Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B4432
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: ALEGAÇÕES REPETIDAS
Nº do Documento: SJ200801170044322
Data do Acordão: 01/17/2008
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : Não se mostrando o acórdão impugnado elaborado por remissão (artº 713º, nº 5 do CPC), não se estando ante caso excepcional previsto no artº 722º, nº 2, nem havendo lugar ao fazer jogar o plasmado no artº 729 º, nº 3, ambos do CPC, dissenso inocorrendo quanto à bondade da decisão sob recurso e respectivos fundamentos, a alegação do recurso instalado para STJ não passando de uma mera reprodução da que foi apresentada perante a Relação, justifica-se, plenamente, o uso da faculdade remissiva, ao abrigo do nº 5 do artº 713º, "ex vi" do exarado no artº 726º, os dois, ainda, do predito Corpo de Leis.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. a) Trazem AA e mulher BB, revista do acórdão do TRE, de 28-06-07, com o teor que ressuma de fls. 408 a 453, o qual julgou, "in totum", improcedente a apelação que haviam instalado da sentença que, na parcial procedência de acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário, por tais pessoas intentada, destinada a efectivar a responsabilidade civil emergente de acidente de viação acontecido a 27-07-00, cerca das 20h30, nas condições descritas na petição inicial, condenou a ré, "Empresa-A, SA", a pagar, a título de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, 53.543.67 e 16.210,45 euros, ao recorrente e a seu cônjuge, respectivamente, e juros de mora sobre tais "quantuns", à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.
b) Na alegação apresentada, formularam os irresignados demandantes as conclusões seguintes:

1. A indemnização por danos patrimoniais futuros deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida do lesado de forma a representar um capital que, com os rendimentos gerados e com a comparticipação do próprio capital, compense, até ao seu esgotamento, a vítima dos ganhos de trabalho que, durante esse tempo, perdeu.
2. No cálculo desse "quantum" indemnizatório deve lançar-se mão da equidade e suas linhas de força - proporção, adaptação às circunstâncias, objectividade e razoabilidade.
3. O Autor AA tinha, à data do sinistro, 51 anos de idade, o que corresponde a uma esperança de vida de 19 anos.
4. Ficou tal A. a padecer de uma IPP de 13% e auferia, como director coordenador da Direcção Financeira da Companhia de Seguros Empresa-B, SA., um ordenado mensal líquido de € 3.610,72.
5. A indemnização pelos danos patrimoniais futuros a atribuir ao Autor AA, tendo-se em atenção para o seu computo, designadamente, a equidade, deve fixar-se em quantia não inferior a € 93.644,00.
6. A A. BB ficou a padecer de uma IPP de 5% e auferia, como perita contabilista de 1ª Classe da Direcção Geral do Orçamento, a remuneração mensal líquida, de € 1.397,72.
7. Tinha à data do sinistro 56 anos de idade, o que corresponde a uma esperança de vida de 22 anos.
8. A indemnização pelos danos patrimoniais futuros da A. BB deve fixar-se, equitativamente, em € 16.143,00.
9. A gravidade da lesão sofrida pelo Autor AA, as suas consequências de natureza permanente, a IPP de 13%, a inevitável perda de qualidade de vida, os prejuízos resultantes para sua vida social e profissional, as duas intervenções cirúrgicas a que foi submetido, as consideráveis dores físicas que suportou e suporta, e o abalo psicológico sofrido são razões que impõem fixar-se em € 25.000,00 a indemnização pelos danos não patrimoniais deste mesmo A..
10. Quanto à A. BB, considerando as dores sofridas, o trauma do acidente e suas consequências de natureza psicológica que perduram e a acompanharão até ao fim da vida e a incapacidade permanente de 5% de que ficou a padecer, entende-se, como mais justa e equilibrada, a indemnização de € 12.500,00 a título de danos não patrimoniais.
11. O acórdão recorrido violou, na parte objecto do recurso, o disposto nos art.s 483º, 494º, 496º, 564º e 566º, todos do Código Civil.
12. Consequentemente, deve dar-se provimento à presente revista e revogar-se, em parte, o acórdão recorrido, fixando-se as indemnizações por danos patrimoniais futuros e danos não patrimoniais devidas ao Autor AA em, respectivamente, € 93.644,00 e € 25.000,00 e as devidas a A. BB, em €16.143,00 e € 12.500,00, com o que se fará a costumada JUSTIÇA.

