Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
398/1999.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: ACTO MÉDICO
RESPONSABILIDADE MÉDICA
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
LEGES ARTIS
CULPA
ÓNUS DA PROVA
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/01/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA DOS RÉUS E NEGADA A REVISTA DA AUTORA
Sumário :
1. Tendo a autora reduzido o seu pedido de indemnização por danos não patrimoniais aos decorrentes da ansiedade e grande pavor que sofreu pelo erro médico verificado, após ter sido informada que poderia ficar paralisada, não pode a Relação, motu proprio, atribuir-lhe quantia indemnizatória pelas dores que apurou terem resultado daquele dito erro.
2. A violação do contrato de prestação de serviços médicos acarreta responsabilidade civil (contratual) desde que o devedor da prestação (in casu, o médico) tenha agido voluntariamente, com culpa, tenha havido dano e exista nexo de causalidade entre o facto culposo e este. Incumbindo ao devedor provar, depois de apurada a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso, que estes não provêm de culpa sua.
3. A prova do nexo causal, como um dos pressupostos da obrigação de indemnizar e medida da mesma, cabe ao credor da obrigação, independentemente da sua fonte.
4. Pelo que o doente tem de provar que um certo diagnóstico, tratamento ou intervenção foi omitido e conduziu ao dano, sendo certo que se outro acto médico tivesse sido (ou não tivesse sido) praticado, teria levado á cura, atenuado a doença, evitado o seu agravamento ou mesmo a morte, consoante o caso.
5. Sendo necessário estabelecer uma ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquela.
6. O juízo de causalidade, considerado que seja numa perspectiva meramente naturalística, insere-se no domínio da matéria de facto, sendo, assim, insindicável por este STJ.
7. Estando, contudo, dentro dos poderes de cognição deste mesmo Tribunal apreciar se a condição de facto que não ficou determinada, constitui, afinal, causa adequada do evento lesivo, inserindo aquele juízo naturalístico nos princípios vertidos no art. 563.º do CC.
Decisão Texto Integral:


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra C... – CLÍNICA DA OURA, LDA e BB, pedindo a condenação solidária destes a pagar-lhe a quantia de 4.087.790$00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

Alegando, para tanto, e em suma.
Após uma queda, no dia 1/3/97, foi assistida pelo 2.º réu, na clínica da 1ª ré, em 3/3/97, onde permaneceu até ao dia 5 seguinte, queixando-se de fortes dores, com incapacidade para a marcha e diminuição da força muscular em ambos os membros inferiores, tendo-lhe sido realizados exames de rotina e RX lombar.
A A. continuou, no entanto, a sofrer de dores que a impediram de viajar, de imediato para a Alemanha, onde, uma vez aí chegada, consultou um ortopedista que constatou encontrarem-se quebrados os corpos das vértebras lombares nºs 1 e 5, o que lhe determinou imobilização total durante três semanas e uso de colete de protecção, com realização de ginástica correctiva e fisioterapia, tendo corrido grave risco de paralisia, com perturbação das funções vegetativas.
Aquando do seu internamento, revelavam-se indispensáveis cuidadosos exames radiológicos de pormenor e análises, cuja omissão configura um crasso erro médico.
Era pessoa saudável anteriormente ao acidente, sendo que, actualmente, as 1ª e 5ª vértebras ficaram reduzidas.
Continua a sofrer dores, ficou com uma IPP de 20% e ficou a padecer de terrores, angústia e pânico, com a perspectiva de se ver paralisada.
Despendeu € 437,96 (equivalente a 87.790$00) com o prolongamento da estadia em Portugal e em consultas médicas na Alemanha.

Citados os réus, vieram contestar, alegando, também em síntese:
Do internamento na clínica da ré não resultou para a A. qualquer situação que lhe possa ter determinado medo ou angústia.
Não houve, por banda do 2º réu, qualquer erro médico ou omissão de diagnóstico, tendo-lhe sido efectuados os exames e observações adequados no momento, tendo ficado combinado, com o médico do ADAC , e face à melhoria do estado da doente, que os exames de pormenor seriam realizados na Alemanha.

Foi proferido o despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls 834 a 836 consta.

Foi proferida a sentença, na qual, na improcedência da acção, foram os réus absolvidos do pedido.

Inconformada, veio a autora interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, onde, por acórdão de 15/12/2009, e na sua parcial procedência, foram os réus condenados a pagar à autora, a título de indemnização, por danos não patrimoniais, a quantia de € 5 000, acrescida de juros, contados a partir da data de tal decisão.

Irresignados, vieram, A. e RR pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça.

Formulando a A., na sua alegação as seguintes conclusões:
1ª - A razão de interposição do presente recurso decorre de a A. não concordar com o douto Acórdão proferido na Relação de Évora por considerar a A. que se provou o nexo de causalidade entre a omissão do diagnóstico e a produção dos danos e que não é adequada a indemnização atribuída a titulo de danos morais face aos danos padecidos por aquela.
2ª - O direito aos cuidados de saúde está consagrado na Constituição da República Portuguesa.
3ª - Entre a A. e a 1ª R. foi celebrado um contrato de prestação de serviços médicos, nos termos do qual aquela solicitou á R. o diagnostico do seu mal estar físico, estando implícito como é de conhecimento das ciências médicas, o tratamento da doença ou, pelo menos, o seu inicio e posterior encaminhamento para estabelecimento adequado, mediante o pagamento de um preço.
4ª - No caso dos autos existe um défice de zelo, de prudência e de cuidado que é susceptível de merecer um juízo de reprovação ou censura. O estabelecimento de saúde e o médico podiam e deviam ter procedido de modo diferente, para tanto bastava terem realizado específicos exames médicos, incluindo exames radiológicos, que a serem feitos teriam detectado as lesões que a A. apresentava nas vértebras e teriam evitado o aperto nos canais vertebrais, a tardia imobilização desta, as dores que esta até hoje sente e a incapacidade que se encontra fixada em 20 %
5ª - A actuação dos R.R. ao não terem realizado os exames adequados e indispensáveis para diagnosticar as lesões pela A. A. apresentada, consubstancia uma omissão ilícita e culposa
6ª - 0 tratamento prestado pela 1ª Ré e pelo 2.º Réu foi deficiente e insuficiente, tendo omitido certos tratamentos necessários ou os meios pelos Réus utilizados foram deficientes, e em consequência disso, o dano produziu-se, tal resultado não se verificaria se outro fosse o acto médico praticado
7ª - As lesões que a Autora sofreu foram consequência do acidente de que foi vitima e devido ao qual foi observada pelos R.R. sendo evidente que o deficiente diagnostico feito por aqueles foi o único responsável pelo agravamento de saúde da A.
8ª - Assim sendo, existe uma relação de causalidade adequada entre a omissão de diagnóstico e a produção dos referidos danos assim como as dores sofridas pela A.
9ª - No exercício de uma qualquer actividade perigosa (como sucede com a actividade médico em geral) cumpre a quem a exerce mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de evitar danos a outrem – art. 493.º, nº2, e 799.º, nº 1, do C. Civ. - quando assim não aconteça fica o incumpridor obrigado a reparar os danos causados ao terceiro, nos termos dos arts 493.º, nº 2, 798° e 800º, nº 1, todos do C. Civ
10ª- Tendo se provado que não foram realizados os exames médicos necessários tanto assim é que a A. continuou a sofrer de dores, o que a impediram de viajar de imediato para a Alemanha, onde consultou um ortopedista que constatou encontrarem-se quebrados os corpos das vértebras lombares nºs 1 e 5, pelas lesões ocorridas quando a A. caiu no quarto do hotel, pelo que os danos e prejuízos sofridos pela A. , foram em consequência da intervenção médica, que se deveu a conduta faltosa por parte dos R.R. , devendo estes ser responsabilizados pela reparação.
11ª- Os R.R. têm que ser responsabilizados civilmente pelos prejuízos causados à A. por se ter feito prova que existe um nexo causal entre o deficiente diagnóstico e a produção dos danos e das dores que até hoje a A. continua a sofrer de dores, o que a impediram de viajar de imediato para a Alemanha, onde consultou um ortopedista que constatou encontrarem-se quebrados os corpos das vértebras lombares n.ºs 1 e 5, lesões ocorridas quando a A. caiu no quarto do hotel, tal fracturas não foram detectadas por os R. R. por não terem sido realizados os exames médicos necessários
12ª- A fixação do quantum indemnizatório deve "ter um alcance significativo e não meramente simbólico.
13ª- Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
14ª- 0 montante da indemnização deve ser fixado atendendo aos danos patrimoniais sofridos pela A. e que se traduzem na angústia, terrores, pânico de ficar paralítica e nas dores que sofreu e ainda hoje sofre.
15ª- A indemnização por danos não patrimoniais visa compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico, para assim se intentar compensar a lesão sofrida, proporcionando ao ofendido os meios económicos capazes de fazer esquecer, ou pelos menos mitigar, o abalo moral suportado.
16ª- Ponderando na gravidade elevada dos danos sofridos pelo lesado, na ausência de culpa no evento da Autora, na situação económica das R.R. revela-se adequada as quantias pela A. peticionada e respectivos juros os quais deverão ser contados desde a citação.
17ª-Pelo que a matéria dada como provada é mais que suficiente para se concluir que a aqui Apelante tem direito a ser indemnizada pelos danos morais e patrimoniais sofridos, no montante de 4 087 790 $00, acrescida de juros à taxa legal até integral, e efectivo pagamento, em resultado do grave erro médico, praticado pela 2.º R., na clínica da lª R., consubstanciado na alegada omissão dos cuidados, exames médicos que se revelavam necessários
18ª- Tendo nos termos do disposto nos artigos 493.º, n.º 2 e segs, e 562.º do C. Civil o direito de ser indemnizada nos quantitativos peticionados, nessa conformidade deverá a acção ser julgada procedente, por o Douto Acórdão ter violado o correcto entendimento dos artigos 493.º, n.º 2 e segs, 562.º, 798.º e 800.º, n.º 1, todos do Código Civil

Tendo os RR, por seu turno, também na sua alegação, formulado a seguinte conclusão:
É nulo o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, de acordo com as disposições conjugadas dos arts 660.°, n.º 2, 713.°, n.º 2, 668.°, n.º 1, aI. d) e 716.°, n.º 1 do C.P.C., porquanto o mesmo condenou os Réus no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, alegadamente traduzidos em padecimento de dores, quando a esse respeito nenhum pedido foi formulado pela Autora.

