Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
174/16.9T8LRS.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: REDUÇÃO REMUNERATÓRIA
CENTROS PROTOCOLARES
ADMINISTRAÇÃO AUTÓNOMA DO ESTADO
EVOLUÇÃO NA CARREIRA
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Indicações Eventuais:
RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS N.º 109/2005 DE 30 DE JUNHO.
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / PROCESSO COMUM / RECURSOS.
Doutrina:
- Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª Edição, p. 111;
- Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 9.ª Edição, p. 642 e 643;
- Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, p. 247;
- Vital Moreira, Administração Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, p. 331, 336 e ss. ; Curso de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, 2015, p. 313 e 318.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 87.º, N.º 3.
LEI N.º 91/2001, DE 20 DE AGOSTO.
LEI N.º 43/2005, DE 29 DE AGOSTO.
LEI N.º 53-C/2006, DE 29 DE DEZEMBRO.
LEI N.º 55-A/2010, DE 31 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 19.º, N.º 9, ALÍNEA U).
LEI N.º 64-B/2011, DE 30 DE DEZEMBRO: - ARTIGO 21.º, N.º 1.
LEI Nº 22/2011, DE 20 DE MAIO: - ARTIGO 2.º.
LEI N.º 66-B/2012 DE 30 DE DEZEMBRO.
LEI N.º 83-C/2013 DE 31 DE DEZEMBRO.
LEI N.º 75/2014 DE 12 DE SETEMBRO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-04-1989, IN BMJ 386/446;
- DE 23-03-1990, IN AJ, 7º/90, P. 20;
- DE 31-01-1991, IN BMJ 403º/382;
- DE 12-12-1995, IN CJ, 1995, III/156;
- DE 18-06-1996, IN CJ, 1996, II/143.
Sumário :

I – Sendo os Centros Protocolares associações públicas integradas na administração autónoma do Estado, não são extensíveis aos seus trabalhadores vinculados com contrato individual de trabalho as normas de contenção da despesa estabelecidas pelas Leis nºs 43/2005 e 53-C/2006, de 29/12.

II – Os Centros Protocolares referidos no número anterior devem considerar-se estabelecimentos públicos, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea u) do número 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de dezembro e no nº 1 do artigo 21º da Lei 64-B/2011 de 30 de dezembro.

III – A evolução na carreira do pessoal de chefia do R. processa-se de acordo com as regras próprias que constam do "Regulamento do pessoal dirigente e de chefia”.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA intentou a presente ação declarativa com processo comum, contra BB, pedindo que fosse condenado:

a) a reconhecer-lhe a categoria profissional de Técnica Principal, escalão 3, com efeitos a partir de 29.03.2011 e a pagar-lhe a correspondente remuneração base mensal de € 1.883,91, acrescida de uma retribuição a título de isenção de horário no montante de € 405,04, bem como a pagar-lhe as diferenças salariais não percebidas entre 29.03.2011 e 31.12.2015, num montante global de € 12.404,70, e as que se vencerem até efetiva atribuição da referida categoria e remunerações;

b) a pagar-lhe:

• os montantes que lhe foram descontados a título de "Redução remuneratória", num valor global de € 6.520,62, bem como os que lhe forem descontados a tal título na pendência da ação;

c) os subsídios de férias e de Natal que não lhe foram pagos no ano de 2012, num valor global de € 4.577,90 ou, subsidiariamente, caso o R. não venha a ser condenado no pedido formulado em a), a pagar-lhe os referidos subsídios de férias e de Natal num valor global de € 4.184,10;

d) uma compensação pela cessação antecipada da sua última comissão de serviço no montante global de € 9.812,88 ou, subsidiariamente, caso o R. venha a ser condenado no pedido formulado em a), no montante global de € 5.481,08;

e) tudo acrescido de juros de mora vencidos desde as datas de vencimento de cada uma das enunciadas obrigações e vincendos até integral pagamento, computando-se os vencidos até 31.12.2015 em € 4.929,37.

Para tanto alegou:

• Encontra-se ao serviço do R. desde 2.03.1987, por terem celebrado um contrato individual de trabalho sem termo.

• Em 22.02.2001, foi enquadrada na categoria profissional de técnica especialista, auferindo uma remuneração base correspondente ao escalão 6 da tabela de remunerações.

• Entre 29.03.2001 e 30.05.2011, exerceu as funções inerentes ao cargo de Chefe de Divisão, em comissões de serviço que se sucederam.

• Porém, a última comissão de serviço cessou não na data acordada entre as partes – 28.03.2013 – mas em 30.05.2011, por comunicação do réu, sem que lhe tenha sido paga qualquer compensação.

• Quando cessou esta comissão foi integrada na categoria de técnica especialista - escalão 8 a que corresponde uma remuneração mensal global de € 2.092,05 (€ 1.721,85 + € 370,20 a título de isenção de horário).

• Porém, de acordo com o "Regulamento do pessoal dirigente e de chefia", em vigor no R., e tendo em conta o quadro das categorias e remunerações, a progressão na carreira deveria ter ocorrido do seguinte modo:

- Em 29.03.2003 - progressão – técnica especialista – escalão 7;

- Em 29.03.2005 - progressão – técnica especialista – escalão 8;

- Em 29.03.2007 - Promoção – técnica principal – escalão 1;

- Em 29.03.2009 - progressão – técnica principal – escalão 2;

- Em 29.03.2011 - progressão – técnica principal – escalão 3 (a que corresponde a remuneração global de € 2.288,95).

• Tem, por conseguinte, direito a € 12.404,70, correspondente à diferença do que lhe tem vindo a ser pago desde junho de 2011, por dever ser integrada num escalão superior.

• A partir do mês de janeiro de 2011 e até dezembro de 2015, o R. descontou-lhe nas remunerações o total de € 6.520,62, a título de "Redução remuneratória", invocando o disposto no art.º 19.º dos sucessivos orçamentos do Estado. Porém, sendo o R. uma associação pública, não se encontra ali prevista, pelo que não poderia ter efetuado os descontos e devendo por isso devolver-‑lhe o referido valor, acrescido de juros.

• Com o mesmo fundamento o R. também não lhe pagou os subsídios de Natal e de férias, pelo que deve devolver-lhe, a este título, € 4.577,00, acrescidos de juros.

O R. contestou alegando que é um Centro Protocolar, tendo a natureza jurídica de uma Associação Pública, que faz parte da Administração do Estado, por quem é financiado. Por conseguinte e por força das ordens, instruções e orientações do Ministério das Finanças e do Ministério do Emprego e da Segurança Social, desde 29 de agosto de 2005 suspendeu as progressões e promoções em todas as carreiras. Assim, embora retribuída de acordo com o escalão 8, a autora nunca foi promovida a esse escalão, mantendo-se no escalão 7, não lhe sendo devida qualquer quantia a este título.

Relativamente à comissão de serviço da autora, que cessou efetivamente a 30 de maio de 2011, antes da data prevista, tal sucedeu em consequência da recomendação emitida pelo IEFP, que impôs a reestruturação dos seus serviços e limitou a 8 o número de dirigentes, pelo que o valor peticionado a título de compensação não é devido.

Por fim, refere que sendo financiado quase a 100% com fundos oriundos do Orçamento do Estado não existia qualquer justificação para não estar abrangido pelas medidas orçamentais de redução da despesa, pelo que estava obrigado a fazer aplicação do art.º 21.º da Lei n.º 64-C/2011, de 30 de dezembro e das subsequentes, não podendo deixar de proceder à suspensão do pagamento dos subsídio de férias e de Natal, no ano de 2011 e nos anos seguintes, não sendo por isso devidos os montantes peticionados.

