Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01S2544
Nº Convencional: JSTJ000002026
Relator: MÁRIO TORRES
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A PRAZO
FORMA ESCRITA
RETRIBUIÇÃO
FORMALIDADES AD SUBSTANTIAM
PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: SJ200205150025444
Data do Acordão: 05/15/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 3508/00
Data: 02/22/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTAT INDIV TRAB.
Legislação Nacional: LCT69 ARTIGO 82 N3.
LCCT89 ARTIGO 42 N2.
CCIV66 ARTIGO 394 N1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1999/11/18 IN CJSTJ ANOVII TOMOIII PAG278.
ACÓRDÃO RL PROC8147 DE 1993/03/18.
ACÓRDÃO RC PROC179/95 DE 1996/03/28.
Sumário : Nos contratos de trabalho a termo, a indicação da retribuição não constitui formalidade "ad substantiam", sendo admissível prova testemunhal para demonstração de que a retribuição acordada não coincide com a mencionada no contrato escrito.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório

A, intentou, em 3 de Dezembro de 1998, no Tribunal do Trabalho de Viseu, contra "B", acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma ordinária, pedindo a condenação da ré no pagamento das seguintes quantias: (i) 2625065$30, a título de quilómetros percorridos, subsídio de férias e de Natal de 1998 e de comissões sobre as vendas; (ii) 353400$00, quantia que deixou de auferir em virtude de a ré não ter emitido o documento necessário à obtenção do subsídio de desemprego; (iii) juros de mora vencidos até 7 de Dezembro de 1998, no montante de 175004$00, e vincendos até integral pagamento. Aduziu, para tanto, em síntese, que: (i) trabalhou por conta, sob a autoridade, direcção e fiscalização da ré, desde 7 de Abril de 1997 até 1 de Abril de 1998; (ii) além do vencimento de 150000$00 mensais, auferia uma comissão sobre as vendas efectuadas; e (iii) a ré não lhe pagou essas comissões nem as importâncias correspondentes aos quilómetros percorridos em viatura própria.

A ré contestou (fls. 9 a 16), impugnando a remuneração alegada pelo autor e sustentando que entre Janeiro e Abril de 1998 este não vendeu qualquer veículo, pelo que não lhe foram processadas comissões. Reconheceu dever ao autor a quantia líquida de 196570$00, que este não recebeu porque não quis.

O autor respondeu (fls. 37), mantendo o alegado na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador e elencados os factos assentes e a base instrutória (fls. 40 e 41), sem reclamações.

Realizada audiência de julgamento, foram dadas aos quesitos as respostas constantes de fls. 99, que não suscitaram reclamações, após o que foi proferida a sentença de 14 de Julho de 2000 (fls. 101 a 107), que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor: (i) a quantia de 190274$00, a título de subsídio de férias, vencido em 1998, e de subsídio de Natal, proporcional ao trabalho prestado em 1998, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde 8 de Abril de 1998 até integral pagamento; e (ii) a importância relativa às comissões sobre as vendas dos veículos efectuadas entre 7 de Abril de 1997 e 7 de Abril de 1998 (1,75% sobre o preço base dos veículos vendidos pelo autor, sem desconto; 1,5% sobre o preço base dos veículos por ele vendidos quando nessa venda era praticado desconto; 0,5% sobre o preço base, nas vendas efectuadas pelos vendedores subordinados do autor), relegando para liquidação em execução de sentença a fixação do respectivo montante.

Contra esta sentença apelou a ré para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 2 de Maio de 2001 (fls. 127 a 141), negou provimento ao recurso.

Ainda inconformada, interpôs a ré recurso de revista deste acórdão, terminando as respectivas alegações (fls. 155 a 158), com a formulação das seguintes conclusões:

"1.ª - O contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita;

2.ª - Trata-se de uma formalidade ad substantiam - artigo 365 do Código Civil;

3.ª - Perante a existência de um contrato formal é inadmissível a sua alteração ou substituição por outro meio de prova, nomeadamente a testemunhal;

4.ª - A retribuição convencionada consta, como não pode deixar de ser, do contrato de trabalho;

5.ª - Nesse contrato não foram convencionadas quaisquer comissões;

6.ª - Comissões que jamais foram processadas e muito menos pagas durante toda a vigência do contrato, como se infere de todos os recibos juntos aos autos;

7.ª - Ao condenar a ré a pagar ao autor a importância relativa a comissões - retribuição não convencionada no contrato de trabalho e jamais paga ao autor enquanto tal contrato vigorou -, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 42 do Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro, 364 do Código Civil e 659 do Código de Processo Civil."

O autor, ora recorrido, contra-alegou (fls. 164), propugnando o improvimento do recurso.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público emitiu o parecer de fls. 169 a 172, no sentido da negação da revista, parecer que, notificado às partes, suscitou a resposta da recorrente de fls. 177 a 179.

Colhidos os vistos dos Juízes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto

As instâncias deram como apurados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

1) Autor e ré outorgaram, em 3 de Abril de 1997, o contrato de trabalho a termo certo por seis meses, renovável, e que se dá por integralmente reproduzido;

2) O autor trabalhou por conta, sob a autoridade, direcção e fiscalização da ré desde 7 de Abril de 1997, desempenhando as funções de chefe de vendas de veículos comerciais mediante a remuneração mensal de 150000$00;

3) O local da prestação de trabalho estava sediado nas instalações sociais da ré, ao Bairro da Barrosa, Abraveses, Viseu;

4) A ré denunciou o contrato de trabalho que a vinculava ao autor, em 7 de Abril de 1998, por carta de 5 de Março de 1998, em que comunicou ao autor a intenção de não renovar o contrato;

5) O autor não recebeu, em 1998, subsídio de férias;

6) O autor não recebeu qualquer quantia a título de subsídio de Natal relativo a 1998;

7) Em 30 de Abril de 1998, a ré informou o autor, por carta registada com aviso de recepção, que os valores devidos pela cessação do contrato de trabalho se encontravam a pagamento na empresa;

8) O autor era também remunerado com as seguintes comissões: 1,75% sobre o preço base dos veículos por ele vendidos sem desconto; 1,5% sobre o preço base dos veículos por si vendidos, quando nessa venda era praticado desconto; 0,5% sobre o preço base dos veículos, nas vendas efectuadas pelos vendedores seus subordinados;

9) Os vendedores da ré, subordinados do autor, efectuaram vendas de veículos;

10) O autor efectuou vendas de veículos da ré;

11) Na carta referida em 4), a ré informou o autor que prescindia dos seus serviços a partir de 5 de Março até 7 de Abril de 1998, a fim de o autor gozar férias.