Contra-alegou a recorrente autora, pugnando para não ser declarado nulo o acórdão recorrido.

Contra-alegaram, também os réus, sustentando que deve ser negado provimento ao recurso da autora.

Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.
*

Vem dado como PROVADO:

A 1ª ré é uma sociedade comercial por quotas, que tem por objecto a prestação de serviços médicos e cirúrgicos e de enfermagem (A).

A A. foi assistida no hotel onde se encontrava, em 1-3-97, após uma queda no quarto, tendo dado entrada na Clínica R. em 3-3-­97, onde permaneceu até 5-3-97 (B).

A A. queixava-se de fortes dores, com incapacidade para a marcha e diminuição da força muscular em ambos os membros inferiores (1.º).

Foram-lhe realizados exames de rotina e RX lombar (2.°).

A A. teve alta em 5-3-97 (3.°).

Continuou, contudo, a sofrer de fortes dores que a impediram de viajar de regresso à Alemanha na data prevista, tendo-se visto obrigada a prolongar a sua estadia em Portugal até 19-3-97 (4.°).

Chegada à Alemanha, consultou um ortopedista que constatou encontrarem-se quebrados os corpos das vértebras lombares nºs 1 e 5 (5.°).

Estas fracturas ocasionaram um aperto nos canais vertebrais, de 4 a 5 mm na 1ª vértebra e um pouco inferior na 5ª vértebra (6.°).

E não foram diagnosticadas na Clínica ora R. pelo médico que assistiu a A. (7.°).

Por força de tais lesões, a A. teve de ficar imobilizada durante alguns dias, contados desde a data do acidente e até não mais que a data referida em 4.°, tendo usado colete de protecção e sujeitado a sessões de fisioterapia (8.°).

Aquando do seu internamento na C..., a A. foi assistida pelo ora 2.° R. (10.°).

Em Março de 1998, as fracturas encontravam-se consolidadas, tendo, contudo, as vértebras 1ª e 5ª ficado reduzidas (11.°).

Continua a A. a ter dores nas costas, apenas conseguindo sentar-se e, caso esteja deitada, com suporte lateral e muito esforço, verificando-se restrições na coluna cervical, causadas pelo acidente (12.°).

A incapacidade provocada pelo acidente é de 20% (13.°).

E é permanente (14.°).

A A. era uma pessoa saudável, não existindo qualquer invalidez anterior ao acidente ou qualquer contribuição da A. para os danos sofridos e encontrava-se em perfeito estado de espírito, não padecendo de terrores, angústias ou sindromas de qualquer espécie (15.°).

A A., com o prolongamento da estadia em Portugal e as consultas médicas na Alemanha, despendeu o equivalente a 87.790$00 (437,89 €) (16.°).

A A. é portadora de osteoporose generalizada (21.°).

A A. foi assistida no quarto do hotel por lombalgia com incapacidade para a marcha (22.°).

Estava muito queixosa e apresentava tosse (23.°),

No exame neurológico a A. apresentava diminuição de força muscular em ambos os membros inferiores, sem alteração de sensibilidade (24.°).

Foram feitas análises de rotina e RX ao tórax (25.°).

Durante o período de observação da A., esta apresentou melhoras da sintomatologia e, por isso, não foram avançados mais estudos (26.°).

Em conversa com o médico da ADAC, ficou combinado que a A. faria o restante estudo na Alemanha (27.°).

O 2° R. foi, em Março de 1997, o médico assistente da A. e o dirigente responsável pela Clínica (28.°).
*

As conclusões da alegação dos recorrentes, como é bem sabido, delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.

Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pelos recorrentes nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.
*

I – Revista dos réus

Comecemos, até por imperativo de ordem lógica, pela revista dos réus, já que nela é colocada, como única questão, a da nulidade do acórdão recorrido, por excesso de pronúncia dos senhores Desembargadores – art. 668.º, nº 2 al. d) do CPC Sendo deste diploma legal todas as disposições a seguir citadas, no julgamento desta revista, sem referência expressa..
Pois, dizem, condenou-se no mesmo os réus a pagarem á autora indemnização por danos não patrimoniais, quando, a tal respeito, nenhum pedido é por ela formulado.

Vejamos:

A sentença O acórdão é apenas a designação da decisão do tribunal colegial – art. 156º, nº 3.é nula quando, e alem do mais que ora não importa, o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – citado art. 668.º, nº 1, al. d).

Respeitando tal nulidade Constituindo a mesma, mais rigorosamente, uma situação de anulabilidade – Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 2º, p. 669. aos limites da decisão.

Não podendo o Juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de excepções na exclusiva disponibilidade das partes – art. 660.º, nº 2.

Servindo a nulidade em apreço de cominação ao desrespeito deste comando.

