Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1777/16.7T8LRA.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEPÓSITO BANCÁRIO
VALORES MOBILIÁRIOS
DIRETIVA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
VÍCIOS DA SENTENÇA
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
PODERES DA RELAÇÃO
Data do Acordão: 10/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I- O AUJ obtido no Processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, datado de 6 de Dezembro de 2021, retirou o seguinte segmento iniformizador:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.°, n° 1, 312° n° 1, alínea a), e 314° do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.°357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.°, n° 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.
2. Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.°, n.º 1, do CVM.
3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.
4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.».

II- Se o Banco Recorrente não cumpriu os seus deveres de informação, houve falta de comunicação necessária para que o subscritor tomasse conscientemente uma decisão de investimento e mais, o investidor, nunca teria adquirido as obrigações SLN 2006 caso tivesse sido informado que as mesmas eram produto com risco de perda de capital, cujo reembolso o Banco, afinal, não garantia (matéria dada como provada), daí se extrai a sua responsabilidade nos termos do artigo 314º do CVM
Decisão Texto Integral:


PROC 1777/16.7T8LRA.L1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

AA e mulher BB, CC e mulher DD, EE e FF intentaram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra o BANCO BIC PORTUGUÊS,SA, pedindo que:

a) Seja o Réu condenado a pagar aos AA. o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem a quantia de 385.000,00€, bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento;

Ou, assim, não se entendendo:

b)Seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado os 350.000,00€ que o pai dos 1º e 2º AA.maridos, 3ºA. e avô do 4º A., entregou ao R., em obrigações subordinadas SLN 2006;

c) Seja declarado ineficaz em relação àqueles a aplicação que o R. tenha feito desses montantes;

d) Seja condenado o R. a restituir aos AA. 385.000,00€ que ainda não receberam dos montantes que o pai dos 1º e 2º AA. maridos, 3º A. e avô do 4º A., entregou ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento;

e) Seja o R. condenado a pagar aos AA. A quantia de € 15.000,00, a título de dano não patrimonial;

Alegam, em suma, que GG, pai e avô dos AA, na qualidade de cliente do BPN, agência de ... – ..., a conselho do respectivo gerente e sem que tivesse sido devidamente informado pelo mesmo, subscreveu obrigações SLN2006, pensando tratar-se de um depósito a prazo, e, em consequência perdeu o capital investido e respectivos juros, sendo que o R havia garantido a restituição do capital, o que não aconteceu.

O Réu contestou, tendo invocado a excepção da incompetência do Tribunal da Comarca de Leiria, que foi declarada procedente, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra confirmado essa decisão; invocou ainda a ineptidão da petição inicial, a prescrição do direito invocado pelos AA e defendeu-se por impugnação, referindo ter cumprido todos os deveres de informação que lhe assistiam, concluindo pela improcedência da acção.

1.3.

Os Autores, notificados, responderam às excepções.

Foi produzida sentença a julgar a acção improcedente com a absolvição do Réu do pedido.

Inconformados os Autores recorreram de Apelação, tendo esta vindo a ser julgada parcialmente procedente condenando o Réu a pagar aos Autores a quantia de € 350.000,00 (trezentos mil euros), acrescidos de juros de mora contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Irresignado com este desfecho recorreu o Réu de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

«[1)] O presente recurso é interposto de decisão que revogando sentença absolutória de 1ª instância veio a, alterando toda a decisão sobre a matéria de facto, condenar o Banco-R. no pagamento de indenização aos AA. por violação dos seus deveres de intermediário financeiro.

2) Apesar de ter declarado entendimento de que a sentença carecia de fundamentação ou motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, em violação dos art.ºs 607º nº4 e 5 do CPC, o tribunal a quo, no uso de um poder cassatório entendeu por bem não dar cumprimento ao disposto no art.º 662º nº 2 al. d) ,

3) Apenas invocando que não se justificaria em face de nova decisão que o Tribunal de recurso daria sobre a mesma matéria de facto e que seria então devidamente fundamentada, assim se sanando, supostamente, aquela omissão em 2ª instância.

4)A fundamentação ou motivação da decisão sobre a matéria de facto constitui um elemento essencial desta, nomeadamente exteriorizando a formação da convicção do Tribunal quanto a cada um dos factos – isto mesmo, aliás, parece ser, e bem, a visão do próprio Tribunal a quo.

5) A decisão sobre a matéria de facto é perfeita apenas se quando estiver devidamente motivada ou fundamentada, sendo que só assim é susceptível de sindicância – também este é pressuposto expresso, e bem, na douta decisão recorrida!

6) Não obstante aqueles acertados pressupostos, e inesperadamente, o Tribunal derrogou a obrigação de remeter à 1ª instância os autos a fim de que fosse motivada a sua decisão, para que pudesse, de forma exaustiva, sindicá-la. E fê-lo apenas porque teria de apreciar a mesma matéria e com isso produzir uma decisão que sempre, por recursória, se imporia hierarquicamente à primeira, tornando esta desnecessária!