3. Fundamentação

3.1. A única questão colocada pelo presente recurso consiste em saber se da exigência legal de o contrato de trabalho a termo ser sujeito a forma escrita e dever conter a indicação da retribuição ajustada resulta inexoravelmente a proibição de recurso à prova testemunhal para demonstração de que a efectiva retribuição do trabalhador inseria prestações remuneratórias para além da expressamente consignada no contrato.

A resposta - adiante-se desde já - é negativa.

A sentença da 1.ª instância considerou provado que, para além da remuneração fixa de 150000$00 mensais estipulada no contrato, o autor "era também remunerado com comissões sobre o preço base dos veículos vendidos por ele e pelos vendedores seus subordinados", pelo que se tratava de "uma retribuição mista, porque constituída por uma parte certa e outra variável (artigo 83 da LCT)", já que "as comissões, quando pagas com carácter de regularidade e permanência - e era esse o caso - integram o conceito de retribuição".

O acórdão recorrido começou por reconhecer que a tese da ré, então apelante, retomada no presente recurso de revista, teria alguma razão de ser do ponto de vista civilístico, já que, quando a lei, fugindo à regra da liberdade de forma das declarações negociais (artigo 219 do Código Civil), exige para certa declaração determinada forma, a falta desta determina, por princípio, a nulidade da declaração (artigo 220 do mesmo Código), e, como corolário deste princípio, o subsequente artigo 221 exige, por norma, para as estipulações acessórias anteriores ou contemporâneas do documento, o mesmo formalismo, sob pena de nulidade das mesmas, se meramente verbais, mas já no que concerne às estipulações posteriores ao documento, a exigência de forma apenas se aplica em casos especiais, conforme decorre do n.º 2 do citado artigo 221. Porém, este artigo tem apenas que ver com a validade de tais cláusulas e não com a admissibilidade de prova testemunhal relativamente a elas, questão que é resolvida pelos artigos 394.º e 395.º.

Recordados estes princípios, o acórdão recorrido teceu as seguintes considerações, que, por inteiramente pertinentes e merecedoras de reiteração, a seguir se transcrevem, apesar da sua extensão:

"Ora e no caso em apreço, na realidade o contrato celebrado entre autor e ré, por ser a termo foi reduzido a escrito, por imposição legal - artigo 42.° do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro. E não constando dos seus termos, como retribuição devida ao autor, senão o vencimento de 150000$00/mês, poder-se-ia dizer, aplicando os princípios acima mencionados, que o acordo eventualmente estabelecido entre os contraentes relativamente ao pagamento de comissões, estaria ferido de nulidade (se anterior ou contemporâneo da elaboração do convénio), por inobservância de forma; e mesmo que posterior ao contrato reduzido a escrito, embora a sua validade não estivesse em causa (n.° 2 do artigo 221.°), sempre seria inadmissível a prova testemunhal, sobre a dita cláusula, por força do disposto no artigo 394.º, n.º 1.

E como resulta claramente do processo que apenas através deste tipo de prova, o Ex.mo Juiz poderá ter chegado à conclusão de que tinha sido acordado o pagamento das referidas comissões, então, caindo por base o fundamento da resposta afirmativa dada ao quesito que desse assunto tratava (quesito 1.°), improcederia necessariamente a pretensão do ora apelado em ver serem-lhe pagas as ditas comissões.

Contudo, a questão não será assim tão linear, dado que os princípios que norteiam o direito substantivo laboral não são inteiramente coincidentes com o direito civil.

No campo da celebração dos contratos de trabalho, tem-se como regra a consensualidade - o contrato de trabalho não está sujeito a qualquer formalidade, salvo quando a lei expressamente determinar o contrário (artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969).

Porém e como se viu, relativamente aos contratos a termo (certo ou incerto), o legislador exigiu de forma explícita a sua redução a escrito, impondo ainda que deles constassem determinadas menções e que obedecessem a certos requisitos - artigo 42.º citado.

Todavia e contrariamente ao que estabelece o artigo 220.°, a sanção, para a inobservância de forma, não é a nulidade do convénio, mas sim a sua transformação em contrato sem termo - n.° 3 do referido artigo 42.°.

E o mesmo sucede para as hipóteses da falta de assinatura das partes, do nome ou da denominação dos contraentes, além de outras ali referidas e que não importa aqui elencar por despiciendo para a resolução da problemática que nos ocupa.

Todas estas cautelas e exigências legais se compreendem se se atentar em que o legislador quis fazer vincar o carácter de excepcionalidade deste tipo de convénios, protegendo os trabalhadores de possíveis abusos, em obediência, aliás, ao princípio constitucional da segurança do emprego, que leva também à proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos (cfr. artigo 53.° da Constituição).

Todavia, se se analisar cuidadosamente este artigo 42.°, verifica-se que nem toda a falta de requisitos exigidos opera a transformação em contrato sem termo.

E exactamente um daqueles que - embora do documento comprovativo do contrato não conste - não produz este efeito é a não indicação da retribuição devida ao trabalhador.

É o que resulta claramente do determinado no n.° 3 já mencionado, que exclui a alínea b) - aquela que se refere à categoria profissional ou funções ajustadas para o trabalhador e à retribuição que lhe é devida.

O que significa que se a exigência da forma escrita para os contratos a termo é efectivamente uma formalidade ad substantiam, e mais que o mesmo se poderá dizer daqueles requisitos que a lei exige para este tipo de convénios e que são referidos no dito n.° 3, ou seja, aquilo a que se poderia chamar, utilizando a expressão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, em Sumários dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 11/98, citado por Abílio Neto, Contrato de Trabalho - Notas Práticas, 15.ª edição, pág. 959, «o núcleo do negócio».

Mas dele não faz parte, como vimos, a indicação (total ou parcial) da retribuição percebida pelo trabalhador.

E é ela que está em causa (ainda que apenas em parte) neste processo.

Com isso se quer significar que - salvo o devido respeito por entendimento diverso - não pode colher o apelo que o apelante faz ao disposto no artigo 364.º.

Na verdade, este normativo, no seu n.° l, estabelece que quando a lei exija como forma de declaração negocial documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.