Ora, dizem os recorrentes que o acórdão recorrido conheceu dos danos não patrimoniais que terão sido sofridos pela autora, devidos às dores de que a mesma padeceu, quando esta nenhum pedido a propósito formulou.

E, a verdade é que a autora, na sua p. i., pede a condenação solidária dos réus no pagamento da quantia de 4.087.790$00, respeitando 87.790$00 a despesas pela mesma suportadas em consequência da omissão dos exames radiológicos de pormenor e 4.000.000$00, pelo pânico em que viveu e continua a viver, originado no receio de se ver paralisada, também devido à mesma conduta dos réus.

Alegando, a propósito, e expressamente, no art. 25.º da mesma peça processual:
“A título de danos morais devidos pela enorme ansiedade e grande pavor que sofreu nos meses subsequentes à verificação do erro médico e que continua a sofrer mesmo após lhe ter sido informado ter deixado de correr o risco de estrangulamento da medula, pretende a autora ver-se ressarcida pelo valor de 4.000.000$00”.

E, embora alegue ter sofrido e, ainda continuar a sofrer, dores, não se entende bem, face ao carácter impreciso e pouco cuidado do seu articulado, se as mesmas se ficaram a dever à queda – que a ninguém é imputada, desconhecendo-se as circunstâncias, a não ser de tempo e lugar em que ocorreu – ou à omissão médica. Nada pedindo, contudo, a tal respeito.

Com efeito, a sentença está também sujeita aos limites da condenação traçados pelo citado art. 661.º, nº 1.
Devendo, pois, a condenação proferida, e por respeito ao princípio dispositivo, se conter – em substância e quantidade – dentro do pedido formulado.

Na verdade, o litígio pressupõe um conflito de interesses delimitados pela pretensão que o autor deduz com base na causa de pedir (facto jurídico) de que aquela decorre – arts 3.º, nº 1, 193.º, nº 2, als a) e b), 264.º, nº 1, 467.º, nº 1, als c) e d).
E o meio de tutela jurisdicional concretizado no pedido corresponde a um projecto de composição do litígio, que o Tribunal acolherá ou repudiará, não lhe cabendo investigar, para alem dele, outras possíveis formas de composição da lide (art. 661., nº 1).
Sendo, assim, irrelevante que os factos que integram a causa de pedir, ainda que provados, possam constituir fundamento de uma providência diferente da solicitada.
Com efeito, nem a liberdade do Tribunal quanto á qualificação jurídica dos factos legitimará a adopção de diferente providência da pedida.
E, assim, desde que determinada medida de tutela jurídica não tenha sido oportunamente pedida, o princípio dispositivo obsta a que o Tribunal dela conheça e a decrete, sob pena de nulidade (art. 668.º, nº 1, al. d)).
Havendo excesso de pronúncia, alem do mais, sempre que o julgado não coincida com o pedido. Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, p. 70, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 374, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, , p. 153 e 189 e A. Reis, CPC Anotado, vol. V, p. 49 e ss, bem como ac. do STJ de 8/1/2009 (O. Rocha), revista nº 3797/08, crendo-se que não publicado.

Ora, o pedido formulado, in casu, esgota-se nos danos patrimoniais e nos danos não patrimoniais, estes apenas causados pelo pânico sofrido pelo erro médico alegado. E não nas dores que também, pelo menos com a queda e com as fracturas por esta provocadas, padeceu e padece.

O acórdão não podia, assim, conhecer de tais danos não patrimoniais, tendo excedido a sua pronúncia e condenado em objecto diverso do pedido.

Pelo que, nessa parte, é nulo.
*

II –Revista da autora:
Assim se podendo resumir a única questão suscitadas nas suas conclusões: a da verificação do nexo de causalidade entre a omissão do diagnóstico médico e os danos (entre os quais, e apenas agora, já de forma notoriamente tardia, se englobam também os provocados pelas dores sofridas).

Ora bem:

Considerou-se até agora nos autos que as partes – autora e réus – celebraram um contrato de prestação de serviços médicos (art. 1154.º do CC Sendo, agora, no julgamento desta revista, de tal diploma legal os preceitos mencionados sem expressa menção.), tendo aquela, mediante o pagamento de um preço, solicitado aos referidos réus práticas da sua especialidade Durante muito tempo foi rejeitada a ideia de que entre o médico e o doente se celebrava um contrato e de que o incumprimento das obrigações assumidas por aquele profissional podia originar responsabilidade contratual, fundando-se o ressarcimento dos danos causados, aquando da prestação da assistência médica, apenas no regime delitual. Encontrando tal forma de pensar as suas raízes profundas no direito romano e na concepção que nele imperava de que o labor médico, como manifestação da inteligência humana, não era passível de ser objecto de uma transacção, o que seria acentuado pelo valor superior dos bens (como a vida e a saúde humana) com que a actividade médica contende. O advento da Revolução Industrial e a consagração, nos códigos oitocentistas, da figura contratual de prestação de trabalho autónomo e subordinado, contribuiu para a aceitação da concepção contratual da actividade médica – Rute Teixeira Pedro, Responsabilidade Civil do Médico, p. 56 e ss..