Saneado o processo e realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença julgando a ação totalmente improcedente e absolvendo o réu do pedido.

Inconformada, a A. apelou, na sequência do que foi proferida a seguinte deliberação:

«Termos em que se acorda julgar o recurso procedente, revogar parcialmente a sentença e nessa medida condenar o apelado a:

a) reconhecer e atribuir à apelante pela categoria profissional de Técnica Principal, escalão 3, com efeitos a partir de 29-03-2011, a que corresponde uma remuneração base mensal de € 1.883,91 (mil oitocentos e oitenta e três euros e noventa e um cêntimos) e uma retribuição a título de isenção de horário de € 405,04 (quatrocentos e cinco euros e quatro cêntimos), no valor global de € 12.404,70 (doze mil quatrocentos e quatro euros e setenta cêntimos) e a pagar-lhe as diferenças salariais que deixou de auferir desde aquela data;

b) devolver-lhe os montantes indevidamente descontados nos vencimentos entre Janeiro de 2011 e Dezembro de 2015 a título de redução remuneratória, no valor global de € 6.520,62 (seis mil quinhentos e vinte euros e sessenta e dois cêntimos), bem como os que lhe venham a ser descontados a tal título na pendência da acção;

c) pagar os subsídios de férias e de Natal que indevidamente lhe não pagou no ano de 2012, no valor global de € 4.577,90 (quatro mil quinhentos e setenta e sete euros e noventa cêntimos);

d) a tudo acrescendo juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde as datas de vencimento de cada uma das enunciadas obrigações e vincendos até integral pagamento.

Custas do recurso pelo apelado, sendo as da acção por ambas as partes, na proporção do decaimento (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).»

Desta deliberação recorre o R. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão recorrido.

A recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado.

Recebido o recurso como revista nos termos gerais e cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido da negação da revista.

Notificadas, as partes não responderam.

Formulou o recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

1 – O Réu, ora Recorrente, decaiu, no Acordão Revidendo, na quantia de € 34.446,54 (Trinta e quatro mil quatrocentos e quarenta e seis Euros e cinquenta e quatro cêntimos) considerada a data da prolação do Acórdão.

2 – É, assim, o Acórdão susceptível de Revista nos termos do artigo 671º. nº 1 do Código do Processo Civil.

3 – Foi julgado provado que para se verificar a promoção da Autora Recorrida é necessário que tenha existido uma avaliação de desempenho superior (entre 110% e 119%).

4 – Era necessário, ainda, que tivesse havido uma proposta de promoção pela Direcção da Unidade Orgânica onde a Autora se inseria e ainda que tivesse havido uma proposta do Director e deliberação do Conselho de Administração.

5 – Tal não foi alegado, não foi aprovado, nem existiu.

6 – Não há pois que julgar que a Autora recorrida em 29 de Março de 2011 tinha a categoria de Técnica Principal – Escalão 3 – ou tivesse tido, devesse ter tido, qualquer das categorias elencadas no Acórdão Recorrido, nas datas de 29 de Março de 2005, 29 de Março de 2007 ou/ e 29 de Março de 2009.

7 – Não é devida a quantia que consta do sector a) da decisão, nem quaisquer juros devidos, pelo pretenso, não pagamento de quaisquer quantias devidas relativas a essas pretensas promoções.

8 – A Autora, ora Recorrida, cumpria o horário de trabalho em vigor no Réu / Recorrente, de 35 horas semanais para os trabalhadores administrativos.

9 – A Autora / Recorrida vem sendo paga a retribuição de € 1.721,85 (Mil setecentos e vinte e um Euros e oitenta e cinco cêntimos).

10 – Assim, conforme o disposto nos artºs. 271º. nº. 1, conjugado com o disposto nos artigos 268º. nº. 1 a) e b) e nº. 1 do artigo 265º. todos do Código do Trabalho, a retribuição legal por isenção de horário de trabalho a que a Autora tem direito é de € 312,20 (Trezentos e doze Euros e vinte cêntimos) / mensais.

11 – O Réu / Recorrente está a pagar quantia superior ao devido legalmente, já que paga € 370,20 (Trezentos e setenta Euros e vinte cêntimos) mensais.

12 – Assim, também neste sector da alínea a) a decisão recorrida não tem justificação, nem quanto ao devido, nem quanto a juros de mora.

- Da Revista Extraordinária e da Decisão das alíneas b) e c) do Acórdão Recorrido

13 – O Réu é um Centro Protocolar constituído ao abrigo do D.L. 165/85 de 16 de Maio.

14 – Existem em Portugal dezenas de Centros Protocolares, com muitos milhares de trabalhadores, daí a relevância jurídica da questão que propomos à Revista para uma melhor aplicação do direito, face às incertezas postas pelos diversos entendimentos sobre a aplicação de normas a estes Entes Jurídicos.

15 – O Réu foi constituído por Protocolo homologado pela Portaria 492/87 de 12 de Junho do Ministério do Trabalho e Segurança Social.

16 – É um organismo dotado de personalidade jurídica de direito público, sem fins lucrativos.

17 – Tem como objecto promover a actividade de formação profissional para valorização dos recursos humanos do sector.

18 – As despesas com a instalação e equipamentos do Réu / Recorrente poderão ser suportadas até 100% pelo I.E.F.P.

19 – As despesas de funcionamento do Réu/Recorrente não poderão exceder 95% pelo I.E.F.P.

20 – Na presente data e desde 2012 as despesas do Réu / Recorrente são suportadas por Orçamentos autónomos do I.E.F.P., orçamentos que constam do Orçamento do Estado, já que classificado, para efeitos orçamentais, como Entidade Pública Reclassificada (E.P.R.).

21 – O Réu / Recorrente, dada a sua qualidade e constituição – I.E.F.P. e Associações Patronais – com voto de qualidade dos Administradores nomeados pelo I.E.F.P., tem sido destinatário, desde 2005, de Recomendações / Instruções no sentido de cumprir as medidas restritivas de despesas públicas.

22 – Medidas restritivas no sentido de não proceder a promoções ou progressões em carreiras, nem a aumentos de retribuições salariais ou de subsídios.

23 – Foi, igualmente, destinatário de instruções no sentido de proceder ao não pagamento de Subsídios de Natal e Férias, conforme a legislação publicada para os funcionários públicos e demais servidores do Estado.

24 – Foi também destinatário de instruções no sentido de proceder a reduções salariais, conforme a legislação publicada para os funcionários públicos e demais servidores do Estado.

25 – As instruções recebidas vieram-se mantendo, passando a partir de 2011 a receber directamente instruções para a preparação do seu orçamento vindos da Direcção Geral do Orçamento.

26 – As restrições relativas a promoções / progressões nas carreiras, de aumentos de retribuições e de não pagamento de subsídios de Férias e de Natal e de reduções de retribuições, tiveram origem mormente nos Orçamentos do Estado e na Lei do Enquadramento Orçamental – Lei 91/2001 de 20 de Agosto com as suas diversas alterações.

27 – Esta legislação, de cariz financeiro do Estado e de profunda tecnicidade, foi preparada pelo Ministério das Finanças, mais concretamente pela Direcção Geral do Orçamento.

28 – A Direcção Geral do Orçamento […] tem preocupações de ordem de financiamento do Estado e de redução de despesas e não de questões de cunho vincadamente jurídica.

29 – Isto para clarificar que se é certo que o legislador em abstrato, como se refere no Acórdão Revidendo, não desconhecia a existência dos Centros Protocolares, em concreto aquando da preparação do Orçamento não terá havido a preocupação desse “detalhe” jurídico, antes teve outras preocupações – redução de despesas públicas.