7) Ora, esta via acaba ela própria por admitir a existência, ou pelo menos suficiência, de uma única decisão (pelo menos perfeita ou completa) sobre a matéria de facto, assim violando o princípio de dupla jurisdição sobre a matéria de facto. 8) Decidindo desta forma, e ao não dar cumprimento ao previsto no art.º 662, nº2 al. d), o Tribunal a quo incorreu em nulidade por omissão de formalidade essencial, impondo-se a remessa dos autos à 1ª instância para efeitos de motivação da decisão, com repetição de prova, se necessário, nos termos daquela exacta disposição legal.

9) Por outro lado, a verdadeira denegação de um primeiro grau de apreciação da matéria de facto, admitindo expressamente que a completude de uma tal decisão depende da existência ou suficiência da respectiva motivação, implica a violação do princípio do duplo grau de jurisdição em matéria de facto.

10) A douta decisão recorrida violou assim, por errónea interpretação ou aplicação, o disposto no art.º20º da Constituição da República Portuguesa e bem assim, o art.º 662, nº 2 al. d) do CPC, incorrendo em nulidade.

Ademais,

11) A decisão recorrida, aliás, no seguimento da PI apresentada nos autos, funda-se na responsabilidade do Banco-R. enquanto intermediário financeiro, concretamente por violação dos deveres de informação ao cliente, na venda de instrumentos financeiros, concretamente de Obrigações SLN 2006.

12) O douto acórdão recorrido funda-se essencialmente num pressuposto, enganoso, ou enganado – e seria efectivamente relevante acaso fosse verdadeiro! -, a saber: que as Obrigações SLN 2006 era um produto de risco e que o pai dos AA. apenas contrataria um produto sem risco (como se existisse um tal especimen)!

13) Ora, este pressuposto é absolutamente falacioso, e não corresponde minimamente a qualquer facto provado, ou às características técnicas do instrumento financeiro em causa!

14) Diga-se, mais, que toda a lógica interna da douta decisão recorrida decorre desta afirmação.

Ora,

15) Não sendo um instrumento sujeito a negociação em mercado regulamentado, não estaria sujeito à volatilidade dos mercados ou a diferenças de cotação resultantes do valor das diferentes ordens para aquisição e venda dos títulos. Não sofreriam, pois, as Obrigações do chamado Risco de Capital!

16) Não entrevemos, nós, nem a decisão recorrida, à data, qualquer tipo de risco de liquidez, porquanto a procura superava em muito a oferta destes produtos – note-se que esta era a segunda emissão da SLN (depois da emissão de 2004) e à data já haveria outras duas emissões do próprio Banco, e em todas elas a procura superou, por muito a oferta – o que se manteve sempre mesmo depois do período de subscrição no chamado mercado de balcão! Esta simples circunstância tornava o risco de liquidez, à data, também inexistente!

17) Restaria, pois, o chamado risco de remuneração e de crédito – ou seja, o risco de incumprimento das obrigações de pagamento de juros e de reembolso no vencimento da Obrigação, fosse pela insolvência da entidade emitente ou por outra razão distinta - Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado risco geral de incumprimento!

18) Este risco existe em todo e qualquer contrato, sendo que qualquer tipo de vinculação jurídica tem como destino necessário uma de duas possibilidades: ou CUMPRIMENTO ou INCUMPRIMENTO! Ou seja, a possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

19) E este não é objecto de qualquer tipo de obrigatoriedade de advertência ou informação especial!

20) Sublinhe-se que não estamos aqui a discutir uma qualquer característica própria do instrumento financeiro, ou sequer uma qualquer insondável e complexa figura jurídica ou financeira – trata-se tão só de saber que sempre que contrato com alguém posso não ver cumprida a prestação de que sou credor!

Por outro lado,

21) Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2014, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes! o juízo de avaliação do risco, da sua existência e relevância, tem ele próprio de ser um juízo de prognose póstuma! A verificação do evento em 2015 não pode conduzir por si só à sua previsibilidade ou probabilidade, ou sequer possibilidade efectiva, em 2006!

Ora,

22) A SLN – entidade emitente - era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este. E o risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN. Sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia também ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

23) E não se invoque à discussão o Fundo de Garantia de Depósitos (FGD)como critério de atribuição de segurança aos ditos depósitos a prazo. É que se, por um lado, aquele FGD apenas cobria 25.000,00€ por conta até Dezembro de 2008, e, portanto, nunca cobriria o valor de 50.000,00€, correspondente a uma Obrigação, é verdade também, por outro lado, que nenhum cliente, e os AA. certamente, efectuava os seus depósitos fiado na garantia do FGD!

24) Tudo o que foi informado ao pai dos AA. era, à data, verdadeiro, actual!

Acresce que,

25) Aos factos será aplicável a redacção do CdVM anterior ao DL 357-A/2007, ainda que mesmo à luz da redacção actual, o Banco tem para si ter cumprido

26) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

27) Quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o actual art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

28) Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si

29) Parece-nos, por isso, manifesto que a expressão operações a realizar continua a apontar para uma actividade – decorrente da intermediação financeira – e não para o objecto dessa actividade – o instrumento financeiro.

30) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no, actual, nº2 do art.º 312- E, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

31) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

32) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro, especificamente decorrente do seu modo de funcionamento e não um qualquer risco que exista genericamente em todos os instrumentos financeiros ou contratos, e, de resto, nem sequer um motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

33) Sublinhe-se aliás que todo e qualquer investimento em todo e qualquer instrumento financeiro acarreta a possibilidade inerente de perda de total de capital… basta verificar-se, com neste caso, um incumprimento. Como, de resto, repete-se, em qualquer contrato!

34) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

35) É que a este respeito, impõem-se clarificar que, em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

36) E ainda que o intermediário o faça espontaneamente, nunca essa sugestão vincula ou responsabiliza senão nas hipóteses previstas no art.º 485º do Código Civil ou em regime especial equivalente.

37) A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis

38) E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo! Revisitando o supra alegado - o incumprimento é uma característica por natureza latente a qualquer obrigação, que pode, ou não, vir a manifestar-se!

39) Assim, resulta para nós claro que, mesmo à luz da lei actualmente em vigor, neste caso concreto, não houve dever de informação quanto ao risco do instrumento financeiro que o Banco Réu tivesse deixado por cumprir!

Por outro lado, ainda,

40) Mesmo que se entenda que a informação prestada não foi formal e rigorosamente exacta, não vemos como tivesse deixado de ser material ou substancialmente correcta, e com isso não vemos como pudesse ter influenciado o investidor de forma diversa!

41) Tudo resumido: o risco do instrumento financeiro em causa – apenas de incumprimento da

obrigação de reembolso, e não outro - era, à data, e enquanto perdurasse a relação de domínio entre SLN/BPN, efectivamente semelhante ao de um Depósito a Prazo no Banco-R.

42) Temos para nós que a decisão recorrida acaba por optar por uma avaliação puramente formal e nominativa da informação, em lugar de privilegiar a efectiva comunicação dos efectivos elementos informativos relevantes à data! E tendo estes sido claramente transmitidos, em cumprimento das obrigações legais, então não se verificou a prática de qualquer ilícito.

43) Entender coisa diferente seria privilegiar o mero débito de informação apenas por forma a formalmente garantir que se cumpre a mera letra da lei. Descura-se, por essa via, a efectiva compreensão por parte do investidor!

44) Bastaria, por exemplo, entregar ou ler em voz alta o prospecto da emissão (o que, à data nem sequer era imposto por lei) e tudo seria resolvido! Mesmo que o cliente não percebesse nada do que ali vinha escrito!

45) A douta decisão recorrida, além dos apontados lapsos graves nos pressupostos de facto que afirma, violou, por errónea interpretação ou aplicação o disposto nos art.ºs 304º e 312º do Código dos Valores Mobiliários, na redacção anterior ao DL 357-A/2007 e inclusivamente dos art.ºs 312º e 312- E do mesmo diploma na redacção actual se se julgar aplicável!»

Nas contra alegações os Autores pugnam pela manutenção do julgado.

II As instâncias declaram como assentes os seguintes factos:

1. O BPN, tinha por objeto o exercício de atividades consentidas por lei aos Bancos, entre as quais a de intermediação financeira em instrumentos financeiros;

2. Em Novembro de 2008 foram nacionalizadas todas as ações representativas do capital social do BPN. e aprovado o regime da sua apropriação pública por via de nacionalização;

3. Até essa data, o capital social do BPN era detido, na sua totalidade, pela SLN:

4. Após a referida nacionalização, o capital social do BPN foi adquirido pelo Banco réu, e em seguida nele incorporado por fusão;

5. GG era cliente do BPN, sendo titular da conta à ordem n.º ...01, através da qual movimentava parte do seu dinheiro, realizava pagamentos e efectuava poupanças;

6. Em 8 de maio de 2006, a SLN emitiu 1000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a forma escritural, denominadas «SLN 2006»11, com o valor nominal de € 50.000,00, cada uma, oferecidas diretamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal;

7. O mínimo de subscrição era de € 50.000,00, equivalente a uma “Obrigação SLN 2006”;

8. O período de subscrição das “Obrigações SLN 2006” foi de 10 de abril a 5 de maio de 2006; 9. (...) sendo 8 de maio de 2006 a data da sua emissão e liquidação financeira;

10. O prazo de emissão das “Obrigações SLN 2006” era de 10 anos, tendo sido estipulado o dia 9 de maio de 2016 para reembolso do capital;

11. (...) reembolso esse que apenas poderia ocorrer antecipadamente por iniciativa da SLN, a partir do 5.º ano, e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal;

12. A subscrição das “Obrigações SLN 200” rendia juros, pagos semestralmente, às seguintes taxas:

CUPÕES       

TAXA ANUAL NOMINAL BRUTA

1.º Semestre   

4,5%

9 cupões seguintes     

Euribor 6 meses + 1,15%

Restantes semestres   

Euribor 6 meses + 1,50%

Taxa Anual Efectiva Líquida: 3,632%

13. No dia 21 de abril de 2006, GG subscreveu o documento

cuja cópia se encontra a fls. 44, intitulado “SLN 2006 – Boletim de Subscrição”, encimado, em letras maiúsculas e destacadas, pela sigla BPN, e do qual, além do enunciado em 6. a 12., e do número da conta bancária identificada em 5., consta ainda o seguinte:

«ORDEM DE SUBSCRIÇÃO

Pretendo (pretendemos) subscrever 7 obrigações com o valor nominal de € 50.000,00, cada uma

Montante total: € 350.000,00

As obrigações subscritas são creditadas na respectiva conta de valores mobiliários escriturais aberta junto do BPN – Banco Português de Negócios, S.A., na data da emissão e liquidação financeira – 8 de Maio de 2006. O BPN reserva-se a faculdade de rejeitar as ordens tardia ou incorrectamente

emitidas. A presente ordem de subscrição é irrevogável a partir da sua recepção pelo BPN – Banco Português de Negócios, S.A.