Sendo certo, acrescenta o acórdão recorrido, que a violação do contrato acarreta responsabilidade civil – a obrigação de indemnizar – desde que o devedor da prestação – in casu, os réus – tenham agido voluntariamente, com culpa, tenha havido dano e exista nexo de causalidade entre o facto culposo e este último pressuposto (art. 483.º).
Cumprindo o devedor a obrigação O ac. do STJ de 4/3/2008 (Fonseca Ramos), Pº 08A183, in www.dgsi.pt, define o acto médico como o acto executado por um profissional de saúde que consiste numa avaliação diagnóstica, prognóstica ou de prescrição e execução de medidas terapêuticas. quando realiza a prestação a que está vinculado (art. 762.º, nº 1), incumbindo-lhe provar, depois de apurada a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação, que estes não procedem de culpa sua (art. 799.º, nº 1).

Demos, assim, de barato E, como é sabido, a responsabilidade civil dos médicos admite hoje, sem dúvidas, ambas as formas previstas na lei: a contratual ou obrigacional e a extracontratual (esta apenas em relação aos factos ilícitos). E, uma das razões em que, por vezes, os demandantes lançam mão dos esquemas da responsabilidade extracontratual – que apenas deverá ser usada em situações inequívocas – é a discutidíssima questão da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais na responsabilidade contratual – se bem que a posição maioritária, sustente tal possibilidade (o art. 496.º é aplicável a toda a responsabilidade civil), assim sendo defendido por A. Costa, Direito das Obrigações, p. 396, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I., p. 318, Galvão Telles, Obrigações, p. 396 e Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, p. 31 e ss, nota (77), sendo certo que A. Varela, CCAnotado, vol. I., p. 501 e Das Obrigações em Geral, vol. I., p. 605, defende o contrário. Não havendo, contudo, nos dois tipos de responsabilidade, danos distintos ou condutas diferentes, tratando-se apenas de dois regimes legais de protecção do lesado, que prevêem tal conduta ilícita e que visam reparar o dano, tendo cada regime a sua teleologia própria. Correspondendo necessariamente à unidade de conduta e do dano a unidade do pedido indemnizatório e de indemnização – Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues, Responsabilidade Médica em Direito Penal, p. 27 e Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos, Direito e Justiça, vol. XIV, t. 3. que, tendo em conta a factualidade a propósito vertida e provada, a responsabilidade pedida – por danos patrimoniais e não patrimoniais, estes alegadamente gerados pelo pânico sentido pela A. com o erro médico - decorrerá da violação das prestações contratuais inerentes e próprias do cumprimento do referido contrato de prestação de serviços médicos.

Estando-se, pois, sem necessidade de mais averiguações e considerações, perante uma alegada responsabilidade civil médica, com fonte contratual. Tendo vindo a ser qualificada, em geral, como obrigação de meios a assumida ou devida pelo médico, sustentando os defensores desta orientação que tal profissional só está obrigado a utilizar os meios adequados para atingir um certo diagnóstico ou definir uma terapia, não lhe sendo exigível alcançar qualquer resultado efectivo, ou seja, a cura do paciente. Não assegurando nem podendo, naturalmente, assegurar a cura da sua enfermidade – Miguel Teixeira de Sousa, Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica, p. 125, Direito da Saúde e Bioética, AAFDL e Carlos Ferreira de Almeida, Os contratos civis de prestação de serviço médico, mesma revista, p. 110.

Tendo a Relação já decidido, sem reparo de qualquer uma das partes – embora com fundamento em presunção judicial – pela desconformidade da actuação dos réus face às legis artes a que estavam vinculados, incumbindo-lhes, por isso, demonstrar que o não diagnóstico das fracturas pela autora sofridas, com a sua queda, não se deveu a culpa sua.

Assim se dando como apurada a desconformidade da concreta actuação dos réus, no confronto com aquele padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, teria tido em circunstâncias semelhantes. Aceitando-se, pois, de igual modo sem reparo, aquele padrão de culpa vertido no art. 487.º, nº 2, para a responsabilidade extracontratual, adoptado, na responsabilidade contratual em apreço, pelo art. 799.º, nº 2.

Sendo certo que as mais típicas e relevantes violações decorrentes deste tipo de contratos reconduzem-se ao cumprimento defeituoso. Existindo este sempre que exista desconformidade entre as prestações devidas e aquelas que foram efectivamente realizadas pelo prestador do serviço médico. Considerando-se que o tratamento é defeituoso, em relação á obrigação principal, quando seja desconforme com as “leis da arte médica”, com as leges artis, de harmonia com os estádios do conhecimento da ciência ao tempo da prestação dos cuidados de saúde Carlos Ferreira de Almeida, ob. cit., p. 116..

Com efeito, só haverá violação ilícita do direito de outrem se a intervenção médica se processar ao arrepio das leges artis, também aqui se podendo falar em cumprimento defeituoso.
Entendendo-se por leges artis o conjunto das regras de arte médica, isto é, das regras conhecidas pela ciência médica em geral como as apropriadas à abordagem de um determinado caso clínico, na concreta situação em que tal contacto ocorre Álvaro da Cunha G. Rodrigues, Reflexões …, p. 137..