c) Contra-alegando a revista, propugnou a ré a justeza da confirmação do julgado.
d) Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Não se estando ante caso excepcional prevenido no nº 2 do art. 722º, nem sendo caso para fazer jogar o plasmado no nº 3 do art. 729º, ambos do CPC, nos termos consentidos pelo art. 713º nº 6, aplicável "ex vi" do exarado no art. 726º, normativos estes outrossim pertencentes ao predito Corpo de Leis, remetemos, no tocante ao elencar da matéria de facto, para o acórdão impugnado, doravante designado por "decisão".

III. O DIREITO:
1. Afora as de conhecimento oficioso, são as questões versadas nas conclusões da alegação do recorrente que delimitam o âmbito do recurso (art.s 684º, nº 3 e 690º nº 1 do CPC).
Atentando nas supracitadas conclusões, delas flui, com nímia evidência, duas serem as questões a tratar, ambas se prendendo com a fixação das indemnizações a que têm jus os autores, a título de danos patrimoniais futuros e não patrimoniais.

Por assim ser:
2. No atinente às arbitradas indemnizações por danos futuros decorrentes de IPP:
a) Considerações Preliminares:
Como defendido em acórdão por nós relatado, de 06-06-08 (revista nº 1331/06-2), tal indemnização deve ser avaliada como dano patrimonial e corresponder a um capital produtor de rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinga no final do período provável de vida, sem ficcionar, todavia, na determinação de tal indemnização, que a vida física do lesado correspondente à sua vida activa, tal-qualmente que:
Sendo plúrimos os critérios propostos para determinar a citada indemnização, a achar efectivada dedução correspondente à entrega imediata do capital, nenhum deles, nomeadamente cálculos matemáticos ou tabelas financeiras, se revelando infalível, antes todos aqueles como instrumentos de trabalho, em prol da obtenção da justa indemnização, devendo ser tratados, impõe-se o seu uso temperar por um juízo de equidade, tendo, consequentemente, em conta o curso normal das coisas e as circunstâncias particulares do caso, nos termos do art. 566º, nº 3 do CC (vide, esta tese sufragando, entre outros: acs. deste Tribunal, de 06-11-09, 06-10-12, 06-10-12 e 07-12-18, proferidos nos autos de revista registados sob os nºs 2849/06-2, 2461/06-2, 2581/06-2 e 3715/07-2, respectivamente).

Prosseguindo:
b) 1'. Ponderado o consignado na "decisão" sob os nºs 1º, 9º, 28º e 43º da materialidade fáctica provada, tal nos dispensando de reproduzir, por despiciendo, indúbio sendo que a esperança média de vida da população portuguesa, masculina, residente em Portugal, ronda os 73 anos ( cfr. ac. de 19-10-04 - revista nº 2897/04-6ª), a, em a) que antecede relatada dedução se cifrando em 1/4, na esteira, note-se, do que vem sendo jurisprudencialmente acolhido (cfr., v.g., ac. de 25-06-02, in CJ-Acs. STJ-Ano X-tomo II, págs. 128 e segs.), entendemos, não considerado, sequer, qualquer aumento salarial no longo prazo de 19 anos, não obliterando, de igual sorte, o prescrito nos art.s 562º e 564º nº2 do CC, adequado, equitativo, o montante impetrado pelo autor para ressarcir os danos em causa - 93.644 euros -, assim colhendo o levado às cinco primeiras conclusões da alegação da revista.

2'. Presente tendo o expresso na "decisão" sob os nºs 1, 11, 41 e 42 da factualidade assente e o demais já dilucidado em III. 2. a) e b) 1', bem como que, na actualidade, a esperança média de vida das mulheres, residentes em Portugal, ultrapassa os 80 anos, também colhe a pretensão recursória, no referente ao peticionado pela autora para ressarcir os danos futuros radicados na apurada IPP de 5% - 16.143 euros-, quantitativo este que como equitativo se tem.

