática de 1 (um) crime de importunação sexual, p. e p. pelo artigo 170.º do Código Penal.

(…)»

2. - Inconformado com a decisão de 1ª instância, dela o arguido interpôs recurso para a Relação de Guimarães, nos termos que constam do respetivo requerimento e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, sendo que, no termo da motivação, formulou as seguintes conclusões e petitório [transcrição2]

«1ª Pelos fundamentos constantes no ponto 1.3 do ponto II desta motivação, que aqui e por brevidade se dão por inteiramente reproduzidos, foi o facto do ponto 8. dos factos provados, incorrectamente julgado, na sua totalidade, devendo ter sido dado como não provado, pelo que, face à inadmissibilidade da prova testemunhal por inaplicabilidade do artigo 129º do CPP aos depoimentos prestados em audiência de julgamento, ou caso assim não se entenda, face à inconstitucionalidade da interpretação do artigo 129º do CPP, no sentido de que é possível valer como meio de prova o depoimento do que foi dito às testemunhas pela própria ofendida, por ofensa ao princípio da defesa do arguido ou da presunção da sua inocência previsto no artigo 32º da CRP, ou face à ausência de prova quanto ao facto do ponto 8. dos factos provados, conforme resulta da renovação da totalidade da prova gravada, pelo que atendendo-se ao princípio da presunção do arguido, impõe-se que o facto do ponto 8. dos factos provados, seja dado como não provado.

2ª Pelos fundamentos constantes no ponto 1.4 do ponto II desta motivação, que aqui e por brevidade se dão por inteiramente reproduzidos, foi o facto do ponto 9. dos factos provados, incorrectamente julgado, na sua totalidade, devendo ter sido dado como não provado, pelo que, face à inadmissibilidade da prova testemunhal por inaplicabilidade do artigo 129º do CPP aos depoimentos prestados em audiência de julgamento, ou caso assim não se entenda, face à inconstitucionalidade da interpretação do artigo 129º do CPP, no sentido de que é possível valer como meio de prova o depoimento do que foi dito às testemunhas pela própria ofendida, por ofensa ao princípio da defesa do arguido ou da presunção da sua inocência previsto no artigo 32º da CRP, ou face à ausência de prova quanto ao facto do ponto 9. dos factos provados, conforme resulta da renovação da totalidade da prova gravada, pelo que atendendo-se ao princípio da presunção do arguido, impõe-se que o facto do ponto 9. dos factos provados, seja dado como não provado.

3ª Pelos fundamentos constantes no ponto 1.5 do ponto II desta motivação, que aqui e por brevidade se dão por inteiramente reproduzidos, foi o facto do ponto 14. dos factos provados, incorrectamente julgado, na sua totalidade, devendo ter sido dado como não provado, pelo que, face à inadmissibilidade da prova testemunhal por inaplicabilidade do artigo 129º do CPP aos depoimentos prestados em audiência de julgamento, ou caso assim não se entenda, face à inconstitucionalidade da interpretação do artigo 129º do CPP, no sentido de que é possível valer como meio de prova o depoimento do que foi dito às testemunhas pela própria ofendida, por ofensa ao princípio da defesa do arguido ou da presunção da sua inocência previsto no artigo 32º da CRP, pelo que atendendo-se ao princípio da presunção do arguido, impõe-se que o facto do ponto 14. dos factos provados, seja dado como não provado.

4ª Pelos fundamentos constantes no ponto 1.6 do ponto II desta motivação, que aqui e por brevidade se dão por inteiramente reproduzidos, na procedência da impugnação dos factos constantes no ponto 8., 9. e 14., efectuada nas 1ª, 2ª e 3ª conclusões desta motivação de recurso, devem os factos dos pontos 16., 17. e 18. dos factos provados serem devidamente corrigidos e alterados, fazendo menção, única e exclusivamente, aos factos que ficarem provados.

5ª Pelos fundamentos constantes no ponto 1.7 do ponto II desta motivação, que aqui e por brevidade se dão por inteiramente reproduzidos, foi o facto do ponto 34. dos factos provados, incorrectamente julgado, na sua totalidade, uma vez que este facto não diz respeito às condições pessoais e sócio-económicas do recorrente, consubstanciando, ao invés, uma opinião pessoal do técnico que elaborou o relatório social, bem como, sendo um facto que não constava da acusação, impõe-se que o facto que consta do ponto 34., seja retirado dos factos provados.

6ª Julgando assim a matéria de facto e alterando-se a mesma, terá que se concluir que deverá o recorrente ser absolvido nos 4 crimes que constam da alínea a) da decisão do acórdão recorrido, bem como, no crime de importunação sexual agravado que consta da alínea c) da decisão do acórdão recorrido.

7ª Sem prejuízo dos pedidos de absolvição efectuados na 6ª conclusão de recurso, o acórdão recorrido errou ao aplicar como agravante da medida da pena o ponto 34. dos facto provados, bem como, errou ao não ter em conta ao facto do recorrente não ter antecedentes criminais, ao facto de não existir qualquer facto provado que indicie que os factos foram cometidos sem o consentimento da ofendida ou contra a sua vontade, ao tempo decorrido entre a prática dos factos e a decisão recorrida, que foram cerca de 10 anos.

8ª Assim, não levando a linha de conta a agravante do facto do ponto 34. Dos factos provados, e tendo em conta o que consta na anterior conclusão a favor do recorrente, deverá a medida das penas aplicadas ao arguido serem alteradas nos seguintes termos:

a) por cada um dos 4 crimes de abuso sexual de menores dependentes agravado: 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b) pelo crime de abuso sexual de menores dependentes agravado pelo resultado de gravidez: 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

c) Pelo crime de importunação sexual agravada: 4 (quatro) meses de prisão.

9ª Na improcedência dos pedidos de absolvição que constam na anterior 6ª conclusão, em cúmulo jurídico deverá ser fixada ao recorrente a pena única de 6 (seis) anos de prisão.

Nestes termos o acórdão recorrido, por erro de interpretação e aplicação violou o disposto nos art.º 71º do CPenal, artº 129º do CPP e art. 32º da CRP, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que absolva o recorrente pelos crimes referidos na 6ª conclusão e altere a medida da pena nos termos da 8ª e 9ª conclusão deste recurso.

O Tribunal da Relação de Guimarães equacionou a partir do recurso as seguintes questões que veio a apreciar:


- Impugnação da matéria de facto;


- Enquadramento jurídico-penal da factualidade em consequência da impugnação;


- Medida das penas parcelares e da pena única.


No acórdão a quo (1ª instância) recorrido exarara-se o seguinte quanto à factualidade relevante para a decisão da causa (…) [transcrição]:


«II. FUNDAMENTAÇÃO


II.1. Factos provados


Discutida a causa e com interesse para a sua justa decisão, resultou provada a seguinte matéria de facto:

a. Da acusação:

1. BB nasceu no dia ........1997 e faleceu no dia ... de Dezembro de 2020, sendo filha de CC e de DD.

2. O arguido é o avô materno da ofendida BB.

3. No ano de 2005, os pais da ofendida BB divorciaram-se, tendo a mesma e a sua irmã EE ficado confiadas à guarda e cuidados da sua mãe.

4. Desde 2005, a ofendida BB, a sua irmã e a mãe passaram a residir com os avós maternos daquela, na habitação sita na Rua ..., ..., em ....

5. Uma vez que a mãe trabalhava como estilista/modelista em ..., possuindo um horário de trabalho alargado, os avós maternos da ofendida BB passaram a dar-lhe ordens, educando-a, brincando e convivendo com a mesma, levando-a e buscando-a à escola e cuidando da sua alimentação e higiene.

6. Os avós maternos da ofendida BB passaram a ser os únicos cuidadores desta, a partir de Agosto de 2012, altura em que a sua mãe deixou de viver na habitação indicada em 4), para ir residir com um companheiro.

7. A habitação referida em 4) era composta, para além do mais, por uma cave e um sótão, sendo que cada um destes compartimentos estava apetrechado com uma cama.

8. Em datas distintas que não foi possível apurar em concreto, situadas entre 8 de Maio de 2010 e 9 de Fevereiro de 2013, no interior da habitação referenciada em 4), e em, pelo menos, duas ocasiões, o arguido introduziu o seu pénis erecto na boca da ofendida BB.

9. Em datas distintas que não foi possível apurar em concreto, situadas entre 8 de Maio de 2010 e 9 de Fevereiro de 2013, no interior da habitação referenciada em 4), e em, pelo menos, duas ocasiões, o arguido, sem usar preservativo ou qualquer outro meio contraceptivo, introduziu o seu pénis erecto na vagina da ofendida BB, friccionando com sucessivos movimentos de vaivém, até ejacular, assim mantendo com aquela relações sexuais, de cópula.

10. Entre 10 de Fevereiro e 14 de Junho de 2013, o arguido, sem fazer uso de preservativo, introduziu o seu pénis erecto na vagina da ofendida BB e ejaculou no seu interior, tendo resultado desta cópula completa, a gravidez de BB, quando esta tinha 15 ou 16 anos de idade.

11. Em consequência da cópula mencionada em 10), nasceu, no dia ... de ... de 2013, FF.

12. Em Maio de 2019, a ofendida BB deixou de residir em casa dos avós maternos e foi viver em comunhão de cama, mesa e habitação com o seu namorado, GG.

13. No dia 9 de Maio de 2020, na parte da manhã, a ofendida BB deslocou-se à residência dos seus avós maternos, para aí realizar limpezas, a pedido da sua avó materna.

14. Nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas em 13), quando a ofendida BB se encontrava no interior da habitação identificada em 4), o arguido foi ao seu encontro e, com as suas mãos, apalpou as nádegas da mesma.

15. O arguido sabia que a ofendida BB tinha entre 11 e 13 anos de idade no período compreendido desde 7 de Maio de 2008 até 6 de Maio de 2011 e que a mesma tinha entre 14 e 17 anos de idade, depois de 7 de Maio de 2011 e até Fevereiro de 2015.

16. O arguido agiu com o propósito, concretizado, de praticar com a ofendida BB coito oral e cópula, nos termos descritos em 8) a 10), de forma a satisfazer os seus instintos libidinosos, apesar de estar ciente da idade da ofendida em cada uma dessas ocasiões.

17. Ao actuar conforme descrito em 14), o arguido agiu com o propósito, conseguido, de perturbar e importunar a ofendida BB na sua liberdade sexual, sabendo que, para o efeito, apalpava, com as suas mãos, as nádegas daquela e que, desse modo, a constrangia a contactos de natureza sexual.

18. O arguido agiu do modo supra descrito em 8) a 10) e 14) sabendo que era avô da ofendida BB, que esta foi consigo residente desde Agosto de 2012 até, pelo menos, 6 de Maio de 2015, que, durante este período de tempo, a mesma estava lhe confiada de facto, para educação e assistência, e que abusava da autoridade resultante de tal relação familiar, o que quis e conseguiu.

19. O arguido agiu sempre de forma voluntária, livre e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.


b) Mais se provou que:

20. O arguido é o quinto de nove descendentes de um casal, sendo que o pai exercia a actividade profissional de taxista e a mãe trabalhava como doméstica.

21. Até perfazer 12 anos de idade, o arguido cresceu ao cuidado de tios, por dificuldades dos seus progenitores em garantir o sustento de todos os seus filhos.

22. Posteriormente, o arguido voltou a viver com os pais, em ambiente familiar instável, devido ao consumo abusivo de álcool por parte do progenitor.

23. Os pais faleceram quando o arguido era ainda adolescente, na sequência do que o mesmo passou a residir com a sua irmã mais velha.

24. O arguido concluiu a 4ª classe de escolaridade e frequentou, durante cerca de 3 anos, a antiga Escola Industrial e Comercial de ...; não concluiu outro ciclo de ensino.

25. O arguido começou a trabalhar com cerca de 14 anos, tendo exercido várias actividades até aos 16 anos de idade; posteriormente, passou a trabalhar como chapeiro, por conta de outrem.

26. Com 19 anos de idade, casou-se com o seu ainda cônjuge, HH.

27. Já casado e depois do nascimento do primeiro filho do casal, o arguido foi mobilizado para o serviço militar em Angola, em contexto de guerra; o seu cônjuge e o referido filho foram residir consigo naquele país, onde todos permaneceram durante mais três anos; neste período temporal, nasceram os outros dois filhos do casal.

28. A dinâmica do agregado familiar do arguido, composto pelo casal e os seus três filhos, era percepcionada por todos os seus membros como sendo positiva.

29. Em 1975, o arguido regressou, com o seu agregado familiar, para Portugal e, após laborar, durante três anos, como chapeiro, integrou uma empresa têxtil de familiares, onde trabalhou com funções de motorista, até à sua reforma.

30. O arguido encontra-se reformado desde 2010, auferindo uma pensão por velhice, no valor mensal de 1.248,70 €; o seu cônjuge aufere uma pensão de reforma, no montante de cerca de 400 €.

31. Actualmente, o arguido reside somente com o seu cônjuge, sendo que os contactos entre ambos estão reduzidos ao estritamente necessário no quotidiano doméstico e não partilham o leito, desde finais de Abril de 2021, quando o cônjuge tomou conhecimento de que o arguido era o pai biológico do filho da ofendida BB.

32. O arguido ocupa o seu quotidiano, executando tarefas de jardinagem e bricolage e deslocando-se, diariamente, a um estabelecimento comercial de café; ao fim-de-semana, joga malha/chinquilho ou cartas com grupo de pares.

33. No meio residencial, o arguido dispõe de uma imagem social discreta e ajustada ao normativo comunitário.

34. O arguido não reconhece a produção de danos físicos e morais nas vítimas de factos semelhantes aos que integram o objecto deste processo e exprime crenças que tendem a racionalizar/justificar comportamentos desta natureza, designadamente, em função do comportamento da vítima.

35. Após tomarem conhecimento do teor da acusação deste processo, gerou-se um sentimento de elevada consternação entre os familiares do arguido e os seus filhos deixaram de se relacionar com o mesmo.

36. Do certificado do registo criminal do arguido nada consta.


(…)”


[(itálico negritos nossos relativos aos factos impugnados 8,9 e 14 e alteráveis na decorrência da eventual procedência dessa impugnação ( 16,17 e 18)]


Com a seguinte motivação de facto:


II.3. Motivação de facto


O Tribunal formou a sua convicção com base na apreciação crítica do conjunto das provas examinadas e/ou produzidas em audiência de julgamento.