30 – E nesse sentido veio Parecer da Direcção Geral do Orçamento até referido no Acórdão Revidendo, proferido no Acórdão da Relação do Porto, no Processo 33/14.0 TTOAZ, no qual refere que a alínea u) do nº. 9 da LOE/2011 é residual, devendo ela abranger todo o perímetro da Administração Pública, designadamente as entidades maioritariamente financiadas pelo Estado, independentemente da sua natureza e forma.

31 – Parece-nos inquestionável que doutrinalmente os Centros Protocolares são Associações Públicas Mistas, mas que no que respeita a gestão financeira, mormente aos seus trabalhadores se aplica a legislação do Orçamento do Estado e demais legislação restritiva de promoções, progressões, descontos em remunerações e não pagamento de subsídios.

32 – É que aquela legislação tem, até carácter especial face à situação vivida então e ainda hoje vivida em Portugal.

33 – Assim o parecer emitido pela Direcção Geral do Orçamento sobre a aplicação da alínea u) do nº. 9 do artigo 19º. do OE/2011, constitui interpretação dada aquele dispositivo legal pelos seus autores.

34 – Do exposto, e se assim for julgado, não deve também o Réu / Recorrente as quantias referidas nas alíneas b), c) e d) da Decisão do Acórdão Revidendo.

35 – Deve ser decidido, para a melhor aplicação do direito a questão posta, que é de grande relevância, face às divergências de aplicação da legislação restritiva a dezenas de Centros Protocolares e milhares de trabalhadores.

36 – Entendendo o Réu / Recorrente que a mesma lhe é aplicável como tem sido entendido pelas Inspecções do Ministério da Segurança Social e Trabalho e Tribunal de Contas.

37º.- O Acórdão Revidendo fez errada aplicação dos artºs. 2º. e 11º. do Manual de Recursos Humanos (Regulamento de Carreiras) do Réu / Recorrente (fls.83 e 84 do processo), artigos 265º., 268º. e 271º. do Código do Trabalho e da legislação de financiamento público, nomeadamente, Leis 91/2001, 43/2005, 53-A/2007, 53-C/2007, 67-A/2007, 64-A/2008, 3B/2010, 55-A/2010, 64-B/2011, 66-B/2012, 83-C/2013, 75/2014 – o), 82-B/2014 e 7-A/2016.

A recorrida formulou as seguintes conclusões:

“I - O recurso apresentado pelo R. não é admissível a título excepcional à luz do disposto no n° 1 do art° 672° do CPC.

II - A data dos factos a Autora exercia um cargo de chefia pelo que lhe era aplicável o Regulamento do pessoal dirigente e de chefia, conforme aliás as remissões para o mesmo constantes nos acordos celebrados entre as partes para o exercício daquele cargo (docs. 8 a 10, fls. 49, 49 verso e 50 dos autos).

III - A remuneração legitimamente auferida pela A. a título de isenção de horário não pode ser reduzida para € 312,20 atendendo ao carácter irredutível da retribuição nos termos da alínea d) do n° 1 do art° 129°, do CTrabalho;

IV - Não correspondendo o montante da retribuição previsto no art° 265° do CT a um valor fixo mas antes a um montante mínimo, mandando a lei atender aos usos em matéria de retribuição e correspondendo a retribuição por isenção de horário auferida pela A. a 21,5% da sua retribuição base, deve tal proporção ser mantida relativamente à retribuição base agora fixada pelas instâncias como sendo a efectivamente devida, sob pena de se reduzir, de facto, a retribuição devida à A.

V - O Réu e uma Associação Pública e não um "Estabelecimento Público", e está integrado na administração autónoma do Estado e nessa medida está excluído do âmbito da aplicação da Lei n° 43/2005 e, por consequência, a suspensão de contagem de tempo para progressão estatuído naquela lei não abrange os seus trabalhadores;

VI - Mas mesmo que não se reconhecesse ao Réu a natureza de "Associação Pública" e que o mesmo seja considerado mais próximo da administração indireta, o que a referida lei dispõe é a suspensão da contagem de tempo para evolução na carreira entre 30 de agosto de 2005 e 31 de dezembro de 2007 (cf. artigos 1.° e 4.°, na versão da Lei n.° 53-C/2006, de 29 de dezembro) e, deste modo, e ainda que se admita que os trabalhadores do CENFIC estão por ela abrangidos nem por isso pode deixar de ser reconhecida à A. a contagem para progressão do período de tempo referente aos biénios 2001/2003 e 2003/2005 dado que todos os acordos de comissão de serviço celebrados entre as partes o foram com efeitos a março.

VII - Depois de 31 de dezembro de 2007, a referida medida de suspensão de contagem de tempo para efeitos de progressão deixou de vigorar, e se é certo que, por força da Lei n.° 67-A/2007, de 31 de dezembro, logo a partir de 1 de janeiro de 2008 vigorou um regime transitório de progressão na carreira (cf. artigos 119.° e 142.°), que deve ser conjugado com a disciplina introduzida nesta matéria pela Lei n.° 12-A/2008, de 27 de fevereiro, é também certo que este regime se circunscreve à progressão nas categorias dos trabalhadores em funções públicas e não põe, portanto, em causa o direito de evolução na carreira com fundamento no exercício de cargos de direção na Administração Pública.

VIII  - Por fim, em 2011, através da Lei n.° 55-A/2010, de 31 de dezembro, foram proibidas valorizações remuneratórias, mas ainda que no entender da A. não haja fundamento para que tal lei lhe seja aplicada, o que é facto é que, mesmo que ela se lhe aplicasse, tal proibição nunca seria susceptível de impedir as progressões a que a A. adquiriu direito em anos anteriores e que o Réu não concretizou.

IX - Razão pela qual deve ser reconhecido à A. o direito à atribuição da categoria profissional de Técnica Principal, escalão 3 e correspondentes remunerações, conforme peticionado.

X - O R., enquanto "Associação Pública", não se encontra abrangido no âmbito de aplicação do regime fixado no artigo 21.° da Lei n.° 64-B/2011, de 30 de Dezembro, já que a A. não se inclui no elenco de trabalhadores referidos n.° 9 do artigo 19.° da Lei n.° 55 -A/2010, de 31 de Dezembro, alterada pelas Leis n.°s 48/2011, de 26 de Agosto, e 60 -A/2011, de 30 de Novembro.

XI - Sendo, por consequência, ilegal a redução remuneratória efectuada pelo R. nas remunerações da A., bem como o não pagamento da totalidade dos subsídios de férias e de Natal peticionados.

XII - Caso se entendesse ser acertada a qualificação jurídica do R. como "Estabelecimento Público", deverá, então, decidir-se pela incompetência em razão da matéria do Tribunal a quo para decidir do litígio, nos termos e com os fundamentos acima alegados.”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO

Os presentes autos respeitam a ação declarativa comum emergente de contrato de trabalho interposta em 5.01.2016.

O acórdão recorrido foi proferido em 6.122017.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão atual;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), também na versão atual.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO:

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se deve ser reconhecida e atribuída à A. a categoria de técnica principal, escalão 3, com efeitos a 29.03.2011;

2 – Se a A. está abrangida pelas medidas de redução de despesas estabelecidas nas Leis nºs 55-A/2010 de 31.12, 64-B/2011 de 30.12, 66-B/2012 de 30.12, 83-C/2013 de 31.12 e 75/2014 de 12.09;

3 – Se a A. tem direito à quantia mensal de € 405,04 a título de isenção de horário de trabalho a partir de 29.03.2011.

4 - FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

A matéria de facto julgada provada pelas instâncias é a seguinte:

1. O Réu é um Centro Protocolar de Formação Profissional.

2. Tem autonomia administrativa e financeira e património próprio e foi homologado através da Portaria n.º 492/87, de 12 de Junho.

3. O orçamento anual do R. é financiado pelo orçamento do Estado, através do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).

4. A A. encontra-se ao serviço do Réu desde 2-03-1987, ao abrigo de um contrato individual de trabalho sem termo.

5. Em 22-02-2001 a A. foi enquadrada na categoria profissional de "Técnica especialista", auferindo uma remuneração base correspondente ao escalão 6 da tabela de remunerações.

6. A autora foi promovida a Técnica Especialista – Escalão 7, em 29-03-2003.

7. Entre 29-03-2001 e 30-05-2011, a A. exerceu ao serviço do R. as funções inerentes ao cargo de Chefe de Divisão, em comissão de serviço, ao abrigo dos acordos celebrados para o efeito entre as partes e juntos como doc. 8 a 10 – fls. 49, 49 verso e 50, os quais aqui se dão por reproduzidos.

8. No âmbito da referida comissão de serviços a A. auferia uma remuneração base de € 2.099,87, acrescidos de € 438,22 a título de isenção de horário, assim elevando a retribuição mensal global para € 2.538,09.

9. No acordo datado de 29-03-2010, junto a fls. 50, autora e réu ajustaram:

"(…)

c) O trabalhador aceita a sua nomeação (…) com efeitos a partir de 29/03/2010.

d) O cargo será desempenhado pelo período de 3 anos, nos termos do disposto no art.º 6.º do Regulamento do pessoal Dirigente e de Chefia e no art.º 161.º do Código do trabalho.

e) O exercício do cargo cessa nas situações previstas nas alíneas a) a e) do n.º 1 do art.º 11.º do Regulamento do pessoal Dirigente e de Chefia e do art.º 163.º do Código do trabalho".

10. Através de comunicação datada de 29-03-2011, junta a fls. 51 verso, o R. fez cessar a última comissão de serviço acordada com a A. com efeitos a partir de 30-05-2011.

11. A autora aufere, desde Junho de 2011, uma remuneração mensal de € 1.721,85, acrescida de € 370,20 a título de isenção de horário, a que corresponde a categoria profissional de Técnica Especialista – escalão 8.

12. A tabela das categorias profissionais e correspondentes escalões de remuneração, em vigor no seio do R. desde o ano de 2009 até à data, é a que está junta como documento n.º 13.

13. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 12.º do "Regulamento do pessoal dirigente e de chefia" (Doc. 1) durante o exercício de cargos de chefia a evolução da carreira processa-se através de progressão ao escalão imediatamente superior após dois anos de permanência no mesmo escalão.

14. Acrescenta o n.º 3 do referido art.º 12.º do referido regulamento que quando as chefias atingirem o último escalão de uma categoria, ascendem ao primeiro escalão da categoria seguinte.

15. Nos termos da tabela salarial em vigor (doc. 13), o vencimento base mensal correspondente à categoria de Técnica Principal – Escalão 3 são € 1.883,91.

16. Com data de 5-07-2011 a A. dirigiu ao CA do R. uma carta solicitando a atribuição da categoria de Técnica Principal – Escalão 3, bem como as correspondentes remunerações a que tinha direito.

17. O Senhor Provedor de Justiça dirigiu ao R., em Setembro de 2014, a Recomendação n.º 9/A/2014, junta aos autos a fls. 99 verso a 109 verso, que aqui se dá por reproduzida e que se encontra acessível em: http://www.provedor-jus.pt/site/public/archive/doc/Rec__9A2014.pdf.

18. A partir do mês de Janeiro de 2011 e até Dezembro de 2015, o R. descontou nas remunerações da A. um total de € 6.520,62 a título de "Redução remuneratória".

19. O R. procedeu a tais reduções invocando o orçamento do Estado para 2011, designadamente o art.º 19.º da Lei 55-A/2010, de 31Dez, procedendo do mesmo modo nos anos seguintes.

20. No ano de 2012 o R. não pagou à A. subsídios de Férias e de Natal.

21. O R. não pagou os referidos valores invocando o orçamento do Estado para 2012, designadamente o disposto no art.º 21.º da Lei 64-B/2011, de 30Dez e, igualmente, o art.º 19.º da Lei 55-A/2010, de 31Dez.

22. Segundo o R., a prematura cessação da comissão de serviços da A. ficou a dever-se ao acatamento de uma recomendação do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) com o n.º 5/2010, de 22Dez2010, no sentido de ser reduzido o número de chefias no âmbito da organização do R.

23. Dispõe o art.º 11.º do "Regulamento do pessoal dirigente e de chefia" (8. Regulamento do Pessoal Dirigente e de Chefia), que:

"7 - No caso de cessação por extinção da respectiva Unidade Orgânica, incluindo Divisão, quando não integrada num processo de reestruturação global dos serviços do CENFIC, o dirigente ou a chefia tem direito, desde que conte pelo menos 12 meses de exercício continuado do cargo, a uma indemnização de montante igual à diferença entre a retribuição do cargo cessante e a da respectiva categoria, calculada em função do tempo que faltar para o termo da comissão de serviço".

24. De acordo com a recomendação n.º 5/2010 do IEFP:

"(…) Considerando que a potenciação dos recursos obriga a que se adopte um modelo de gestão assente em critérios de máxima eficácia e potenciadores de economias que permitam a maximização dos recursos financeiros e o decréscimo dos custos fixos de estrutura:

Recomenda aos membros dos Conselhos de Administração do IEFP, IP nos Centros de Gestão Participada, o seguinte:

1. Que considerem como limite máximo de dirigentes/chefias (…)

2. (…)

3. (…)

4. Que garantam o cumprimento desta recomendação no prazo de 3 meses a contar da data da sua assinatura."

5. (54.º)

25. Tal medida inseriu-se no quadro das fortes restrições orçamentais introduzidas pelo Governo através do orçamento do Estado para 2011, que precederam a chegada da chamada "Troika".

26. A ré suspendeu as progressões e promoções em todas as carreiras, categorias e cargos desde 29 de Agosto de 2005.

27. A ré depende das orientações dos organismos oficiais, através do IEFP (Instituto de Emprego e Formação profissional).

28. Aquele Instituto emitiu as seguintes Orientações:

- Oficio 1351/DFP – NATG / 2005 de 22.9.2005. (Doc.2)

- Oficio 156/CD – IEFP / 2007 de 26.2.2007. (Doc.3)

- Ofício 2263/FP-CF/08 de 3.12.2008. (Doc.4)

- Ofício 12/FP-CF/2011 de 5.1.2011. (Doc.5)

- Ofício 81/FP-CF/2011 de 19.1.2011. (Doc.6)

- Ofício 598/FP-CF/2011 de 28.4.2011. (Doc.7) - Ofício 203/FP-CF/2011 de  14.2.2011. (Doc.8)

- Ofício 830/FP-CF/2011 de 24.6.2011. (Doc.9)

29. Em 19 de Novembro de 2011, a Ré emitiu o comunicado cuja cópia está junta a fls. 96 verso e onde refere que "(…) pese embora o Conselho de Administração do CENFIC continue a manter em vigor o Manual de Recursos Humanos em toda a sua extensão, viu-se obrigado a suspender a sua aplicação no que se refere ao regulamento de Carreiras e ao Regulamento do Pessoal dirigente e de Chefia, nos capítulos que determinam promoções, progressões nas respectivas carreiras, bem como as consequentes actualizações de retribuições, geradoras de acréscimo de despesas".