ORDEM DE DÉBITO

Ordeno (ordenamos), que a conta acima identificada seja debitada para pagamento da operação resultante da ordem de subscrição constante do presente documento, na respectiva data de liquidação financeira – 8 de Maio de 2006. A presente ordem de débito é emitida também no interesse do BPN – Banco Português de Negócios, S.A.»

14. Consta ainda do referido documento, o seguinte:

«Declaro (declaramos) conhecer e aceitar as condições desta emissão, tal como definidas no respectivo Prospecto, disponível nas Agências do BPN»;

15. GG subscreveu as 7 “Obrigações SLN 2006” referidas no transcrito documento, no montante global de € 350.000,00, depois de, para o efeito, ter sido contactado pelo gerente da agência de ... do BPN, HH;

16. (...) o qual lhe disse que as “Obrigações SLN 2006” constituíam um produto financeiro novo, emitido pela SLN;

17. (...) em tudo igual a um depósito a prazo, mas com rentabilidade superior;

18. (...) vencendo juros a cada seis meses;

19. (...) e que a SLN era a dona do BPN;

20. (...) pelo que o BPN garantia o reembolso da totalidade do capital investido;

21. E que a subscrição das 7 “Obrigações SLN 2006” tinha um prazo de duração de 10 anos;

22. (...) mas que poderia ser resgatada a qualquer momento, sempre que GG o quisesse, total ou parcialmente, neste caso, em tranches de € 50.000,00; 23. (...) desde que para tal avisasse o BPN;

24. (...) e através de transmissão a terceiros interessados na aquisição do produto;

25. GG foi detentor, no BPN. de Fundos de Tesouraria de curto prazo;

26. GG faleceu no dia .../.../2015;

27. (...) sucedendo-lhe, como seus únicos e universais herdeiros:

- seus filhos, os co-autores, AA, CC e EE;

- seu neto, o co-autor FF;

28. GG tinha como habilitações literárias a 2.ª ou a 3.ª classe;

29. Desconhecia os diversos tipos de produtos financeiros existentes no mercado;

30. (...) assim como as respetivas características e os riscos inerentes a cada um deles, a menos que tal lhe fosse devidamente explicado;

31. (...) o que era do conhecimento do gerente da agência de ... do BPN, o referido HH;

32. GG era um aforrador avesso a investimentos financeiros de risco;

33. (...) pelo que só subscreveu as 7 “Obrigações SLN 2006” referidas em 15., por ter sido convencido por HH que se tratava de um produto com as características referidas em 16. a 24.;

34. (...) o que era igualmente do conhecimento de HH;

35. GG não sabia o que era a SLN;

36. Nunca lhe foi mostrada ou lida qualquer nota informativa, argumentário ou prospeto das “Obrigações SLN 2006”; 37. (...) nem explicado o que era, em concreto, tal produto financeiro;

38. Os funcionários das agências do BPN recebiam indicações da direção comercial do banco para que transmitissem aos clientes e potenciais subscritores das “Obrigações SLN 2006”, que se tratava de um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo;

39. (...) com a mesma garantia deste tipo de depósitos;

40. (...) e com garantia, pelo BPN, de reembolso do capital investido;

41. No dia 26 de julho 2008, foi divulgado junto dos funcionários do BPN, um e-mail da autoria de II, então diretor coordenador do BPN para a Zona Centro de Portugal, com o seguinte teor:

«Meus Caros

Chegou o momento de colocarmos em evidência e à vista de todos (Administração, Accionistas e restantes Colegas), tudo aquilo por que temos vindo, nestes 2 últimos anos, a lutar, ou seja, PROFISSIONALISMO, ATITUDE, e fundamentalmente, HONESTIDADE PROFISSIONAL      E RECONHECIMENTO pela CASA, o (BPN). Independentemente dos objectivos que venham a ser fixados (divulgá-los-ei, logo que conhecidos), quero pedir a TODOS que, logo a partir das 8h,30m de 2ª feira, iniciem contactos, já definidos ou não, para a subscrição.

Relembro que a SLN VALOR, é a maior accionista da SLN SGPS (31%), que por sua vez detém 100%, do BPN, ou seja, na prática, estamos a vender o equivalente a um DP12, com uma excelente taxa, logo no 1º ano, de EUR12m+1,75%, que atingirá (se o cliente entender renovar no final do ano) no 5º ano EUR12m+2,25%.

Quando o cliente efectua um DP no BPN está a comprar risco BPN. Não vejo diferenças. (...)».

42. GG não teria adquirido as “Obrigações SLN 2006” se tivesse sido informado que as mesmas eram um produto com risco de perda de capital, cujo reembolso o BPN, afinal, não garantia;

43. Os juros vencidos e pagos a título de contrapartida do capital investido por GG com a subscrição das “Obrigações SLN 2006”, entre maio e 2009, foi na ordem de 1% ao ano;

44. Após o dia 9 de maio de 2016, os autores, enquanto sucessores de GG, não foram reembolsados de qualquer quantia correspondente ao capital que investiram na aquisição das “Obrigações SLN 2006”;

45. (...) recusando-se o réu a entregar aos autores o capital investido pelo seu falecido pai, GG, e respetivos juros

46. (...) com o argumento de que tal reembolso é incumbência da entidade emissora das “Obrigações SLN 2006”;

47. (...) o que causa preocupação e ansiedade nos autores, que receiam nunca vir a receber aquele capital.