Mas, no caso em apreço, não está em causa a existência (e prova) do contrato, estando até o documento que o contém junto ao processo (fls. 6); nem se questionam aqueles tais requisitos que formam a essência do negócio jurídico em análise e que levam - por força da lei - à modificação já mencionada do contrato para contrato sem termo (assinatura das partes, seu nome ou denominação, prazo estipulado, indicação do motivo justificativo do termo, data do início do trabalho e da celebração, etc.).

Daí que não se possa falar aqui e no que à indicação da retribuição (ou melhor dito, à sua falta parcial) concerne, repete-se, na existência duma formalidade ad substantiam.

E isto exactamente porque tal inobservância legal não conduz à invalidade do contrato como contrato a termo, como se disse.

Por isso, a tal inadmissibilidade de produção de prova testemunhal, a que se refere o artigo 394 - e que por princípio poderia ser aqui aplicável - a nosso ver o não é.

Na realidade, e segundo afirma o autor, para além da retribuição mensal, tinha ele também direito a comissões, consoante as vendas de veículos efectuadas.

Como essas comissões, pelo menos presuntivamente, têm de se considerar como retribuição - artigo 82, n. 3, do aludido Decreto-Lei 49408 (LCT) - então está-se perante um caso nítido em que, na versão do autor, do contrato escrito não constava a totalidade daquela que ele tinha direito a perceber.

Pelo que e assim sendo, não existem motivos para limitar os meios de prova capazes de conduzir à demonstração do que na realidade ao autor competia receber em virtude do contrato de trabalho celebrado.

E nem se argumente - em nosso entendimento - com o facto de sempre essa cláusula (a tal que atribuía ao recorrido as ditas comissões) será nula, conforme o estipulado no artigo 221.°.

Desde logo, porque apenas assim sucederia, em princípio, se ela fosse anterior ou contemporânea do contrato.

E mesmo assim a sua invalidade seria pelo menos discutível, já que, como se viu, as razões que justificam a exigência da forma escrita para o contrato a prazo e a indicação de seus requisitos não vale para a retribuição, pois a sanção para a sua inobservância não é a mesma (nem de sanção se pode em boa verdade falar, no caso da não indicação da retribuição).

E como se sabe, a invalidade das estipulações de que agora se cuida só existe se lhe forem aplicáveis as razões que determinam a exigência de forma para o documento.

E não o é, a nosso ver, pelo que se disse.

Mas mesmo que assim se não entendesse, desconhecendo-se a temporalidade dessa cláusula, sempre duvidoso seria considerá-la como nula.

E a prova de tal nulidade (e portanto dos seus fundamentos) competiria à ré - artigo 342.º, n.° 2 -, o que esta não logrou, nem nada alegou nesse sentido, o que se compreende pois a sua posição foi a de que não tinha sido acordado entre as partes que o autor tivesse direito a essas comissões (embora que não totalmente, pois que como acima se referiu, a ré confessou que, a partir de Janeiro de 1998 e até ao fim do contrato, foi convencionado que o autor teria direito a comissões sobre as vendas dos carros que efectuasse; apenas como não ocorreu nenhuma transacção, nada tem o aqui apelado a receber a esse título, alega).

Além disso e de qualquer forma, não seria de aplicar o regime do artigo 221.°, pois que, como expressamente resulta da lei, as consequências para a inobservância de forma é diferente, conforme se esteja perante um contrato de direito civil ou de um contrato laboral a termo.

E se perante a falta de forma neste último tipo de convénios, o legislador afastou expressamente o regime do artigo 220 (cfr. artigo 42 já mencionado), não nos parece razoável pretender a aplicação daquele que está estabelecido no artigo 221, que não é mais do que um complemento - e sequência - do tal artigo 220.

Por último, não repugna admitir, no domínio do direito do trabalho, que sendo a retribuição um elemento fundamental para o trabalhador, pois é com ela que irá satisfazer desde logo as suas necessidades básicas, e sendo também um dever importantíssimo do empregador o pagamento atempado e correcto dela, o legislador permita que o assalariado (lato sensu) tenha ao seu dispor a maior panóplia possível dos meios probatórios necessários para poder demonstrar o montante real que lhe é devido em contrapartida pela sua prestação laboral, sobrelevando assim este aspecto aos motivos de segurança jurídica que indubitavelmente, embora que não de forma isolada, fundamentam as exigências da forma nos negócios jurídicos.

Vale tudo isto para dizer, em conclusão, que admissível que era - a nosso ver - no caso concreto, a produção de prova testemunhal relativamente ao quesito 1.°, onde em síntese se perguntava se o autor tinha direito por via do contrato em causa a perceber as tais comissões e tendo o Tribunal recorrido concluído pela afirmativa, atendo-se este Tribunal de recurso, como tem que ater-se - por inverificada qualquer possibilidade de modificação da matéria de facto (artigo 712 do Código de Processo Civil) - à factualidade assente na 1.ª instância, não pode deixar de decidir-se - salvo melhor opinião - pelo não acolhimento das conclusões de recurso apresentadas e, consequentemente, pela não violação por parte da sentença recorrida de qualquer normativo legal, nomeadamente aqueles que a apelante refere.

Dir-se-á, por fim, que, segundo se crê, neste mesmo sentido decidiu já o Supremo Tribunal de Justiça no aresto acima indicado e também (embora que apenas de certo modo) esta Relação por acórdão publicado na Colectânea de Jurisprudência, 1996, tomo II, pág. 65."

Como já se consignou, este entendimento é de sufragar.

3.2. Para determinar o alcance da imposição de forma escrita na celebração de contrato de trabalho a termo há que atender às razões de ser dessa exigência, que consistem, fundamentalmente, no propósito de reduzir a situação de instabilidade do trabalhador e de assegurar operacionalidade ao controle da genuinidade dos motivos invocados para a celebração desse tipo excepcional de vinculação laboral, dificultando dissimulações e fraudes à lei. Por isso é que o artigo 42.º da LCCT, após elencar, no n.º 1, as indicações que devem constar do contrato escrito, distingue, nos subsequentes n.ºs 2 e 3, os efeitos da falta dessas indicações, o que revela bem que nem todas revestem a mesma importância e dignidade. Assim, só são sancionadas com a conversão do contrato celebrado em contrato sem termo (para além da falta de assinatura, nome ou denominação das partes) a falta da indicação do prazo estipulado ou do motivo justificativo da celebração deste tipo de contrato, e, "no caso de contratos a termo incerto, da actividade, tarefa ou obra cuja execução justifique a respectiva celebração ou o nome do trabalhador substituído". Se faltar a indicação da data de início do trabalho, considera-se que o contrato tem início na data da sua celebração, e só se faltar simultaneamente a indicação da data de início do trabalho e da data da celebração do contrato é que este também se considera celebrado sem termo.