30. De acordo com o art.º 11 (Promoções) do Manual de Recursos Humanos (7. Regulamento de Carreiras):

"1. A promoção consiste na mudança para a categoria imediatamente superior da respectiva carreira e opera-se para o 1.º escalão da referida categoria.

2. A promoção na carreira opera-se por mérito relativamente aos trabalhadores que se distingam pelas suas qualidades e desempenho profissionais, ou seja, que tenham obtido, ao longo dos últimos dois anos de permanência na mesma categoria, uma avaliação de desempenho superior (entre 110% e 119%).

3. Com base nos fundamentos apresentados pela Direcção da Unidade Orgânica onde se insere e sob proposta do Director, cabe ao Conselho de administração deliberar quanto às promoções por mérito.".

31. Através da Recomendação n.º 5/2010, o Instituto do Emprego e Formação Profissional, recomendou ao Réu conter-se nos limites do "Quadro com limite de Dirigentes / Chefias por Centro". (Doc.5)

32. O Réu deu um aviso prévio à Autora de 2 meses.

33. Em 22-02-2001 o Conselho de administração da Ré aprovou um Manual de Recursos Humanos, com 148 páginas, cuja parte 7 (regulamento de Carreiras) está junta a fls. 83 e a parte 8.º (Regulamento do pessoal Dirigente e de Chefia) está junto a fls. 11 a 13.

34. Em Janeiro de 2012 a A. apresentou junto do Senhor Provedor de Justiça uma queixa que deu origem à recomendação supra referida.

35. No referido parecer, que é público, a A. é identificada apenas pela inicial do seu nome: "A…".

36. A cessação da Comissão de serviço da autora ficou a dever-se à recomendação proveniente do IEFP n.º 5/2000, junta a fls. 89 verso, no sentido de serem reduzidos os encargos financeiros com o pessoal do R.

37. Em consequência da recomendação do IEFP n.º 5/2010 o réu teve de reestruturar os seus serviços, fazendo cessar comissões de serviço, como as da autora.

38. A Autora deixou de exercer as funções de "Chefe de Divisão de Certificação Profissional" em 30 de Maio de 2011.

39. A Autora deixou de ser a responsável da Divisão de Certificação Profissional, que foi integrada no Serviço de Avaliação e Certificação de Competências passando aquela actividade a depender hierarquicamente da Direcção de Serviços de Avaliação e Certificação de Competências (DAC).

40. A autora deixou de assinar as férias e justificar as faltas dos elementos que faziam parte da Divisão de Certificação Profissional, antes da extinção desta.

4.2 - O DIREITO

Vejamos então as referidas questões que constituem o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]).

4.2.1 – Se deve ser reconhecida e atribuída à A. a categoria de técnica principal, escalão 3, com efeitos a 29.03.2011.

Peticionou a A. que lhe fosse reconhecida e atribuída pelo R. a categoria profissional de técnica principal, escalão 3, com efeitos a partir de 29.03.2011, a que corresponde uma remuneração base mensal de € 1.883,91, pelo facto de ter sido enquadrada, em 22.02.2001, na categoria profissional de técnica especialista, com uma remuneração base correspondente ao escalão 6 da tabela de remunerações, e ter exercido, entre 29.03.2001 e 30.05.2011, as funções de chefe de divisão, em comissão de serviço. Quando, em 30.05.2011, o R. fez cessar a referida comissão de serviço, foi enquadrada na categoria de técnica especialista, escalão 8, a que corresponde um vencimento mensal base de € 1.721,85 e não a categoria de técnica principal, escalão 3, a que corresponde uma remuneração base mensal de € 1.883,91, a que tinha direito nos termos do art. 12º do “Regulamento do pessoal dirigente e de chefia” vigente no R.

Por outro lado, o R. não lhe pagou os subsídios de férias e de Natal no ano de 2012, invocando o disposto no art. 21º da Lei 64-B/2011 de 30.12 e, nas retribuições dos meses de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, procedeu ao desconto do montante global de € 6.520,62, a título de “Redução remuneratória”, invocando as Leis nºs 55-A/2010 de 31.12, 64-B/2011 de 30.12, 66-B/2012 de 30.12, 83-C/2013 de 31.12 e 75/2014 de 12.09.

A 1ª instância, qualificando o R. como “estabelecimento público vocacionado para a formação profissional, financiado essencialmente por capitais públicos e que prossegue funções atribuídas pelo Estado ao IEFP” sendo, nessa medida, “uma entidade pública que faz parte da administração indirecta do Estado”, considerou ser-lhe aplicável a Lei nº 43/2005, de 29.08, “prorrogada pela Lei nº 53-C/2006, de 29/12 e ainda os diversos orçamentos do Estado”, os quais obstaram à progressão e promoção da A. e determinaram a redução na retribuição.

Já a Relação entendeu que os centros protocolares, como o R., “são associações públicas”, “têm em vista a prossecução dos interesses próprios dos seus associados, que não os do Estado propriamente dito, sendo os seus órgãos, independentes dele, quem define a orientação das suas actividades, ainda que sujeitos à sua fiscalização”. “[U]ma vez que, por um lado resultam de um convergência de vontades do IEFP com outras entidades, que podem ou não ser públicas, com vista à realização de um certo fim (a formação profissional de trabalhadores ou empregadores) e, por outro, são dotadas de personalidade jurídica de direito público” e a sua criação ocorre “por vontades associadas de diversas pessoas, uma das quais sempre o IEFP e portanto, estatal, …mas podendo as outras pertencer a qualquer um dos três sectores da actividade económica, como no caso sub iudicio acontece com a natureza privada das restantes associadas, exclui que possam ser considerados estabelecimentos públicos do Estado”, integrando-se, por isso, “na administração autónoma e não na administração indirecta do Estado”.

Pese embora a divergência das instâncias quanto à natureza jurídica do R., não é esta uma questão que venha submetida à nossa apreciação, sendo certo que o próprio recorrente concorda que é uma associação pública e não um estabelecimento público e não questiona o entendimento da Relação no que tange ao seu enquadramento na administração autónoma do Estado.

O recorrente, nas suas alegações, equaciona a questão que submete à nossa apreciação, nos seguintes termos:

Parece não haver dúvidas de que doutrinariamente os Centros Protocolares são Associações Públicas Mistas.

- Contudo a questão posta é diferente. É a de saber se sendo os Centros Protocolares, e em especial o Réu/Recorrente financiada pelo Orçamento do Estado, sendo o seu orçamento organizado pela entidade que organiza os meios financeiros do Estado, que naquele Orçamento trata os Centros Protocolares, enquanto Entidades Públicas Reclassificadas, para efeitos orçamentais, devem ou não ser aplicadas a esses entes as medidas restritivas iniciadas com a Lei 43/2005 e depois continuadas até ao presente.

Vejamos.

Estabelece a Lei n.º 91/2001 de 20 de agosto (Lei de enquadramento orçamental):

Artigo 1.º

Objecto

A presente lei estabelece:

a) As disposições gerais e comuns de enquadramento dos orçamentos e contas de todo o sector público administrativo;

b) As regras e os procedimentos relativos à organização, elaboração, apresentação, discussão, votação, alteração e execução do Orçamento do Estado, incluindo o da segurança social, e a correspondente fiscalização e responsabilidade orçamental;

c) As regras relativas à organização, elaboração, apresentação, discussão e votação das contas do Estado, incluindo a da segurança social.