* FACTOS NÃO PROVADOS:

Com relevo para a decisão da causa não se provou que:

a) GG tivesse subscrito “UP’s de Fundos de Investimento Imobiliário ou de Obrigações”.

1.Da nulidade do Acórdão.

O Réu, aqui Recorrente entra em contramão com o Acórdão recorrido uma vez que na sua tese, o mesmo apesar de ter declarado entendimento de que a sentença carecia de fundamentação ou motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, em violação dos artigoss 607º nº4 e 5 do CPCivil, no uso de um poder cassatório entendeu por bem não dar cumprimento ao disposto no artigo 662º nº 2 al. d) do mesmo diploma, invocando que não se justificaria em face de nova decisão que o Tribunal de recurso daria sobre a mesma matéria de facto e que seria então devidamente fundamentada, assim se sanando, supostamente, aquela omissão em 2ª instância. Ora, sendo a fundamentação ou motivação da decisão sobre a matéria de facto constitui um elemento essencial desta, nomeadamente exteriorizando a formação da convicção do Tribunal quanto a cada um dos factos – isto mesmo, aliás, parece ser, e bem, a visão do próprio Tribunal recorrido e a decisão sobre a matéria de facto é perfeita apenas se quando estiver devidamente motivada ou fundamentada, sendo que só assim é susceptível de sindicância, mas não obstante aqueles acertados pressupostos, e inesperadamente, o Tribunal derrogou a obrigação de remeter à 1ª instância os autos a fim de que fosse motivada a sua decisão, para que pudesse, de forma exaustiva, sindicá-la, fazendo-o porque teria de apreciar a mesma matéria e com isso produzir uma decisão que sempre, por recursória, se imporia hierarquicamente à primeira, tornando esta desnecessária.

Como resulta do teor conclusivo das alegações dos Autores em sede de recurso de Apelação, estes vieram impugnar a matéria de facto, tendo proposto a eliminação de factos que foram dados como provados e não provados e ainda a correcção de matéria provada.

Verificamos que nas contra alegações apresentadas, o Réu, aqui Recorrente, respondeu às alterações propostas, pugnando pela sua improcedência, nunca se tendo pronunciado sobre qualquer falta ou omissão tendo concluído do seguinte modo, no que a esse particular concerne «Bem andou o Tribunal a quo no que toca à apreciação da matéria de facto, não merecendo a decisão em crise qualquer reparo ou correcção».

Contudo, inicialmente, já havia enunciado ao sua posição em relação aos poderes de reapreciação factual possíveis a exercer pela Relação, quando inicialmente, à guisa de introito, deixou consignado:

«[P]or fim, cremos ser de vital importância vincar a solidez e competência que caracteriza

a qualificação da matéria de facto feita pelo Tribunal a quo, e que deve, nestes termos, ser mantida.

Contudo, e caso assim não entenda o douto Tribunal de Recurso, não podemos deixar de referir que a possibilidade contemplada no art.662º do Código de Processo Civil, respeitante à modificabilidade da decisão de facto por este Tribunal, apenas deve operar nos casos em que o Tribunal de 1ª Instância tenha incorrido em erro manifesto, ou numa outra irregularidade notória, casos em que a factualidade definida na decisão não demonstra estar em coerência com a análise crítica das provas – o que não acontece neste caso!

É de recusar, portanto, uma concepção segundo a qual os recursos constituam um “novo julgamento”, envolvendo uma nova e autónoma interpretação da prova que, a nosso ver, compromete (e muito) a imediação e proximidade de que beneficiam os Tribunais de 1ª

Instância.».

Vejamos.

O normativo processual a que alude o artigo 640º, nº1, alíneas a) e b) do CPCivil dispõe o seguinte «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação realizada, que impunham decisão sobre pontos de matéria de facto impugnados diversa da ocorrida.».

Conforme deflui do artigo 662º, nº1 do CPCivil a decisão de primeira instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos por assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

No caso sujeito, os Autores aqui Recorridos, impugnaram expressamente determinada matéria factual que no seu entender, face aos depoimentos prestados por vários intervenientes que identificou, indicando as passagens em que baseou a sua discordância, concluindo que deveria ter merecido resposta diversa da obtida, «, o que, a ser deferido, conduziria, como conduziu, a uma solução jurídica diversa da propugnada pelo primeiro grau.

A reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância pois só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, cfr neste sentido inter alia o Ac STJ de 24 de Setembro de 2013 (Relator Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt.

Com efeito, embora não se tratando de um segundo julgamento, mas antes de uma reponderação, até porque as circunstâncias não são as mesmas, nas respectivas instâncias, não basta que não se concorde com a decisão dada, antes se exige da parte que pretende usar desta faculdade a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, mas não limita o segundo grau de sobre tais desconformidades previamente apontadas pelas partes, se pronuncie, enunciando a sua própria convicção, não estando, de todo em todo, limitada por aquela primeira abordagem pois não podemos ignorar que no processo civil impera o principio da livre apreciação da prova, cfr artigo 607º, nº5 do NCPCivil (anterior artigo 655º, nº1), cfr Ac STJ de 28 de Maio de 2009 (Relator Santos Bernardino), de 2 de Dezembro de 2013 e 24 de Fevereiro de 2015 e 13 de Outubro de 2020, da aqui Relatora, in www.dgsi.pt.

Tudo isto para dizer, em primeiro lugar, que ao contrário do que é esgrimido pelo Recorrente, o Tribunal da Relação tem hoje em dia, por via das alterações processuais verificadas, uma plenitude no julgamento, nos mesmos termos que a primeira instância, mesmo com a ausência da imediação e da proximidade que se perde com as gravações, mas que se poderá ganhar com a repetição da audição das testemunhas e com um maior e mais aturado estudo do processo, conjugando todos os meios de prova: o «olhar» pode não ser mediático, mas não deixa de ser um olhar por vezes até mais aprofundado.

Em segundo lugar, mostra-se falaciosa a afirmação de que a matéria de facto só poderá ser reanalisada pelo segundo grau quando se encontra devidamente fundamentada, coisa essa que não teria ocorrido em violação do disposto no artigo 662º, nº2, alínea d) do CPCivil, uma vez que o Recorrente, ali Recorrido, em sede de contra alegações de Apelação, bem teria podido ter suscitado a nulidade que agora invoca, nos termos do artigo 636º, nº2 do CPCivil, sendo certo que então a factualidade não lhe ofereceu qualquer dúvida, antes se mostrava sólida e deveria ser mantida, no seu dizer.

Daqui se extrai, no que à economia desta questão concerne, que qualquer nulidade cometida em sede de apreciação factual pela primeira instância se mostra sanada, não só porque o aqui Recorrente, ali Recorrido, se não opôs, quando o poderia e deveria ter feito, mas também, mesmo que assim se não entendesse, porque o segundo grau no exercício dos seus poderes de apreciação da matéria de facto, acabou por efectuar um novo julgamento, tendo procedido à respectiva fundamentação.

Improcede, pois, a arguida nulidade.

2.Do mérito.

Estamos em sede de um contrato de intermediação financeira cujo objecto eram “Obrigações SLN 2006”, subscritas por GG em 21 de abril de 2006.

Como resulta da factualidade provada GG era cliente do BPN, sendo titular da conta à ordem n.º ...01, através da qual movimentava parte do seu dinheiro, realizava pagamentos e efectuava poupanças.

Designa-se por contrato de conta bancária (ou abertura de conta) o acordo havido entre uma instituição bancária e um cliente «através do qual se constitui, disciplina e baliza a respectiva relação jurídica bancária», cfr Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, 483.

Associado a essa abertura de conta, aparece-nos o depósito bancário (regulado pelo DL 430/91, de 2 de Novembro com as alterações introduzidas pelo DL 88/2008, de 29 de Maio), operação que se encontra indissociavelmente ligada à abertura de conta e que constitui um pressuposto sine qua non desta, já que nenhuma conta poderá ser aberta sem quaisquer fundos.

De qualquer modo, aquela abertura de conta constitui o ponto de partida para a vasta panóplia negocial que constitui a relação bancária, cfr Engrácia Antunes, ibidem, 484; Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 6ª edição, 325/417.

Esta complexa figura contratual, tem sido subsumida a nível jurisprudencial e pela maior parte da doutrina na espécie negocial de depósito, tal como a mesma nos é definida pelos artigos 1185º e 1187º do CCivil, através do qual o Autor colocou à disposição do Réu BPN o seu dinheiro para que este o guardasse e restituísse quando fosse exigido, constituindo esta figura um depósito irregular ao qual se aplicam as regras do mútuo, com as necessárias adaptações, cfr Calvão da Silva, Direito Bancário, 2001, 347/351; Ac STJ de 22 de Fevereiro de 2011 (Relator Sebastião Póvoas); de 18 de Dezembro de 2013 e de 26 de Setembro de 2017, da aqui Relatora, in www.dgsi.pt.

As aludidas “Obrigações SLN 2006”, são valores mobiliários de natureza monetária, regulados pelo CVM, maxime no seu artigo 1º, nº1, alínea b) e abrangidos no seu âmbito de aplicação material, como deflui do seu artigo 2º, nº1, alínea a).

O Réu BPN, no exercício das suas variegadas operações comerciais potencialmente integrantes do contrato de depósito havido com o Autor, apresentou-lhe, como intermediário financeiro, as preditas obrigações que o mesmo adquiriu nos termos negociados, mediados pelo depositário, de harmonia com o disposto nos artigos 289º e 293º, nº1, alínea a) do CVM, já que, por um lado, a Lei nos define como atividades de intermediação financeira, além do mais, os serviços e actividades de investimento em instrumentos financeiros, por outra banda, a mesma Lei impõe que apenas os intermediários financeiros podem exercer, a título profissional, actividades de intermediação financeira, actividade esta desempenhada pelo Réu, cfr José Engrácia Antunes, Os Contratos de Intermediação Financeira, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXXXV, 280/282; Rui Pinto Duarte, Contratos De Intermediação No Código De Valores Mobiliários, Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, N.º 7, 2000.

