Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
120/12.9TBMGD.G1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
EXTINÇÃO POR DESNECESSIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS / DIREITO DE PROPRIEDADE / SERVIDÕES.
Doutrina:
- Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, 484/488.
- Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4ª edição, 440; «Desnecessidade e Extinção de Direitos Reais», in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XVIII, 1964, 244, 246 e 255.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1543.º, 1569.º, N.ºS 2 E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 7 DE NOVEMBRO DE 2002, 21 DE FEVEREIRO DE 2006, 1 DE MARÇO DE 2007, 25 DE OUTUBRO DE 2011, 21 DE MARÇO DE 2013, DE 16 DE JANEIRO DE 2014, 26 DE MAIO DE 2015, TODOS IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I. Encontrando-se o prédio dominante numa situação de encrave total, não basta a demonstração de uma mera alteração da sua utilização inicial, potencialmente reversível, para que se possa concluir pela desnecessidade da servidão.

II. O conceito de desnecessidade da servidão não se extrai de meros subjectivismos atinentes ao proprietário do prédio dominante, devendo ser valorado com base na ponderação da superveniência de factos, que, por si e objectivamente, tenham determinado uma mudança juridicamente relevante nesse mesmo prédio por forma a concluir-se que a servidão deixou de ter, para ele, qualquer utilidade.

 (APB)

Decisão Texto Integral:
PROC 120/12.9TBMGD.G1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I N, intentou a presente acção declarativa com processo ordinário, contra M e I (na qual figuram como como Intervenientes Principais E e J), pedindo:

a) a declaração que a Autora e os chamados, E e J, são titulares, em comum e sem determinação de parte ou direito, na proporção de ½ para a Autora e ½ para os chamados, do direito de propriedade sobre o prédio rústico X, com a área de 375 m2, condenando-se os Réus a reconhecê-lo;

b) a declaração que a Autora é dona e legitima possuidora do prédioY, com a área de 1.937 m2,  condenando-se os Réus a reconhecê-lo;

c) a declaração que em benefício do prédio X onerando os prédios também inscritos na matriz rústica sob os art.ºs 54.º-H, 55.º-H e 56.ºH, encontra-se constituído, por usucapião, um caminho de servidão, para passagem a pé, com veículos de tracção animal, tractores e automóveis, ao longo de toda a extremidade poente destes prédios, com as características de modo, tempo uso e lugar referidas nos art.ºs 29.º a 36.º supra, condenando-se os Réus a reconhecê-lo;

d) a condenação dos Réus a respeitarem o direito à passagem sob tal caminho e a abster-se de praticar qualquer ato que possa prejudicar a utilização de quem acede ao prédio X, nomeadamente, retirando o portão que colocaram e não depositando no mesmo lenha, cordas com roupa, veículos ou quaisquer outros objectos que impeçam a livre circulação;

e) a condenação dos Réus a abster-se de praticar quaisquer actos turbadores do exercício do direito de propriedade da Autora sobre o prédio identificado no art.º 12.º da pi, nomeadamente de transitarem no mesmo.

f) Declarar impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura outorgada no dia 29 de Julho de 2010, no Cartório Notarial de …. por os Réus não terem adquirido o prédio nela identificado, correspondente ao descrito no art.º 54.º supra, por usucapião.

g) Declarar ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, por forma que os Réus não possam, através dela, registar qualquer direito sobre o prédio nela identificado. 

h) Ordenar à Conservatória do Registo Predial de … o cancelamento do registo de aquisição operado …

i) Declarar-se que a Autora e os chamados, E e, são titulares, em comum e sem determinação de parte ou direito, na proporção de ½ para a Autora e ½ para os chamados, enquanto únicas interessadas na herança aberta por óbito de A, do direito de propriedade sobre o prédio  rústico composto por prado natural, com a área de 300 m2, a confrontar a norte com …., de nascente com prédio da freguesia de …, sul com…. e de poente com…., condenando-se os Réus a reconhecê-lo.

j) Serem os Réus condenados a restituírem à Autora e à chamada o prédio identificado no art.º 54.º supra, livre de pessoas e bens, demolindo o anexo e o muro referidos nos arts 80.º e 81.º supra.

Para o efeito alega, em resumo, que é dona do prédio rústico X, com a área de 375 m2, inscrito na matriz predial sob o n.º 57º, secção H, e do  prédio rústico Y inscrito na matriz sob o n.º 19-H, com a área de 1937 m2,  , enquanto os Réus são donos  dos prédios  inscritos na matriz rústica sob os nºs 55º e 56º secção H e encontra-se inscrita a seu favor a propriedade sobre a fracção 54º-H.

Há mais de 50 anos que os seus antepossuidores e posteriormente ela acediam ao seu prédio, 57-H, pelo prédio inscrito sob o 19-H e atravessavam os prédios 54-H, 55-H e 56-H, passando o acesso ao dito prédio a ser feito pelo caminho em terra batida que foi aberto.

Mais alega que os Réus, por meio de escritura de justificação notarial lavrada em 29.07.2010, declararam ser donos e legítimos possuidores de um prédio urbano, acima referido, inscrito na matriz predial sob o n.º 54-H, escritura que impugna, porquanto assenta em factos falsos já que os Réus não adquiriram a propriedade do dito terreno por usucapião, sendo a Autora e a chamada E, enquanto herdeiras de A, as proprietárias do referido prédio. Mais invoca que os RR. procederam à construção de um muro no prédio 54-H e uma vez que tal prédio deve ser restituído à A. e à chamada, o muro deve ser demolido, bem como o anexo construído.

Contestaram os Réus impugnando os factos alegados e deduziram reconvenção, pedindo a condenação da Autora nos seguintes termos:

a) Ser declarado constituído por usucapião o direito de servidão de passagem nos termos descritos no art. 60.º da contestação, onerando o prédio da Autora, inscrito na matriz sob o artº 19º-H, a favor dos seus prédios inscritos na matriz sob os artigos 54º, 55º e 56º H.

b) Ser a Autora condenada a reconhecer esse direito de servidão a favor dos Réus, bem como abster-se de quaisquer actos que possam perturbar o seu exercício por sua parte.

c) Ser reconhecida judicialmente a propriedade dos Réus sobre o prédio inscrito na matriz sob o artº 54º- H,    bem como a Autora  e os chamados condenados a reconhecer esse direito de propriedade dos Réus e, subsidiariamente, para a eventualidade de se considerar existir a reclamada servidão de passagem invocada pela autora;

d) Ser julgada extinta por não uso por mais de 20 anos a invocada servidão de passagem sobre os prédios dos Réus;

e) Ser julgada extinta por desnecessidade a referida servidão, com as legais consequências.

Para tal alegam, sumariamente, que utilizam há mais de 30 anos o caminho que passa pelo prédio inscrito no artº 19º-H, pertença da Autora, pelo que se acha constituída por usucapião uma servidão de passagem a pé, de tractor e de automóvel.