Perante este quadro legal, importa concluir que, dentro as indicações elencadas no n.º 1 do artigo 42.º da LCCT, nem relativamente a todas a imposição da sua menção no contrato escrito assume a relevância de formalidade ad substantiam, isto é, de requisito de validade do contrato. Sê-lo-á seguramente quanto às menções referidas na sua alínea e) (prazo estipulado e motivo justificativo), mas já não, por exemplo, quanto à menção da retribuição.

É este também o entendimento da doutrina e da jurisprudência.

Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1999, págs. 631 a 633) refere, a este propósito:

"III. A forma e o conteúdo essencial do contrato vêm regulados no artigo 42.° da LCCT. O contrato deve ser celebrado por escrito, sendo assinado por ambas as partes; além disso, ele apresentará várias indicações de ordem geral - nome ou denominação e residência ou sede dos contraentes, categoria profissional ou funções ajustadas e retribuição do trabalhador, local e horário de trabalho - e, ainda, indicações especialmente requeridas pela natureza do tipo contrato a termo - prazo estipulado com indicação do motivo justificativo ou, no caso de contratos a termo incerto, a actividade, tarefa ou obra cuja execução justifique a respectiva celebração ou o nome do trabalhador substituído, data da celebração e data do início do trabalho.

O relevo que o Decreto-Lei atribui a estes diversos elementos pode ser aferido através das sanções cominadas para a sua falta.

Assim:

- se não for indicada a data do início do trabalho, considera-se que o contrato tem início na data da sua celebração - artigo 42.º, n.º 2;

- faltando a redução a escrito, a assinatura das partes, o nome ou denominação dos contraentes, o motivo justificativo do termo ou, sendo ele incerto, a tarefa ou obra que o justifique, o nome do trabalhador substituído ou, em simultâneo, a data do início do trabalho e a data da celebração, o contrato considera-se celebrado sem termo.

Estão em jogo normas formais. Tais normas devem, em princípio, ser interpretadas em moldes estritos: elas não admitem reduções teleológicas nem alargamentos por interpretação extensiva ou por aplicação analógica. Há, por isso, que estar prevenido contra interpretações puramente literais que a Ciência do Direito condena e a prática desaconselha.

As exigências formais ora inseridas no esquema do contrato a termo vinham já do Direito anterior e, designadamente, do artigo 6.° do Decreto-Lei n. 781/76, de 28 de Outubro, a propósito do contrato a prazo. Na altura, elas visavam proteger os trabalhadores, pelo menos ao nível do esclarecimento: obrigado a celebrar por escrito um contrato do qual resultavam cláusulas para ele desfavoráveis, o trabalhador fica ao corrente da situação, podendo procurar melhores vias. Havia porém, ainda, uma outra protecção, mais subtil, mas que a aplicação do Decreto-Lei n.° 781/76 por mais de doze anos permite documentar: a que derivava da multiplicação das nulidades formais, as quais, segundo o artigo 8.°, n.º 1, transformavam o contrato inválido em contrato sem prazo. Como foi dito, a prática refugiou-se nesta dimensão, procurando aí restringir o recurso aos contratos a prazo, dado o escasso entusiasmo posto pelo legislador na possibilidade de delimitação substancial.

O quadro legal vigente é, porém, outro. Assim, as regras formais relativas ao contrato a termo devem ser interpretadas normalmente, visando assegurar os objectivos que servem: o esclarecimento dos trabalhadores e a segurança jurídica.

Assim, a não redução a escrito dos elementos contidos nas alíneas b) e c) - categoria profissional, retribuição, local e horário de trabalho - não prejudica a validade do contrato: não há razão para penalizar, aqui, os trabalhadores, visto que o próprio contrato sem termo é consensual. A não redução a escrito da data do início do trabalho tão-pouco provoca invalidade: por expressa injunção legal - artigo 42.°, n.º 2, da LCCT - entende-se que o contrato se inicia na data da celebração. Faltando a redução a escrito, o contrato passa a sem termo, sem dúvidas de maior. Mas dúvidas surgem se houver, apenas, assinatura duma das partes. Aí, cumpre distinguir: não havendo dúvidas quanto à efectiva celebração dum contrato, o termo será válido se a assinatura presente for a do trabalhador. Os objectivos da lei estão assegurados, no que toca ao esclarecimento do trabalhador e à tutela da segurança.

A falta de referência ao nome ou à denominação provoca a nulidade do termo - artigo 42.°, n.º 3, da LCCT -, para evitar que, através da indeterminação desses factores, se conservem situações indefinidamente precárias: aquando da consolidação do contrato, a entidade empregadora poderia sempre intercalar outra pessoa nessa qualidade ou pôr em causa a identidade do trabalhador. Assim sendo, pode entender-se que a falta de referência ao nome ou à denominação não invalida o termo sempre que, do próprio contrato ou das circunstâncias que o acompanhem, não possa haver quaisquer dúvidas quanto à identidade dos celebrantes.

A não indicação dos motivos que justifiquem o termo implica a invalidade deste. Tais motivos devem estar suficientemente indicados, o que pode variar com as circunstâncias. Será necessário, nuns casos, uma indicação muito circunstanciada, enquanto outros se contentarão com uma referência sumária. O importante é que os motivos existam e sejam perceptíveis pelas partes e, sobretudo, pelo trabalhador.

A falta de indicação da data do início do trabalho e da data da celebração provocam, por fim, a nulidade do termo - artigo 42, n. 3, in fine, da LCCT; a lei procurou evitar que, por este prisma, se celebrassem contratos que, por não se saber quando começaram, não se saberá quando acabam. A mesma linha substancialista seguida até aqui leva a pensar que o essencial reside na existência e no conhecimento de uma data inicial; o termo será, pois, válido quando o contrato compreenda esse elemento, em moldes acessíveis para o trabalhador, sendo desnecessária uma formal indicação de datas." (sublinhado acrescentado).

Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 11.ª edição, Coimbra, 1999, pág. 310) refere: "O contrato a termo é (...) um negócio formal. Pelo artigo 42.º, n.º 1, é exigida forma escrita, cuja inobservância tem a consequência restrita de invalidar a aposição de termo - mantendo-se, portanto, o contrato válido, mas passando a ter duração indeterminada (artigo 42.º, n.º 3). Trata-se, pois de uma exigência de forma ad substantiam ou ad essentiam, mas apenas no tocante à cláusula de duração." (sublinhado acrescentado).

Também Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, Coimbra, 2002, págs. 622 a 624) escreve: "O contrato a termo não só é formal, como está também na dependência de vários requisitos formais, cuja indicação consta das alíneas do n.º 1 do artigo 42.º da LCCT. (...) De entre estas indicações, apresenta particular relevo a referência ao prazo estipulado e a indicação do motivo justificativo, pois a respectiva falta implica a invalidade do termo, considerando-se que foi celebrado um contrato de trabalho sem termo. (...) A falta de indicação da categoria, retribuição, local e horário de trabalho (alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 42.º da LCCT) não acarreta qualquer sanção". (sublinhado acrescentado).

O entendimento sustentado no acórdão recorrido quer quanto a não ser considerada como formalidade ad substantiam do contrato de trabalho a termo a indicação da retribuição, quer quanto à admissibilidade de prova, designadamente testemunhal, para apuramento de acordo contemporâneo ou posterior à celebração do contrato quanto a complementos remuneratórios, também corresponde a orientação predominante da jurisprudência laboral dos tribunais superiores, que a seguir se referirá.

É orientação que - com excepção do acórdão de 26 de Outubro de 1994, processo n.º 4061 (Acórdãos Doutrinais, ano XXXIV, n.º 399, Março de 1995, pág. 350, e Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano II, 1994, tomo III, pág. 279), no qual se decidiu: "II - No contrato de trabalho a prazo são só elementos da sua validade as cláusulas ad substantiam do n.º 3 do artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, além da sua redução a escrito, n.º 1 desse artigo, sendo ad probationem as restantes cláusulas, entre elas a remuneração ao trabalhador. III - Assim, dada a natureza desta cláusula, o pacto verbal contrário à remuneração do contrato é válido, mas, face ao artigo 394.º, n.º 1, do Código Civil, é inadmissível a prova por testemunhas, contra ao clausulado no contrato, pelo que a remuneração do autor é a constante desse contrato escrito" - vem sendo seguida por este Supremo Tribunal de Justiça.

Assim, no acórdão de 12 de Março de 1997, processo n.º 204/96 (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano V, 1997, tomo I, pág. 296) - proferido em caso em que, para a determinação da retribuição relevante para o cálculo de pensão por acidente de trabalho, se considerou provado que, além da remuneração mensal de 74500$00 constante do contrato de trabalho a termo reduzido a escrito, o sinistrado auferia subsídio mensal de 13000$00 atribuído aos motoristas dos transportes internacionais rodoviários e ainda um montante correspondente aos quilómetros percorridos, à razão de 11$00 por quilómetro -, ponderou-se:

"Defende a recorrente que era vedada a produção de prova testemunhal relativamente aos factos que se reportavam ao recebimento dos valores relativos à quilometragem percorrida e subsídio TIR, atenta a regra do n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil e a circunstância de a vítima do acidente estar vinculada à ré por contrato de trabalho a termo, contrato que está sujeito à forma escrita conforme dispõe o n.º 1 do artigo 42.º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, que doravante designaremos por L. Desp..

Portanto, não se discute no recurso a caracterização do acidente como de trabalho nem, directamente, a correcção dos montantes das pensões que se considerou serem devidas pela entidade patronal; questiona-se apenas, repetimos, a consideração dos apurados valores relativos à quilometragem percorrida e ao subsídio TIR como elementos integradores da retribuição atendível para cálculo das pensões.

Segundo o n.º 1 do artigo 42 da L. Desp., o contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita, deve ser assinado por ambas as partes, e conter as indicações referidas nas suas 6 (seis) alíneas, entre elas se contando a categoria profissional ou funções ajustadas e a retribuição do trabalho (alínea b)).

Se não constar do escrito «a data do início do trabalho» (teor da alínea d)), dispõe o n.º 2 do preceito que se considera que «o contrato tem início na data da sua celebração».

E determina o n.º 3 do mesmo artigo que se considera «contrato sem termo aquele em que falte a redução a escrito, a assinatura das partes, o nome ou denominação, bem como as referências exigidas na alínea e) do n.º 1 ou, simultaneamente, nas alíneas d) e f) do mesmo número».

Registe-se, assim, que a lei não fulmina com a nulidade o acordo não reduzido a escrito ou em que, tendo-o sido, falte algum dos requisitos que enumera: ele deixa é de valer como contrato a termo e passa a vincular as partes como contrato sem termo, favorecendo grandemente o trabalhador, que vê tornar-se duradouro um vínculo que se queria temporário.

Acontece, assim, que no tocante à retribuição devida ao trabalhador (alínea b) do n.º 1 do citado artigo 42.º), como relativamente a outras indicações (v. g., categoria profissional ou funções ajustadas, local e horário de trabalho), não foram previstas consequências para a sua omissão, pelo que, acompanhando Abílio Neto, Contrato de Trabalho - Notas Práticas, 13.ª edição, pág. 773, há que concluir que tais irregularidades não influenciam a validade da estipulação do prazo.

Se não ficou a constar do escrito a remuneração a que o trabalhador tem direito, e ela constitui um elemento essencial do contrato de trabalho (artigo 1152.º do Código Civil, que aparece reproduzido no artigo 1.º da LCT, regime jurídico do contrato individual de trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n. 49408, de 24 de Novembro de 1969), é bem de ver que as partes a não fixaram, ou não a reduziram a escrito, não se vislumbram razões para limitar os meios de prova que podem conduzir à demonstração do que, em termos retributivos, é devido ao trabalhador contratado a termo.

A posição que se deixa exposta radica nos princípios gerais enformadores da relação laboral, particularmente no que tange à remuneração, considerando a importância decisiva que ela assume para quem presta a sua actividade a outrem e tem nela a base principal, muitas vezes única, do seu sustento e seus dependentes.