Os intermediários financeiros encontram-se sujeitos a um conjunto de princípios gerais atinentes ao exercício e à organização da sua actividade, os quais decorrem directamente do preceituado no artigo artigo 304º do CVM, no qual se preceitua:

«1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário.

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efectivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das actividades de intermediação.»

Embora no que tange à disciplina dos aludidos contratos de intermediação financeira, os mesmos se encontrem, prima facie, balizados por aqueles princípios gerais, existem outros deveres, nomeadamente «[o]s deveres de organização empresarial, incluindo a obrigatoriedade de sistemas de “compliance”, gestão de risco e auditoria interna (arts 305º e segs do CVM) (…), os deveres de prevenção de conflitos de interesse (arts 309º e segs do CVM), os deveres de defesa do mercado (arts 310º e segs do CVM), e os deveres de informação e publicidade (ats 312º a 316º do CVM)», cfr Engrácia Antunes, ibidem.

Todavia, o princípio dos princípios orientadores da actividade de intermediação, reside, indubitavelmente no nº1 do artigo 304º quando impõe aos intermediários financeiros que orientem a sua actuação no sentido da protecção dos interesses legítimos dos seus clientes, o qual se encontra complementado nas várias declinações previstas nos restantes segmentos normativos que enformam o preceito legal, nomeadamente os princípios da actuação de boa fé e o do conhecimento do cliente («know your costumer»), os quais pressupõem e impõem uma actuação por banda da instituição bancária que obedeça aos mais altos padrões de diligência e lealdade, bem como de exigência ética, conducente a uma negociação clara e transparente, tendo como objectivo principal a satisfação dos desígnios apresentados e, por isso, queridos, pelo cliente, cfr Engrácia Antunes, Deveres E Responsabilidade Do Intermediário Financeiro, in Cadernos do Mercado dos Valores Mobiliários, N.º 56, Abril 2017.

Tal princípio mais não é do que a imposição da expressão da Directiva 2004/39/CE de 21 de Abril, da qual decorre uma vinculação dos intermediários financeiros a orientar a sua actividade no sentido de assistir os seus clientes ao nível do seu plano de investimentos, informando-os e alertando-os para os possíveis riscos e chamando-lhes a atenção para eventuais prejuízos que deles possam advir; mais do que meros executantes formais dos serviços disponibilizados e/ou contratados, os intermediários financeiros devem funcionar em relação aos seus clientes/investidores, como verdadeiros garantes e guardiões dos réditos investidos zelando pela sua valorização.

Este comportamento negocial, traduzido na recepção, execução e transmissão de ordens, configura a pretação de um serviço por conta alheia, no caso, o Banco embora agindo por conta alheia no que se refere ao emitente das obrigações, actua por conta própria face ao seu cliente, na medida em existe uma internalização da ordem dada, salvaguardando a Lei a resolução de eventuais conflitos de interesses através da aplicação do disposto no artigo 347º, nº1, alínea a)do CVM (« 1 - O intermediário financeiro deve abster-se de: a) Adquirir para si mesmo quaisquer instrumentos financeiros quando haja clientes que os tenham solicitado ao mesmo preço ou a preço mais alto;»), que não se coloca no caso concreto, cfr Fátima Gomes, Contratos de intermediação financeira: sumário alargado, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Mário Júlio Brito de Almeida Costa, 2002, 565/599; Paulo Câmara, Manual dos Valores Imobiliários, 3ª edição, 438; 

A questão solvenda nos presentes autos, carecida de maior explanação, incide na averiguação do cumprimento por parte do Réu/Recorrente do dever de informação que sobre si recaía aquando da feitura do contrato de intermediação, bem como do nexo de causalidade entre a violação daquele dever e a decisão de investir por banda do particular.

Para a resolução desta problemática temos de chamar à colação o que decido se mostra em sede de uniformização de jurisprudência, no Processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, datado d 6 de Dezembro de 2021:

«1.No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.°, n° 1, 312° n° 1, alínea a), e 314° do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.°357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.°, n° 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2.Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em "produtos de risco" - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o "reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco"), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.°, n.º 1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.».

A matéria dada como assente necessária à subsunção jurídica a efectuar, é a seguinte:

«13. No dia 21 de abril de 2006, GG subscreveu o documento

cuja cópia se encontra a fls. 44, intitulado “SLN 2006 – Boletim de Subscrição”, encimado, em letras maiúsculas e destacadas, pela sigla BPN, e do qual, além do enunciado em 6. a 12., e do número da conta bancária identificada em 5., consta ainda o seguinte:

«ORDEM DE SUBSCRIÇÃO

Pretendo (pretendemos) subscrever 7 obrigações com o valor nominal de € 50.000,00, cada uma

Montante total: € 350.000,00

As obrigações subscritas são creditadas na respectiva conta de valores mobiliários escriturais aberta junto do BPN – Banco Português de Negócios, S.A., na data da emissão e liquidação financeira – 8 de Maio de 2006. O BPN reserva-se a faculdade de rejeitar as ordens tardia ou incorrectamente

emitidas. A presente ordem de subscrição é irrevogável a partir da sua recepção pelo BPN – Banco Português de Negócios, S.A.