3. No tocante às arbitradas indemnizações por, quanto a tal dissídio inexiste, sofridos danos não patrimoniais, cuja reparabilidade, à luz do art. 496º nº 1 do CC, é incontestável: 24.000 e 9.000 euros, ao recorrente e a BB, respectivamente:
Pugna o demandante pela bondade da atribuição, à sua pessoa, de indemnização, com tal fonte, no montante de 25.000 euros, a inconformada sinistrada defendendo mais justo e equilibrado se perfilar o fixar em 12.500 euros a indemnização a pagar pela ré, por via dos danos ora em dissecação.

Vejamos:
Quanto à questão em apreço, saliente-se liminarmente, as conclusões em sede de revista tiradas (9ª e 10ª) são pura e simples reprodução das apresentadas pelos autores, sob os nºs 1º e 2º, aquando da alegação da apelação.
Não tendo a "decisão" sido elaborada por remissão, concordando-se com o decidido e respectivos fundamentos, na linha de jurisprudência seguramente firme deste Tribunal, como assinalado, v.g., em acórdão de 31-05-05, com relato nosso, proferido nos autos de revista registados sob o nº 850/05-2, fica plenamente justificado o uso, que se faz, quanto à temática em causa, da faculdade remissiva, com amparo no art. 713º nº 5, por mor do vazado no art. 726º, ambos do CPC.
Em qualquer circunstância, sempre se acrescentará:
Vai longínquo o tempo de indemnização simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais, aquelas, frise-se, em tais casos, não visando, propriamente, tornar indemnes os lesados, antes a estes conceder uma compensação que pode servir, nas palavras de Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", 5ª Edição, vol. I, pág. 564, para "atenuar um mal consumado, sabendo-se que a composição pecuniária pode servir para satisfação das mais variadas necessidades, desde as mais grosseiras e elementares às de mais elevada espiritualidade, tudo dependendo, nesse aspecto, da utilização que dela se faça".
Tal compensação deve ser significativa, que não arbitrária, não existindo, como recorda Adriano de Cupis, "obstáculos jurídicos nem morais que impeçam o ressarcimento do dano não patrimonial que aparece exigido por uma profunda e arreigada consideração de equidade" (cfr. "El Dano", tradução da 2ª Edição Italiana, Bosch-Barcelona-, pág. 765).
Na fixação do montante indemnizatório intervindo a equidade, tendo em atenção as circunstâncias nomeadas no art. 494º, atento o disposto no art. 496º nº 3, todos do CC, urge, "inter alia", no cálculo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais, atender, como sucedido na "decisão", aos padrões de indemnização que vêm sendo adoptados pela jurisprudência, especialmente a mais recente, bem como às flutuações do valor da moeda.
Tudo visto, sopesada a gravidade dos apurados danos não patrimoniais (conceito relativamente indeterminado, carecido de preenchimento valorativo, a fazer caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada - cfr. ac. de 30-09-03, in revista nº 1949/03-6ª), como ajustada se tendo a indemnização fixada nas instâncias, para cada um dos recorrentes, por danos não patrimoniais, naufraga, em parte, a pretensão recursória dos sinistrados.

IV. CONCLUSÃO:
Termos em que, na concessão parcial da revista, se altera a "decisão", a indemnização por danos (patrimoniais) futuros se fixando em 93.644 euros e 16.143 euros, para AA e BB, respectivamente, no demais, sob recurso, se confirmando o julgado.
Custas da revista e nas instâncias, por autores e ré, na proporção do respectivo decaimento (art. 446º nºs 1 a 3 do CPC).

Lisboa, 17 de Janeiro de 2008

Pereira da Silva (relator)
Rodrigues dos Santos
Oliveira Vasconcelos
João Bernardo*
Oliveira Rocha**


* Vencido. Acolheria os montantes vindos da Relação, subscrevendo os respectivos fundamentos e tendo em conta que, para efeitos do "quantum" indemnizatório deve - a meu ver - ser valorada a inexistência de perda efectiva de proventos.

**Com a declaração de que, face aos factos constantes, a indemnização por danos patrimoniais, que relativamente ao autor, deveria ser fixado em 65 000€ e, relativamente á outra em 7 000€(decisão recorrida).