Artigo 2.º

Âmbito

1 - A presente lei aplica-se ao Orçamento do Estado, que inclui os orçamentos dos serviços que não dispõem de autonomia administrativa e financeira, dos serviços e fundos autónomos e da segurança social, bem como às correspondentes contas.

2 - Os serviços do Estado que não disponham de autonomia administrativa e financeira são designados, para efeitos da presente lei, por serviços integrados.

3 - São serviços e fundos autónomos os que satisfaçam, cumulativamente, os seguintes requisitos:

a) Não tenham natureza e forma de empresa, fundação ou associação públicas, mesmo se submetidos ao regime de qualquer destas por outro diploma;

b) Tenham autonomia administrativa e financeira;

c) Disponham de receitas próprias para cobertura das suas despesas, nos termos da lei.

4 - Entende-se por sistema de solidariedade e segurança social o conjunto dos subsistemas definidos na respectiva lei de bases, as respectivas fontes de financiamento e os organismos responsáveis pela sua gestão.

5 - Sem prejuízo do princípio da independência orçamental estabelecido no n.º 2 do artigo 5.º, são aplicáveis aos Orçamentos das Regiões Autónomas e das autarquias locais os princípios e regras contidos no título II da presente lei, bem como, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 14.º, devendo as respectivas leis de enquadramento conter as normas adequadas para o efeito.”

Este art. 2º foi alterado pela Lei nº 22/2011 de 20 de maio, tendo passado a ter a seguinte redação:

Artigo 2.º

Âmbito

1 - A presente lei aplica-se ao Orçamento do Estado, que abrange, dentro do sector público administrativo, os orçamentos do subsector da administração central, incluindo os serviços e organismos que não dispõem de autonomia administrativa e financeira, os serviços e fundos autónomos e a segurança social, bem como às correspondentes contas.

2 - Os serviços do Estado que não disponham de autonomia administrativa e financeira são designados, para efeitos da presente lei, por serviços integrados.

3 - São serviços e fundos autónomos os que satisfaçam, cumulativamente, os seguintes requisitos:

a) Não tenham natureza e forma de empresa, fundação ou associação públicas, mesmo se submetidos ao regime de qualquer destas por outro diploma;

b) Tenham autonomia administrativa e financeira;

c) Disponham de receitas próprias para cobertura das suas despesas, nos termos da lei.

4 - Dentro do sector público administrativo, entende-se por subsector da segurança social o sistema de solidariedade e segurança social, constituído pelo conjunto dos subsistemas definidos na respectiva lei de bases, as respectivas fontes de financiamento e os organismos responsáveis pela sua gestão.

5 - Para efeitos da presente lei, consideram-se integrados no sector público administrativo, como serviços e fundos autónomos, nos respectivos subsectores da administração central, regional e local e da segurança social, as entidades que, independentemente da sua natureza e forma, tenham sido incluídas em cada subsector no âmbito do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais, nas últimas contas sectoriais publicadas pela autoridade estatística nacional, referentes ao ano anterior ao da apresentação do Orçamento.

6 - Sem prejuízo do princípio da independência orçamental estabelecido no n.º 2 do artigo 5.º, são aplicáveis aos orçamentos dos subsectores regional e local os princípios e as regras contidos no título ii, bem como, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 17.º, devendo as respectivas leis de enquadramento conter as normas adequadas para o efeito.

Defende o recorrente que, sendo financiado pelo Orçamento de Estado e considerado Entidade Pública Reclassificada (EPR) de acordo com o Anexo 2 das “Instruções de suporte à Integração das Entidades Públicas que tenham sido reclassificadas ao abrigo do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais, nas últimas contas sectoriais publicadas pela autoridade estatística nacional (INE)” (documento junto de fls. 124 a 132 verso dos autos) e, nos termos do transcrito nº 5 da Lei n.º 91/2001 de 20 de agosto, integrado no sector público administrativo, são-lhe aplicáveis as medidas de contenção da despesa decididas pela resolução do conselho de ministros nº 109/2005 de 30 de junho e consagradas na Lei 43/2005 em 29 de agosto e seguintes, designadamente  nas Leis nºs 55-A/2010 de 31 de dezembro, 64-B/2011 de 30 de dezembro, 66-B/2012 de 30 de dezembro, 83-C/2013 de 31 de dezembro e 75/2014 de 12 de setembro.

Importa desde logo referir que, como expressamente consta do transcrito art. 1º da Lei 91/2001, a mesma tem por objeto o estabelecimento das “… disposições gerais e comuns de enquadramento dos orçamentos e contas de todo o sector público administrativo;” das “…regras e procedimentos relativos à organização, elaboração, apresentação, discussão, votação, alteração e execução do Orçamento do Estado, incluindo o da segurança social, e a correspondente fiscalização e responsabilidade orçamental;” e das “…regras relativas à organização, elaboração, apresentação, discussão e votação das contas do Estado, incluindo a da segurança social.”

Por seu turno, o nº 5 do mesmo diploma apenas considera integrados no sector público administrativo, como serviços e fundos autónomos, as entidades que, independentemente da sua natureza e forma, tenham sido incluídas em cada subsector no âmbito do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais, nas últimas contas sectoriais publicadas pela autoridade estatística nacional, referentes ao ano anterior ao da apresentação do Orçamento, para efeitos daquela lei (“Para efeitos da presente lei…”), ou seja, para efeitos do Orçamento do Estado.

O que está em causa nestes autos, considerando os termos que vêm propostos pelo recorrente, consiste em saber “se as medidas restritivas iniciadas com a Lei 43/2005”, mantidas pela Lei nº 53-‑C/2006, de 29/12 e as posteriormente introduzidas pelas Leis nºs 55-A/2010 de 31.12, 64-B/2011 de 30.12, 66-B/2012 de 30.12, 83-C/2013 de 31.12 e 75/2014 de 12.09, são extensíveis ao R. e abrangem a A.

Estabelece o nº 1, do art. 1º, da Lei 43/2005 de 29.08: “1 - O tempo de serviço prestado pelos funcionários, agentes e outros trabalhadores da administração pública central, regional e local e pelos demais servidores do Estado entre a data de entrada em vigor da presente lei e 31 de Dezembro de 2006 não é contado, para efeitos de progressão, em todas as carreiras, cargos e categorias, incluindo as integradas em corpos especiais.”

Esta suspensão foi mantida pela Lei nº 53-C/2006 de 29.12, com produção de efeitos até 31.12.2007 (art. 4º).

Mas como resulta claramente do nº 1, a referida suspensão tem por destinatários os “funcionários, agentes e outros trabalhadores da administração pública central, regional e local e pelos demais servidores do Estado”.

Ora, não integrando o Réu a Administração Pública central, regional e local, mas a administração autónoma, e não podendo considerar-se que os trabalhadores ao seu serviço sejam incluídos nos «demais servidores do Estado», fica excluída a possibilidade dos mesmos serem abrangidos pelas medidas previstas no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto.

Com efeito, conforme referia Marcelo Caetano, in Manual de Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 9.ª Edição, p.p. 642 e 643, «as leis portuguesas, quando querem referir-se genericamente a todos quantos prestam serviços a pessoas coletivas de direito público empregam a expressão servidor, seguida da indicação da entidade servida: assim dizem «servidores do Estado», das autarquias locais, etc.»

Deste modo, ao referenciar-se o conceito de servidor ao Estado naquela norma limitou-se aos trabalhadores ao serviço desta pessoa coletiva pública a abrangência da Lei, não podendo aí incluir-‑se as pessoas coletivas públicas integradas na administração autónoma.

Invoca o R. que a progressão na carreira, de acordo com o “Manual de Recursos Humanos” está dependente da “avaliação de desempenho superior (entre 110% e 119%)”, “que tivesse havido uma proposta de promoção pela Direcção da Unidade Orgânica onde a Autora se inseria e ainda que tivesse havido uma proposta do Director e deliberação do Conselho de Administração”, o que não foi alegado nem se provou.

Estes condicionalismos, porém, são os estabelecidos para a generalidade dos trabalhadores do R.

Todavia, como vem provado, a progressão do pessoal dirigente e de chefia, tem um regime próprio e processa-se nos termos do "Regulamento do pessoal dirigente e de chefia".

Ora, está provado que a A., em 22.02.2001, foi enquadrada na categoria profissional de "Técnica Especialista", e foi promovida a Técnica Especialista – Escalão 7, em 29.03.2003. Entre 29.03.2001 e 30.05.2011, exerceu as funções inerentes ao cargo de Chefe de Divisão, em comissão de serviço.

Está também assente que, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 12.º do "Regulamento do pessoal dirigente e de chefia", vigente no R., durante o exercício de cargos de chefia a evolução da carreira processa-se através de progressão ao escalão imediatamente superior após dois anos de permanência no mesmo escalão e, nos termos do n.º 3, quando for atingido o último escalão de uma categoria, ascende-se ao primeiro escalão da categoria seguinte.

Assim, como bem se refere no acórdão revidendo, «conjugando o art. 12.º desse Regulamento com a tabela das categorias profissionais e correspondentes escalões de remuneração, a progressão na carreira da apelante deverá ser considerada do seguinte modo:

- Em 29Mar2005 - progressão – Técnica Especialista – Escalão 8

- Em 29Mar2007 - Promoção – Técnica Principal – Escalão 1

- Em 29Mar2009 - progressão – Técnica Principal – Escalão 2

- Em 29Mar2011 - progressão – Técnica Principal – Escalão 3.

Em 29-03-2011, o vencimento mensal correspondente à categoria de Técnica Principal – Escalão 3 era de € 1.883,91

Estando provado que a A. aufere, desde Junho de 2011, uma remuneração mensal de € 1.721,85 que corresponde à categoria profissional de Técnica Especialista – escalão 8, conclui-se, como se decidiu no acórdão recorrido, que a mesma tem direito a ser reclassificada como Técnica Principal – Escalão 3, e com a remuneração base mensal de € 1.883,91, com efeitos a 29.03.2011 e a haver do R. as respetivas diferenças salariais.

4.2.2 – Se a A. está abrangida pelas medidas de redução de despesas estabelecidas nas Leis nºs 55-A/2010 de 31.12, 64-B/2011 de 30.12, 66-B/2012 de 30.12, 83-C/2013 de 31.12 e 75/2014 de 12.09.

Importa agora averiguar da aplicabilidade à A. das medidas de “Redução remuneratória”, postas em prática pelo R. ao abrigo do disposto nas Leis nºs 55-A/2010 de 31.12, 64-B/2011 de 30.12, 66-B/2012 de 30.12, 83-C/2013 de 31.12 e 75/2014 de 12.09.

Nos termos do nº 9 do art. 19º da Lei nº 55-A/2010, do art. 20º da Lei nº 64‑B/2011, nº 9 do art. 33º da Lei nº 83-C/2013 e nº 9, do art. 2º da Lei nº 75/2014 (nesta com ligeiras alterações que para o caso não relevam), “[o] disposto no presente artigo é aplicável aos titulares dos cargos e demais pessoal de seguida identificado:

a) O Presidente da República;

b) O Presidente da Assembleia da República;

c) O Primeiro-Ministro;

d) Os Deputados à Assembleia da República;

e) Os membros do Governo;

f) Os juízes do Tribunal Constitucional e juízes do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da República, bem como os magistrados judiciais, magistrados do Ministério Público e juízes da jurisdição administrativa e fiscal e dos julgados de paz;

g) Os Representantes da República para as regiões autónomas;

h) Os deputados às Assembleias Legislativas das regiões autónomas;

i) Os membros dos governos regionais;

j) Os governadores e vice-governadores civis;

l) Os eleitos locais;

m) Os titulares dos demais órgãos constitucionais não referidos nas alíneas anteriores, bem como os membros dos órgãos dirigentes de entidades administrativas independentes, nomeadamente as que funcionam junto da Assembleia da República;

n) Os membros e os trabalhadores dos gabinetes, dos órgãos de gestão e de gabinetes de apoio, dos titulares dos cargos e órgãos das alíneas anteriores, do Presidente e Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura, do Presidente e Vice-Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, do Presidente e juízes do Tribunal Constitucional, do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, do Presidente do Tribunal de Contas, do Provedor de Justiça e do Procurador-Geral da República;

o) Os militares das Forças Armadas e da Guarda Nacional Republicana, incluindo os juízes militares e os militares que integram a assessoria militar ao Ministério Público, bem como outras forças militarizadas;

p) O pessoal dirigente dos serviços da Presidência da República e da Assembleia da República, e de outros serviços de apoio a órgãos constitucionais, dos demais serviços e organismos da administração central, regional e local do Estado, bem como o pessoal em exercício de funções equiparadas para efeitos remuneratórios;

q) Os gestores públicos, ou equiparados, os membros dos órgãos executivos, deliberativos, consultivos, de fiscalização ou quaisquer outros órgãos estatutários dos institutos públicos de regime geral e especial, de pessoas colectivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo, das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o sector empresarial regional e municipal, das fundações públicas e de quaisquer outras entidades públicas;

r) Os trabalhadores que exercem funções públicas na Presidência da República, na Assembleia da República, em outros órgãos constitucionais, bem como os que exercem funções públicas, em qualquer modalidade de relação jurídica de emprego público, nos termos do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 2.º e nos n.os 1, 2 e 4 do artigo 3.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, alterada pelas Leis n.os 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e 3-B/2010, de 28 de Abril, incluindo os trabalhadores em mobilidade especial e em licença extraordinária;

s) Os trabalhadores dos institutos públicos de regime especial e de pessoas colectivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo;

t) Os trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o sector empresarial regional e municipal, com as adaptações autorizadas e justificadas pela sua natureza empresarial;

u) Os trabalhadores e dirigentes das fundações públicas e dos estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores;

v) O pessoal nas situações de reserva, pré-aposentação e disponibilidade, fora de efectividade de serviço, que beneficie de prestações pecuniárias indexadas aos vencimentos do pessoal no activo.

Estabelecendo a transcrita alínea u), que a redução remuneratória estabelecida naquele preceito é aplicável “ [a]os trabalhadores e dirigentes das fundações públicas e dos estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores”, importa apurar, e é o que está aqui em causa, se os trabalhadores do Réu se podem considerar abrangidos por esta alínea, o que passa pela resposta à questão de saber se o Réu pode ser considerado «estabelecimento público» no sentido que este segmento tem naquele dispositivo.

As instâncias envolveram-se num debate sobre a natureza jurídica do Réu para daí deduzir a resposta à questão suscitada.

Analisada a norma em causa, pode considerar-se que a resposta à questão enunciada não deriva apenas da caracterização jurídica do Réu, nomeadamente, do facto de se tratar de uma associação pública personalizada e da sua inserção na administração pública autónoma.

Partindo do teor literal da norma em causa, constata-se que o conceito de «estabelecimento público» na mesma referido não é ali utilizado num sentido rigoroso, como categoria da estrutura da administração pública, com um sentido predeterminado e preciso.