E encontra, segundo julgamos, expresso apoio no artigo 90.º da LCT, que assim reza:

«1. Compete ao julgador fixar a retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte das normas aplicáveis ao contrato.

2. Compete ainda ao julgador resolver as dúvidas que se suscitarem na qualificação como retribuição das prestações recebidas da entidade patronal pelo trabalhador.»

Se são cometidas ao julgador as apontadas tarefas, parece seguro que o desempenho delas, por definição correcta, é incompatível com uma limitação dos meios de prova admissíveis, questão que se coloca quando a retribuição respeitar a contrato a termo, reduzido a escrito.

É que, segundo o n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil, preceito em que se concentra a defesa da recorrente, «é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores».

Ora, a especificidade do regime que preside à fixação da retribuição, que, sendo essencial, como se viu, não tem de ficar ab initio determinada, como bem evidencia o transcrito artigo 90.º da LCT, não é compatível com a observância do regime probatório restritivo do n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil.

Daí que tenhamos por inaplicável a regra do citado artigo 394.º, n.º 1, à hipótese dos autos e consideremos que não era vedada a audição de testemunhas no apuramento da retribuição que o motorista auferia e que se apurou ser bem superior aos 74500$00 mensais que ficaram consignados no escrito.

É óbvio que se o recurso à prova testemunhal se impõe quando as partes não deixaram fixada no escrito a retribuição, semelhantemente há que admitir a produção de uma tal prova na demonstração de que o valor que ficou consignado não corresponde ao que efectivamente a entidade patronal acordou pagar como retribuição.

Mas mesmo que se entendesse que a especialidade da disciplina que se analisa não bastava para arredar, sem mais, a aplicabilidade da regra do citado artigo 394.º, n.º 1, ainda assim julgamos que era de concluir, no caso, pela regularidade da audição das testemunhas.

Não desconhecemos o acórdão deste Supremo Tribunal, de 26 de Outubro de 1994, em Acórdãos Doutrinais, n.º 399, pág. 350, que decidiu em sentido contrário ao que agora se perfilha a mesma questão de direito - o ponto V do sumário do acórdão diz assim: «V - Tendo as partes aceitado a autenticidade do documento que titula o contrato de trabalho a termo, não é possível ao trabalhador provar através de testemunhas que na altura da celebração desse contrato acordara com o empregador que o seu vencimento real mensal seria de determinada importância, diferente da que se encontra escrita (artigo 394.º, n.º 5, do Código Civil)».

Só que nos afigura que não podemos ver no referido preceito a proibição absoluta à admissibilidade da prova testemunhal que o acórdão de 26 de Outubro de 1994 lhe conferiu, antes nos parece que tal prova é de admitir, pese embora a redacção do preceito, de forma a obstar a graves iniquidades a que a «regra do n.º 1 do artigo 394.º, bem como a aplicação que dela é feita no n.º 2 do mesmo artigo, poderiam dar lugar, quando aplicadas sem restrições» - Vaz Serra, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Dezembro de 1973, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107.º, pág. 311.

É que, no caso, existe o começo ou princípio de prova por escrito que o Prof. Vaz Serra considera como uma das excepções à inadmissibilidade da prova testemunhal, a tornar verosímil o facto alegado (fls. 312 da anotação e Revista citadas), certo que a ré juntou documentos por si emitidos dos quais consta o pagamento ao seu motorista C de outros montantes para além dos 74 500$00 referidos no escrito que titula o contrato - é o caso dos documentos de fls. 75 e 150 a 157.

Acresce que a própria entidade patronal veio dizer ao processo que custeava despesas de deslocação ou refeição enquanto o motorista permanecia no estrangeiro, entregando-lhe montantes que variavam de caso para caso, frisando embora que constituíam ajudas de custo (ver, nomeadamente, o que foi alegado nos artigos 16.º a 20.º da contestação, matéria vertida nos quesitos 10.º e 11.º).

Ora, se a ré afirma que pagava mais do que os 74500$00 mensais indicados como retribuição e se a referência a ajudas de custo não significa sem mais que de ajudas de custo se tratava - a simples leitura do artigo 87.º da LCT demonstra o acerto da afirmação -, julgamos que se impunha abrir as portas à prova testemunhal, já que ao tribunal competia decidir sobre a qualificação como retribuição das prestações recebidas pelo trabalhador (n.º 2 do artigo 90.º da LCT).

Pelo que se deixa exposto, julgamos que era consentido ao tribunal ouvir as testemunhas que as partes arrolaram (...) e servir-se dos depoimentos prestados para responder aos vários quesitos."

Na mesma orientação se insere o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16 de Abril de 1997, processo n. 221/96 (cujo texto integral consta de www.dgsi.pt/jstj.nsf/, n.º do documento: SJ199704160002214) - proferido também num caso de contrato de trabalho a termo, em que do contrato escrito apenas constava a previsão de uma retribuição mensal de 53600$00, mas em que se julgou provado, em sede de julgamento da matéria de facto, que a entidade empregadora se obrigara ainda ao pagamento de uma comissão de 10% sobre o montante das vendas realizadas pelo autor -, que desenvolveu a seguinte argumentação:

"1. Insurge-se o réu recorrente com a admissão e produção de prova testemunhal para se ultrapassar a matéria provada documentalmente pelo contrato escrito, pois - conforme escreve na sua alegação - «bem se vê que não pode este rigoroso texto do contrato compadecer-se com os factos que em resposta aos quesitos 2.º (ao introduzir a expressão «pelo menos»), e 6.º (ao avançar com a remuneração complementar de 10 por cento sobre as vendas) e 7.º (facto puramente conclusivo), foram dados como provados». Em seu entender, «tais factos, porque vão além do texto escrito do contrato, só por documento ou por confissão de parte podiam ser provados». E assim, «aceites que foram com base nas testemunhas, violou-se o artigo 394.º do Código Civil e têm de ser dados como não escritos».

Vejamos.

Diz o artigo 394, n. 1. do Código Civil (é esta disposição que sobretudo nos interessa) que «é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373 a 379 quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores».

Resultando a inadmissibilidade da prova testemunhal contra o conteúdo de documentos autênticos, na parte em que estes têm força probatória plena, dos artigos 371 e 372 do Código Civil; e dos artigos 376 e 393, também do mesmo Código, quanto aos documentos particulares na parte em que fazem igualmente prova plena - segue-se que o referido artigo 394 se aplica aos documentos na parte em que estes não gozam de força probatória plena.