Antes de mais, cumpre salientar que, na falta de elementos de prova que sustentem, cabalmente e com o rigor e a segurança exigíveis, a factualidade imputada ao arguido, persistirá a dúvida razoável sobre a verificação e a autoria dos factos, pelo que, de acordo com o princípio fundamental da presunção de inocência do arguido, plasmado no artigo 32.º, nº2, da CRP, tal incerteza não poderá e, por isso, não irá desfavorecê-lo (in dubio pro reo).


A relação de parentesco entre o arguido e a ofendida BB (sendo aquele o avô materno desta), a idade desta em cada momento a que se reportam os factos imputados ao arguido, a filiação e a morte da mesma estão provados com base no teor da certidão do respectivo assento de nascimento a fls. 49-50. Deu-se, assim, provada a factualidade sob os nºs 1 e 2.


A factualidade sob o nº3 decorre do teor das certidões dos assentos de nascimento respeitantes à vítima BB, a fls. 49-50, e de sua mãe, a testemunha DD, a fls. 162-163.


O arguido, no exercício do direito que lhe assiste, optou por não prestar declarações na audiência de julgamento, pelo que o silêncio não o desfavoreceu, como impõe o artigo 343.º, nº1, conjugado com o artigo 61.º, nº1, al. d), ambos do CPP.


O arguido também não prestou declarações perante autoridade judiciária, conforme decorre do auto de interrogatório de arguido a fls. 97-98, pelo que inexistem declarações do arguido a considerar e apreciar como meios de prova válidos, ao abrigo dos artigos 141.º, nº4, al. b), 144.º, nº1, 355.º, nºs 1 e 2, e 357.º, nº1, al. b), e nº2, do CPP.


A ofendida BB não prestou declarações para memória futura, tendo falecido em data anterior à da prolação do despacho de acusação. Por outro lado, está proibida a valoração como prova das declarações que a mesma prestou perante a Polícia Judiciária em 19.06.2020, constantes do auto de inquirição a fls. 79-84, na medida em que o arguido não deu o necessário acordo para a respectiva leitura em audiência de julgamento, o que se impunha, conforme decorre do artigo 356.º, nº2, al. b), nº4 e nº5, do CPP – cf. acta da audiência de julgamento de 2.05.2022 (ref.ª Citius nº.......54). Por conseguinte, não foi possível obter directa e pessoalmente da vítima a sua versão dos factos.


Todavia, foi produzida outra prova testemunhal, sendo que parte de cada um desses testemunhos consistiu em depoimento indirecto, por corresponder, nesse segmento, ao relato de factos dos quais as testemunhas tomaram directa e pessoalmente conhecimento através do que lhes foi dito pela vítima BB. Ora, a parte do depoimento destas testemunhas (todas as ouvidas na audiência de julgamento, infra identificadas) que resultou do que ouviram dizer à vítima BB serviu como meio de prova, ao abrigo do artigo 129.º, nº1, e nº3, a contrario, do CPP, na medida em que não foi possível inquiri-la em audiência de julgamento, porquanto a mesma faleceu em 30.12.2020 (ou seja, ainda no decurso do inquérito que deu origem a este processo).


Analisemos, então, a prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, salientando-se, desde já, que todos os depoimentos mereceram inteira credibilidade deste Tribunal, pois cada uma das testemunhas limitou-se a relatar os factos de que tinha conhecimento pessoal (directo, presencial) e/ou de que tomou conhecimento através de conversação mantida com a vítima BB. Desta feita, a mágoa e revolta ostensivamente transversais a todos os testemunhos acabaram por não comprometer a respectiva serenidade, coerência e verosimilhança.


Assim, a testemunha DD, mãe da ofendida/vítima e filha do arguido, descreveu as condições de vida familiar da vítima a partir do momento em que esta, ainda durante a infância, passou a estar aos cuidados (de facto) dos respectivos avós maternos: numa primeira fase, na sequência do divórcio, em 2005, entre a testemunha e o pai da ofendida (a testemunha CC), a depoente e as filhas do casal (a ofendida e a testemunha EE) continuaram a residir – como até então – em casa de seus pais (ou seja, o arguido e seu cônjuge, mãe da testemunha), na morada indicada sob o nº4 da acusação, sendo que, durante todo esse período de tempo, a testemunha trabalhou como modelista, encontrando-se, por isso, ausente daquela residência desde 6.30 h/7.00 horas até às 20.00 horas; numa segunda fase, a partir de Agosto de 2012 (i.e., quando a vítima já tinha 15 anos de idade), as duas filhas do dissolvido casal continuaram a viver com os avós maternos e na mencionada habitação, por ter sido essa a vontade das mesmas, quando a depoente se mudou, com o seu então namorado, para outra residência, situada em …; posteriormente, decorridos cerca de 2 anos, a irmã da ofendida (a testemunha EE) também deixou de residir com os avós maternos, sendo que a ofendida continuou a viver com estes, na mesma morada, situação que perdurou até aos 21 anos de idade da mesma ofendida (ou seja, no limite, até ao dia 6 de Maio de 2019). A testemunha DD referiu, igualmente, que, durante todo o período de tempo em que aquelas suas filhas coabitaram com os avós maternos, manteve um contacto assíduo com ambas as menores, apesar de ser a avó materna destas quem, por ser doméstica, delas cuidava no quotidiano. Por outro lado, a mesma testemunha descreveu a composição da casa onde os seus pais sempre moraram, nesse tempo: tal moradia era composta, além do mais, por uma cave (espaço amplo, com um sofá e uma cama lá colocados) e um sótão – onde também estava uma cama –, sendo que cada uma das suas duas filhas tinha o seu próprio quarto de dormir. A depoente afirmou que tomou conhecimento de que a vítima BB estava grávida, por intermédio da sua mãe (a testemunha HH) e quando a gestação já se encontrava numa fase avançada (cerca de 6 meses). Por outro lado, a testemunha DD evidenciou ter conhecimento pessoal de que a ofendida deixou de residir com os avós maternos, tendo ido viver com o seu então namorado, quando FF, o filho da mesma (nascido em ........2013 e fruto daquela gravidez), já tinha, aproximadamente, 6 anos de idade, o que significa que a vítima deixou de coabitar com o arguido entre os anos de 2018 e 2019. Todavia, segundo a depoente, a vítima BB continuou a frequentar a casa dos avós maternos, quer para visitar (pelo menos) a avó, quer para auxiliar esta última na limpeza da casa. A testemunha DD afirmou, ainda, que, no dia seguinte àquele em que a vítima denunciou os factos à autoridade policial – o que aconteceu em 16.05.2020, conforme atestado pelo auto de denúncia a fls. 15-16 e comunicação de notícia de crime pela PSP de ... à Polícia Judiciária a fls. 7-8 –, esta referiu-lhe que o arguido, quando a mesma se encontrava a executar tarefas de limpeza na residência daquele (e da avó materna), abordou-a no corredor e “apalpou-a” (sic), na sequência do que ficou “muito incomodada” (sic). Descrevendo a vítima como sendo uma pessoa “muito reservada” (sic), a testemunha DD esclareceu que aquela nunca lhe transmitiu quaisquer pormenores sobre os abusos sexuais que imputou ao arguido, nem lhe concretizou as situações que havia denunciado às autoridades policiais, acrescentando que ambas jamais falaram entre si acerca da gravidez da vítima e da identidade do pai de FF. Do mesmo modo, a testemunha declarou jamais ter falado com o arguido ou com o pai da ofendida BB sobre os factos que integram o objecto deste processo, mais dizendo que deixou de relacionar-se, em absoluto, com o arguido, a partir do momento em que tomou conhecimento dos “abusos sexuais” que a vítima imputava a este. Por fim, a depoente informou que, presentemente, é quem detém a tutela do seu neto FF (o filho da vítima e do arguido).


A testemunha EE, neta do arguido e irmã (4 anos mais velha, nascida em 1993) da vítima BB, descreveu, do modo mais circunstanciado que a memória lhe permitiu, o percurso de vida daquela desde a infância, no que tange à coabitação com os avós maternos, nesta matéria sustentando uma realidade em tudo semelhante à descrita pela sua mãe, a testemunha DD: após o divórcio de seus pais (o que situou no tempo em que frequentava o 7º ano de escolaridade, com 12/13 anos de idade), continuou a residir com os avós maternos, a ofendida e a mãe de ambas, sendo que, durante o horário de trabalho da última, a depoente e a ofendida ficavam ao cuidado dos referidos avós; confirmou que, depois de a mãe de ambas ter deixado de residir em casa dos avós maternos, a depoente e a ofendida continuaram a coabitar com estes; quando a depoente tinha 18/19 anos de idade – ou seja, em 2011/2012 –, altura em que o arguido já se encontrava reformado há cerca de 2 anos, a mesma deixou de ali residir, mantendo-se apenas a coabitação da ofendida com os avós maternos. A mesma testemunha descreveu a composição da residência dos seus avós maternos em termos idênticos aos da testemunha DD, aludindo à existência de um sótão e de uma cave, encontrando-se instalada uma cama em cada um destes compartimentos, mais afirmando que tanto a depoente como a ofendida dispunham do seu próprio quarto, embora, por vezes, dormissem juntas, em um deles. A testemunha EE revelou que tomou conhecimento da gravidez da vítima quando esta já se encontrava com cerca de 5 meses de gestação. Tendo questionado, várias vezes, a vítima BB sobre a identidade do pai do seu filho, esta nunca lhe respondeu. A mesma testemunha declarou, ainda, que a ofendida só deixou de residir com os avós maternos quando o filho desta (FF) já tinha 6 anos de idade, tendo ido viver com o seu então namorado (a testemunha GG). Relativamente aos comportamentos da ofendida ao longo da sua infância, adolescência e maioridade, a testemunha apontou-lhe fácil irritabilidade a partir dos 13 anos de idade e que a mesma, apesar de nunca ter apresentado qualquer motivo para o efeito, chegou a manifestar vontade de deixar de viver com os avós maternos. A testemunha EE, num genuíno esforço de memória, apenas conseguiu destacar uma situação e um determinado hábito do arguido, na relação deste com a ofendida, evidenciando ter presenciado tais momentos no interior da aludida residência dos seus avós maternos, durante o tempo em que ambas ainda ali residiam: em data que não soube precisar, mas em que a ofendida tinha 14/15 anos de idade (ou seja, entre Maio de 2011 e Abril de 2013), viu, numa tarde, o arguido e a ofendida sentados no sofá da sala, em frente à televisão, com um cobertor sobre as pernas de ambos, momento em que se apercebeu que o arguido, por baixo do aludido cobertor, fez um movimento com a sua mão e braço, tocando nas pernas da ofendida. Tal situação causou estranheza à depoente, porquanto o arguido mostrou-se surpreendido e “desconfortável” (sic) com a sua entrada, inesperada, naquela divisão da casa, sendo que a ofendida saiu imediatamente da dita sala. O aludido hábito prendeu-se com a circunstância de ter, frequentemente, presenciado o arguido, à noite, a espreitar para o interior do quarto da depoente, através da porta entreaberta, quando a sua irmã BB também ali se encontrava, ambas deitadas na cama, para dormir. Questionada, a testemunha não logrou recordar-se se, nesses momentos, a ofendida se ausentava ou não do quarto. A testemunha EE aludiu, ainda, às carícias (gestos físicos de afecto) que via o arguido a dispensar à ofendida (por exemplo, na cozinha da residência), referindo que, em alguns desses momentos, apercebeu-se que a vítima se afastava do arguido “logo que podia” (sic). Notou, ainda, que o arguido sempre dedicou mais atenção à ofendida do que à própria depoente (também sua neta). Por outro lado, esta testemunha fez um relato, verosímil e coerente, sobre as circunstâncias de tempo e lugar em que tomou conhecimento da identidade do pai do seu sobrinho FF: foi a própria vítima quem deu tal informação ao seu então companheiro (a testemunha GG), na casa de ambos, tendo sido este último quem transmitiu tal notícia à depoente, quando esta se deslocou a casa do jovem casal. A testemunha afirmou que, no próprio dia em que tomou conhecimento da notícia, telefonou à avó materna de ambas, dizendo a esta que o pai de FF era o arguido, a quem, nesse telefonema, ouviu as seguintes palavras: “sou pai avô” (sic). A testemunha mais declarou que, tendo confrontado a vítima BB com a veracidade dessa notícia, esta última nada lhe respondeu; porém, no trajecto percorrido até às instalações da PSP de ..., quando aí se dirigiram para a vítima denunciar os factos, esta disse-lhe que “nunca usaram preservativo” (sic) – referindo-se, logicamente, aos actos sexuais que praticou com o arguido – , mais lhe dizendo que essas relações sexuais ocorriam antes do nascimento do seu filho (o FF) e em casa dos avós maternos. A ofendida BB não especificou à depoente o(s) compartimento(s) da casa dos avós maternos em que tais situações se deram. A mesma testemunha afirmou, ainda, que a vítima BB nunca lhe mencionou o momento em que as relações sexuais com o arguido tiveram início; porém, a vítima referiu-lhe que o arguido a abordara sexualmente no sábado anterior ao dia em que a vítima foi apresentar queixa junto da PSP de ..., o que significa, atentando na data da denúncia junto da PSP de ..., que esse evento ocorreu no dia 9.05.2020.


A testemunha II, tia paterna da vítima, evidenciou que sempre manteve uma relação de afecto e próxima com aquela sobrinha, sendo frequentes os contactos presenciais entre ambas, mesmo depois da separação/divórcio dos seus progenitores, assim denotando ter efectivo conhecimento da fixação de residência daquela em casa dos avós maternos, quando a mãe foi coabitar com o seu então namorado. Tal como os demais familiares, esta testemunha revelou ter tomado conhecimento da gravidez da vítima quando está já se encontrava “muito avançada” (sic). Apesar de ter questionado a ofendida sobre tal facto, esta não lhe revelou a identidade do pai do seu filho, tendo-o feito somente em data posterior àquela em que participou os factos à autoridade policial. A ofendida não comentou com esta testemunha sobre quaisquer outros factos. Por fim, a depoente descreveu a ofendida como sendo, a partir dos seus 13/14 anos, uma adolescente “muito rebelde” (sic), a qual, não obstante, apresentava bom comportamento sempre que se encontrava na companhia dos avós paternos, em casa destes.


A testemunha CC, pai da vítima BB e ex-genro do arguido, emigrado na Suíça há cerca de 6 anos, revelou ter tomado conhecimento da identidade do pai do filho daquela por contacto telefónico da testemunha GG, em tempo muito próximo daquele em que a ofendida informou este último (então, seu companheiro) de tal facto. Mais afirmou que, no subsequente contacto (telefónico) com a vítima, limitou-se a aconselhá-la a denunciar tal situação perante as autoridades policiais. O depoente referiu que a vítima BB nada mais lhe falou, em concreto, sobre os abusos sexuais que imputou ao arguido, tendo apenas feito a esta testemunha, na aludida chamada telefónica, a afirmação genérica de que havia tido relações sexuais com o arguido para além daquela que originou a sua gravidez. Tal como as testemunhas supra identificadas, o depoente mostrou ter sabido da gravidez da ofendida numa fase avançada da gestação, esclarecendo que, nas “muitas vezes” (sic) que lhe perguntou sobre a identidade do pai de seu filho, a mesma remeteu-se sempre ao silêncio e chorava. A testemunha CC prestou um depoimento em tudo idêntico ao das testemunhas DD e EE no que respeita ao seu divórcio da mãe da ofendida e relativamente ao facto de as duas filhas (a ofendida e a testemunha EE) terem ficado a residir com os avós maternos depois de a progenitora ter deixado de coabitar com as mesmas naquela residência. Esta testemunha mencionou, embora sem lograr situar no tempo, que, por vezes, a ofendida telefonava-lhe a chorar, dizendo-lhe que não queria estar em casa dos avós maternos e que, qualquer dia, “fazia uma asneira” (sic); aludiu, ainda, a alguns telefonemas que recebeu da avó materna da ofendida, em que aquela lhe transmitiu que não queria esta neta em sua casa, sem indicar o motivo subjacente.


A testemunha GG foi igualmente exemplar no modo como prestou o seu depoimento, pois, à semelhança das restantes testemunhas supra identificadas, revelou ter transmitido ao Tribunal somente o que a vítima, então sua companheira, lhe confidenciou e que o próprio percepcionou na atitude desta, ao longo do tempo em que coabitaram. Assim, esta testemunha afirmou que a vítima BB lhe transmitiu o seguinte: o arguido abusara sexualmente da mesma desde os seus 13 anos de idade (ou seja, a partir de data não anterior a 7.05.2010, dia do seu 13º aniversário); o arguido abordava-a para a prática de actos sexuais quando a mesma se encontrava “sozinha na cave” (sic) da habitação dos avós maternos ou, então, “chamava-a” (sic) a tal compartimento, sendo que, nessas ocasiões, a avó materna (a testemunha HH) e a sua irmã (a testemunha EE) também estavam em casa, embora noutras divisões; os actos sexuais ocorriam num sofá instalado na aludida cave; a vítima dizia ao arguido “para parar”, “chorava” e aquele “obrigava”-a (sic) à prática desses actos; houve penetração do pénis do arguido na vagina da ofendida; o arguido ejaculava dentro da vagina da ofendida; a ofendida havia feito “sexo oral” (sic) ao arguido, sendo que, nesta matéria, a mesma não reproduziu ao depoente a expressão verbal constante do nº9 da acusação; os actos sexuais ocorriam “regularmente, quando lhe apetecia” (sic) – leia-se quando o arguido manifestava essa vontade à vítima; durante a gravidez, o arguido disse à vítima que ninguém iria acreditar que o pai do bebé era ele próprio, sugerindo-lhe que “arranjasse” um namorado para, assim, dizer ser este o pai da criança que iria dar à luz; no período de tempo em que a ofendida já vivia com o depoente (ou seja, desde Maio/Junho de 2019), o arguido, quando a mesma estava em casa deste, “roçava-se nela” ou “procurava roçar-se nela”, “apalpava-a” (sic), sendo que BB “fugia” (sic) das investidas sexuais do avô materno.


A testemunha GG afirmou não se recordar se a vítima lhe mencionou ter sido ou não submetida a sexo anal pelo arguido, se este a beijava ou não na boca ou em outras partes do corpo, se o arguido usava ou não preservativo em tais actos sexuais e se este entregava àquela qualquer quanta monetária, como contrapartida de tais actos. A mesma testemunha declarou que a ofendida não lhe transmitiu que, depois do nascimento do seu filho, havia ou não mantido coito vaginal ou oral com o arguido.


A mesma testemunha esclareceu que passou a coabitar com a vítima em Maio de 2019, quando o filho daquela (o FF) tinha cerca de 5 anos (o que, de facto, é compatível com o seu nascimento em ........2013), mais esclarecendo que a criança foi residir com ambos somente dois meses depois do início da coabitação do casal; durante aquele período de tempo, o filho da vítima continuou a viver na residência dos avós maternos desta, a qual aí se deslocava diariamente, para visitar o seu filho. O depoente explicou que, a partir de Setembro de 2019, trabalhou como motorista de transporte de mercadorias internacional, razão pela qual regressava a casa somente no final da semana, às 20.00 horas de Sexta-feira e permanecia na companhia da ofendida apenas até à tarde do Domingo seguinte ou até à manhã da Segunda-feira subsequente. Por fim, a testemunha declarou que, durante o período de confinamento geral obrigatório (imposto pela pandemia da doença COVID-19, o que ocorreu a partir da 2ª semana de Março de 2020), permaneceu em casa durante 3 meses e que, nesse período de tempo, a vítima diminuiu o número de deslocações a casa dos respectivos avós maternos.


A testemunha GG manifestou uma memória assaz vívida quanto ao comportamento da ofendida BB até ao dia em que esta lhe revelou a paternidade do seu filho (identificando o arguido): a vítima apresentava-se-lhe renitente, “constrangida” (sic) em deslocar-se a casa dos avós maternos ou daí regressava “muito constrangida” (sic), sendo que tais deslocações ocorriam cerca de três vezes por mês; a ofendida “andava sempre chorosa” (sic), tendo sido a chorar (na manhã do dia em que, à hora do jantar, o depoente informou a testemunha EE de que o arguido era o pai de FF) que a mesma lhe falou sobre o pai biológico do seu filho; a ofendida acabou por lhe revelar os “abusos sexuais” que sofrera com o arguido somente por força da pressão que o próprio depoente havia exercido sobre aquela, pois o mesmo não compreendia os momentos de tristeza que via na sua companheira ou que algumas amigas desta lhe comunicaram; apesar de se aperceber que a ofendida retirava prazer físico nas relações sexuais que mantinham entre si, o depoente também se apercebeu que a mesma evitava que os momentos íntimos do casal decorressem nos sofás da casa, em ambiente escuro e com a porta do quarto fechada, sendo que nunca ocorriam contactos sexuais entre ambos na semana em que a ofendida tinha ido a casa dos avós maternos.


Ora, a rejeição de práticas sexuais em certos momentos ou em determinado ambiente é efectivamente compatível, segundo a Psiquiatria e a Psicologia, com o comportamento/reacção de uma vítima de abuso sexual, pois a repetição de circunstâncias de lugar e modo semelhantes àquelas em que tal pessoa vivenciou negativamente experiências da mesma natureza (sexual) provoca-lhe ou pode provocar-lhe, naturalmente e ainda que de modo involuntário, o reavivamento da memória em relação a esses eventos do passado, causando-lhe uma sensação de desconforto, constrangimento, mágoa, revolta e/ou repulsa.


A testemunha GG descreveu a relação estabelecida com a vítima como tendo sido plenamente gratificante, caracterizando BB como sendo uma pessoa “incrível”, “alegre” e que “vivia muito intensamente”.


A testemunha HH, visivelmente agastada e devastada com os factos imputados ao arguido, seu cônjuge, na acusação deduzida neste processo e apesar de ser a avó materna da vítima, não deixou de prestar um depoimento isento, que, assim, mereceu a credibilidade do Tribunal. Esta testemunha relatou, em termos coincidentes com as demais testemunhas supra identificadas, os termos em que a ofendida BB viveu na sua residência, afirmando que esta e a irmã (a testemunha EE) continuaram a viver com a depoente e o arguido depois de a mãe daquelas (sua filha) ter deixado de ali residir, reportando esta situação a uma idade da ofendida quando a mesma frequentava o ensino primário (portanto, até aos 10 anos de idade). A testemunha referiu, ainda, que o arguido aposentou-se quando o mesmo tinha cerca de 65 anos de idade. Confirmou a existência de uma cave e de um sótão na sua residência, bem como a presença de uma cama, com o respectivo colchão, em cada um desses compartimentos, sendo que a cave também estava mobilada com um terno de sofás. Por outro lado, esta testemunha, de modo que se nos afigurou sincero, sustentou nunca ter-se apercebido de qualquer dos factos imputados ao arguido na acusação, tendo tomado conhecimento de que a vítima estava grávida quando esta se encontrava com cerca de 3 meses de gestação. Confirmou que a ofendida residiu com o arguido e a depoente já depois do nascimento do seu filho FF, até ao momento em que a mesma foi residir com o seu namorado (a testemunha GG). Declarou, igualmente, que, a partir do momento em que a vítima foi residir com o seu namorado, esta passou a deslocar-se à residência do arguido (e da depoente), aproximadamente, uma vez por semana, sendo que o filho FF continuou ali a residir até cerca de 2 a 3 meses depois da saída da ofendida, a qual, durante as visitas ao filho, permanecia em casa da depoente não mais do que uma hora. Posteriormente, quando o filho FF passou a residir com a ofendida, esta deslocava-se à residência da depoente e do arguido, não só para estes verem a criança, como também para fazer a limpeza da casa, o que acontecia quinzenalmente, durante 3 horas do período da manhã. Nesta matéria, a testemunha HH afirmou que, nessas ocasiões, o arguido encontrava-se na habitação e a depoente estava na cozinha, a fazer o almoço. Esta testemunha mais referiu que, nessas deslocações à residência do arguido e da depoente, a ofendida ia embora depois de almoçarem todos juntos (a ofendida, o seu filho e os avós maternos), sendo que nunca se apercebeu, nesses momentos, de qualquer nervosismo por parte daquela.


Questionada sobre a verbalização do arguido relativamente ao facto de ser pai do bisneto de ambos (o filho da vítima), aquando do telefonema da testemunha EE (comunicando-lhe tal notícia), a testemunha HH afirmou não se recordar de tal manifestação do arguido (“sou pai avô”), embora tenha confirmado a aludida chamada telefónica da neta EE. A mesma testemunha declarou que o arguido sempre lhe negou a paternidade do filho da vítima, mais afirmando que formou a sua convicção pessoal acerca do comportamento do arguido para com a neta BB quando tomou conhecimento do resultado do exame pericial de paternidade, dizendo, a este propósito, que não foi capaz de o confrontar com tal facto, dado o choque e a consternação que sentiu; acrescentou que, há cerca de 5 anos e por motivos alheios aos factos que integram o objecto, já havia deixado de partilhar o leito com o arguido, pernoitando em quartos distintos da habitação.


Esta última testemunha (nascida em 1948) esclareceu o Tribunal acerca da sua vida íntima/sexual, no âmbito da relação conjugal com o arguido: até ao momento em que este começou a ter problemas cardíacos, o casal mantinha relações sexuais, exclusivamente de cópula (i.e., com penetração vaginal) e com uma frequência de duas vezes por semana; o relacionamento sexual entre os cônjuges começou a rarear na sequência de uma intervenção cirúrgica ao coração do arguido, quando este tinha cerca de 62 anos; desde então, o arguido não manifestava vontade de se relacionar sexualmente com a depoente, invocando recear eventuais consequências nefastas para o seu coração; a vida sexual do casal terminou numa época em que a vítima BB ainda residia com os mesmos, embora não tenha logrado determinar se tal ocorreu antes ou depois da gravidez daquela.


Analisando o teor das certidões dos assentos de nascimento respeitantes à vítima BB, a fls. 49-50, e da sua mãe, a testemunha DD, a fls. 162-163, verifica-se que aquela, no âmbito do divórcio dos seus pais, por decisão proferida por Conservador de 17.05.2005, foi confiada à sua mãe, a quem foi atribuído o respectivo poder paternal, por decisão homologatória do correspondente acordo, também proferida por Conservador, na indicada data.


O relatório pericial de investigação de parentesco biológico a fls. 143-146 comprova, sem margem para qualquer dúvida relevante (sendo que o índice de parentesco baseado nos polimorfismos de ADN identificados, correspondentes à vítima, ao seu filho FF e ao arguido, conduziu a uma probabilidade de 99,99999996%), que o arguido é o pai biológico do filho da vítima BB (FF), o qual nasceu no dia ........2013, conforme comprovado pelo teor do assento de nascimento a fls. 51-52. Da prova deste facto biológico infere-se um outro facto biológico, natural e logicamente anterior: a ocorrência de, pelo menos, uma relação sexual de cópula entre o arguido e a vítima – em que FF foi concebido – e que tal cópula teve lugar entre 10 de Fevereiro e 14 de Junho de 2013, porquanto a gestação pode ter-se prolongado pelo período mínimo de 6 meses/24 semanas e pelo período máximo de 40 semanas.


As cópias extraídas dos autos de averiguação oficiosa de paternidade, a fls. 62 e 65, por corresponderem a um auto de inquirição da vítima BB (que neles prestou declarações em 29.05.2015) a um despacho judicial proferido nesses autos, não constituem meios de prova válidos para o apuramento da verdade material neste processo, de natureza penal.