Na verdade, a norma refere-se a «estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores», donde se infere que as demais estruturas da administração pública ali descritas também são estabelecimentos públicos para este efeito.

Nas alíneas anteriores daquele número do artigo em causa, a propósito do âmbito de incidência das medidas previstas, o legislador refere-se na alínea q) a «institutos públicos de regime geral e especial», a «pessoas coletivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo», a «empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público» a «entidades públicas empresariais», a «entidades que integram o sector empresarial regional e municipal», bem como a «fundações públicas» e a «quaisquer outras entidades públicas».

O âmbito de incidência desta alínea situa-se nos institutos públicos, nas genericamente designadas entidades reguladoras, nas empresas públicas e nas EPE, nas fundações públicas e em «quaisquer outras entidades públicas», segmento que tem igualmente um conteúdo não determinado e onde cabe toda uma multiplicidade de estruturas da administração pública suscetíveis de serem consideradas entidades públicas.

Por sua vez, a alínea s) refere-se a trabalhadores «dos institutos públicos de regime especial e de pessoas coletivas de direito público dotadas de independência decorrente da sua integração nas áreas de regulação, supervisão ou controlo» e na alínea t) a «trabalhadores das empresas públicas de capital exclusiva ou maioritariamente público, das entidades públicas empresariais e das entidades que integram o sector empresarial regional e municipal, com as adaptações autorizadas e justificadas pela sua natureza empresarial».

A norma em causa da alínea u) não se refere apenas a «estabelecimentos públicos», o que a suceder permitiria afirmar que assumia essa categoria de estruturas da administração pública como categoria paralela àquelas que são discriminadas nas outras alíneas.

Ao referir-se a «estabelecimentos públicos não abrangidos pelas alíneas anteriores» a lei deixa implícita a dimensão subsidiária da norma, nela incluindo quaisquer serviços públicos a que se possa atribuir a natureza de estabelecimento público, corresponda essa categoria ou não a uma das categorias individualizáveis nas demais alíneas.

O conceito de estabelecimento público não tem no âmbito da doutrina administrativista um sentido único, sendo múltiplos os sentidos em que tem sido assumido, tal como refere VITAL MOREIRA, in Administração  Autónoma e Associações Públicas, Coimbra Editora, p.p. 336 e ss.

Ao nível do direito comparado, segundo este autor, o conceito de estabelecimento público em França, «é mais amplo do que o nosso instituto público, pois abrange todas as espécies de pessoas coletivas públicas infra estaduais não territoriais, incluindo portanto os serviços personalizados, os fundos personalizados, as empresas personalizadas, bem como os entes públicos de base associativa», Obra citada, p. 331.

Não releva igualmente no âmbito da resposta à questão suscitada a noção de estabelecimento público assumida por Freitas do Amaral que o considera como uma modalidade de instituto público.

Refere aquele autor, in Curso de Direito Administrativo, Volume I, Almedina, 2015, p.313 e 318 que existem três categorias de institutos públicos, concretamente, os serviços personalizados, as fundações públicas e os «estabelecimentos públicos» e considera estabelecimentos públicos «os institutos de carácter cultural ou social, organizados como serviços abertos ao público, e destinados a efetuar prestações individuais à generalidade dos cidadãos que delas careçam».

Nesta dimensão, o conceito de estabelecimento seria completamente inútil para a interpretação do dispositivo em causa, porque os estabelecimentos públicos assim assumidos já estariam abrangidos pelas referências a institutos públicos que constam das várias alíneas.

Na verdade, o conceito de estabelecimento público tem nesta norma uma dimensão que o centraliza no conjunto de meios materiais e humanos devidamente organizados e afetos à realização de determinadas tarefas de natureza pública, seja de produção de bens ou de prestação de serviços, tendo um âmbito mais lato do que o das categorias das estruturas da administração pública discriminadas nas restantes alíneas.

Neste plano, a inserção do Réu no contexto do Orçamento Geral do Estado é uma decorrência da origem das receitas que suportam de facto a sua atividade. A sua natureza de associação pública, a dimensão pública da atividade prosseguida, assumem um outro relevo, que permite afirmar que para os efeitos da referida alínea u) o Réu é um «estabelecimento público» e consequentemente os seus trabalhadores, independentemente da natureza do vínculo, estão sujeitos às medidas de contenção salarial consagradas no referido artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro e nos diplomas subsequentes atrás referenciados.

Também só desta forma se harmoniza o conteúdo desta alínea, no que se refere a trabalhadores do Réu com o conteúdo da alínea q) do mesmo diploma, que sempre abrangeria os seus «gestores públicos, ou equiparados, os membros dos órgãos executivos, deliberativos, consultivos, de fiscalização ou quaisquer outros órgãos estatutários», uma vez que o Réu independentemente da sua natureza de associação pública não pode deixar de se considerar abrangido pela referência a «quaisquer outras entidades públicas» que consta da parte final desta alínea.

Refira-se para finalizar que sendo o R., uma associação pública mista, integrando, nessa medida, a administração autónoma do Estado e, por consequência, o setor público ([5]), o capítulo III, em que se insere o analisado art. 19º, tem como epígrafe «Disposições relativas a trabalhadores do sector público» a qual é claramente demonstrativa da intenção do legislador de abranger naquelas medidas todos os trabalhadores que compõem o universo do setor público independentemente do respetivo vínculo e da entidade empregadora.

E o que ficou dito vale relativamente aos subsídios de férias e de Natal não pagos à A. no ano de 2012.

Estabelece o art. 21º, nº 1 da Lei 64-B/2011 de 30.12:

Artigo 21.º

Suspensão do pagamento de subsídios de férias e de Natal ou equivalentes

1 - Durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF), como medida excepcional de estabilidade orçamental é suspenso o pagamento de subsídios de férias e de Natal ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses às pessoas a que se refere o n.º 9 do artigo 19.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, alterada pelas Leis n.ºs 48/2011, de 26 de Agosto, e 60-A/2011, de 30 de Novembro, cuja remuneração base mensal seja superior a (euro) 1100.

Estando a A., como concluímos, abrangida pela al. u) do nº 9, do art. 19º da Lei 55-A/2010, e auferindo, como consta da matéria de facto provada, uma retribuição base mensal superior a € 1.100,00 era-lhe aplicável a referida suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal.

4.2.3 – Se a A. tem direito à quantia mensal de € 405,04 a título de isenção de horário de trabalho a partir de 29.03.2011.

Está provado que o R. vem pagando à A. a remuneração mensal de € 1.721,85, acrescida de € 370,20 a título de isenção de horário, correspondendo este valor a 21,5% daquela remuneração.

Ora, sendo devida à A., como referido, a remuneração mensal de € 1.883,91 desde 29.03.2011, a retribuição específica por isenção de horário de trabalho será de € 405,04, como vem decidido.

5 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Conceder parcialmente a revista;

2 – Revogar o acórdão recorrido relativamente às alíneas b) e c) do dispositivo, bem como relativamente à al. d) na parte referente aos juros de mora sobre as quantias indicadas nas als. b) e c).

3 – Confirmar, no mais, o acórdão recorrido.

4 – Condenar o R. e a A. nas custas das instâncias e da revista na proporção do decaimento.

Anexa-se o sumário do acórdão.

Lisboa, 31.10.2018

Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

__________________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2, 608º, n.º 2 e 679º do CPC.
[5] Que, simplificadamente, podemos definir como o conjunto de meios materiais e humanos devidamente organizados e afetos à realização de determinadas tarefas de natureza pública, seja de produção de bens ou de prestação de serviços.