Mas questão diversa – e reportemo-nos agora a ela que é, afinal, a que está em causa – é a de saber se existe relação de causalidade adequada entre a omissão do diagnóstico correcto – o da existência das ditas fracturas à data da sua realização – e a produção dos danos provados e cuja reparação foi, a seu tempo, devidamente pedida.

Entendeu a Relação pela impossibilidade do estabelecimento de qualquer nexo causal entre o deficiente diagnóstico efectuado e a fractura das vértebras, o aperto nos canais vertebrais, a imobilização pela autora sofrida, nas dores que ainda hoje sente, no prolongamento forçado da sua estadia em Portugal e no grau de incapacidade que lhe foi fixado.
Pois, acrescenta, tais danos são certamente consequência do acidente – da queda que a autora sofreu e que, naturalmente, aos réus não imputa, dizemos, ainda, nós – nada se tendo apurado que permita concluir que tal deficiente diagnóstico, só mais tarde corrigido (na Alemanha) tenha contribuído para o agravamento do estado de saúde da autora.

Tendo o acórdão, contudo, acabado por estabelecer – não se entendendo bem, salvo o devido respeito, a diferenciação, sem mais, entre as dores que sofreu e as dores de que ficou a padecer – o nexo causal entre o defeituoso diagnóstico e as primeiras.

Mas, sem necessidade de sobre tal questão nos debruçarmos, face à decisão tomada quanto à revista dos réus, já que aí se entendeu, pelas razões então melhor vertidas, ser a mesma, a este respeito, nula.

Mas vejamos, então, o que dizer quanto ao nexo causal que a Relação não deu como apurado.

A prova do nexo causal, como um dos pressupostos da obrigação de indemnizar e medida da mesma, cabe ao credor da obrigação de indemnizar, independentemente da sua fonte.
É um dos pressupostos do direito que se acciona, com vista ao ressarcimento do dano – arts 563.º e 342.º, nº 1.
O doente tem, pois, que provar que um certo diagnóstico, tratamento ou intervenção foi omitido, e, por assim ser, conduziu ao dano, pois se outro acto médico tivesse sido (ou não tivesse sido) praticado teria levado à cura, atenuado a doença, evitado o seu agravamento, ou mesmo a morte.
É necessário haver um nexo causal entre a acção (ou omissão) e o dano provocado. Mas não pode ser uma qualquer causa/efeito.
Sendo necessário estabelecer uma ligação positiva entre a lesão – que aqui, note-se bem, não é a fractura, em si, mas o imperfeito diagnóstico efectuado - e o dano, através da previsibilidade deste em face daquela.

Com efeito, resulta dos trabalhos preparatórios do nosso Código Civil – crendo-se não haver, quer na doutrina, quer na jurisprudência, relevantes divergências a este respeito – que, no citado art. 563.º, se quis adoptar a teoria da causalidade adequada, que Galvão Telles Manual do Direito das Obrigações, nº 229 e Direito das Obrigações, p. 409 e 410., formulou nestes termos: “Determinada acção ou omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa acção ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar”.

Devendo o facto causador da obrigação de indemnizar ser causa do dano, no sentido de dano real P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. I, p. 578..

Ensinando-nos, a propósito, Vaz Serra Citado em P. Lima e A. Varela, ob. e p. cit. :
Não podendo considerar-se como causa em sentido jurídico toda e qualquer condição, há que restringir a causa àquela ou àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação mais estreita, isto é, numa relação tal que seja razoável impor ao agente responsabilidade por esse mesmo resultado. O problema não é um problema de ordem física, ou, de um modo geral, um problema de causalidade tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto dele ser obrigado a indemnizar. Ora, sendo assim, parece razoável que o agente só responda pelos resultados para cuja produção a sua conduta era adequada e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária”.

Fazendo-se, na dita teoria da causalidade adequada apelo ao prognóstico objectivo que, ao tempo da lesão (ou do facto), em face das circunstâncias então reconhecíveis ou conhecidas pelo lesante, seria razoável emitir quanto á verificação do dano. Só cobrindo a indemnização aqueles (danos) cuja verificação era lícito nessa altura prever que não ocorressem, se não fosse a lesão. Ou, ainda por outras palavras, o autor do facto só será obrigado a reparar aqueles danos que não se teriam verificado sem esse facto e que, abstraindo deste, seria de prever que se não tivessem produzido.

Só sendo, pois, causa jurídica de um dano no paciente, a conduta (culposa) do médico que, segundo um juízo a posteriori formulado, se revela idónea para a produção de tal resultado Álvaro Cunha G. Rodrigues, Reflexões …, p. 215.

Sendo ainda certo que, de acordo com jurisprudência sedimentada deste STJ, só a culpa, resultante de infracção de normas legais, constitui matéria de direito.
Inserindo-se o juízo de causalidade, considerado que seja numa perspectiva meramente naturalística, no domínio da matéria de facto, e, assim, insindicável por este Tribunal.
Pois, como é bem sabido, o mesmo só aplica – fora o caso excepcional previsto no nº do art. 722.º do CPC – definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (art. 729.º, nº 1 do mesmo diploma legal).

Estando, contudo, no âmbito dos poderes de cognição do STJ apreciar se a condição de facto que não ficou determinada, constitui, afinal, causa adequada do evento lesivo, inserindo aquele juízo naturalístico nos princípios vertidos no citado art. 563.º.

Ora, entendeu a Relação que os factos apurados não permitem estabelecer um nexo de causalidade entre o citado e errado diagnóstico efectuado pelos réus e os danos pela autora sofridos.

E este Supremo não pode sindicar este juízo naturalístico.

Sendo certo, por outro lado, que ele respeita as regras atrás vertidas sobre o conceito de nexo de causalidade vigente no mencionado art. 563.º.

Pois, entendamo-nos: as fracturas pela A. sofridas pela sua queda, em si mesmas, são, sem dúvida, um dano, que, de forma alguma, é imputado aos réus. Pretendendo a mesma, com esta sua acção, assacar-lhes a responsabilidade civil pelas consequências que delas – e da omissão do conhecimento das mesmas no diagnóstico efectuado na clínica ré, sendo certo nem sabermos, por deficiente alegação, quem a assistiu inicialmente (a queda ocorreu no dia 1 e só foi assistida na clínica ré, pelo réu médico, no dia 3) no hotel - lhe advieram. Nomeadamente, pelas reduções existentes na coluna vertebral, aos níveis da 1ª e 5ª vértebras, pela IPP de que ficou a padecer, pela estadia forçada em Portugal (nem sabemos qual era a data aprazada para o seu regresso à Alemanha) e pelo pânico de paralisia (que não ficou demonstrado), pelo qual pede a grande fatia indemnizatória.

Mas, não se pode encontrar na factualidade apurada uma relação de causa/efeito entre o antes e o depois do errado acto médico e que unicamente é imputado aos réus – o da desconsideração das fracturas das vértebras. Sendo certo que a mesma autora, após o deficiente diagnóstico, terá ficado imobilizada durante alguns dias, desde a data do acidente (com desconhecimento, repete-se, de quem a assistiu inicialmente), tendo então usado colete de protecção e realizado sessões de fisioterapia (terá sido por prescrição dos réus?) – resposta ao quesito 8.º e al. B) dos factos assentes.
Não se podendo, assim, e sem mais, concluir que o eventual agravamento das lesões pela A. sofridas, derivadas à queda, se ficaram a dever ao diagnóstico defeituoso.
É um “salto” que o Tribunal não pode dar.
Devendo, antes, a autora ter alegado e provado que tal acto médico a que se sujeitou, praticado pelos réus, assim tendo culposamente cumprido a obrigação que sobre eles impendia de forma defeituosa, a ter sido, como devia, correctamente praticado, teria obstado a um eventual agravamento das lesões – e será que estas se agravaram, não tendo resultado as referidas reduções vertebrais das ditas fracturas e da osteoporose generalizada de que a autora é portadora?; será que houve, ao invés, e apesar do acto censurável apurado, uma evolução normal das fracturas, não havendo qualquer outro tratamento a fazer a não ser a imobilização da paciente? – e às demais consequências danosas.

Não se podendo olvidar que, aqui, no atinente ao nexo de causalidade de que ora nos ocupamos, o ónus da prova compete à autora.

Não se vislumbrando, assim, factos alegados e provados – a petição é bem deficiente a tal respeito, estando, e salvo o devido respeito, quase ab initio, a acção votada ao insucesso - que permitam o preenchimento deste relevante pressuposto da responsabilidade.

A pretensão da autora não pode, assim, sem necessidade de mais, proceder.
*

Concluindo:
8. Tendo a autora reduzido o seu pedido de indemnização por danos não patrimoniais aos decorrentes da ansiedade e grande pavor que sofreu pelo erro médico verificado, após ter sido informada que poderia ficar paralisada, não pode a Relação, motu proprio, atribuir-lhe quantia indemnizatória pelas dores que apurou terem resultado daquele dito erro.
9. A violação do contrato de prestação de serviços médicos acarreta responsabilidade civil (contratual) desde que o devedor da prestação (in casu, o médico) tenha agido voluntariamente, com culpa, tenha havido dano e exista nexo de causalidade entre o facto culposo e este. Incumbindo ao devedor provar, depois de apurada a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso, que estes não provêm de culpa sua.
10. A prova do nexo causal, como um dos pressupostos da obrigação de indemnizar e medida da mesma, cabe ao credor da obrigação, independentemente da sua fonte.
11. Pelo que o doente tem de provar que um certo diagnóstico, tratamento ou intervenção foi omitido e conduziu ao dano, sendo certo que se outro acto médico tivesse sido (ou não tivesse sido) praticado, teria levado á cura, atenuado a doença, evitado o seu agravamento ou mesmo a morte, consoante o caso.
12. Sendo necessário estabelecer uma ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquela.
13. O juízo de causalidade, considerado que seja numa perspectiva meramente naturalística, insere-se no domínio da matéria de facto, sendo, assim, insindicável por este STJ.
14. Estando, contudo, dentro dos poderes de cognição deste mesmo Tribunal apreciar se a condição de facto que não ficou determinada, constitui, afinal, causa adequada do evento lesivo, inserindo aquele juízo naturalístico nos princípios vertidos no art. 563.º do CC.
*

Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em:
a) se conceder a revista dos réus, anulando-se a decisão recorrida na parte em que conheceu dos danos não patrimoniais sofridos pela autora em consequência das dores, dando-se, consequentemente, sem efeito, a condenação a propósito proferida.
Custas pela autora.
b) se negar a revista da autora.
Custas, também por esta.

Supremo Tribunal de Justiça, 1 de Julho de 2010

Serra Baptista (Relator)
Álvaro Rodrigues
Bettencourt de Faria

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(1) Sendo deste diploma legal todas as disposições a seguir citadas, no julgamento desta revista, sem referência expressa.
(2) O acórdão é apenas a designação da decisão do tribunal colegial – art. 156º, nº 3.
(3) Constituindo a mesma, mais rigorosamente, uma situação de anulabilidade – Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 2º, p. 669.

(4) Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, p. 70, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 374, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, , p. 153 e 189 e A. Reis, CPC Anotado, vol. V, p. 49 e ss, bem como ac. do STJ de 8/1/2009 (O. Rocha), revista nº 3797/08, crendo-se que não publicado.

(5) Sendo, agora, no julgamento desta revista, de tal diploma legal os preceitos mencionados sem expressa menção.
(6) Durante muito tempo foi rejeitada a ideia de que entre o médico e o doente se celebrava um contrato e de que o incumprimento das obrigações assumidas por aquele profissional podia originar responsabilidade contratual, fundando-se o ressarcimento dos danos causados, aquando da prestação da assistência médica, apenas no regime delitual. Encontrando tal forma de pensar as suas raízes profundas no direito romano e na concepção que nele imperava de que o labor médico, como manifestação da inteligência humana, não era passível de ser objecto de uma transacção, o que seria acentuado pelo valor superior dos bens (como a vida e a saúde humana) com que a actividade médica contende. O advento da Revolução Industrial e a consagração, nos códigos oitocentistas, da figura contratual de prestação de trabalho autónomo e subordinado, contribuiu para a aceitação da concepção contratual da actividade médica – Rute Teixeira Pedro, Responsabilidade Civil do Médico, p. 56 e ss.
(7) O ac. do STJ de 4/3/2008 (Fonseca Ramos), Pº 08A183, in www.dgsi.pt, define o acto médico como o acto executado por um profissional de saúde que consiste numa avaliação diagnóstica, prognóstica ou de prescrição e execução de medidas terapêuticas.
(8) E, como é sabido, a responsabilidade civil dos médicos admite hoje, sem dúvidas, ambas as formas previstas na lei: a contratual ou obrigacional e a extracontratual (esta apenas em relação aos factos ilícitos). E, uma das razões em que, por vezes, os demandantes lançam mão dos esquemas da responsabilidade extracontratual – que apenas deverá ser usada em situações inequívocas – é a discutidíssima questão da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais na responsabilidade contratual – se bem que a posição maioritária, sustente tal possibilidade (o art. 496.º é aplicável a toda a responsabilidade civil), assim sendo defendido por A. Costa, Direito das Obrigações, p. 396, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I., p. 318, Galvão Telles, Obrigações, p. 396 e Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, p. 31 e ss, nota (77), sendo certo que A. Varela, CCAnotado, vol. I., p. 501 e Das Obrigações em Geral, vol. I., p. 605, defende o contrário. Não havendo, contudo, nos dois tipos de responsabilidade, danos distintos ou condutas diferentes, tratando-se apenas de dois regimes legais de protecção do lesado, que prevêem tal conduta ilícita e que visam reparar o dano, tendo cada regime a sua teleologia própria. Correspondendo necessariamente à unidade de conduta e do dano a unidade do pedido indemnizatório e de indemnização – Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues, Responsabilidade Médica em Direito Penal, p. 27 e Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos, Direito e Justiça, vol. XIV, t. 3.
(9) Tendo vindo a ser qualificada, em geral, como obrigação de meios a assumida ou devida pelo médico, sustentando os defensores desta orientação que tal profissional só está obrigado a utilizar os meios adequados para atingir um certo diagnóstico ou definir uma terapia, não lhe sendo exigível alcançar qualquer resultado efectivo, ou seja, a cura do paciente. Não assegurando nem podendo, naturalmente, assegurar a cura da sua enfermidade – Miguel Teixeira de Sousa, Sobre o ónus da prova nas acções de responsabilidade civil médica, p. 125, Direito da Saúde e Bioética, AAFDL e Carlos Ferreira de Almeida, Os contratos civis de prestação de serviço médico, mesma revista, p. 110.

(10) Carlos Ferreira de Almeida, ob. cit., p. 116.
(11) Álvaro da Cunha G. Rodrigues, Reflexões …, p. 137.

(12) Manual do Direito das Obrigações, nº 229 e Direito das Obrigações, p. 409 e 410.
(13) P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. I, p. 578.
(14) Citado em P. Lima e A. Varela, ob. e p. cit.

(15) Álvaro Cunha G. Rodrigues, Reflexões …, p. 215.