Aqui chegados, articulando todos estes meios de prova e observando os critérios da lógica, da verosimilhança e das probabilidades, à luz das regras da experiência comum e do que vai sendo conhecido, ao nível das Ciências, sobre a diversidade/variabilidade do comportamento humano, é seguro que: o arguido manteve, pelo menos, a relação de cópula com ofendida BB da qual resultou a gravidez desta, sendo que esta cópula verificou-se entre 10 de Fevereiro e 14 de Junho de 2013, pois tal período de tempo coincide com o hiato temporal mais remoto possível da concepção de FF, na medida em que este nasceu no dia ... de ... de 2013, ou seja, 10 meses (40 semanas) depois do dia 10.02.2013, e 6 meses (24 semanas) depois do dia 14.06.2013; para além desta cópula, o arguido praticou, por mais de uma ocasião e em dias distintos, coito oral e cópula com a ofendida, a partir dos 13 anos de idade desta (ou seja, a partir de 8.05.2010 até, pelo menos, ao momento em que tomou conhecimento da gravidez daquela); aquando da prática de tais actos sexuais, o arguido esta perfeitamente ciente de que a vítima era sua neta, bem como da idade desta em cada momento, posto que a mesma coabitou consigo, ininterruptamente, desde tenra idade, até ter ido residir com o seu namorado GG, anos depois de atingir a maioridade; o arguido apalpou as nádegas da ofendida BB no Sábado imediatamente anterior (9.05.2020) ao dia em que a mesma participou os factos junto da autoridade policial (16.05.2020), quando esta se encontrava num dos corredores da residência do arguido, a efectuar a limpeza da casa.


Neste conspecto, julgou-se provada a factualidade sob os nºs 3 a 19 e não provados os factos sob as als. a) a m).


Relativamente às condições pessoais e socio-económicas do arguido (factos provados sob os nºs 20 a 35), atendeu-se ao teor do relatório social a fls. 192-194.


No que tange aos antecedentes criminais do arguido (facto provado sob o nº36), o Tribunal baseou-se exclusivamente no respectivo certificado do registo criminal, a fls. 186.


Quanto aos demais factos não provados, os mesmos foram assim julgados por não se ter produzido, quanto a eles, qualquer meio de prova ou meio de prova cabal.


Com efeito, da análise crítica (acima efectuada) dos meios probatórios produzidos e legalmente atendíveis, não resultaram suficientemente concretizados os factos sob as als. a) a m).


(…)] fim de transcrição.


Na sequência de apreciação do recurso, o TRG decidiu então, pelas razões que ali constam:

“III. – DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos supra expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em conceder parcial provimento ao recurso interposto nos autos pelo arguido e, em consequência:

A) - Fixar a pena pelo crime de crime de abuso sexual de menores dependentes agravado pelo resultado gravidez, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 172.º, nº 1, 171.º, nº 2, e 177.º, nº 1, als. a) e b), e nº 4, do Código Penal, na redação introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4.09, em 5 (cinco) anos de prisão;

B) - Fixar a pena única resultante do cúmulo jurídico de penas, nos termos dos artigos 30.º, nºs 1 e 3, e 77.º, nºs 1 a 4, do Código Penal, em 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- No demais, confirmar o acórdão recorrido.

(…)”

1.2 – Inconformado de novo, veio o arguido interpor o presente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo da sua motivação:

“(…) 1ª. O Supremo Tribunal de Justiça conhece exclusivamente da matéria de direito, podendo apenas conhecer de facto nos termos do previsto nos nºs 2 e 3 do artigo 410º do Código de Processo Penal.

2ª. Resulta do próprio acórdão recorrido, bem como, do acórdão proferido pelo tribunal colectivo que houve um erro notório na apreciação da prova, pelo que nos termos da alínea c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, este colendo Supremo Tribunal de Justiça tem competência para apreciar este erro quanto à matéria de facto.

3ª Conforme resulta do acórdão proferido pelo tribunal colectivo toda a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento corresponde a depoimentos indirectos e uma vez que não tinham cabimento no disposto no artigo 128º do Código de Processo Penal, foram os mesmos valorados pelo acórdão do tribunal colectivo, bem como pelo acórdão recorrido, ao abrigo do disposto no artigo 129º do Código de Processo Penal.

4ª Sucede porém que estes acórdãos cometeram um erro notório na valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência de julgamento, pois o testemunho indirecto destas testemunhas não têm cabimento no disposto no artigo 129º do Código de Processo Penal uma vez que este artigo, apenas, permite utilizar o depoimento que resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas e não aquilo que é transmitido ou se disse directamente à testemunha.

5ª Atendendo à redacção linear do artigo 129º do Código de Processo Penal, em que é completamente explícito que só se pode utilizar como depoimento indirecto o que resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, ou seja, o que se ouviu de conversas de outras pessoas, não sendo admitido em processo penal a interpretação extensiva, não se pode valorar o depoimento daquilo que é transmitido directamente à testemunha relativamente a factos que esta não presenciou.

6ª Assim, é notório o erro que resulta dos próprios acórdãos proferidos ao valorarem os depoimentos indirectos prestados em sede de audiência de julgamento, pois os artigos 128º e 129º do Código de Processo Penal proíbem essa valoração.

7ª Também resulta do próprio acórdão recorrido, que existe um erro notório na apreciação da prova pericial de fls. 143-146 dos autos, pois da conjugação da prova pericial com as regras da experiência, apenas se pode presumir o facto do ponto 10 da matéria de facto, tal como consta a final de fls. 14 do acórdão do tribunal colectivo, sendo impossível com base nessa prova pericial e nas regras da experiência presumir mais do que aquele ponto 10 da matéria de facto, pelo que, com base nessa prova pericial e nas regras da experiência, não se podia dar como provado os pontos 8, 9 e 14 da matéria de facto.

8ª Face ao exposto, por erro notório na apreciação da prova testemunhal e pericial, deverá alterar-se a matéria de facto face à inexistência de qualquer outro meio de prova, dando-se como não provados os factos constantes dos pontos 8, 9 e 14 da matéria de facto, com todas as consequências legais, nomeadamente, a absolvição do recorrente quanto aos crimes constantes nas alíneas a) e c) do nº 1 do dispositivo do acórdão do tribunal colectivo.

9ª Ficando, assim, o arguido condenado apenas pelo crime de abuso sexual de menores

dependentes agravado pelo resultado gravidez, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, tendo cabimento no disposto no artigo 50º do Código Penal, deverá a pena de prisão ser suspensa na sua execução, pois a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

10ª Ao fixar em 8 (oito) anos e 6 (seis) meses a pena única resultante do cúmulo jurídico de penas, o acórdão recorrido não sopesou devidamente a idade avançada do recorrente, o período de aproximadamente dez anos decorridos sobre a prática dos crimes mais graves e não levou em linha de conta o facto do arguido, apesar de não ter confessado, também não negou a prática de qualquer crime, bem como, o facto da prova pericial ter sido realizada após e mediante o consentimento do recorrente, pelo que a pena única deverá ser reduzida para 7 (sete) anos de prisão.

Nestes termos o acórdão recorrido, por erro de interpretação e aplicação violou, além do mais, o disposto nos artigos 50º e 71º do Código Penal, e artigos 128º e 129º do Código de Processo Penal, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que absolva o recorrente pelos crimes constantes da alíneas a) e c) do nº 1 do dispositivo do acórdão do tribunal colectivo e, em consequência, deverá a pena de prisão de cinco anos pelo crime de abuso sexual de menores dependentes agravado pelo resultado gravidez ser suspensa na sua execução ao abrigo do disposto no artigo 50º do Código Penal, ou, caso o arguido não seja absolvido de qualquer dos crimes e que foi condenado pelo acórdão do tribunal colectivo, deverá a pena única resultando do cúmulo jurídico ser reduzida para 7 (sete) anos de prisão.

(…)”

1.3 – O Ministério Público no TRG respondeu ao recurso dizendo:

“ (…)

Na sua motivação recursiva o recorrente, utilizando os argumentos que já havia esgrimido no recurso apresentado para este Tribunal, insurge-se contra a condenação pelos 4 crimes de abuso sexual de menores dependentes agravado e de importunação sexual, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 172.º, nº1, 171.º, nº2, e 177.º, nº1, als. a) e b), e 170º e 177º, nº1 al.a) todos do Código Penal, invocando o vicio de erro notório na apreciação da prova testemunhal por ter sido valorada prova indireta, o que levou a ser dado como provado os factos provados constantes nos pontos 8, 9 a 14 do acórdão condenatório, pugnando pela absolvição pela pratica dos aludidos crimes.

Mais sustenta que subsistindo, na sua perspetiva, tão só o crime de abuso sexual de menores dependentes agravado pelo resultado gravidez, em que foi condenado na pena de cinco anos de prisão esta deveria ser suspensa na sua execução.

Finalmente, e sem prescindir, em caso de improcedências dos fundamentos supra defende que a pena única adequada e proporcional, ao invés da pena única que lhe foi fixada nesta instância 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, a mesma deveria situar-se nos 7 (sete) anos de prisão, atendendo à sua idade, ao não ter negado a prática dos factos, não obstante não os ter confessado, e ter anuído na realização do exame pericial.

II-

Os argumentos esgrimidos no presento recurso no que toca à valoração da prova indireta são emtudo similares aos referidos pelo arguido no recurso interposto do acórdão proferida na 1ª instância.

Sobre a admissibilidade dos depoimentos indiretos contestados pelo recorrente já nos pronunciamos no parecer proferido nos autos (referencia CITIUS 8500326) e pronunciaram-se os Venerandos desembargadores agora recorridos.

Não tendo o recorrente invocado nenhum argumento novo permitimo-nos porém aquireproduzir o referido parecer, invocando o disposto no art. 129º, nº1 do CPP, deonde resulta inequívoco que o legislador permite que seja valorado o depoimento indireto sempre que a fonte não puder ser inquirida, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada.

No caso vertente, e considerando o falecimento da ofendida o depoimento das testemunhas inquiridas foi valorado, depois de submetido a contraditório, segundo o princípio geral previsto no art. 127º do CPP sujeito à livre apreciação e as regras da experiência comum, o exame pericial que atribui 99;99999996% de probabilidades de que o arguido é pai do filho da vítima, sua neta, é apenas mais um elemento que confere credibilidade aos depoimentos.

Assim, e não se vislumbrando a invocada ilegalidade na apreciação e valoração da prova testemunhal indireta, carece de absoluto fundamento o invocado erro notório invocado pelo recorrente, sendo abundante e unânime quer a jurisprudência quer a doutrina no sentido de que a convicção do tribunal não pode ser tida por errada apenas porque as partes, eventualmente, valoram a prova de modo diverso.

Declara-se de forma expressa no nº2 do art. 410.º, do Código de Processo Penal legal que os vícios elencados naquele preceito têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, isto é, não sendo permitida, para este efeito, a consulta de outros elementos constantes do processo, tal como vem sendo jurisprudência constante e uniforme do Supremo Tribunal de Justiça – cfr. M. Simas Santos e M. Leal Henriques in “ Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2.ª Edição, pág. 742

Por outro lado, exige-se naquele normativo legal que o erro deve ser de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o

homem médio facilmente dele se dá conta – cfr. Maia Gonçalves in “Código de Processo Penal Anotado”, 7.ª Edição, pág. 595).

Importa ainda esclarecer que não se configura como erro notório uma pretensa errónea valoração das provas produzidas em audiência de julgamento, v. g., a credibilidade atribuída ao depoimento de certa testemunha ou a de certo documento .

Tocantemente à pretensa verificação de tal vício, e sendo licito face ao disposto no nº1 do art. 129º do CPP in casu a valoração de testemunhos indiretos conforme supra se referiu, o texto da decisão posta em crise por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não enferme de um tal vício. No acórdão sub iudice não são dados como provados factos que, que contrariem a lei, que face às regras da experiência comum e à lógica corrente, não se teriam podido verificar ou que sejam são contraditados por documentos que fazem prova plena .

Em tal conformidade, cremos não padecer a decisão recorrida do invocado erro notório na apreciação da prova.

Aqui chegados, cumpre-nos pronunciarmo-nos sobre a medida concreta das penas parcelares e única fixadas ao arguido, sendo certo que no parecer proferido aquando do recurso parao Tribunalda Relação fomos deopinião que as penas fixada pela 1ª instancia se mostravam adequadas e proporcionais à gravidade dos ilícitos, e às exigências de prevenção geral, pelo que, tendo o recorrente visto as penas atenuadas por esta Relação, se entendemos o abrandamento desde logo não podemos acolher com bons olhos uma nova redução de penas pretendida pelo recorrente.

É certo que, conforme refere, e em seu favor, já decorreram muitos anos sobre a prática dos crimes, e é delinquente primário.

Contudo apesar dos anos decorridos o arguido não os confessou nem mostrou arrependimento.

Não se pode olvidar a extrema gravidade dos crimes e o número de crimes praticados contra a vitima ao longo de vários anos, nem a especial relação de parentesco entre o arguido e a vitima, sua neta, nem tão pouco que os abusos sexuais começaram quando a vitima tinha 11ou 12 anos e arrastaram-se por vários anos, culminado com a gravidez desta aos 15 anos, sem que o arguido em algum momento tenha assumido as suas responsabilidades.

O arguido agiu sempre com dolo direto intenso, sendo muito elevada a ilicitude atenta as circunstancias que rodearam os factos e as consequências dos mesmos.

Deste modo e considerando as necessidades de prevenção geral positiva, que são muito intensas nos crime de natureza sexual em especial com menores dependentes , impõe-se concluir que não merece qualquer censura a fixação das penas parcelares de prisão aplicadas, nem tão pouco a pena unitária, um pouco acima do mínimo legal, como não podia deixar de ser mas, ainda assim, bastante abaixo da média legal.

(…)”

1.4 - Admitido o recurso e remetido a este Supremo Tribunal de Justiça, o MºPº emitiu parecer nos termos seguintes, aqui em síntese:

“(…)

A magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Relação apresentou resposta na qual, para além de chamar a atenção para o facto de o Recorrente fundamentar o seu recurso nos termos em que o fez no recurso apresentado da decisão da primeira instância, defende, de forma muito bem fundamentada que o recurso não deve ter provimento.

Apenas chamaremos a atenção para o facto de o recurso não ser admissível quando à condenação relativa aos quatro crimes de abuso sexual de menores dependentes agravado, nem quanto ao crime de importunação sexual agravada, uma vez que as penas parcelares aplicadas não são superiores a 5 anos de prisão (artigo 400º, nº 1 alínea e) do código de processo penal)

Por outro lado, e quanto ao pedido de condenação apenas pela prática do crime de abuso sexual de menores dependentes agravado pelo resultado gravidez, o Recorrente parece “esquecer” que o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães confirmou a sua condenação pela prática do crime de crime de importunação sexual agravada, em 8 meses de prisão.

Quanto à pena única de 8 anos e 6 meses de prisão – que tem como moldura abstrata o mínimo de 5 anos de prisão e o máximo de 17 anos e 8 meses de prisão – concordamos por reproduzida a resposta da nossa Exma. Colega.

Concluindo, entende-se que o recurso não merece provimento.

(…)”

1.5- O arguido respondeu a este Parecer dizendo:

“(…) No recurso interposto não se recorre das penas parcelares, mas levanta-se antes as seguintes questões:

-A medida da pena única aplicada ao arguido;

- A apreciação nos termos do artigo 410º nº2 al. c) do CPP, do erro notório na apreciação da prova.

Nos termos do artigo 410º nº2 al. c) do Código de Processo Penal mesmo nos casos
em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento o erro notório na apreciação da prova, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

É aparente no texto do acórdão recorrido que houve um erro notório na apreciação da prova o qual subsiste desde a decisão da 1ª instância.


Contrariamente ao que o acórdão recorrido defende e que aqui reproduzimos, a ocorrência da conversa e aquilo que a testemunha ouviu consiste em depoimento direto, mas o conteúdo dessa conversa continua a ter de ser valorado enquanto depoimento indireto, pois a testemunha não tem conhecimento direto daquilo que ouviu ser transmitido. Existe, contudo, um acréscimo de segurança de que a testemunha fonte, aquela que transmitiu, realmente o fez, pois não só aquele a quem foi transmitido, como a testemunha que ouviu o que foi transmitido, o podem afirmar.


É esta a interpretação que deve ser feita do artigo 129º do CPP, nomeadamente, do trecho inicial do seu n°l: “Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, (...)”.

Consequentemente, a valorização do depoimento das testemunhas no que tange aos factos dos pontos, 8, 9 e 14 da matéria de facto provada é proibida nos termos e para os efeitos dos artigos 128º e 129º do Código de Processo Penal, uma vez que, tratando-se de depoimento indireto para preencher os requisitos contidos nesta norma, tal como ela foi elaborada pelo legislador, o depoimento teria que resultar daquilo que se ouviu dizer a pessoa determinada e não aquilo que foi transmitido ao próprio

A valorização de prova não admissível legalmente, consubstancia uma nulidade insanável nos termos do artigo 119º do Código de Processo Penal e um erro notório na valoração da prova nos termos e para os efeitos do artigo 410º nº2 al. c) do mesmo diploma, o qual pode e deve ser apreciado por este colendo Tribunal.

(…)

Por fim, quanto à parte final da resposta do Il. Procurador do Ministério Público

junto do Supremo Tribunal de Justiça: “Quanto à pena única de 8 anos e 6 meses – que tem como moldura abstrata o mínimo de 5 anos de prisão e o máximo de 17 anos e 8 meses de prisão – concordamos por reproduzida a resposta da nossa Exma. Colega.”

A este respeito pronunciou-se a Il. Procuradora do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte sentido, que aqui reproduzimos:

Aqui chegados, cumpre-nos pronunciarmo-nos sobre a medida concreta das penas parcelares e única fixadas ao arguido, sendo certo que no parecer proferido aquando do recurso para o Tribunal da Relação fomos de opinião que as penas fixada pela 1ª instância se mostravam adequadas e proporcionais à gravidade dos ilícitos, e às exigências de prevenção geral, pelo que, tendo o recorrente visto as penas atenuadas por esta Relação, se entendemos o abrandamento desde logo não podemos acolher com bons olhos uma nova redução de penas pretendida pelo recorrente.

É certo que, conforme refere, e em seu favor, já decorreram muitos anos sobre a prática dos crimes, e é delinquente primário.

Contudo apesar dos anos decorridos o arguido não os confessou nem mostrou arrependimento.

Não se pode olvidar a extrema gravidade dos crimes e o número de crimes praticados contra a vítima ao longo de vários anos, nem a especial relação de parentesco entre o arguido e a vítima, sua neta, nem tão pouco que os abusos sexuais começaram quando a vítima tinha 11 ou 12 anos e arrastaram-se por vários anos, culminando com a gravidez desta aos 15 anos, sem que o arguido em algum momento tenha assumido as suas responsabilidades.

O arguido agiu sempre com dolo direto intenso, sendo muito elevada a ilicitude atenta as circunstâncias que rodearam os factos e as consequências dos mesmos.

A este respeito cabe dizer o seguinte:

Alega o Il. Procurador do Ministério Público junto do Tribunal da Relação que “Não se pode olvidar a extrema gravidade dos crimes e o número de crimes praticados contra a vítima ao longo de vários anos, nem a especial relação de parentesco entre o arguido e a vítima, sua neta, nem tão pouco que os abusos sexuais começaram quando a vítima tinha 11 ou 12 anos e arrastaram-se por vários anos (…)”. Tal não pode ser afirmado, pois, o que resulta dos factos provados foi que não é possível apurar a data em concreto em que começaram os abusos sexuais. Pelo que nos próprios termos dos factos provados os crimes praticados podem ter sido todos no mesmo mês de fevereiro de 2013.

A aplicação de uma pena tem sempre por funcionalidade “a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, cfr. artigo 40º nº1 do Código Penal. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção nos termos do artigo 71º nº1 do Código Penal.

O recorrente no recurso por si imposto pede que a medida única da pena seja fixada em 7 (sete) anos de prisão. Esta medida, a qual não é leve, continua a cumprir com as exigências de prevenção geral e de proteção dos bens jurídicos, mas revela-se como mais proporcional e adequada tendo em conta as circunstâncias pessoais do recorrente, nomeadamente a sua idade avançada e a sua conduta em sociedade nos últimos 10 anos (sendo este o único ilícito pelo qual foi condenado). A diminuição da medida da pena contribuirá ainda para a prevenção especifica positiva, promovendo a reintegração do recorrente na sociedade. E será esta de facto a sua maior vantagem, pois o fim das penas não é castigar o agente, mas promover a sua reintegração e o reforço dos valores jurídicos no agente.

A fixação da pena em 7 (sete) anos de prisão permitirá assim alcançar não só a prevenção geral, mas também a prevenção específica e coaduna-se melhor com o nosso sistema penal o qual pugna pela fixação da pena que, ainda sendo capaz de cumprir com as finalidades que se pretende alcançar, seja mais benéfica para o agente (veja-se a título de exemplo do espírito do sistema o artigo 70º do Código Penal o qual manda que sendo aplicáveis ao crime, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o Tribunal dê preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição).

Face ao exposto, o recorrente mantém tudo quanto alegou na sua motivação de recurso.

(…)”

1.6 - Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora explicitar a deliberação tomada.


II- De Direito


2.1- Visando permitir e habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância da decisão recorrida e tal como tem sido posição pacífica da jurisprudência o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o(s) recorrente(s) extrai(em) da respectiva motivação, sem prejuízo da ponderação das questões que sejam de conhecimento oficioso. (3) Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.


2.2 - Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões temáticas a decidir no presente recurso, sem prejuízo das que devam e possam ser de conhecimento oficioso, por ordem de precedência lógica, são:


A) Limites de conhecimento do recurso pelo STJ – artºs 432º, 434 e 400ºnº1 alinea f) ( a contrario) do CPP.


B) Vícios da decisão-erro notório (depoimentos indirectos e prova pericial)


C) Pena unitária e seu limite-proporcionalidade-redução.


2.3 - O Caso em concreto e as questões suscitadas que possam e/ou devam ser conhecidas por este STJ.


2.3.1- Dos limites de conhecimento do recurso


Como já anteriormente mencionámos, o arguido fora condenado em 1ª instância pelo colectivo de juízes, pela prática, em autoria material e em concurso efectivo, de:

a. 4 (quatro) crimes de abuso sexual de menores dependentes agravado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 172.º, nº1, 171.º, nº2, e 177.º, nº1, als. a) e b), do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº59/2007, de 4.09, de que foi vítima BB, nas penas parcelares de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b. 1 (um) crime de abuso sexual de menores dependentes agravado pelo resultado gravidez, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 172.º, nº1, 171.º, nº2, e 177.º, nº1, als. a) e b), e nº4, do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº59/2007, de 4.09, de que foi vítima BB, na pena de 8 (oito) anos de prisão;

c. 1 (um) crime de importunação sexual agravada, p. e p. pelos artigos 14.º, nº1, 26.º, 30.º, nºs 1 e 3, 170.º e 177.º, nº1, al. a), do Código Penal, na redacção introduzida pela Lei nº101/2019, de 6.09, de que foi vítima BB, na pena de 8 (oito) meses de prisão;

E , em cúmulo jurídico, ao abrigo dos artigos 30.º, nºs 1 e 3, e 77.º, nºs 1 a 4, do Código Penal, na pena única de 12 (doze) anos e 10 (dez) meses de prisão.

Por sua vez o Tribunal da Relação de Guimarães confirmou, em recurso do arguido, a decisão de facto e de direito, mas determinou in mellius a redução quer da pena do crime [supra em b) do dispositivo ] de abuso sexual de menores agravado pelo resultado gravidez (de 8 para 5 anos de prisão) quer da pena unitária de 12 anos e 10 meses de prisão para em 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.


No demais, decidiu-se por confirmar o acórdão recorrido.


Portanto, houve dupla conforme, in mellius, por parte do Ac. da Relação.


Todas as penas parcelares foram iguais ou inferiores a 5 anos de prisão e confirmadas (uma delas, in mellius).


Apenas a pena unitária, apesar da redução, se manteve acima de 8 anos de prisão.


Impõe-se, quanto à matéria da competência do Supremo Tribunal de Justiça, atentar na circunstância de o arguido ter começado por interpor recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães [TRG] o qual, tendo-o admitido e oportunamente julgado, veio a confirmar, de facto e de direito, (sendo-o in mellius, em parte) o Acórdão prolatado pelo tribunal da 1.ª instância.


Logo, previamente ao conhecimento do objeto do recurso, impõe-se assim decidir se o Supremo Tribunal de Justiça é competente, e com que âmbito, para o conhecimento do recurso.


O art.434.º do Código de Processo Penal, na atual redação, que lhe foi dada pela Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, estabelece:


«O recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 432.º».


Por sua vez, o art.432.º, do mesmo Código, com a redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, estabelece no segmento em causa:


1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:


a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º;


(…);


c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º; ».


Da conjugação do disposto nos artigos 434.º e 432.º, n.º1, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, retira-se que, na actual redação destes preceitos, os poderes de cognição em recurso do Supremo Tribunal de Justiça se restringem ao reexame da matéria de direito podendo ainda conhecer, a requerimento do recorrente, dos vícios e nulidades a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art.410.º do mesmo Código, em caso de recurso de decisão das relações proferidas em 1.ª instância ou de recurso de acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos.


No presente caso, não está em causa nem uma situação de recurso de decisão da Relação proferida em 1.ª instância (alínea a) n.º1 do art.432.º do CPP ), nem uma situação de recurso direto, per saltum, de decisão proferida por tribunal do júri ou do coletivo de 1.ª instância (alínea c) n.º1 do art.432.º do ), mas uma situação de recurso de acórdão da Relação, que conheceu de recurso interposto de acórdão proferido em 1.ª instância.


Importa, pois, ter na devida atenção a conjugação do disposto nos artigos 400.º, 427.º 428.º, 432.º e 434.º do Código de Processo Penal


Quanto ao conceito de “dupla conforme” ínsito ao art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP. duremos que, como esclarece Eduardo Maia Costa, no acórdão de 26.02.2014 (proc. n.º 851/08.8TAVCT. G1. S1), “a confirmação não significa nem exige a coincidência entre as duas decisões. Pressupõe apenas a identidade essencial entre as mesmas, como tal devendo entender-se a manutenção da condenação do arguido, no quadro da mesma qualificação jurídica, e tomando como suporte a mesma matéria de facto.


Esta confirmação admite “a redução da pena pelo tribunal superior; ou seja, haverá confirmação quando, mantendo-se a decisão condenatória, a pena é atenuada, assim se beneficiando o condenado.4


A conformidade à Constituição da chamada dupla conforme tem sido uniformemente validada pelo TC, vejam-se a título de exemplo, os Acórdãos n.º 659/2018, de 12-12, n.º 212/2017, de 02-05, n.º 687/2016, de 14-12, n.º 239/2015, de 29-04, n.º 107/2015, de 11-02, n.º 269/2014, de 25-03, n.º 186/2013, de 04-04, n.º 189/2001, de 03-05, n.º 451/2003, de 14-10, n.º 495/2003, de 22-10, n.º 640/2004, de 12-11, e n.º 649/2009, de 15-12.


Idem, no mesmo sentido, mais recentemente, o Ac STJ de 10-01-2023 e Proc. n.º 347/17.7GBPNF.P1.S1 - 3.ª Secção- Conceição Gomes -relatora)


Havendo uma situação de dupla conforme relativamente às penas parcelares atribuídas ao arguido (uma de 5 anos e as restantes inferiores a esse limite) assim como no que toca à pena única cumulatória fixada a final ao recorrente, confirmativa in mellius mas, ainda assim acima de 8 anos de prisão, caímos no âmbito de aplicação do artigo 432.º, número 1, alínea b), em conjugação com o disposto no número 1, alínea f), ambos do Código de Processo Penal .


Tendo em conta o quadro processual concreto que deixámos desenhado, ainda que em traços muito gerais, desde logo fica arredada a competência deste Supremo Tribunal de Justiça no que concerne à análise e ponderação críticas da forma da determinação e fixação das penas parcelares concretas iguais e inferiores a 5 anos em que o recorrente foi condenado, de acordo com os critérios legais constantes dos artigos 40.º, números 1 e 2, 70.º e 71.º do Código Penal, conforme decidido pelas instâncias.


A ser assim, este Supremo Tribunal de Justiça apenas é competente para conhecer a matéria relativa à medida da pena única de 8 anos e 6 meses.


Neste sentido e temática podem ver-se, entre outros:


O Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 7/6/2023, Processo n.º 918/18.4JALRA.E1.S1, 5.ª Secção Criminal, relator: António Latas: (…) Com efeito, tem sido entendimento do STJ – na formulação do ac STJ de 21.03.2021 (Helena Moniz) - , que «… ainda que a pena única seja superior a 8 anos de prisão, se analisa a recorribilidade do acórdão relativamente a cada crime individualmente considerado, [pelo que] necessariamente temos que concluir não ser admissível o recurso das condenações relativas a cada crime, do Tribunal da Relação, quando seja aplicada pena não superior a 5 anos de prisão; e das condenações em pena de prisão superiores a 5 anos de prisão e não superiores a 8 anos de prisão, quando haja conformidade com o decidido na 1.ª instância. Dito de outro modo: apenas é admissível o recurso de uma decisão do Tribunal da Relação relativamente aos crimes aos quais se tenha aplicado pena de prisão superior a 5 anos e não superior a 8 anos quando não haja “dupla conforme”, e de uma decisão da Relação relativamente a todos os crimes cuja pena seja superior 8 anos, ainda que haja “dupla conforme.”» -


E, ainda, o acórdão do STJ de 15.03.2023 (Paulo Ferreira da Cunha), outros acórdãos do STJ neste sentido (v.g. ac STJ de 11.03.2020 (Nuno Gonçalves), para além do enquadramento da questão e posição assumida no citado ac STJ de 15.03.23.


Por outro lado, tem sido igualmente entendimento do STJ que da referida irrecorribilidade da decisão relativamente às penas parcelares de prisão aplicadas, deriva que o Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer de tudo o referente a essas mesmas penas parcelares e respetivos crimes, apenas cabendo nos poderes de cognição do STJ as questões relativas aos crimes que concretamente tenham sido punidos com pena de prisão superior a 8 anos, para além do respeitante ao concurso de crimes e à determinação da pena única cabida ao concurso pelo que in casu o acórdão do TR é irrecorrível em tudo o que respeita à aplicação das penas parcelares aplicadas, independentemente dos respetivos fundamentos – neste sentido, para além do citado ac STJ de 15.03.2023 (Paulo Ferreira da Cunha), pode ver-se o ac STJ de 16.03.2021 (Nuno Gonçalves), ac STJ de 14.03.2018 (Lopes da Mota), ac STJ de 27.05.2015 (Raúl Borges) e ac. STJ de 24.02.21 (Sénio Alves).»


Também, igualmente, o Aresto deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 24/2/2021, Processo n.º 7447/08.2TDLSB.L1.S1, 3.ª Secção Criminal, Relator: Sénio Alves, publicado em ECLI:PT:STJ:2021:7447.08.2TDLSB.L1.S1.0C.; o Ac STJ 28-04-2022 Proc. n.º 1/20.2PJSNT.L1.S1 - 5.ª Secção (Carmo Silva Dias- relatora); o Ac. STJ de 12-01-2022, Proc. n.º 89/14.5T9LOU.P1.S1- 3.ª Secção (Sénio Alves- relator) e o Ac. STJ 10-01-2023 Proc. n.º 48/20.9PBEVR.E1.S1 - 3.ª Secção Pedro Branquinho Dias (Relator)


A aludida irrecorribilidade abrange assim, em geral, todas as questões processuais ou de substância que tenham sido objecto da decisão, nomeadamente as questões relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos, o concurso (natureza) efectivo de crimes e a determinação das penas parcelares. A não apreciação dessas questões elencadas pelo recorrente é, portanto, consequência directa da rejeição do recurso, quanto às penas parcelares.


Considerando assim o disposto no art.434.º do Código de Processo Penal, o recurso interposto pelo arguido do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça segue a regra geral, ou seja, apenas pode visar o reexame de matéria de direito, restringindo-se os consequentes poderes de cognição deste Supremo Tribunal ao conhecimento desta matéria, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios a que alude o n.º2 do art.410.º do mesmo Código.5, caso se verifiquem, tenham ou não sido invocados (ou, tendo-o sido, mesmo que formalmente não pudessem ser fundamento de recurso face à nova redacção do artº 434 que apenas remete para os casos das alíneas a) e c) do artº 432º do CPP)


Sendo pois os limites de recorribilidade traçados no artº 400º alíneas e) e f), em especial esta última, temos de concluir que a decisão da Relação estabilizou o julgado em relação às penas parcelares.


Do elenco de dispositivos processuais no segmento dos recursos citados conclui-se, por conseguinte, que o recurso apenas se deve ater, no caso concreto, à questão ligada à determinação da pena unitária por esta ser superior a 8 anos de prisão.


Com a alteração do art. 400º do Cod. Proc. Penal (como se referiu anteriormente, introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21/02), o legislador pretendeu reduzir a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente aos acórdãos proferidos, em recurso pela Relação, constituindo jurisprudência sedimentada que, ocorrendo “dupla conforme” e tendo sido aplicadas várias penas, por crimes em concurso, que foram objecto da aplicação de uma pena única em cúmulo jurídico (nos termos do art. 77º do Cod. Penal), só será admissível recurso para este Supremo Tribunal quanto à pena única que for superior a 8 anos de prisão e quanto aos crimes punidos também com penas desta dimensão.


Do mesmo modo constitui jurisprudência sedimentada deste Supremo Tribunal, que o recurso não só não é admissível quanto às penas propriamente ditas não superiores a 8 anos de prisão, como também em relação a todas as questões com elas conexas e com os respetivos crimes, designadamente as nulidades, os meios de prova, as inconstitucionalidades, bem como a qualificação jurídica dos factos ou forma do seu cometimento.(…)


O Tribunal Constitucional também já se pronunciou sobre esta questão e decidiu, no seu Ac. nº 186/2013, “não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal, “na interpretação de que havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objeto do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão”.” – negrito nosso.


No mesmo sentido, mais recentemente, vd. o Ac. de 06/04/2022, Proc. 85/15.5GEBRG.G1.S1, no mesmo sítio da DGSI.


Trata-se de jurisprudência reiterada neste Supremo Tribunal, da qual não se vê razão para divergir. Tanto bastaria para que o recurso, nessa parte, deva ser rejeitado.


2.3.2-Vícios da decisão-erro notório (depoimentos indirectos e prova pericial)


Não obstante aqueles limites de irrecorribilidade, façamos ainda assim uma breve referência ao facto de, no presente recurso para o STJ, haver sido, de novo, bisado o tema e argumentário do recurso do Acórdão da 1ª instância para a Relação invocando-se de novo o vício do erro notório em duas vertentes: inadmissibilidade de prova testemunhal indirecta ( factos provados em 8, 9 e 14) e pericial ( in casu, atinente ao relatório social-facto provado em 34).


E dizemos não obstante, porquanto é certo que, como bem se sabe , tem sido defendido neste STJ com abundância, como já referimos ( cfr., entre tantos outros, o citado Ac STJ 28-04-2022 Proc. n.º 1/20.2PJSNT.L1.S1 - 5.ª Secção Carmo Silva Dias-relatora) que o juízo confirmativo na Relação garante o duplo grau de jurisdição consagrado pelo art. 32.º, n.º 1, da CRP, não havendo violação do direito ao recurso, nem dos direitos de defesa do arguido (arts. 32.º, n.º 1 e 20.º, n.º 1, da CRP) e que tal irrecorribilidade determina que, no âmbito das penas parcelares inferiores a 8 anos, as questões que lhes dizem respeito, sejam questões de facto, questões processuais, questões de direito (como sucede, nomeadamente, com as relativas ao enquadramento jurídico dos factos, sobre as quais o acórdão do Tribunal da Relação já se pronunciou e decidiu definitivamente, mas que no recurso para o STJ o recorrente volta a colocar) não podem ser conhecidas, nem sindicadas por este STJ.


No essencial, o recorrente alega, de novo, como fizera já no primeiro recurso para a Relação o vício de erro notório na valoração dos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência de julgamento, defendendo que tais depoimentos não terão cabimento no disposto no artigo 129º do CPP e a sua admissibilidade/valoração violaria o seu direito constitucional de defesa.


Sabendo-se que o erro deve ser de tal modo evidente que não passe despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta, vejamos então o que arguíu o recorrente, a propósito do invocado vício:

“ (…)Resulta do próprio acórdão recorrido, bem como do acórdão proferido pelo tribunal colectivo que houve um erro notório na apreciação da prova; (…) toda a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento corresponde a depoimentos indirectos prestados em sede de audiência de julgamento, (…) que não tinham cabimento no disposto no artigo 128º do Código de Processo Penal, foram os mesmos valorados pelo acórdão do tribunal colectivo, bem como pelo acórdão recorrido, ao abrigo do disposto no artigo 129º do Código de Processo Penal.

Existe um erro notório na apreciação da prova pericial de fls. 143-146 dos autos, pois da conjugação da prova pericial com as regras da experiência, apenas se pode presumir o facto do ponto 10 da matéria de facto, tal como consta a final de fls. 14 do acórdão do tribunal colectivo, sendo impossível com base nessa prova pericial e nas regras da experiência presumir mais do que aquele ponto 10 da matéria de facto, pelo que, com base nessa prova pericial e nas regras da experiência, não se podia dar como provado os pontos 8, 9 e 14 da matéria de facto.

Deverá alterar-se a matéria de facto face à inexistência de qualquer outro meio de prova, dando-se como não provados os factos constantes dos pontos 8, 9 e 14 da matéria de facto ficando, assim, o arguido condenado apenas pelo crime de abuso sexual de menores dependentes agravado pelo resultado gravidez, na pena de 5 (cinco) anos de prisão e, tendo cabimento no disposto no artigo 50º do Código Penal, deverá a pena de prisão ser suspensa na sua execução.

(…)”

Debruçando-se sobre a apreciação da matéria atinente ao invocado vício de erro notório, vejamos desde logo, o que a esse respeito explicou o Tribunal da Relação:

[“(…) Assim, a lei apenas interdita a valoração do depoimento indireto se o juiz não chamar a depor a pessoa indicada pela testemunha como fonte do conhecimento dos factos que narrou ao tribunal, já podendo, contudo, ser valorado sempre que a fonte não puder ser inquirida, por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada.

Ou seja, a valoração do depoimento da testemunha que relata ao Tribunal o que lhe foi dito por terceiros depende da observância de certos procedimentos que visam, em última instância, assegurar o contraditório e aferir da fidedignidade do relato e da credibilidade daquela.

Mas, se apesar dos procedimentos tendentes à inquirição da testemunha “fonte”, esta não se revelar possível pelas razões legalmente elencadas, o depoimento indireto, uma vez submetido na audiência de julgamento a ampla discussão pelos intervenientes, no exercício do princípio do contraditório, pode ser avaliado conjuntamente com a demais prova produzida ou examinada em conformidade com o princípio geral da livre apreciação da prova.

Daí que, garantida a possibilidade de exercício do direito ao contraditório e de eventual apresentação de meios de prova tendentes a infirmar a credibilidade e a fidedignidade do depoimento indireto, a valoração deste não contende de forma intolerável com os princípios do processo justo e equitativo, nem com o direito de defesa do arguido, ou da presunção da sua inocência, consagrados nos artigos 20º, n.º 4 e 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa. Como considerou o Tribunal Constitucional, a regulamentação consagrada na norma do n.º 1 do artigo 129º Código de Processo Penal «reflete uma adequada ponderação dos interesses do arguido em poder confrontar os depoimentos das testemunhas de acusação, os da repressão penal, prosseguidos pelo acusador público, e, por último, os do tribunal, preocupado com a descoberta da verdade através de um processo regular e justo (due process of law6.

No caso vertente, é inquestionável que as testemunhas relataram acontecimentos que lhes foram transmitidos pela ofendida – BB –, aos quais não assistiram.

Outrossim se mostra incontornável que não foi possível inquirir em audiência de julgamento a ofendida em virtude de esta ter falecido em ... dezembro de 2020, ainda antes da dedução do despacho de acusação, facto de que o arguido, avô daquela, tinha pleno conhecimento desde então, o que lhe permitia, além do mais, preparar a sua defesa tendo em perspetiva o exercício do contraditório relativamente às testemunhas que foram indicadas na acusação e que se perfilaram em audiência narrando os factos que aquela lhes transmitiu.

Assim, na parte em que as testemunhas referiram o que a vítima lhes disse a respeito dos factos perpetrados pelo arguido, que não presenciaram, estamos perante depoimentos indiretos, mas não sendo possível a inquirição daquela em virtude do seu falecimento, foram validamente produzidos, com observância do princípio do contraditório, nada obstando à sua admissibilidade enquanto meio de prova, não se verificando qualquer inconstitucionalidade, mormente a invocada.

Mais sustenta o recorrente que, ainda que se considerem os depoimentos indiretos admissíveis, não podia o tribunal a quo valorá-los da forma como o fez, quer porque o teor dos mesmos não foi corroborado, quer porque é totalmente omisso quanto aos factos que discrimina – 8, 9 e 14 da factualidade provada –, quer porque, no caso da testemunha GG, não permite alcançar as conclusões a que correspondem os pontos 8 e 9.

Conforme ressuma da motivação da decisão de facto, o tribunal a quo foi muito claro quanto aos termos em que analisou, conjugadamente, os diversos meios de prova, incluindo os depoimentos testemunhais, especificando como os valorou, explicitando assertivamente o raciocínio lógico-dedutivo que conduziu à convicção que adquiriu quanto à veracidade da factualidade em discussão, observando os imperativos da lógica e os ditames das regras da experiência comum. Assinalou em que medida os depoimentos testemunhais traduzem depoimento direto e/ou indireto e o circunstancialismo processual e legal que legitima esta última modalidade, salientando as razões pelas quais “todos os depoimentos mereceram inteira credibilidade”, efetuando, ainda, uma súmula dos mesmos.

O recorrente discorda dessa valoração, pelas razões que elabora ao longo da motivação e supra sintetizadas.

Importa, antes de mais, sinalizar que, apesar de fazer alusão aos depoimentos prestados pelas testemunhas DD, EE, II, CC, GG e HH, o recorrente não indica as concretas passagens da gravação a que os mesmos se encontram. E se é certo que quanto às testemunhas DD, EE, II, CC e HH sustenta que os seus depoimentos são completamente omissos quanto aos factos vertidos sob os pontos 8 e 9, já no que tange à testemunha GG alega que o seu depoimento não permite «retirar a existência de datas distintas, que foi pelo menos em duas ocasiões, que o pénis do arguido estivesse ereto, bem como, se o sexo oral foi praticado no mesmo dia do que o que consta no facto do ponto 9., ou seja, do sexo vaginal» ou «se o sexo vaginal foi praticado no mesmo dia do que o que consta no facto do ponto 8., ou seja, do sexo oral», não especificando, porém, minimamente quais os segmentos do mesmo e respetivas passagens da gravação em que a testemunha relata os factos que lhe foram transmitidos pela vítima e dos quais não resulta o que alega.

A situação descrita configura, salvo melhor opinião, incumprimento do ónus de especificação legalmente exigida [412º, n.º 4, do Código de Processo Penal], nos termos supra assinalados, insuscetível de correção ou aperfeiçoamento, razão pela qual não se convidou o recorrente para o efeito.

(…) e sempre se dirá que a alegação do recorrente não corresponde à verdade, uma vez que as testemunhas, em particular GG, DD e EE, referem, de forma globalmente convergente e corroborante, factos que lhes foram transmitidos pela ofendida que, analisados conjugadamente, à luz das regras da experiência comum, permitem concluir no sentido exarado como provado.

Ademais, ignora o recorrente, propositadamente, por ser desfavorável à sua pretensão, que o tribunal a quo, sopesando todo o universo probatório – e não apenas os depoimentos testemunhais –, de forma correlacionada, se socorreu também da prova indireta, indiciária, circunstancial ou por presunção para, a partir de determinados factos indiciários que resultaram provados, nomeadamente por prova pericial – como seja, a título exemplificativo, que o arguido é o pai do filho da ofendida e o período da respetiva conceção – e outros por prova testemunhal – designadamente, que as relações sexuais ocorreram em várias ocasiões –, alcançar a conclusão segura sobre a verificação de factos sobre os quais não recaiu prova direta.

Assim, ainda que alguns dos factos não tenham sido expressamente referidos pelas testemunhas – nomeadamente, a título meramente exemplificativo, que no circunstancialismo descrito em 8 e 9 o pénis do arguido estava ereto –, tal decorre das regras da experiência comum em face das concretas circunstâncias em que ocorreram, constituindo uma presunção absolutamente legítima.

O recorrente nada alega que abale a credibilidade que o tribunal a quo conferiu aos depoimentos testemunhais nem que infirme ou, sequer, belisque, a assertividade do juízo de inferência que alcançado com base nos factos indiciários provados nos moldes explicitados na motivação da decisão de facto, de que aqui se transcreve apenas um expressivo excerto:

«O relatório pericial de investigação de parentesco biológico a fls. 143-146 comprova, sem margem para qualquer dúvida relevante (sendo que o índice de parentesco baseado nos polimorfismos de ADN identificados, correspondentes à vítima, ao seu filho FF e ao arguido, conduziu a uma probabilidade de 99,99999996%), que o arguido é o pai biológico do filho da vítima BB (FF), o qual nasceu no dia ........2013, conforme comprovado pelo teor do assento de nascimento a fls. 51-52. Da prova deste facto biológico infere-se um outro facto biológico, natural e logicamente anterior: a ocorrência de, pelo menos, uma relação sexual de cópula entre o arguido e a vítima – em que FF foi concebido – e que tal cópula teve lugar entre 10 de Fevereiro e 14 de Junho de 2013, porquanto a gestação pode ter-se prolongado pelo período mínimo de 6 meses/24 semanas e pelo período máximo de 40 semanas.

(…)

Aqui chegados, articulando todos estes meios de prova e observando os critérios da lógica, da verosimilhança e das probabilidades, à luz das regras da experiência comum e do que vai sendo conhecido, ao nível das Ciências, sobre a diversidade/variabilidade do comportamento humano, é seguro que: o arguido manteve, pelo menos, a relação de cópula com ofendida BB da qual resultou a gravidez desta, sendo que esta cópula verificou-se entre 10 de Fevereiro e 14 de Junho de 2013, pois tal período de tempo coincide com o hiato temporal mais remoto possível da concepção de FF, na medida em que este nasceu no dia ... de ... de 2013, ou seja, 10 meses (40 semanas) depois do dia 10.02.2013, e 6 meses (24 semanas) depois do dia 14.06.2013; para além desta cópula, o arguido praticou, por mais de uma ocasião e em dias distintos, coito oral e cópula com a ofendida, a partir dos 13 anos de idade desta (ou seja, a partir de 8.05.2010 até, pelo menos, ao momento em que tomou conhecimento da gravidez daquela); aquando da prática de tais actos sexuais, o arguido esta perfeitamente ciente de que a vítima era sua neta, bem como da idade desta em cada momento, posto que a mesma coabitou consigo, ininterruptamente, desde tenra idade, até ter ido residir com o seu namorado GG, anos depois de atingir a maioridade; o arguido apalpou as nádegas da ofendida BB no Sábado imediatamente anterior (9.05.2020) ao dia em que a mesma participou os factos junto da autoridade policial (16.05.2020), quando esta se encontrava num dos corredores da residência do arguido, a efectuar a limpeza da casa.

Neste conspecto, julgou-se provada a factualidade sob os nºs 3 a 19 e não provados os factos sob as als. a) a m).»

Sempre improcederia, pois, a impugnação no que tange aos pontos 8, 9 e 14 da matéria de facto e, bem assim, quanto aos pontos 16, 17 e 18, cuja correção/alteração dependia da decisão de considerar os primeiros como não provados.

O recorrente impugna, ainda, o ponto 34 da factualidade provada [O arguido não reconhece a produção de danos físicos e morais nas vítimas de factos semelhantes aos que integram o objecto deste processo e exprime crenças que tendem a racionalizar/justificar comportamentos desta natureza, designadamente, em função do comportamento da vítima], sustentando, em resumo, que não constava da acusação, nem diz respeito às condições pessoais e sócio económicas e, além disso, consubstancia uma opinião pessoal do técnico que elaborou o relatório social, pelo que deve ser eliminado.

O facto em causa não constava, efetivamente, da acusação, nem tinha que constar, emergindo, antes, do relatório social elaborado pela Direção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais, requisitado pelo Tribunal.

Com efeito, dispõe o artigo 370º, n.º 1, do Código de Processo Penal que “[o] tribunal pode em qualquer altura do julgamento, logo que, em função da prova para o efeito produzida em audiência, o considerar necessário à correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, solicitar a elaboração de relatório social ou de informação dos serviços de reinserção social, ou a respetiva atualização quando aqueles já constarem do processo.”

E o artigo 1º, al. g), do mesmo diploma, define o relatório social como “a informação sobre a inserção familiar e sócio profissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objetivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos nesta lei”.

O relatório social destina-se, pois, essencialmente, a colher factos que interessam para a caracterização da personalidade do arguido com vista a habilitar o juiz na tarefa de determinação da sanção a aplicar àquele, tendo em perspetiva os critérios legais pertinentes, designadamente os previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 71º do Código Penal.

Nessa medida, a postura do arguido perante as consequências de atos de natureza análoga aos que estão em discussão nos autos e as crenças que expressa, tendentes a racionalizar/justificar comportamentos dessa natureza, designadamente, em função do comportamento da vítima, prendem-se com a sua inserção social e, neste concreto caso, familiar – uma vez que é avô da vítima e com esta residia – e são expressivos da sua personalidade, enquadrando-se, por isso, perfeitamente, no âmbito do relatório social.

Por outro lado, o enunciado ponto da matéria de facto traduz objetivamente a posição assumida pelo arguido a esse respeito perante o técnico de reinserção social, e não qualquer juízo de valor formulado por este.

Acresce que o arguido teve conhecimento do teor do relatório social, que lhe foi notificado, e teve oportunidade de exercer o contraditório quanto ao mesmo, nada tendo feito para o por em causa, sendo que dos autos igualmente nada se extrai que o infirme, pelo que nada impedia que o tribunal a quo, atento o princípio da livre apreciação da prova, o acolhesse e, em face da sua relevância para a caraterização da personalidade daquele, o vertesse na factualidade provada.

Conclui-se, assim, pela total improcedência da impugnação da matéria de facto.

(…)”]- fim de transcrição.

Ora, esta temática não exige sequer oficiosidade de conhecimento pelo STJ pois inexiste notoriedade de erro que seja evidente.


Como bem o salientou o MPº, não se compreende como erro notório uma pretensa errónea valoração das provas produzidas em audiência de julgamento, v. g., a credibilidade atribuída ao depoimento de certa testemunha ou a de certo documento.


É lícita, perante o disposto no nº1 do art. 129º do CPP, a valoração de testemunhos indiretos, in casu, de pessoas que presenciaram directamente a mundividência familiar e comportamento mais intimista ou referenciado da falecida ofendida, tendo em conta a forma relatada de aquisição desse conhecimento, o respeito que foi feito pelo contraditório, o texto da decisão em si e que, conjugadamente com as regras da experiência comum, não indica minimamente qualquer abuso ou hipervalorização de prova, nem sequer proibida, pois que a vítima não poderia depor em julgamento, em face do seu falecimento.


Nos acórdãos recorridos não se mostram minimamente violadas regras de produção probatória nem das regras da experiência comum ou da lógica corrente, nada apontando notoriamente que não se teriam podido verificar os factos provados em 8, 9 e 14 postos em causa por via da invocação do referido vício.


No tocante à prova resultante do relatório social (que se atém ao facto 34 provado), salienta-se que o arguido nele colaborou voluntariamente e o respectivo técnico social apontou o que resultou da sua percepção, obtida pelas ali declarações do arguido prestadas, no segmento do nível de sentimento acerca do impacto em relação aos bens jurídicos que lhe foi imputado terem sido violados.


Não se alcança, assim, que ainda que se entendesse, não obstante a sua ininvocabilidade como fundamento de recurso para o STJ, que se devesse apreciar oficiosamente a verificação de vício de erro notório na apreciação probatória feita nas instâncias, haja vislumbre de um incontornável mínimo de aparência da existência de tal vício.


Vejamos de seguida a derradeira questão da pena unitária.


C) Pena unitária e seu limite-proporcionalidade-redução.


Resolvidas as questões anteriores e assente que as penas parcelares se mantêm inalteráveis, há que determinar se a pena única pelo concurso de infracções deve ser reduzida, nomeadamente ao limite de 7 anos de prisão proposto pelo arguido.


O tribunal de 1ª instância havia considerado a este propósito:

(…)

II.5.2. O cúmulo jurídico

Cabe proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares encontradas, ao abrigo do disposto no artigo 77.º do Código Penal, cujo nº1 preceitua: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

O artigo 77.º, nº2, do Código Penal estabelece: “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Nos termos do nº3 da citada norma legal, “se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.

Conforme o nº4 do artigo 77.º do Código Penal, as penas acessórias são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.

Aplicando o critério legal para a determinação da pena única de prisão, verifica-se que a moldura se define, no limite mínimo, em 8 (oito) anos e, no limite máximo, em 22 (vinte e dois) anos e 8 (oito) meses.

Ponderando os factos na sua globalidade e, bem assim, as características apuradas quanto à personalidade do arguido, o qual revela uma total falta de ressonância ética dos crimes cometidos contra a sua própria neta, afigura-se-nos justo, adequado, proporcional e necessário fixar a correspondente pena única em 12 (doze) anos e 10 (dez) meses de prisão.

*

A aplicação de uma pena de prisão não significa que a efectiva privação da liberdade seja necessária à realização dos fins da pena, sendo que o legislador prevê penas de substituição para determinados casos (cf. Anabela M. Rodrigues, «Pena de prisão substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade», in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2001, nº11, Coimbra, p. 664).

Atendendo à medida concreta da pena única de prisão ora aplicada ao arguido (superior a 5 anos), não é possível substituí-la por qualquer das penas não privativas da liberdade legalmente previstas (artigos 43.º, nº1, 44.º, nº1, als. a) e b), 45.º, nº1, 46.º, nº1, 50.º, nº1, e 58.º, nº1, do Código Penal, na redacção anterior à Lei nº94/2017, de 23.08, e artigos 43.º, nº1, als. a) e b), 45.º, nº1, 50.º, nº1, e 58.º, nº1, do Código Penal na redacção introduzida pela Lei nº94/2017, de 23.08), impondo-se-lhe a prisão efectiva.»

Por sua vez o tribunal da Relação entendeu a este respeito:

“(…)

3.ª Questão – Medida das penas parcelares e da pena única.

O recorrente questiona, finalmente, a medida das penas parcelares e da pena única resultante do cúmulo jurídico de penas por várias razões.

Começa, desde logo, por assinalar que, como resulta do acórdão recorrido, para a determinação da medida da pena foi levado em linha de conta o facto do ponto 34, que impugnou visando a sua eliminação e, em decorrência, “não serve como agravante” (sic).

Ocorre que também neste conspecto improcedeu a impugnação da matéria de facto promovida pelo recorrente, pelo que nada obsta à ponderação de tal facto, a par com outros relevantes, nos termos previstos no artigo 71º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, em sede de determinação da pena.

Subsequentemente, invoca o recorrente que não tem antecedentes criminais e que o tribunal a quo não levou em conta que decorreram cerca de 10 anos entre a data dos factos constantes dos pontos 8, 9 e 10 e a data de prolação do acórdão e “o facto de não existir qualquer facto provado que indicie que os factos foram cometidos sem o consentimento da ofendida e contra a sua vontade” (sic), circunstâncias que, do seu ponto de vista, justificariam a redução das penas parcelares e da pena única, sem prejuízo da absolvição dos crimes que antes peticionou [mas que não se verificou, como analisámos supra].

Ora, no que concerne à ausência de antecedentes criminais, foi tal circunstância ponderada pelo tribunal a quo, como ressuma da fundamentação do acórdão.

Relativamente ao lapso de tempo decorrido entre os factos e a prolação do acórdão, nada se refere, efetivamente, a esse respeito, no acórdão recorrido.

Quanto ao último argumento, limitar-nos-emos também a relembrar que estão em causa essencialmente crimes contra a autodeterminação sexual de menor, que, em razão da falta de maturidade inerente à pouca idade da vítima, tornam irrelevante a falta de oposição aos atos potencialmente lesivos do seu crescimento harmonioso, mormente na vertente da sexualidade.

Ademais, como deflui do cotejo da fundamentação do acórdão, no exercício de determinação das penas parcelares e da pena conjunta, o tribunal a quo teve presentes os pertinentes normativos legais e as linhas orientadoras da dosimetria penal.

Constata-se, porém, que no que concerne ao crime de abuso sexual de menores dependentes agravado pelo resultado de gravidez da vítima é o mesmo punido, em abstrato, com pena de prisão de 1 ano e 6 meses a 12 anos – cfr. artigos 172.º, nº 1, e 177.º, nº 4, do Código Penal, na redação aplicável –, e não prisão de 1 ano e 6 meses a 12 anos e 8 meses, como se escreveu no acórdão na parte da determinação da pena, por manifesto lapso, pois, a páginas 22, bem se referiu a agravação de metade, nos limites mínimo e máximo, nos termos do citado n.º 4 do artigo 177º.

Acresce que afigura-nos existir alguma desproporção na fixação da pena relativa ao crime de abuso sexual de menores dependentes agravado pelo resultado de gravidez da vítima, até por comparação com as penas fixadas relativamente aos quatro crimes de abuso sexual, uma vez que estas foram fixadas em pouco mais de 1/6 da moldura respetiva e aquela em mais de metade por referência à moldura tida em consideração e quase em 4/6 por referência à moldura correta, sem que seja aduzida alguma razão para tanto, que também não vislumbramos.

Impõe-se, por isso, a nosso ver, a redução da pena de prisão pelo crime de abuso sexual de menores dependentes agravado pelo resultado de gravidez da vítima, afigurando-se-nos ser de a fixar, por uma questão de proporcionalidade, em 5 (cinco) anos.

Como decorrência, ocorre uma redução significativa da moldura abstrata do cúmulo jurídico de penas, que, como resulta do preceituado no artigo 77º, n.º 2, do Código Penal, tem como limite mínimo a mais elevada das penas aplicadas aos vários crimes em concurso e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

A moldura a ter em conta passa, por isso, a ser de 5 (cinco) anos a 19 (dezanove) anos e 8 (oito) meses, o que tem óbvios reflexos no quantum concreto da pena única.

Tendo em perspetiva esta [nova] moldura, considerando a imagem global dos factos, os fatores considerados pelo tribunal a quo, nomeadamente quanto à personalidade do arguido, e, ainda, a avançada idade deste e o período de aproximadamente dez anos decorrido sobre a prática dos crimes mais graves, entendemos mais adequada e proporcional a pena única de prisão de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses.

No demais, improcede a pretensão recursiva do recorrente.

(…)”]

Verifica-se dos textos decisórios e, ao que agora mais importa retirar, do acórdão da Relação recorrido, a colocação da pena unitária num patamar muito mais perto do mínimo moldural (5 anos de prisão-pelo crime mais grave) situado no primeiro quarto do respectivo intervalo e que, no essencial, foram seguidas as linhas normativas parametrizadas no artº 77º do CP bem como tidas em conta no seu conjunto, a personalidade do arguido e os factos.


Cremos apenas que a definição mais adequada da pena unitária em dissentimento se manifesta no encontrar do ponto de equilíbrio entre as necessidades de prevenção geral e as de prevenção especial.


Por um lado, o arguido não demonstrou vigor de ressonância ética, arrependimento activo ou sequer uma confissão que fosse possível ter relevo impressivo.


Ficou provado que:


O arguido não reconhece a produção de danos físicos e morais nas vítimas de factos semelhantes aos que integram o objecto deste processo e exprime crenças que tendem a racionalizar/justificar comportamentos desta natureza, designadamente, em função do comportamento da vítima.”


Não obstante o tempo decorrido em relação aos actos anteriores e que acabaram por culminar em gravidez da sua neta cuja paternidade só em 2021 foi sabida, mantendo-se oculta até então ao agregado familiar, o arguido, ainda assim, quando (…)


“13) No dia 9 de Maio de 2020, na parte da manhã, a ofendida BB deslocou-se à residência dos seus avós maternos, para aí realizar limpezas, a pedido da sua avó materna, (14) nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas em 13), quando a ofendida BB se encontrava no interior da habitação identificada em 4), o arguido foi ao seu encontro e, com as suas mãos, apalpou as nádegas da mesma.”,


manteve assim com esta uma conduta imprópria, ainda que com menor carga de ilicitude, daí revelando o seu contínuo desprezo pelo bem jurídico violado e a liberdade sexual e afectiva da própria neta.


Por outro lado, dos dados consultados no processo resulta que nasceu em ........1947, tendo na presente data 77 anos, idade essa da qual já se poderá dizer que não se alcança um grau de perigosidade muito acentuado bem como, além de não ter antecedentes criminais , revela uma integração social normal, se bem que tal sempre deverá resultar do agir habitual expectável de qualquer cidadão.


Tendo em conta a desestruturação familiar que já se manifestou contra si, causada pelo impacto dos factos na sua vida relacional com os elementos do agregado ou mais próximos, tal poderia levar a supor que o arguido possa estar numa retracção comportamental que o iniba mais fortemente de voltar a agir de forma similar no confronto com o presente processo.


Ponto será saber se uma pena de 8 anos e 6 meses de prisão com a sua actual idade e não obstante a enorme gravidade dos factos, não será desproporcional às necessidades de censura comunitárias e às exigências de manifestação de uma pena com sentido ressocializador.


O art.77.º do Código Penal perfilha o «sistema da pena conjunta», na medida em que a punição do concurso de crimes supõe a discriminação das penas concretas que o integram.


Na lição de Figueiredo Dias “Pena conjunta existirá sempre que as molduras penais previstas, ou as penas concretamente determinadas, para cada um dos crimes em concurso sejam depois transformadas ou convertidas, segundo um «princípio de combinação» legal, na moldura penal ou na pena do concurso.”.


Dentro deste sistema, é habitual configurar-se um princípio de absorção puro, em que a punição do concurso será constituída simplesmente pela pena mais grave dentre as penas parcelares, e um princípio da exasperação ou agravação, em que “a punição do concurso ocorrerá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade dos crimes (sem que, todavia, possa ultrapassar a soma das penas que concretamente seriam aplicadas aos crimes singulares).”.


A doutrina vem entendendo que o modelo de punição do concurso de crimes consagrado no art.77.º do Código Penal, sendo um sistema de pena conjunta, não é construído, porém, de acordo com o princípio de absorção puro, nem com o princípio da exasperação ou agravação, nos termos definidos, mas sim de acordo com um sistema misto, que vem sendo chamado de sistema do cúmulo jurídico.7


Também a jurisprudência segue este caminho, consignando-se, entre outros, no acórdão do S.T.J. de 3 de outubro de 2012, que o modelo de punição do nosso Código Penal é um sistema misto de pena conjunta “erigido não de conformidade com o sistema de absorção pura por aplicação da pena concreta mais grave, nem de acordo com o princípio da exasperação ou agravação, que agrega a si a punição do concurso com a moldura do crime mais grave, agravada pelo concurso de crimes.”8.


Doutrina e jurisprudência coincidem em especificar que no cúmulo jurídico, a pena conjunta é definida dentro de uma moldura cujo limite mínimo é a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e o limite máximo resulta da soma das penas efetivamente aplicadas, emergindo a medida da pena conjunta, não apenas dos factos individualmente considerados, numa visão atomística, mas da imagem global do facto imputado e da personalidade do agente.


A pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art.71º.º, n.º1, um critério especial estabelecido no art.77.º, nº 1, 2ª parte, ambos do Código Penal.9


Os parâmetros indicados no art.71.º do Código Penal, servem apenas de guia para a operação de fixação da pena conjunta, não podendo ser valorados novamente, sob pena de se infringir o princípio da proibição da dupla valoração, a menos que tais fatores tenham um alcance diferente enquanto referidos à totalidade de crimes.10


Na busca da pena do concurso, explicita Figueiredo Dias, na obra que vimos seguindo, que “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. E acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).”


Como refere ainda, na doutrina, Cristina Líbano Monteiro, com o sistema da pena conjunta, perfilhado neste preceito penal, deve olhar-se para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.11


As conexões ou ligações fundamentais na avaliação da gravidade da ilicitude global, são as que emergem do tipo e número de crimes, dos bens jurídicos individualmente afetados, da motivação, do modo de execução, das suas consequências e da distância temporal entre os factos, sem esquecer as concretas penas aplicadas aos crimes.


Na avaliação da personalidade unitária do agente, referenciada aos factos, deve verificar-se se estes correspondem a uma atuação episódica, acidental ou, pelo contrário, se esta é uma atuação estruturada num comportamento persistente de vida de crime.


Por outro lado, na operação de aferição sobre o processo de apreciação da escolha e da determinação da medida da pena, em sede de recurso, é consensual que a intervenção do tribunal ad quem tem no essencial uma função de “remédio jurídico”, a ele cabendo identificar incorreções, omissões ou erros evidentes atinentes ao raciocínio hermenêutico incidente nas normas constitucionais, convencionais e legais aplicadas ou mobilizáveis, por parte da instância recorrida.


Apenas nesse patamar é legítimo ao tribunal de recurso proceder à alteração do quantum da pena única, não podendo interpretar e decidir como se fosse inexistente decisão anteriormente proferida –no caso vertente, a do tribunal de primeira instância, confirmada in mellius até aos 8 anos e 6 meses na pena única em sede de recurso pelo Tribunal da Relação e nesse segmento, sim, na aferição de proporcionalidade terá de verificar em que medida foram ou não igualmente respeitados aqueles procedimentos hermenêuticos.


A legitimação da intervenção do tribunal de recurso em termos de manter ou modificar para menos, a medida da pena aplicada (no caso, a unitária), terá pois de seguir esses parâmetros na sua essência e caracterização enunciadas. Neste sentido, vide os Acs. de 15-11-2006 do STJ, Proc. n.º 2555/06- 3ª e Ac de 11-02-2015: Proc. 591/12.3GBTMR.E1.S1, que relembram a controvérsia sobre os limites de aferição da pena e Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211).


Em suma, o olhar hermenêutico e de escrutínio da adequação ou correção da questionada medida da pena em sede de recurso será incontornável sobretudo em caso de manifesta desproporcionalidade (injustiça) ou de violação da racionalidade e das regras da experiência (arbítrio) na configuração e estruturação das operações tidas como necessárias à sua determinação nos parâmetros da lei. Nessas e em função dessas circunstâncias é que se justificará uma intervenção modificadora pelo tribunal ad quem na escolha e a determinação da medida da pena.


Esclarecidos estes pressupostos de determinação da pena unitária, descendo agora ao caso concreto, verificamos e sublinhamos que a actuação do arguido pode revelar alguma tendência criminosa face à perduração temporal dos factos e à natureza da motivação do crime radicada em aspectos (parafílicos) muito ligados a elementos (des)estruturantes de personalidade. A sua acção foi tudo menos episódica ou acidental.


A aplicação nesta fase da sua vida de uma pena de prisão efectiva de 8 anos e 6 meses, tendo em conta as expectativas de vida média dos homens bem próximas da sua actual idade poderia ser vista, aparentemente, como algo desproporcionada. Mas também as exigências comunitárias de reprovação são muito prementes e não devem os tribunais transmitir uma postura de impunidade. O arguido, na sua actual fase de vida, está ainda bem capaz de sentir o efeito da pena de prisão na sua vida e deve ser submetido a reacção privativa de liberdade que se manifeste com um sentido pessoal e comunitário sobretudo dissuasor e eficaz.


Foi gravíssimo o que fez com a sua própria neta e as consequências que tal implicou em todo o agregado familiar. Não se verifica no caso uma excepcionalidade de circunstâncias que fundasse alteração, para menos, da pena unitária fixada no Tribunal da Relação. As exigências de prevenção geral são muito intensas e a reacção institucional tem de assumir uma postura assertiva e eficaz de dissuasão, tanto mais que o arguido, não obstante a sua idade e o tempo decorrido, não parece estar minimamente em conformidade com o nível expectável de consciência, de arrependimento e de compreensão do desvalor da acção.


Entendemos pelo exposto, não se justificar a aplicação de uma pena inferior à fixada pelo Tribunal da Relação, devendo pois manter-se a a pena única resultante do cúmulo jurídico de penas, nos termos dos artigos 30.º, nºs 1 e 3, e 77.º, nºs 1 a 4, do Código Penal, em 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão;


III- DECISÃO


3.1. Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.


3.2- Taxa de justiça a cargo do recorrente e que se fixa em 5 UC ( artº 513º nº1 do CPP e Tabela III do RCP.

Lisboa, STJ, 29 de Fevereiro de 2024

(texto elaborado em suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (artº 94º do CPP)

Agostinho Torres- Relator

Albertina Pereira (1ªadjunta)

Jorge Gonçalves (2º adjunto)




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1. Todas as transcrições a seguir efetuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correção de erros ou lapsos de escrita manifestos e, nalguns casos, alteração da ortografia utilizada e/ou da formatação do texto, da responsabilidade do relator.↩︎

2. Neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.↩︎

3. Entre a variada jurisprudênciaconhecida ver ainda recentemente, os acórdãos do STJ de 24.11.2022, relatado por Helena Moniz e de 30.11.2022, relatado por Lopes da Mota. Como se assinala neste último citado acórdão “Em jurisprudência firme, tem o Tribunal Constitucional sublinhado que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição «não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição», isto é, de «um duplo grau de recurso», «em relação a quaisquer decisões condenatórias» (cfr. por exemplo, os acórdãos 64/2006, 659/2011 e 290/2014 do TC; assim, nomeadamente, os acórdãos de 9.10.2019 cit., de 14.03.2018, ECLI:PT:STJ:2018:22.08. 3JALRA.E1.S1.48 e de 12.12.2018, Proc. 211/13.9GBASL.E1.S1, www.stj.pt/wp-content/uploads/2019/06/criminal_ sumarios _ 2018.pdf, bem como o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/2013, n.ºs 11 e 12).”↩︎

4. O Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão n.º 7/95, de 9 de junho de 1995, fixou jurisprudência no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, in DR , I Série -A de 28-12-1995↩︎

5. Cfr. Acórdão nº 213/94, publicado no D.R. II série, de 23 de Agosto de 1994, e Acórdão nº 440/99, acessível in www.tribunalconstitucional.pt↩︎

6. Cf. Figueiredo Dias, obra cit. págs. 282 a 284 e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 283↩︎

7. Cf. proc. n.º 900/05.1PRLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.↩︎

8. Cf. “Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág.290/2.↩︎

9. Cf. Figueiredo Dias, obra cit., pág. 292.↩︎

10. Cf. “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 16, n.º1, , pág. 155 a 166 e acórdão do STJ, de 09-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1.↩︎