ORDEM DE DÉBITO

Ordeno (ordenamos), que a conta acima identificada seja debitada para pagamento da operação resultante da ordem de subscrição constante do presente documento, na respectiva data de liquidação financeira – 8 de Maio de 2006. A presente ordem de débito é emitida também no interesse do BPN – Banco Português de Negócios, S.A.»

14. Consta ainda do referido documento, o seguinte:

«Declaro (declaramos) conhecer e aceitar as condições desta emissão, tal como definidas no respectivo Prospecto, disponível nas Agências do BPN»;

15. GG subscreveu as 7 “Obrigações SLN 2006” referidas no transcrito documento, no montante global de € 350.000,00, depois de, para o efeito, ter sido contactado pelo gerente da agência de ... do BPN, HH;

16. (...) o qual lhe disse que as “Obrigações SLN 2006” constituíam um produto financeiro novo, emitido pela SLN;

17. (...) em tudo igual a um depósito a prazo, mas com rentabilidade superior;

18. (...) vencendo juros a cada seis meses;

19. (...) e que a SLN era a dona do BPN;

20. (...) pelo que o BPN garantia o reembolso da totalidade do capital investido;

21. E que a subscrição das 7 “Obrigações SLN 2006” tinha um prazo de duração de 10 anos;

22. (...) mas que poderia ser resgatada a qualquer momento, sempre que GG o quisesse, total ou parcialmente, neste caso, em tranches de € 50.000,00; 23. (...) desde que para tal avisasse o BPN;

24. (...) e através de transmissão a terceiros interessados na aquisição do produto;

25. GG foi detentor, no BPN. de Fundos de Tesouraria de curto prazo;

(…)

28. GG tinha como habilitações literárias a 2.ª ou a 3.ª classe;

29. Desconhecia os diversos tipos de produtos financeiros existentes no mercado;

30. (...) assim como as respetivas características e os riscos inerentes a cada um deles, a menos que tal lhe fosse devidamente explicado;

31. (...) o que era do conhecimento do gerente da agência de ... do BPN, o referido HH;

32. GG era um aforrador avesso a investimentos financeiros de risco;

33. (...) pelo que só subscreveu as 7 “Obrigações SLN 2006” referidas em 15., por ter sido convencido por HH que se tratava de um produto com as características referidas em 16. a 24.;

34. (...) o que era igualmente do conhecimento de HH;

35. GG não sabia o que era a SLN;

36. Nunca lhe foi mostrada ou lida qualquer nota informativa, argumentário ou prospeto das “Obrigações SLN 2006”; 37. (...) nem explicado o que era, em concreto, tal produto financeiro;

38. Os funcionários das agências do BPN recebiam indicações da direção comercial do banco para que transmitissem aos clientes e potenciais subscritores das “Obrigações SLN 2006”, que se tratava de um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo;

39. (...) com a mesma garantia deste tipo de depósitos;

40. (...) e com garantia, pelo BPN, de reembolso do capital investido;

41. No dia 26 de julho 2008, foi divulgado junto dos funcionários do BPN, um e-mail da autoria de II, então diretor coordenador do BPN para a Zona Centro de Portugal, com o seguinte teor:

«Meus Caros

Chegou o momento de colocarmos em evidência e à vista de todos (Administração, Accionistas e restantes Colegas), tudo aquilo por que temos vindo, nestes 2 últimos anos, a lutar, ou seja, PROFISSIONALISMO, ATITUDE, e fundamentalmente, HONESTIDADE PROFISSIONAL     E RECONHECIMENTO pela CASA, o (BPN). Independentemente dos objectivos que venham a ser fixados (divulgá-los-ei, logo que conhecidos), quero pedir a TODOS que, logo a partir das 8h,30m de 2ª feira, iniciem contactos, já definidos ou não, para a subscrição.

Relembro que a SLN VALOR, é a maior accionista da SLN SGPS (31%), que por sua vez detém 100%, do BPN, ou seja, na prática, estamos a vender o equivalente a um DP12, com uma excelente taxa, logo no 1º ano, de EUR12m+1,75%, que atingirá (se o cliente entender renovar no final do ano) no 5º ano EUR12m+2,25%.

Quando o cliente efectua um DP no BPN está a comprar risco BPN. Não vejo diferenças. (...)».

42. GG não teria adquirido as “Obrigações SLN 2006” se tivesse sido informado que as mesmas eram um produto com risco de perda de capital, cujo reembolso o BPN, afinal, não garantia;».

Dispõe o artigo Artigo 314.º do CVM aplicável in casu, no seu nº1 «Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.», acrescentando o seu nº2 que «A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.».

Daqui resulta, inequivocamente que o Recorrente não cumpriu os seus deveres de informação, houve falta de comunicação necessária para que o subscritor tomasse conscientemente uma decisão de investimento e mais, o investidor, in caso GG, nunca teria adquirido as obrigações SLN 2006 caso tivesse sido informado que as mesmas eram produto com risco de perda de capital, cujo reembolso o BPN, afinal, não garantia (ponto 42.) de onde se extrai a responsabilidade do Recorrente, efectivada pelo segundo grau, claudicando, assim, as suas conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista e confirma-se a decisão plasmada no Acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 26 de Outubro de 2022

Ana Paula Boularot (Relatora)

Graça Amaral

Maria Olinda Garcia

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).