Acresce que nem a Autora, nem a chamada utilizam o dito caminho que se prolongava até ao seu prédio inscrito no artº 57º H, pelo menos desde 1989, data em que o antepossuidor da Autora e da chamada vendeu aos Réus o prédio inscrito sob o artº 54º H e não mais passou no local. Acrescendo ainda que a Autora não tem necessidade desta servidão, uma vez que tem acesso ao art 57º H através do prédios urbanos com o qual confronta, sendo que um deles é de sua propriedade.

No que concerne ao prédio 54-H, os Réus alegam que o compraram verbalmente, em 1989, por 90.000$00 a A, passando os Réus, desde então, a cultivar, a guardar lenha, a limpar o terreno, etc, pelo que, além de estar registado a favor dos Réus, sempre se impõe o seu reconhecimento.

Houve réplica e tréplica, onde se concluiu como nos articulados iniciais.

A final foi proferida sentença do seguinte teor:

“I. Julga-se a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:

a) Declara-se que a A. detém o direito de propriedade, na proporção e ½, sobre o prédio identificado no art. 1.º da petição inicial, isto é, o prédio rústico, com a área de 375 m2, inscrito na respectiva matriz rústica sob o art. 57.º, secção H .

b) Declara-se que a A. é dona e legítima possuidora do prédio descrito no art. 12.º da petição inicial, isto é, o prédio rústico com a área de 1937 m2, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o art. 19.º secção H.

 Dos demais pedidos formulados pela A., absolvem-se os RR.. 

(…)

II. Julga-se a reconvenção parcialmente procedente, por provada e, em consequência:

a) Declara-se que os RR/reconvintes são donos e legítimos proprietários do prédio descrito no art. 66.º da Contestação, isto é, o prédio rústico de prado natural, com a área de 300 m2 e inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 54H.

b) Condena-se a A. e os chamados, E e J a reconhecer o direito de propriedade dos RR em relação ao prédio identificado em II) a).

c) Declara-se constituído por usucapião o direito de servidão de passagem, nos termos do art. 60.º da Contestação, onerando o prédio da A. descrito no art. 12.º da petição inicial, a favor dos prédios dos RR/Reconvintes descritos no art. 53.º da Contestação.

d) Mais condeno a A. a reconhecer o direito de passagem e abster-se de praticar quaisquer actos que possam perturbar o seu exercício por parte dos RR.

No mais, vai a A. e os chamados, E e J absolvidos.

(…)”

A Autora interpôs recurso de Apelação, no qual os Réus em sede de contra alegações suscitaram a ampliação do respectivo objecto, pedindo, no caso de vir a ser declarada a constituída a servidão a favor da Autora, que a mesma fosse declarada extinta por não uso ou pela sua desnecessidade, tendo sido, a final, julgada parcialmente procedente a Apelação e, consequentemente, foi declarado que em benefício do prédio inscrito na matriz rústica sob o artº 57º H e onerando os prédios também inscritos na matriz rústica sob os artigos 54º H, 55ºH e 56º H, encontra-se constituído, por usucapião, um caminho de servidão, para passagem a pé, com veículos de tracção animal, tractores e automóveis, ao longo de toda a extremidade poente destes prédios, com as características supra descritas, procedendo o pedido reconvencional formulado pelos Réus e julgada extinta por desnecessidade, a servidão a pé, com veículos de tracção animal, tractores e automóveis, a favor do prédio inscrito no artº 57º H.

De novo inconformada recorre a Autora, agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- A presente revista tem por objeto apenas a parte em que o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães julgou extinta, por desnecessidade, a servidão, constituída por usucapião, para passagem a pé, com veículos de tração animal, tratores e automóveis, passagem que onera os prédios inscritos na matriz rústica de Valverde sob os art.s 54.º-H, 55.º-H e 56.º-H, em benefício do prédio inscrito na mesma matriz sob o art.9 57.9-H.

- A jurisprudência vem, unanimemente, considerando que, para que uma servidão seja extinta, por desnecessidade, nos termos do disposto no nº 2, do art.º 1569.º do Código Civil, é necessário:

a) Tenha existido uma alteração superveniente relativa ao prédio dominante que não resulte apenas de interesses subjetivos e transitórios do respetivo proprietário;

b) Em resultado dessa alteração, a servidão deixe de ter, para o prédio dominante, qualquer utilidade, por existirem alternativas com comodidade semelhante, não se exigindo que a servidão seja indispensável para permitir a respetiva manutenção;

- No acórdão recorrido foram ponderados dois factos para concluir pela desnecessidade da manutenção da servidão. A saber:

a) a autora, do prédio inscrito sob o art.º 57.º-H (prédio dominante), tem acesso direto à casa inscrita no artº 552.º (do qual é proprietária) e deste prédio tem acesso à via pública (rua do Castelo);

b) Quando a servidão de passagem foi constituída o prédio dominante tinha uma utilização diferente daquela que tem atualmente.

- Como se reconhece no acórdão recorrido, desconhece-se se a possibilidade de aceder ao prédio art.º 57.º-H através do prédio urbano art.º 552º é uma alteração superveniente o que, por si só, impede que se considere desnecessidade da servidão.

- Por outro lado, o acesso através do prédio urbano art.º 552.º ao prédio art.º 57.º-H só é possível a pé e através de umas escadas, bem diferente da servidão declarada extinta que permite o acesso também através de veículos de tração animal, tratores e automóveis.

- Finalmente, a autora é comproprietária do prédio urbano art.º 552.º, qualidade que, por vários motivos, pode deixar de ter, ficando neste caso, de todo impedida de aceder ao prédio art.º 57.º-H.

- De acordo com o acórdão recorrido existiu uma alteração «substancial» de afetação do prédio art.º 57.º-H porque este prédio «que antes tinha a função de guarda e de auxílio às lides agrícolas», agora é utilizado como logradouro de dois prédios urbanos confinantes.

- Contudo, não existe qualquer alteração de afetação, muito menos substancial, porque o prédio art.º 57.º-H nunca foi um prédio cultivado ou de pastagem, servindo apenas para apoio à atividade agrícola, designadamente, recolha de trator e demais alfaias agrícolas, sendo certo que o Tribunal da Relação não dá como não provado que, após 1989, este prédio tenha deixado de abrigar utensílios e máquinas agrícolas - cfr. ponto 92 da matéria de facto. Por outro lado, o facto de este prédio ser considerado e utilizado como logradouro não impede que no mesmo não se possam recolher e abrigar alfaiais agrícolas.

- 0 facto de o prédio dominante [art.º 57.º-H] estar também a ser utilizado como logradouro dos prédios urbanos adjacentes, resulta da vontade pessoal e transitória da autora e da chamada e não de alterações objetivas no prédio. Sublinhe-se que apenas parte do logradouro está pavimentado e que tal só aconteceu em Maio de 2012 [facto provado 32], precisamente o mês em que foi proposta a presente ação. A qualquer momento, a situação existente poderá ser alterada, quer por vontade da autora e da chamada, quer por força da separação da titularidade da propriedade dos prédios em questão. Assim, a desnecessidade foi apreciada em termos subjetivos (tendo em atenção as pessoas da autora e da chamada) e não objetivos (tendo em atenção o próprio prédio).