O regime consagrado nesta última disposição funda-se nos perigos da prova testemunhal e na circunstância de as partes poderem reduzir a escrito as convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo do documento.

Pressupõe, pois, um sistema de igualdade tendencial entre as partes respectivas (muito diferentemente, desde já se adianta, se passam as coisas no mundo laboral, entre trabalhadores e empregadores).

Todavia, a aplicação irrestrita da regra do n.º 1 (tal como do n.º 2) do artigo 394.º pode suscitar graves iniquidades, mesmo no domínio puro do direito civil.

Por isso, conforme dá conta Vaz Serra (Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 107.º, págs. 311 e seguintes), os Códigos francês e italiano - que consagram regra semelhante - lhe formulam várias excepções. Não obstante a formulação irrestrita da regra do n.º 1 (e do n.º 2) do artigo 394.º, Vaz Serra (e também, no seu seguimento, Mota Pinto, Colectânea de Jurisprudência, ano X, 1985, tomo III, págs. 11 e seguintes) propugna a admissibilidade da prova testemunhal nas situações excepcionais admitidas naqueles Códigos - a) quando haja um começo ou princípio de prova por escrito; b) quando tenha sido impossível, moral ou materialmente, ao contraente obter uma prova escrita; e c) quando se tenha perdido, sem culpa do contraente, o documento que fornecia a prova.

Adere-se sem hesitação a esta doutrina defendida por Vaz Serra. Trata-se de princípios de inteira razoabilidade, conformes à ideia subjacente ao artigo 394.º em causa e, nomeadamente, o perigo da prova testemunhal é afastado quando haja um princípio de prova escrita, legitimando a admissibilidade duma prova testemunhal complementar.

Ora, em relação às matérias dos quesitos 2.º, 6.º e 7.º - cujas respostas foram postas em causa no recurso - juntou o autor recibos de vencimentos (na ordem dos 64000$00 mensais - vide fls. 49 a 50 e 55 e 56), que não foram verdadeiramente impugnados pelo réu, e ainda o documento de folha 51, subscrito por este último, referente a comissões recebidas pelo autor em Janeiro e Fevereiro de 1993 (nos montantes respectivamente de 62915$00 e 110688$00).

Nesta conformidade, perante tais começos de prova por escrito, tem-se como admissível a prova testemunhal complementar relativamente às matérias, de natureza retributiva, versadas nos aludidos quesitos 2.º, 6.º e 7.º.

2. Se no puro âmbito do direito civil, em que se pressupõe uma igualdade, ao menos tendencial, entre as partes da relação jurídica, a solução deste caso aponta já para a admissibilidade da prova testemunhal - visto o começo da prova por escrito conseguido pelo autor - tal solução torna-se ainda mais flagrante no domínio do direito do trabalho, dadas as suas especificidades, nomeadamente no que respeita à protecção do trabalhador.

Com efeito, nas situações laborais o trabalhador não se apresenta, por princípio, numa situação de igualdade - nem sequer tendencial - face ao empregador.

Daí se entender o direito do trabalho como um sistema de normas de protecção mínima do trabalhador.

Para facilitar e incrementar a contratação laboral a lei do trabalho mantém vivo o princípio do consensualismo. O contrato de trabalho, segundo o artigo 6.º da LCT (regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969), «não está sujeito a qualquer formalidade, salvo quando a lei a determinar». Pode dizer-se que a forma escrita irrompe no direito do trabalho sempre que se adoptem regimes que, embora legais, enfraquecem a posição dos trabalhadores.

Um desses casos é precisamente o que respeita ao contrato de trabalho a termo (artigo 42.º da LCCT - regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro).

Mas a observação da forma legal só é exigida para o núcleo do negócio (cfr. Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1994, pág. 588) e nele não se inclui o quantum retributivo. A sua eventual inclusão no contrato escrito já não obedece às razões subjacentes à imposição legal da forma escrita - pelo que deve ver-se pelo prisma de um mínimo garantido ao trabalhador, não impedindo os naturais desenvolvimentos do contratado a este respeito sem o espartilho da forma escrita. Na verdade, a sua eventual inclusão no contrato escrito já não obedece às razões subjacentes à imposição legal dessa forma. Não deve ser abrangido pelas regras formais estritamente aplicáveis (como excepções à regra geral do consensualismo), pois estas só se impõem nos precisos termos em que sejam prescritas, sem possibilidades de aplicação analógica ou de interpretação extensiva ou redução teleológica (cfr. Menezes Cordeiro, obra citada, pág. 487).

Rege, portanto, quanto à retribuição o princípio do consensualismo (diga-se, aliás, num parêntesis, que nem sequer a falta de alguns ou de todos os requisitos exigidos pelos n.ºs 2 e 3 do artigo 42.º da LCCT assenta a nulidade do negócio, num claro desvio à regra do artigo 219.º do Código Civil. O que sucede, na hipótese mais gravosa para o empregador, é considerar-se o contrato como contrato sem termo).

Assim, se a retribuição não ficou a constar, na sua totalidade, no escrito relativo ao contrato, não se vislumbram razões para limitar os meios de prova susceptíveis de conduzir à demonstração do que, nesse âmbito, é devido ao trabalhador contratado a termo (neste sentido, o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Março de 1997, processo n.º 204/96). O que, de certo modo, encontra apoio no artigo 90.º da LCT ao determinar que compete ao julgador fixar a retribuição quando as partes o não fizeram e ela não resulte das normas aplicáveis ao contrato.

Consideramos pois, tal como se escreveu no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Março de 1997, que «a especificidade do regime que preside à fixação da retribuição que, sendo essencial, não tem de ficar ab initio determinada, como bem evidencia o transcrito artigo 90.º da LCT, não é compatível com a observância do regime probatório restritivo do n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil».

Afigura-se, assim, também, agora sob um prisma estritamente de direito laboral, ser legal a admissibilidade de prova testemunhal no caso sub judice, nomeadamente para suporte das respostas dadas aos quesitos 2.º, 6.º e 7.º."