- A extinção, por desnecessidade, de uma servidão, constituída por usucapião, só pode acontecer se deixar de ter qualquer utilidade para o prédio dominante, não se exigindo, para a respetiva manutenção, que seja indispensável, mas apenas que proporcione uma utilidade com relevância para a normal e regular fruição do prédio dominante.

- Permitem concluir que a servidão em causa mantém utilidade para o prédio 57.º-H, os seguintes factos:

- «o prédio que se encontra inscrito na matriz predial rústica sob o art.º 57.º-H não tem qualquer acesso direto à via pública» - facto provado 100.

- «o prédio que se encontra inscrito na matriz sob o art.º 57°-H encontra-se há mais de 70 anos a uma quota superior a 4 (quatro) metros em relação à Rua do …» - facto provado 33;

- «dos prédios urbanos descritos na Conservatória sob os n.ºs… é possível aceder, apenas a pé, ao prédio identificado em A) dos factos assentes - facto provado 97.

- Resulta destes factos que caso a servidão existente seja extinta, o acesso ao prédio art.s 57.º-H só poderá fazer-se a pé e «através da casa amarela, pelo seu interior e pela casa de pedra, através de umas escadas encostadas à mesma». Assim, o acesso ao prédio art.º 57.º-H apenas se poderá fazer enquanto a titularidade da propriedade destes prédios for coincidente com a dos adjacentes, a pé e através de escadas (uma no interior de uma habitação), quando, com o caminho de servidão, a acesso também se podia fazer com veículos de tração animal, tratores e automóveis.

- 0 Tribunal da Relação também considerou como provado que a autora e a chamada executam obras e colhem todos os frutos do prédio art.º 57.º-H; que nele, pelo menos, até 1989, recolhiam o trator e demais alfaias agrícolas - cfr. facto provado n.º 97 - e que nele mantém uma oliveira e duas amendoeiras. Para poder continuar a praticar os atos descritos no prédio art.º 57.º-H é essencial a manutenção da servidão de passagem, pois só esta permite a normal e regular fruição do prédio.

- As alternativas existentes, isto é, acesso a pé e por escada, não proporcionam a manutenção da fruição do prédio art.º 57.º-H, tal como consta do ponto 97. dos factos provados, nem uma comodidade sequer comparável à que oferece o caminho objeto da presente ação.

- Se o caminho não proporcionasse qualquer utilidade relevante ao prédio dominante, com toda a certeza que o mesmo não era utilizado, pela autora, «em qualquer época do ano, sempre que fosse necessário», como o Tribunal da Relação considerou provado.

- A extinção da servidão também tem como consequência a impossibilidade de aceder do prédio n.º 57.º-H para a Rua …, ficando apenas com a possibilidade de aceder, a pé e por escadas, para outra via, designada por Rua do …, o que não deixa de ser uma perda de utilidade.

- Se servidão é útil para o prédio dos réus porque é necessária para tratar de um pomar, mais utilidade tem para o prédio 57.º-H que também tem árvores de fruto e não tem qualquer acesso direto à via pública.

- 0 tribunal recorrido violou ou não fez uma correta interpretação do disposto no n.º 2, do art.º 1569.º do Código Civil.

Nas contra alegações os Réus, Recorridos, pugnam pela improcedência da impugnação recursiva.

II A única questão que se coloca no âmbito do presente recurso é a de saber se se verificam os requisitos para que se possa julgar extinta a servidão de passagem em benefício do prédio inscrito na matriz rústica sob o artº 57º H e que onera os prédios também inscritos sob os artigos 54º H, 55ºH e 56º H.

A segunda instância fixou como assentes os seguintes factos:

1.No lugar da …., existe um prédio rústico, com a área de 375 m2, inscrito na respectiva matriz rústica sob o art.º 57.º, secção H e descrito na Conservatória do Registo Predial de ….

2. O prédio referido em 1. confronta com um prédio urbano na sua extrema nascente, com confrontação directa a nascente com a Rua do …, prédio esse correspondente ao artigo 552.º da matriz predial da freguesia de …., inscrito em compropriedade e partes iguais a favor da Autora e da chamada.

3. O prédio referido em 1. pertencia à herança aberta por óbito de C e M e, no inventário que se procedeu para a partilha dos respectivos bens – que correu termos no Tribunal Judicial de …, foi licitado e posteriormente adjudicado à Autora e a E, na proporção de metade para cada uma, por decisão judicial transitada em julgado.

4. Através da AP. …. foi inscrita, na Conservatória, a aquisição da propriedade de metade do prédio mencionado em 1. dos factos assentes, a favor da Autora.

5. Na freguesia de …., existe um prédio urbano, com a área de 90 metros quadrados, a confrontar de norte, sul e nascente com a rua pública e de poente com os herdeiros de C, inscrito na respectiva matriz urbana sob …. em nome da Autora e da chamada, em partes iguais.

6. Na freguesia de … existe um prédio rústico, com a área de 1.937 m2, inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o art.º 19.º, secção H e descrito na Conservatória do Registo Predial de ….

7. Este prédio pertencia à herança aberta por óbito de L e, no inventário que se procedeu para partilha dos respectivos bens, que correu termos no Tribunal Judicial de … foi adjudicado, por sentença transitada em julgado em 20.04.1940, à Autora.

8. Entre o prédio inscrito na matriz rústica sob o art.º 57.º-H e o prédio inscrito na matriz rústica sob o art.º 19.º-H existem, de permeio, respectivamente, os seguintes prédios:

a) Prédio rústico, sito no lugar da …, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de … sob o art.º 56. Hº;

b) Prédio rústico, sito no lugar da … inscrito na matriz predial rústica da freguesia de … sob o art.º55.º-H;

c) Prédio rústico, sito no lugar da …inscrito na matriz predial rústica da freguesia de … sob o art.º 54.º-H.

9. O prédio inscrito na matriz rústica sob o art.º 56.º-H confronta do sul com o prédio inscrito sob o art.º 57.º-H e o prédio inscrito sob o art.º 54.º- H, confronta a norte com o prédio inscrito sob o art.º 19.º-H, ficando o prédio inscrito sob o art.º 55.º-H, entre os prédios inscritos sob os art.º 56.º-H e 54.º-H.

10. Há cerca de 50 anos, foi construída a Escola Primária de …

11. Há cerca de três anos, a Autora colocou um portão, com cerca de 1,20 metros de altura, na saída do caminho referido em 27.º a 34.º da base instrutória para a Rua ….

12. E colocou outro portão no caminho referido em 28. a 31. dos factos provados, com 1,20 metros de altura, na extrema entre os prédios inscritos nos art.ºs 57.º-H e 56.º-H, em substituição de uma cancela de madeira que existia no mesmo local.

13. Em Maio de 2011, os Réus colocaram um portão em ferro, com 2 (dois) metros de altura, sobre o caminho referido em 27.º a 34.º da base instrutória, na confrontação do prédio inscrito na matriz sob o art.º 19.º-H com o prédio inscrito na matriz sob o 54.º-H.

14. No lugar da …. existe um prédio rústico, composto de prado natural, com a área de trezentos metros quadrados, a confrontar de norte com N, de nascente com prédio da freguesia de …, sul com I e de Poente com A, inscrito na respectiva matriz rústica sob o art.º 54.º, secção H.

15. No dia 29 de Julho de 2010, no Cartório Notarial de …, os réus outorgaram escritura de justificação, arquivada nesse Cartório no Livro de Escrituras Diversas n.º 72, a fls. 39 a 40v, na qual se afirmaram donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, do prédio descrito no artigo que precede declarando: “Que o referido prédio veio à posse dos justificantes, já no estado de casados, por volta do ano de mil novecentos e oitenta e nove, por compra meramente verbal que fizeram a A, solteiro, maior, residente que foi na …., actualmente já falecido, não tendo nunca porém, sido celebrada a competente escritura de compra e venda. Que, assim, os justificantes possuem o dito prédio há mais de vinte anos em nome próprio, na convicção de serem os únicos donos e plenamente convencidos de que não lesavam quaisquer direitos de outrem, à vista de toda a gente e sem a menor oposição de quem quer que fosse desde o início da posse, a qual sempre exerceram sem interrupção, gozando todas as utilidades proporcionadas pelo dito prédio, com ânimo de quem exerce direito próprio, nomeadamente nele lavrando, plantando árvores, limpando, podando, sulfatando, tratando e colhendo os respectivos frutos, apascentando animais, depositando lenha e outros produtos e objectos agrícolas, procedendo a diversos actos de limpeza e praticando de resto os demais actos de uso, fruição e defesa do mesmo, à vista de toda a gente e portanto de eventuais interessados, tudo como fazem os verdadeiros donos, sendo por isso uma posse de boa fé, pacifica, contínua e pública, pelo que, dadas as enumeradas características de tal posse, adquiriram por usucapião o identificado prédio, figura jurídica que invocam, por não poderem fazer prova do seu direito de propriedade pelos meios extrajudiciais normais, dado o referido modo de aquisição”.

16. Segundo consta da respectiva certidão notarial, foi publicado extracto dessa escritura, no dia 03 de Agosto de2010, no “Jornal …”.

17. Com base nesta escritura, pela AP….., de 2010.09.07, os réus procederam ao registo da aquisição, a seu favor, do identificado prédio, por usucapião, na Conservatória do Registo Predial de …

18. No dia 05 de Março de 1993, veio a falecer A, no estado de solteiro.

19. Por escritura de habilitação de herdeiros outorgada em 24 de Janeiro de 2011, no Cartório Notarial do …. e aí arquivada no Livro das Escrituras Diversas n.º194-A, fls. 44 a 45, foi declarado que A faleceu sem deixar testamento ou qualquer disposição de última vontade, tendo-lhe sucedido como herdeiros:

a) N, irmã germana;

b) E, sobrinha, em representação do irmão germano pré falecido L.

20. No prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo 54.º H, na extremidade norte, a nascente do caminho referido nos art.ºs 28.º a 31.º dos factos provados e na confrontação com o prédio da autora inscrito na matriz sob o art.º 19.º-H, no ano de 2011, os réus construíram um anexo com blocos de tijolo, com cobertura em telha cerâmica, com 3 (três) metros de largura, por 5 (cinco) metros de comprimento.

21. Ainda no ano de 2011, no prédio inscrito na matriz sob o art.º 54.º-H, os réus edificaram um muro, em blocos, com cerca de meio metro de altura, sobre o qual colocaram uma rede com cerca de um metro de altura.

22. O prédio rústico de prado natural com a área de 300m2 sito no lugar de …. como resulta da certidão permanente com o código n.º GP-0332-67049-040824-000718 e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 54-H, hoje anexado no art. 558, encontra-se inscrito em nome dos Réus.

23. O Prédio rústico de prado natural com a área de 300m2 sito no lugar de …. como resulta da certidão permanente com o código n.º GP-0545-14274-040824-000354 e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 55-H, hoje anexado no art. 558, encontra-se inscrito em nome dos Réus.

24. O Prédio rústico de prado natural com a área de 281m2 sito no lugar de …. como resulta da certidão permanente com o código n.º GP-0545-14284-040824-000355 e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 56-H, hoje anexado no art. 558, encontra-se inscrito em nome dos Réus.

25. Na freguesia de …., existe um prédio urbano, sito na Rua do …., com a área total de 220 metros quadrados, inscrito na respectiva matriz urbana sob o art.º …. em nome de E e de C, em partes iguais.

26. Os prédios sob os artigos 55.º e 56.º, da secção H, acham-se, desde 2002, anexados no artigo matricial 558º, com a superfície coberta de 168 m2 e superfície descoberta de 413 m2, e inscritos em nome do Réu.

27. Os Réus, em 20.09.2012, requereram às Finanças à rectificação da área da matriz do artigo 558.º, por forma a que da mesma passasse a constar a área total de 881 m2.

28. A poente do prédio inscrito na matriz sob o art. 19º-H e na extremidade norte deste prédio foi aberto um caminho em terra batida, com cerca de 30 (trinta) metros de comprimento e cerca de 4 (quatro) metros de largura.

29. Esse caminho passou a ligar o prédio inscrito na matriz sob o art. 19º à Rua ….

 30. O caminho referido em 28. e 29. dos factos provados passou a ser a única forma de aceder ao art. 19 –H.

31. Atravessando em seguida a extremidade dos prédios inscritos na matriz rústica sob os arts. 54º-H, 55º-H e 56º-H ao longo de 20m até chegar ao prédio inscrito sob o art. 57º-H.

32. No ano de 2002 os RR. iniciaram a construção de um edifício destinada à habitação ocupando, para o efeito, parte dos prédios inscritos na matriz sob os arts. 56º-H e 55ºH.

33. O prédio que se encontra inscrito na matriz rústica sob o art.º 57.º-H encontra-se há mais de 70 anos a uma quota superior em 4 (quatro) metros em relação à Rua do …

34. A Escola Primária de … ocupou parte do prédio inscrito na matriz rústica sob o art.º 19.-H, a nascente, onde confrontava com a Rua do …

 35. Nessa mesma altura, o acesso ao prédio inscrito na matriz rústica sob o art.º 57.º-H passou a ser efectuado também através da Rua …. pelo caminho então aberto até ao prédio inscrito na matriz rústica sob o art.º 19-H.

36. Caminho esse que, depois, seguia na extremidade poente deste prédio em cerca de 27,50 metros.

37. O prédio referido em A) dos factos assentes apenas foi pavimentado em Maio de 2012 e mantém uma oliveira e duas amendoeiras.

38. A Autora reside no Porto há mais de 40 anos e só em férias ou em alguns fins-de-semana se desloca a …

 39. Os prédios descritos em W) e X) dos factos assentes advieram aos Réus através de partilhas por óbito de A e J.

40. Os Réus há mais de 20 anos que, por si e ante possuidores, vêm usando os prédios referidos em V), W) e X) de forma exclusiva, cultivando-os, construindo edificações e neles residindo, colhendo os respectivos frutos, em suma, exercendo sobre eles posse efectiva.

41. Fazendo-o de boa-fé.

42. De forma pacífica.

43. À vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja.

44. Comportando-se e sendo havidos como proprietários dos mesmos.

45. Precisamente, porque desde há mais de 20 anos que, sendo confinantes entre si, são objecto de utilização económica integrada e interdependente, estando o seu perímetro delimitado e vedado no seu conjunto, sem separação física demarcada dos três anteriores artigos matriciais.

46. Para lhes aceder, desde há mais de 30 anos que vem sendo utilizado a acesso descrito nos AB a AD da base instrutória.

47. Acesso esse que ocupa uma faixa de cerca de 4m ao longo de toda a extremidade poente do prédio da Autora inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 19.º H e descrito na Conservatória do Registo Predial de …

48. Por onde se prolonga por cerca de 27 m de comprimento até à confrontação norte do mesmo.

49. Onde entronca no acesso de terra com cerca 3,60/3,80m que desemboca na Rua …

 50. Único caminho por onde ainda hoje, se pode aceder com tractor ou ligeiro de mercadorias às traseiras dos referidos prédios dos RR. e ao pomar aí existente.

51. Dado que nos prédios dos Réus ocorre o desnível de 4m referido em 21.º da base instrutória.

52. Como vem efectivamente acontecendo com os Réus e ante possuidores que por ali acedem.

53. De forma pacífica.

54. Pública.

55. Sem oposição de ninguém.

 56. Há mais de 30 anos.

57. Com a convicção de que tal direito lhes assiste e, de resto, como é reconhecido por todos.

58. Os Réus adquiriram em 1989 a A o prédio rústico de prado natural, sito em … com a área de 300m2 inscrito na matriz predial respectiva sob o art.º 54-H.

59. Aquisição “verbal” que fizeram pelo preço de Esc.90.000$00 (noventa mil escudos) que lhe pagaram, contra o que lhes foi entregue o prédio em causa.

60. Na sequência disso, desde 1989 que o passaram a usar, em exclusivo e como coisa sua se tratasse, e com a consciência de dele serem donos.

61. Passando desde então, de forma ininterrupta até hoje, a cultiva-lo, nele colhendo os respectivos frutos, guardando lenha e outros produtos agrícolas, limpando-o, vedando-o, nele construindo muros e construções de apoio ao prédio, incluindo um forno.

62. E, desde então, nele vêm construindo, limpando, cultivando.

63. De boa-fé.

64. À vista de todos.

65. Sem oposição de ninguém.

66. Com a convicção de serem verdadeiros proprietários do mesmo.

67. O que vêm fazendo de forma contínua e pacífica.

68. eliminado cfr. ponto VII

69. O prédio referido em A) dos factos assentes tem um muro divisório ao meio.

70. O prédio referido em A) dos Factos assentes, na sua confrontação sul confina com o prédio descrito … e inscrito na matriz predial urbana sob  nº 599ºP (alterado conforme ponto III).

71. Prédio esse que confronta a sul com a mesma Rua …. para onde tem acesso directo.

72. Este último prédio tem ligação directa e acesso ao prédio descrito em A) dos factos assentes, acesso este o mais próximo - porque confinante.

73. A Autora e seus ante possuidores, nos últimos 20 anos acedem de um para o outro.

74. E, entre o prédio 552.º da matriz e o prédio 599.º P, foi deixada entre as duas casas construídas em cada um dos prédios, uma faixa de terreno cerca de 8 metros de largura, e 12 de comprimento, que se estende até ao limite nascente do prédio referido em A) dos factos assentes.

75. Faixa de terreno essa que à data da propositura da acção permitia a passagem de dois automóveis e que actualmente não permite em virtude da construção pela interveniente de um muro que a divide (alterado conforme ponto III).

76. Desde sempre esse caminho serviu e serve de passagem aos prédios artigo 56.º H, 55.º H e 54.º H.

77. São os Réus quem por si e ante possuidores que há mais de 50 anos vêm usando o referido caminho de acesso à extremidade poente dos seus referidos prédios.

78. Esse é o único caminho para acesso de tractor.

79. Que os Réus continuam a usar.

80. À vista de toda a gente.

81. De forma pacífica e sem oposição de ninguém.

82. Com a convicção clara de que tal direito lhes assiste.

83. (eliminado cfr. ponto VIII)

84. (eliminado cfr. ponto VIII)

85. O referido prédio – art.º 57º H – compropriedade da Autora e chamada, serve apenas de logradouro nas traseiras a cada um dos prédios urbanos das mesmas acima descritos.

86. Aos quais está fisicamente ligado em continuidade, para ele deitando portas e janelas dos referidos prédios urbanos, através dos quais, quer a Autora quer a chamada têm acesso directo à Rua … em menos de 20 metros.

87. Dispõem ainda do acesso directo para acesso por automóvel entre as moradias de cada uma delas, onde com um aterro até 1,75 m eliminam o desnível de acesso (alterado cfr. ponto VIII.

88. A Autora e chamada, já dividiram inclusivamente o prédio em causa com um muro, separando duas metades ligadas a cada um dos prédios das mesmas.

89. O dito prédio é um mero logradouro com o solo pavimentado pelo menos em parte, insusceptível de cultivo ou pastagem, não sendo necessário a ele aceder pelo caminho referido de tractor, atenta a utilização que lhe está a ser dada (alterado cfr. ponto VIII).

90. A menção das áreas referidas em Z) dos factos assentes, reportada a 2002, considera apenas a soma dos artigos 55.º H e 56.ºH pelo facto de nessa altura não estar sequer requerida a anexação do artigo 54.ºH uma vez que este ainda não estava inscrito na matriz a favor dos Réus.

91. Os Réus apenas requereram a anexação dos 3 artigos matriciais, em 2010.

Factos provados aditados, em consequência da alteração pelo Tribunal da Relação:

92. A autora, a chamada e antepossuidores há mais de 15, 20, 30, 40 e 50 anos, usufruem, executam obras e colhem todos os frutos e rendimentos, e, pelo menos até 1989,  recolhiam o tractor e demais alfaias agrícolas num cabanal que aí existiu para o efeito, do prédio descrito em A) (57.º H) dos factos assentes, ininterruptamente, sem violência e  sem oposição de quem quer que seja, à vista de todas as pessoas, na convicção de quem exerce um direito próprio e com a consciência e convicção de não lesarem interesses de terceiros. (cfr. ponto II.)

93. Este caminho tem, desde o seu início na Rua … uma largura que não é constante, apresentando desde o prédio inscrito na matriz sob o artigo 19º e até ao prédio inscrito na matriz sob o artº 57º uma largura de cerca de 4 metros.(aditado cfr. ponto IV)

94. O leito do caminho apresenta-se de terra batida devidamente calcada, e apresenta trilhos e sulcos pela passagem de veículos e de pessoas que  vão e vêm do prédio inscrito na matriz sob o art.º 57.º-H.(cfr. ponto IV)

95. A A. por si e ante possuidores vem usando esse caminho há mais de 15, 20, 30, 40 anos, em qualquer época do ano, sempre que fosse necessário, com conhecimento de toda a gente, incluindo os réus, usando-o na convicção de não lesar direitos de outrem e sem violência, usando-o e fruindo-o à vista de toda a gente, sempre que lhe foi conveniente, por ali transitando a pé, inicialmente com animais e tractores e posteriormente com veículos automóveis ou consentido que outros o usassem, sempre com o ânimo de quem exerce um direito próprio, na convicção de serem seus titulares.(aditado cfr. ponto V)

96.Até algum tempo antes da propositura da acção os réus nunca colocaram em causa o uso do caminho pela A. até ao prédio inscrito na matriz sob o artº 57º H, passando a opor-se a partir de então, colocando lenha, cordas com roupa e o tractor nesse caminho (cfr. ponto VI).

 97. Dos prédios urbanos descritos na Conservatória sob os n.ºs …  é possível aceder, apenas a pé, ao prédio identificado em A) dos factos assentes.(aditado cfr. ponto III)

98. A faixa de terreno entre o prédio correspondente ao artigo 552.º e o prédio correspondente ao artigo 559º-Pº tem de largura cerca de oito metros na confrontação com a Rua …  (aditado e alterado cfr. ponto III).

99. E apenas quatro metros na confrontação com o prédio descrito em A) dos factos assentes (aditado cfr. ponto III).

100. O prédio que se encontra inscrito na matriz rústica sob o art.º 57.º-H não tem qualquer acesso directo à via pública.(aditado cfr. ponto III).

Vejamos.

Servidão, como decorre do disposto no artigo 1543º do CCivil, é o encargo, que recai sobre um prédio e aproveita exclusivamente a outro prédio, devendo os prédios pertencer a donos diferentes, podendo ser objecto do mesmo, quaisquer utilidades, ainda que futuras ou eventuais, susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante, mesmo que não aumentem o seu valor, cfr artigo 1544º do mesmo compêndio normativo.

O Acórdão da Relação, aqui questionado em sede de Revista, declarou que em benefício do prédio da Autora e da Chamada, inscrito na matriz rústica sob o artº 57º H e onerando os prédios também inscritos na matriz rústica sob os artigos 54º H, 55ºH e 56º H (propriedade dos Réus), encontra-se constituída, por usucapião, um caminho de servidão, para passagem a pé, com veículos de tracção animal, tractores e automóveis, ao longo de toda a extremidade poente destes prédios, servidão essa que julgou extinta por desnecessidade.

A desnecessidade é uma causa autónoma de extinção de direitos reais, limitada às servidões constituídas por usucapião e às servidões legais, qualquer que tenha sido o título da sua constituição.

In casu, o Aresto impugnado fundou o seu raciocínio nas seguintes razões, para declarar constituída a servidão a favor do prédio da Autora:

«[P]ara que seja constituída uma servidão voluntária  não é necessário que o prédio dominante esteja encravado. Isso é requisito das servidões legais. E nas servidões legais a servidão apenas poderá onerar prédios rústicos (artº 1550º nº 1). Bastará que se provem os requisitos necessários à usucapião, ou seja o exercício do direito por um determinado lapso de tempo com determinadas características.

E a circunstância das características de  localização de um determinado prédio,  conferir o direito potestativo à constituição de uma servidão, não significa que por usucapião não se possa constituir uma servidão com o mesmo objecto, basta que se verifiquem os respectivos pressupostos, não se podendo então falar em servidão legal, cfr. se defende no Ac. do TRP de 07.06.99, CJ, Tomo III, p. 205. Para que melhor se entenda, recorremos ao exemplo dado no Ac. que acabámos de citar e que passamos a reproduzir “Figuremos um exemplo: A. dono de um prédio encravado, em vez de pedir judicialmente a constituição de uma servidão de passagem sobre o prédio por onde causa menor prejuízo aceder à via pública (artº 1550º e 1553º) decide antes começar a passar por ele, sem que, de resto, o respectivo proprietário manifeste qualquer oposição.

Desse modo, e desde que verificados os demais requisitos da usucapião, virá a constituir-se uma servidão de passagem em tudo idêntica à que seria obtida através de decisão judicial.”

Face à alteração da matéria de facto, introduzida pela Relação, mostram-se reunidos os requisitos para que seja declarada a constituição de uma servidão.

A servidão não é aparente – face ao que se apurou em 94 – pois que o leito do caminho se apresenta de terra batida devidamente calcada e apresenta trilhos e sulcos pela passagem de veículos e de pessoas que vão e vêm do prédio inscrito na matriz sob o artº 57º H.

E mostra-se provado o uso por um lapso de tempo superior a 20 anos nas condições descritas nos factos provados 95.

Não está em discussão se o prédio 57º H está encravado, em termos que permita a constituição de uma servidão legal, pois não foi tal que foi pedido ao Tribunal.».

Contudo, apesar de assim ter decidido, concomitantemente, ao apreciar a ampliação do objecto do recurso suscitada pelos Réus, aqui Recorridos, veio a concluir do seguinte modo:

«[N]as contra-alegações os apelados vieram requerer, sob a figura da ampliação do objecto do recurso que o Tribunal conheça dos fundamentos de defesa que invocaram  na contestação – extinção da servidão por não uso e por desnecessidade e que o Tribunal não chegou a conhecer.

A Mma Juíza não chegou a conhecer deste fundamento da defesa porque entendeu que os AA. não tinham logrado provar os factos necessários à procedência do seu pedido de reconhecimento da constituição de uma servidão.

Neste caso não se trata de decaimento de um dos fundamentos da defesa. O que se verifica é que este pedido não chegou a ser conhecido por ter ficado prejudicado pela decisão proferida relativamente à constituição da servidão. E se bem que não constitua fundamento de ampliação, o tribunal deve conhecer das questões suscitadas pela apelada, por força do disposto no artº 665º do CPC, por dispor dos elementos necessários, pelo que se passará conhecer da questões suscitadas pelos apelados, por força do disposto no artº 665º, nº 2  do CPC e não do artº 636º, nº 1 do CPC.

São vários os tipos de factos que podem causar a extinção das servidões, referidos no nº 1 do artº 1569º do CC. Os tipos extintivos anunciados são aplicados a todas as servidões, independentemente do modo como foram constituídas.

Para que uma servidão se extinga pelo não uso é necessário que esse não uso se prolongue, sendo o prazo necessário para o efeito extintivo o de 20 anos (artº 1569º, nº 1, alínea e) e 298º, nº 3 do CC).

Ora, face à alteração à matéria de facto, não lograram os RR. provar a extinção da servidão por não uso.

Vejamos então se há que declarar extinta a servidão por desnecessidade:

Conforme referem os apelantes é sobre a parte que requer a extinção da servidão por desnecessidade que recai o ónus de provar os factos de onde se possa concluir por essa desnecessidade.

Uma servidão constituída por usucapião, como é o caso da dos autos, pode ser declarada extinta, a pedido do proprietário do prédio serviente, se se mostrar desnecessário ao prédio dominante (nº 2 do art. 1569º do CC). Apenas as servidões constituídas por usucapião e as servidões legais podem ser extintas por desnecessidade. Esta deve ser apreciada em termos objectivos, ou seja, abstraindo da situação pessoal do proprietário do prédio dominante.

No Acórdão do STJ de 21.02.2006 que acolhe a jurisprudência largamente dominante, entendeu-se que: “só quando a servidão deixou de ter para aquele (proprietário do prédio dominante) qualquer utilidade deve ser declarada extinta (acórdãos de 27 de Maio de 1999, revista nº 394/99, e de 7 de Novembro de 2002, revista nº 2838/02). Como no primeiro destes acórdãos se observa não interessa, assim, saber se, mediante determinadas obras, o proprietário do prédio encravado podia assegurar o acesso imposto pela normal utilização do prédio. O que se torna necessário é garantir uma acessibilidade em termos de comodidade e regularidade ao prédio dominante, sem onerar desnecessariamente o prédio serviente.

O Prof. Oliveira Ascensão defende que “a desnecessidade, que em matéria de servidão se considera, supõe uma mudança na situação, não do prédio onerado ou serviente, mas do prédio dominante. Por virtude de certas alterações neste sobrevindas, aquela utilização, sempre possível, do prédio serviente, perdeu utilidade para o prédio dominante .

Para que uma servidão possa ser extinta por desnecessidade, tem de verificar-se um facto superveniente, concreto, objectivo e actual do qual resulte que a servidão deixou de ter justificação por o prédio dominante se ter tornado autónomo em termos de acessibilidade. É então necessário garantir ao dono do prédio serviente o total exercício do direito de propriedade, na plenitude da sua função sócio-económica, arredando todas as limitações comprovadamente inúteis.

Nas palavras do Prof. Pires de Lima (Anteprojecto , Servidões Prediais, BMJ 64º- 34), “foram os factos que a impuseram, e são agora os factos que justificam a sua extinção”. Se os factos que estiveram na sua origem desapareceram, então a extinção justifica-se.

A situação de desnecessidade tem que ser aferida à data da interposição da acção. 

Nos autos apurou-se que a A. por si e ante possuidores vem usando o caminho há mais de 15, 20, 30, 40 anos, em qualquer época do ano, sempre que seja necessário, por ali transitando inicialmente a pé, com animais tractores e posteriormente com veículos automóveis ou consentindo que outros o  usassem (ponto 95).

Tratando-se de uma servidão constituída por usucapião a situação de encrave do prédio não assume a relevância que assume nas servidões legais, sendo apenas um dos elementos a considerar cfr. se defende no Ac. do STJ de 26.02.2015, proferido no proc. 22/12.

Apurou-se que a A. tem acesso da casa inscrita no artº 552º, do qual é proprietária, à via pública, mas desconhece-se se esta alteração é superveniente.

Mas a alteração superveniente relevante não passa apenas pela ligação dos prédios à via pública.

Não se pode olvidar que quando a servidão de passagem foi constituída que o prédio dominante tinha uma utilização diferente daquela que tem actualmente. Apurou-se que até 1989 no prédio dominante existia um cabanal onde os antecessores da A. recolhiam o tractor e demais alfaias agrícolas, destinando esse prédio a tal afectação.

Actualmente, o prédio está afecto a outra finalidade, servindo apenas de logradouro nas traseiras a cada um dos prédios, aos quais está fisicamente ligado em continuidade, não sendo necessário a ele aceder de tractor mediante a utilização que lhe é dada. Este prédio constitui actualmente uma zona de lazer, conforme fotografias de fls 180, onde são visíveis cadeiras, mesa e chapéu de sol e onde a A. mantém plantada uma oliveira e duas amendoeiras.

Ora a afectação do prédio inscrito no artº 57º H é hoje substancialmente diferente da existente na altura em que foi constituída a servidão, cerca de 1982 (20 anos passados desde que foi construída a escola e se passou a aceder pela Rua Bairro do Castelo) não se justificando a manutenção de uma servidão a pé. Atento o destino actual do prédio, não se justifica continuar a limitar o direito de propriedade dos RR. e a sua intimidade, quando o acesso pela frente do prédio a pé serve actualmente o fim a que se destina o prédio 57º H. Não pode deixar de se  ter em conta que o prédio 57º H está fisicamente ligado em continuidade aos demais dois prédios, para eles deitando portas e janelas.

E face aos factos apurados, a passagem por tractor também não se mostra necessária, porque não necessária ao seu aproveitamento de lazer.

E por automóveis?

Provou-se que o acesso de carro não é possível actualmente através dos prédios urbanos contíguos ao 57º H. Embora seja possível a construção de uma rampa, mediante o desaterro com um 1,75, essa construção, cujo custo se desconhece,  não confere a mesma utilidade face à inclinação que teria que ter e que no relatório pericial se estabelece em 24%. Não se pode assim concluir pela existência de alternativas de comodidade semelhante, não sendo exigível um juízo de indispensabilidade da servidão para permitir a sua manutenção (cfr. se decidiu no Ac. do STJ de  05.05.2015 , proferido no proc. 273/07).

Mas as servidões são constituídas em benefício do prédio dominante e não de outro prédio que com ele confine do mesmo proprietário.

E tendo em conta a alteração do fim a que se destina o prédio, tem que se concluir pela desnecessidade de aceder ao mesmo por veículo automóvel. Não se discute que essa servidão pudesse ter alguma utilidade para a A., que reside num dos prédios confinantes com o logradouro e que é co-proprietária do outro prédio com que ele confina, mas a utilidade tem que resultar evidente para o prédio. A função que este tinha de guarda e auxílio às lides agrícolas, deixou de ter. Ocorreram circunstâncias supervenientes que justificam a extinção da servidão.

Não é crível que a A. venha a vender o prédio inscrito na matriz sobre o artº 57ºH, pela devassa que representaria para a sua intimidade. Mas ainda que o venha a fazer, não estão os novos proprietários impedidos de requerer a constituição de uma servidão legal de passagem. 

Deve assim ser declarada extinta a servidão.».

Insurge-se a Recorrente contra o Aresto impugnado uma vez que o mesmo concluiu pela existência de uma alteração «substancial» de afetação do prédio art.º 57.º-H porque este prédio «que antes tinha a função de guarda e de auxílio às lides agrícolas», agora é utilizado como logradouro de dois prédios urbanos confinantes, não tendo havido, contudo, qualquer alteração de afetação, muito menos substancial, porque o prédio art.º 57.º-H nunca foi um prédio cultivado ou de pastagem, servindo apenas para apoio à atividade agrícola, designadamente, recolha de trator e demais alfaias agrícolas, sendo certo que o Tribunal da Relação não dá como não provado que, após 1989, este prédio tenha deixado de abrigar utensílios e máquinas agrícolas - cfr. ponto 92 da matéria de facto e, por outro lado, o facto de este prédio ser considerado e utilizado como logradouro não impede que no mesmo não se possam recolher e abrigar alfaiais agrícolas. De outra banda o facto de o prédio dominante [art.º 57.º-H] estar também a ser utilizado como logradouro dos prédios urbanos adjacentes, resulta da vontade pessoal e transitória da autora e da chamada e não de alterações objetivas no prédio. Sublinhe-se que apenas parte do logradouro está pavimentado e que tal só aconteceu em Maio de 2012 [facto provado 32], precisamente o mês em que foi proposta a presente ação, sendo que a qualquer momento, a situação existente poderá ser alterada, quer por vontade da autora e da chamada, quer por força da separação da titularidade da propriedade dos prédios em questão, o que conduz à conclusão de que a desnecessidade foi apreciada em termos subjetivos (tendo em atenção as pessoas da autora e da chamada) e não objetivos (tendo em atenção o próprio prédio).

Quid inde?

O artigo 1569º, nºs 2 e 3 do CCivil prevê a extinção da servidão por desnecessidade, o que significa que se a servidão deve constituir um proveito para o prédio, não se poderá constituir uma servidão desnecessária, cfr Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, 484/488; Oliveira Ascensão, Direitos Reais, 4ª edição, 440, «[a)] se há desnecessidade originária, nunca há que falar em desnecessidade como causa de extinção de direitos reais, pois que nenhuma servidão se poderá constituir contra tipificação legal; b) se há desnecessidade superveniente, temos uma causa específica de extinção de direitos reais, mas que só actua nos casos especialmente previstos por lei.»; Desnecessidade e Extinção de Direitos Reais, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XVIII, 1964, 244 «[A] servidão assenta numa relação predial estabelecida de maneira que a valia do prédio aumenta graças a uma utilização, lato sensu, de prédio alheio. Quando essa utilização de nada aproveite ao prédio dominante, surge-nos a figura da desnecessidade».

Da materialidade apurada resulta à evidência que o prédio dominante, o inscrito na matriz sob o artigo 57º H, propriedade da Autora, a favor do qual foi constituída a servidão de passagem por usucapião, cfr pontos de facto 1, 8, 9, 28 a 31, 33, 35, 92 a 97 e 100, não tem acesso directo à via pública, encontrando-se encravado.

Daqui resulta, tendo em atenção as finalidades da servidão, consistentes nas vantagens objectivas que concedem ao prédio dominante, a dificuldade que advém da argumentação do Acórdão recorrido ao desvalorizar as mesmas, em benefício de uma pretensa desnecessidade superveniente.

Se o prédio da Autora não tem qualquer acesso possível à via pública, o que significa que a mesma sempre poderia obter a seu favor uma servidão legal de passagem nos termos do normativo inserto no artigo 1550º do CCivil, o que aqui se não cura, porque não foi esta a pretensão trazida a juízo, quer isso dizer que essa precisa circunstância, a se, faz precludir qualquer pretensão apresentada pelos Réus com vista à extinção da apontada limitação real, por a mesma não se mostrar necessária, sendo insuficiente que a Autora possa ter acesso àquele seu prédio, através de um outro prédio inscrito em compropriedade e partes iguais a favor da Autora e da Chamada, no artº 552º, ponto 2. da matéria de facto, porque se trata de uma situação que poderá ser alterada em qualquer altura, basta pensar numa mudança na titularidade do mesmo.

De outra banda, a asserção de que a desnecessidade advirá do facto de tal prédio servir agora de mero logradouro com o solo pavimentado pelo menos em parte, porque aí mantêm ponto 37., insusceptível de cultivo ou pastagem, não havendo a ele aceder pelo caminho referido de tractor, atenta a utilização que lhe está a ser dada, facto 89., afigura-se precipitada, pois, essa situação tem sempre um carácter reversível, já que, como deflui do ponto 97. a Autora e a Chamada,  bem como os  antepossuidores há mais de 15, 20, 30, 40 e 50 anos, usufruem, executam obras e colhem todos os frutos e rendimentos, e, pelo menos até 1989,  recolhiam o tractor e demais alfaias agrícolas num cabanal que aí existiu para o efeito, o que não significa que essa utilização não possa vir a ressurgir.

Encontra-se assim demonstrado nos autos que a servidão de passagem não deixou de ter utilidade, mantendo a mesma, já que não houve qualquer alteração objectiva da situação do prédio dominante, que justifique a pretendida extinção: o prédio continua numa situação de encrave que lhe não permite o acesso á via pública, sendo esta a única alteração possível que justificaria a declaração de extinção que ora se questiona, cfr neste sentido os Ac STJ de 7 de Novembro de 2002 (Relator Ferreira Girão), 21 de Fevereiro de 2006 (Relator Moitinho de Almeida), 1 de Março de 2007 (Relator Sebastião Póvoas), 25 de Outubro de 2011 (Relator Moreira Alves), 21 de março de 2013 (Relator Hélder Roque), de 16 de janeiro de 2014 (Relatora Maria dos Prazeres Beleza), 26 de Maio de 2015 (Relator Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt.

Este conceito da desnecessidade da servidão não se extrai de meros subjectivismos atinentes ao proprietário do prédio dominante, devendo ser valorado com base na ponderação da superveniência de factos, que, por si e objectivamente, tenham determinado uma mudança juridicamente relevante nesse mesmo prédio por forma a concluir-se que a servidão deixou de ter, para ele, qualquer utilidade, o que na espécie não ficou demonstrado, cfr Oliveira Ascensão, in Desnecessidade E Extinção De Direitos Reais, 246 e 255.

Procedem, assim as conclusões de Recurso.

III Destarte, concede-se a Revista, revogando-se a decisão ínsita no Acórdão sob recurso na parte em julgou procedente o pedido reconvencional, no que tange à declaração de extinção da servidão, mantendo-se a mesma no mais.

Custas pelos Réus.

Lisboa, 12 de Setembro de 2017

Ana Paula Boularot - Relatora

Pinto de Almeida

Júlio Gomes