Esta orientação foi reiterada no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Novembro de 1999, processo n.º 200/99 (Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano VII, 1999, tomo III, pág. 278; também publicado e anotado em José Manuel Meirim, O Desporto nos Tribunais, Lisboa, 2001, pág. 221), proferido em caso de contrato de trabalho desportivo (que é, por natureza, um contrato de trabalho a termo), em que se decidiu que "quanto à retribuição e à data do seu pagamento rege aquele princípio do consensualismo, pelo que não há razões para que a prova tenha limites susceptíveis de impedir a demonstração do que, nesse âmbito, se acordou posteriormente" (sublinhado acrescentado).

Também tem sido este o entendimento das Relações; assim:

- no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18 de Março de 1993, processo n.º 8147 (em www.dgsi.pt/jtrl.nsf/, documento n.º RL199302180081474), em caso de contrato de trabalho desportivo (contrato a termo), decidiu-se que: "

I - A redução a escrito dos contratos de trabalho a termo é uma formalidade ad substantiam ou ad essentiam, mas apenas no tocante á cláusula de duração. Quanto ao mais, maxime no que se refere a prémios, remuneração real ou efectiva, estamos perante uma exigência de forma ad probationem.

II - Tendo sido dado como provado que o réu se obrigou a pagar ao autor 3000000$00, a título de «luvas» ou pela assinatura do contrato, em duas prestações iguais, e tendo-lhe pago somente a primeira de tais prestações, é incontestável que se encontra devedor da segunda prestação, no valor de 1500000$00.";

- no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2 de Março de 1994, processo n.º 9038 (em www.dgsi.pt/jtrl.nsf/, documento n.º RL199403020090384), decidiu-se que: "V - A exigência de redução a escrito do contrato de trabalho a termo é formalidade ad substantiam no que respeita à existência desse contrato, ao passo que, quanto aos elementos constantes desse mesmo contrato, nomeadamente a retribuição, a exigência de forma escrita constitui apenas uma mera formalidade ad probationem, podendo, por isso, ser utilizados outros meios de prova para os demonstrar.";

- no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de Março de 1996, processo n.º 179/95 (Colectânea de Jurisprudência, ano XXI, 1996, tomo II, pág. 65), decidiu-se que: "I - À falta de indicação da retribuição no contrato a termo a lei não comina a nulidade do contrato. II - Aquela exigência constitui uma formalidade ad probationem e não ad substantiam. III - A retribuição contratada pode, assim, ser demonstrada por outro meio de prova.".

É este entendimento que ora se reitera, pelos fundamentos atrás reproduzidos, e até pelo absurdo das consequências a que conduziria a tese oposta. Basta ponderar, por exemplo, que, celebrados dois contratos a termo, um sem indicação de retribuição e outro com essa menção, sendo ambos válidos (por a falta dessa indicação, no primeiro contrato, não o tornar nulo nem acarretar a sua conversão em contrato sem prazo), o trabalhador pode, no primeiro, lançar mão de todos os meios admissíveis de prova para demonstrar a retribuição realmente auferida (quer a inicial, quer a que se vier a desenvolver na pendência da relação laboral), e já fique impedido de o fazer no segundo, justamente aquele em que foi integralmente respeitada a lei. Ou o caso de se terem celebrado por escrito um contrato sem termo e outro com termo, ambos com indicação da retribuição acordada, vindo o segundo a converter-se em contrato sem termo por falta de indicação concretizada dos motivos do recurso à celebração de contrato com termo: a seguir-se a tese oposta à que se reputa correcta, o trabalhador do segundo contrato estava impossibilitado de fazer prova, designadamente testemunhal, da retribuição efectivamente auferida, enquanto o trabalhador do primeiro contrato não sofria qualquer limitação nesse domínio. Por último - e fundamentalmente -, como bem se salientou no atrás citado acórdão de 12 de Março de 1997, a própria noção de retribuição, correspondendo a realidade que evolui no tempo, dependendo a sua composição de práticas e usos que, se forem regulares e representarem o cumprimento de algo que as partes consideram como juridicamente devido, são susceptíveis de conferir natureza retributiva a prestações que antes a não tinham, rejeita o espartilhamento em sede de meios de prova que resulta do artigo 394.º, n.º 1, do Código Civil.

Conclui-se, assim, que, nos contratos de trabalho a termo, a indicação da retribuição não constitui formalidade ad substantiam e que é admissível o recurso a prova testemunhal para demonstração de que a retribuição efectivamente acordada não coincide com a mencionada no contrato escrito.

3.3. Fazendo aplicação deste entendimento ao caso concreto, impõe-se o improvimento do recurso.

Na verdade, a ré, na sua contestação (fls. 9 a 16), insistindo em que do contrato escrito não constava qualquer outra retribuição, fixa ou variável, para além da estipulada remuneração mensal ilíquida de 150000$00 (artigos 7.º e 8.º), refere, contudo, que a partir de Agosto de 1997 passou a pagar ao autor o subsídio de alimentação de 650$00 por cada dia de trabalho efectivo (artigo 9.º) e que, em Dezembro de 1997, acordaram em modificar o contrato, pelo que, a partir de Janeiro de 1998, o autor passou a exercer as funções de vendedor de veículos comerciais para o distrito de Viseu, tendo, a partir de então, a sua retribuição incluído uma parte variável, correspondente a comissões de 1% a 1,5% sobre o preço base de viaturas vendidas (artigos 11.º a 16.º); só que - alega a ré -, entre Janeiro e Abril de 1998 o autor não vendeu qualquer veículo automóvel e é por esta razão que sustenta não lhe serem devidas nenhumas comissões.

No entanto, a realidade apurada na 1.ª instância foi bem diversa, tendo as respostas aos quesitos sido baseadas (cfr. fls. 99), quer nos depoimentos prestados em audiência por três trabalhadores da ré (dois vendedores e um mecânico), que referiram que os vendedores e os chefes de vendas auferiam comissões sobre as vendas, que o autor era chefe de vendas e que ele e os vendedores a ele subordinados efectuaram vendas de alguns veículos, quer nos documentos de fls. 51 e 53 a 68, pelos quais a ré reconheceu que os vendedores de quem o autor era chefe efectuaram vendas de veículos.

Neste circunstancialismo, e face à posição sustentada no ponto precedente, nenhuma censura merece a decisão de Relação de acatar a matéria de facto fixada pela 1.ª instância e de, em face dela, confirmar o aí decidido quanto ao mérito da causa.

4. Decisão

Em face do exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 15 de Maio de 2002.

Mário José de Araújo Torres,

Vítor Manuel Pinto Ferreira Mesquita,

Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares.