Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15275/09.1T2SNT.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: DESPEDIMENTO COLECTIVO
MOTIVAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Do disposto no artigo 16.º, do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), resulta a necessidade de existência de um nexo de causalidade entre a motivação global invocada para justificar o despedimento colectivo e o concreto despedimento de cada trabalhador.

II - O controlo judicial da validade do despedimento colectivo implica, por parte do tribunal, não só a verificação objectiva da motivação invocada para justificar a redução global dos postos de trabalho, mas também a verificação da idoneidade de tal motivação para, em termos de razoabilidade, determinar a extinção dos concretos postos de trabalho.

III - Nesta medida, a opção do empregador pelos concretos trabalhadores a despedir não se situa fora do âmbito dos poderes de sindicância do Tribunal por isso se integrar dentro dos poderes de gestão do empregador.

IV - Tendo a Ré decidido encerrar definitivamente as instalações que possuía em determinada localidade, cessando todas as actividades aí desenvolvidas, justificava-se, tendo em conta todo o enquadramento motivacional, a cessação de contratos de trabalho no âmbito de um processo de despedimento colectivo.

V - Todavia, não tendo a Ré especificado concretamente qual o nexo entre a sobredita motivação e a concreta cessação do contrato de trabalho da Autora – sendo certo que este tinha especificidades relativamente aos demais contratos de trabalho a extinguir – e apurando-se que a actividade desenvolvida pela Autora continuou a existir, mesmo após o encerramento das mencionadas instalações, é de reputar de ilícito o despedimento de que esta veio a ser alvo, com fundamento na incongruência entre a motivação comum invocada para justificar o despedimento colectivo e a individualização do concreto despedimento da Autora [artigo 24.º, n.º 1, alínea e), da LCCT].

VI - O artigo 25.º, n.º 3, da LCCT, na sua versão originária, continha uma presunção absoluta, que não admitia prova em contrário, segundo o regime correspondente ao das presunções juris et de jure, de acordo com a qual o recebimento da compensação devida pelo despedimento colectivo valia como aceitação do mesmo.

VII - O citado artigo 25.º, n.º 3, viria a ser eliminado pela Lei n.º 32/99, de 18 de Maio, daí decorrendo que a impugnação do despedimento colectivo seria admissível no prazo de 90 dias a contar da data da cessação do contrato de trabalho.

VIII - Com a entrada em vigor do Código do Trabalho, em 1 de Dezembro de 2003, foi revogada a LCCT, sendo certo que o artigo 401.º, n.º 4, daquele diploma, voltou a introduzir a presunção de que o recebimento da compensação fazia presumir a aceitação do despedimento, pese embora esta presunção siga agora o regime correspondente ao das presunções juris tantum.

IX - Tendo o procedimento de despedimento colectivo encetado pela Ré ocorrido no domínio de vigência da LCCT, após as alterações introduzidas pela já citada Lei n.º 32/99, de 18 de Maio, temos que o recebimento, pela Autora, da compensação devida pelo despedimento colectivo, não inviabiliza, nem sequer faz presumir, a sua aceitação, pelo que a sua impugnação podia ser livremente efectuada dentro do prazo legal.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. No Tribunal do Trabalho de Sintra, em acção especial de impugnação de despedimento colectivo, intentada em 6 de Agosto de 2001, AA demandou R...T... - Estudos de Mercado, S.A, aduzindo, em síntese, os seguintes fundamentos:

— Sendo trabalhadora da Ré, desde 1989, e exercendo ultimamente as funções de Directora de Imagem e Comunicação, recebeu dela, em 22 de Janeiro de 2001, a comunicação da intenção de despedimento colectivo e, em 5 de Março de 2001, a respectiva decisão, com efeitos reportados a 5 de Maio do mesmo ano;

— A Ré só no dia 4 de Maio de 2001, 6.ª Feira, lhe entregou um cheque no valor de Esc.: 16.784.997$00, importância cujo recebimento só foi possível no dia 7 daquele mês, em violação do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 24.º da LCCT (Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro).

— Por outro lado, o despedimento foi efectuado sem qualquer motivo válido, constituindo os fundamentos invocados um mero pretexto, artificialmente montado pela Ré, para se ver livre da Autora que, tendo vivido maritalmente, durante vários anos, com o Presidente do Conselho de Administração, e accionista maioritário da Ré, Sr. BB, tinha pendente o processo de regulação do poder paternal do filho de ambos, sendo que aquele controlava todas as empresas do respectivo grupo empresarial, que operava nas instalações de Rio de Mouro, e procedia à transferência do pessoal entre empresas conforme as suas conveniências.

— O representante legal da Ré, ao encerrar definitivamente as instalações de Rio de Mouro, aproveitou este pretexto para sustentar o despedimento da Autora, no quadro de um despedimento colectivo que na realidade é forjado, pois, estando identificados 6 trabalhadores como tendo sido objecto do despedimento colectivo, 1 fez um acordo com a Ré, recebendo uma indemnização e saindo do grupo, e 4 receberam indemnização e passaram a exercer as mesmas funções na B... Imobiliária, que também é do grupo.

— O despedimento teve como objectivo a saída da Autora e ainda a recuperação das instalações de Rio de Mouro para a B... Imobiliária, sua proprietária, que agora as pode vender ou arrendar de acordo com as suas conveniências.

— A Autora, como Directora de Imagem e Comunicação, desempenhava as suas funções em Barcelona, onde tinha o seu gabinete e número de telefone próprio, aí permanecendo todas as semanas de 3.ª Feira de manhã até 5.ª Feira à noite, quando não era toda a semana.

— O encerramento das instalações de Rio de Mouro não tinha, assim, efeitos na sua prestação de trabalho, só tendo aí um gabinete para contacto com a administração e prestação de contas da sua actividade.

— A necessidade de desenvolver as funções e tarefas da Autora manteve-se, sendo elas agora assumidas directamente pelo Sr. BB.

— De qualquer modo, dos números constantes da fundamentação resulta que se trata de uma sociedade com solidez económica, que não se encontra em condições de justificar o despedimento colectivo para reduzir custos;

— O despedimento é igualmente incompatível com as garantias dadas à Autora quando, em 1997, mudou da associada R..., Lda. para a ora Ré, por conveniência de imputação de custos, a que aquela acedeu de boa fé, sendo certo que a R... continua em actividade.

Concluiu, pedindo a declaração de improcedência do despedimento colectivo, com as legais consequências, e condenação da Ré, como litigante de má fé, em multa e indemnização.

A Ré contestou, invocando a caducidade da acção, por esta ter sido apresentada depois de 90 dias após a cessação do contrato e, impugnando o alegado pela Autora, disse, em resumo, que:

— Procedeu ao despedimento da Autora no quadro de um despedimento colectivo, em virtude do encerramento total e definitivo das instalações de Rio de Mouro e da cessação de todas as actividades nessas instalações, sendo esta uma medida de gestão indispensável à racionalização económico-financeira da Ré, assente num fundamento organizativo e técnico, através de uma redução das despesas com o pessoal e concentração da actividade, visando o aumento de produtividade face a exercícios deficitários;

— A Autora, no dia 4 de Maio de 2001, aceitou o meio de pagamento que a ré lhe disponibilizou — cheque, apenas exigindo que o mesmo não fosse cruzado, o que a Ré de imediato satisfez.

Concluiu pedindo a absolvição do pedido em virtude da caducidade do prazo de interposição da acção, ou, se assim não se entender, a total improcedência da acção, por estarem reunidos e verificados os requisitos legais de que depende o despedimento colectivo promovido pela Ré, e a condenação da Autora, como litigante de má fé, em multa; requereu ainda o chamamento para intervenção das demais trabalhadoras abrangidas pelo despedimento colectivo.

A Autora respondeu à matéria da excepção alegada na contestação, após o que foi ordenada a citação das demais trabalhadoras abrangidas pelo despedimento colectivo, que vieram aos autos confirmar que, no âmbito do processo de despedimento colectivo, chegaram a acordo com a Ré sobre a sua desvinculação.

Tendo sido indeferido o pedido da Autora de notificação das chamadas para juntarem os acordos celebrados com a Ré e os respectivos recibos indemnizatórios, foi do respectivo despacho interposto recurso de agravo, admitido com subida diferida.

Após a nomeação dos assessores técnicos, que apresentaram um primeiro relatório, objecto de reclamação por parte da Ré, e a apresentação de novo relatório e de parecer discordante do assessor indicado pela Ré, teve lugar a audiência preliminar, vindo a ser proferido despacho saneador com valor de sentença, no qual, além do mais, se julgou improcedente a excepção de caducidade do direito de acção da Autora e se apreciou o cumprimento das formalidades legais do despedimento colectivo, tendo-se decidido que houve inobservância do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea d), da LCCT e que, assim, o despedimento da Autora foi ilícito, com as legais consequências, designadamente a condenação da Ré na reintegração daquela e no pagamento das retribuições deixadas de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até à data da sentença.

Interposto, pela Ré, recurso de apelação do saneador-sentença, na parte em que julgou não verificada a referida formalidade legal do despedimento, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu não tomar conhecimento do agravo e conceder provimento à apelação, revogando a decisão recorrida (por considerar que não houve inobservância das formalidades legais, nomeadamente da alínea d) do n.º 1 do artigo 24.º da LCCT), e determinou a apreciação do segundo fundamento invocado pela Autora para a ilicitude do despedimento colectivo.

Sequentemente, veio a ser proferido novo despacho saneador, com a selecção da matéria de facto assente e controvertida.

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo a Autora declarado optar, em substituição da reintegração, pela indemnização de antiguidade.

Lavrado despacho com as respostas aos quesitos da base instrutória, sem reclamações, veio a ser proferida sentença que decidiu declarar «a ilicitude do despedimento da A.» e, em consequência, condenar «a R. a pagar-lhe, sem prejuízo da dedução da quantia de € 72.473,34:

1. a quantia de € 114.749,45, a título de indemnização de antiguidade;

2. a importância, a liquidar em execução de sentença, correspondente ao valor das retribuições que a mesma deixou de auferir desde 3/07/2001 até à data da sentença, deduzido das importâncias relativas a rendimentos de trabalho auferidos pela A. em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento.»

2. Não se conformou a Ré, por isso que interpôs recurso de apelação ao qual Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento, decisão que aquela, neste recurso de revista, pretende ver revogada, tendo, oportunamente, apresentado a respectiva alegação, com as conclusões que, a seguir, se transcrevem:

«1.º Entende a Recorrente que o douto aresto em sindicância se encontra ferido, no que à matéria de direito diz respeito .
2.º Tudo se resume a saber se pode ou não estabelecer-se um nexo causal entre o quadro motivacional comum alegado pela Recorrente, para justificar a cessação plural dos contratos de trabalho e a individualização do despedimento da Recorrida.
3.º No entender da Recorrente, o despedimento em causa nos presentes autos deveria ter sido considerado lícito, já que se encontra devidamente justificado, cumprindo os requisitos legais.
4.º Prescreve o art. 16.º da LCCT que: “Considera-se despedimento colectivo a cessação de contratos individuais de trabalho promovida pela entidade empregadora operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, que abranja, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de empresas de 2 a 50 ou mais de 50 trabalhadores, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento definitivo da empresa, encerramento de uma ou várias secções ou redução do pessoal determinada por motivos estruturais, tecnológicos.
5.º Ora, como muito bem se escreveu na douta sentença de 1.ª instância deverá o Tribunal apreciar a verificação objectiva do motivo económico invocado e a verificação, segundo juízos de razoabilidade, da idoneidade de tal motivo para a determinação da extinção de contratos de trabalho, em termos de se demonstrar a existência de um nexo causal entre aquele e o despedimento dos vários trabalhadores e de cada um.
6.º A Recorrente invocou como fundamento para o despedimento colectivo a sua decisão de “encerrar total e definitivamente as instalações de Rio de Mouro, cessando todas as actividades aí desenvolvidas”, como forma de contenção de custos, exigida por um lado pela existência de dificuldades financeiras e pela concorrência cada vez maior no sector têxtil e, por outro lado, proporcionada pela aquisição do capital social da sua fornecedora C....
7.º Tal motivação foi provada nos autos, afirmando mesmo a douta sentença da 1.ª instância que: “em abstracto, é relevante e atendível no quadro legal citado, não sendo a bondade da decisão de gestão tomada pela R. sindicável por este Tribunal, pelas razões referidas, na medida em que nada se provou que indicie que se tratou de cessação de actividades e encerramento fictícios ou que os mesmos foram determinados por outras razões que não as puramente económicas (...)”.
8.º Acrescentando que “os factos enunciados nos pontos referidos descrevem um comportamento empresarial normal e razoável da R. e demais sociedades mencionadas, de per si e no contexto das relações existentes entre elas, no quadro de uma gestão cujo fim último é, evidentemente, a obtenção do lucro, através, nomeadamente, de contenção de custos, racionalização de meios e abandono de actividades ou encargos que não tragam proveito.”.
9.º De salientar ainda, como muito bem referiu também a douta sentença apelada, citando as palavras de Romano Martinez e Bernardo Lobo Xavier, que a opção pelo despedimento colectivo é uma decisão empresarial da empresa, em muito fundada em opções empresariais próprias da empresa, decorrentes da sua livre discricionariedade, e que como tal não podem ser sindicadas peio Tribunal.
10.º Tal como é mencionado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07/11/2001, proc. n.º 01S594, disponível em www.dgsi.pt, “I – O despedimento colectivo, assentando na autonomia contratual do empregador ligada às necessidades de dimensionamento da sua empresa, tem por subjacente premissas economicistas, pelo que, realizado o despedimento de acordo com as formalidades a que ele se encontra sujeito, o seu controle judicial terá de se harmonizar com a liberdade da empresa e da sua gestão, tendo-se presente o fim em causa. II – Assim, a legalidade do despedimento terá de ser aferida com respeito pelo critério empresarial e, nunca, à luz de mecanismos de viabilização da empresa, não competindo ao julgador substituir-se ao empregador, cabendo-lhe tão só um juízo racionalmente controlável sobre os fundamentos do despedimento. III – Compete ao empregador demonstrar uma estrutura factual que, conjugada com as valorações e prognósticos, enquanto critérios da empresa, possam alicerçar, com a devida proporcionalidade e adequação, a decisão de despedimento”.
11.º Afirma ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/09/2000, Revista n.° 24/2000, 4.ª secção, que “o julgador, na apreciação dos factos, deverá respeitar os critérios de gestão da empresa, não lhe competindo, substituindo-se ao empregador, concluir pela improcedência do despedimento, por entender que deveriam ter sido outras as medidas a tomar.
12.º Pelo que a análise do Tribunal deverá ser limitada, harmonizando-se sempre com a liberdade empresarial, consubstanciando-se num controlo mínimo, segundo a terminologia utilizada por Bernardo Lobo Xavier.
13.º Este autor assume ainda que não caberá ao juiz “substituir-se à entidade empregadora, transformar-se em gestor, e impor-lhe a decisão que ele próprio juiz tomaria se estivesse na posição empresarial. Há uma ampla margem de decisão, que deve ser consentida, por força da lei e do contrato de trabalho, a quem decide, assume riscos e suporta os encargos, desde que naturalmente se não conclua — de acordo com um juízo de equidade – pela falta de presença, prima facie, de uma motivação clara, congruente e suficiente, e portanto, defensável ou sustentável" (in Curso de Direito de Trabalho, 2.ª edição, pág. 681).
14.º Bernardo Lobo Xavier chega mesmo a referir que ao empregador não compete provar tudo o que interessa relativamente à diminuição de efectivos da empresa, impendendo sobre ele o “ónus de alegar e provar um conjunto de circunstâncias aptas a serem valoradas como justificativas da diminuição do emprego, e portanto, do despedimento colectivo (...) de evidenciar uma situação (redução dos efectivos) que, de acordo com a normalidade das coisas tenha resultado de algo que possa ser qualificado como motivo estrutural, tecnológico ou conjuntural” (in obra citada, pág. 185).
15.º Conclui-se, assim, que, por um lado, não pode o Tribunal considerar o despedimento ilícito por se substituir, de qualquer forma, ao empregador, considerando incorrecta a sua opção empresarial.
16.º Por outro lado, fica explícito também que ao empregador cumpre demonstrar e provar apenas o conjunto de circunstâncias aptas a fundamentar o despedimento.
17.º Ora, tendo ficado provado que o comportamento empresarial da R. foi normal, sendo que nada evidencia que a justificação apontada para os despedimentos – “encerrar total e definitivamente as instalações de Rio de Mouro, cessando todas as actividades aí desenvolvidas” – tenha sido fictícia ou que a mesma tenha sido determinada por outras razões que não as puramente económicas.
[Por manifesto lapso, não foi observada a sequência numérica das conclusões, tendo-se omitido o item 18.º].
19.º Desta forma, mostra-se cumprido o ónus de alegação e prova que a doutrina e jurisprudência citada pacificamente atribuem ao empregador.
20.º No entanto, escuda-se o tribunal a quo numa alegada inexistência de um nexo causal entre a justificação invocada (e provada, acrescente-se) pela Ré/Recorrente e a individualização do despedimento da A./recorrida.
21.º Com a devida vénia, não pode a Recorrente concordar com este entendimento.
22.º Provado que ficou o circunstancialismo justificativo da decisão de proceder ao despedimento colectivo, a opção pelos trabalhadores a despedir efectivamente, bem como o novo organigrama empresarial, caberá exclusivamente na discricionariedade da Recorrente.
23.º Abílio Neto in Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 16.ª edição, define aquilo que ao julgador caberá fazer que é “averiguar se a extinção dos contratos de trabalho não é uma consequência da estratégia de gestão da empresa mas um fim desta, pretendendo encobrir sob a aparência de um expediente legalmente admitido, um conjunto de despedimentos individuais irregulares.”
24.º Ora, tendo ficado provado e demonstrado na convicção do julgador que a estratégia empresarial da Recorrente, foi legítima, terá de concluir-se que o raciocínio posterior do julgador terá sido ferido pela natural tentação de se colocar na posição do empregador, sindicando uma opção puramente empresarial deste.
25.º Acresce ainda que se encontra junta aos autos a carta de despedimento da A. e respectiva fundamentação - Volume I, doc. 4, fls.: 38, 39, 40, 41, 42, 43.
26.º Sendo que a dita missiva refere, desde logo, as razões que fundamentaram a decisão da Ré/Recorrente, estando escrito que “com a integração da C..., a R...T... visa aumentar a produtividade, reduzir os custos e verticalizar o ciclo produtivo, com o objectivo de ultrapassar os resultados operacionais e líquidos negativos, tanto a nível de contas consolidadas como não consolidadas.
27.º Pelo que a Recorrida teve sempre conhecimento das razões que fundamentaram a opção da R. pelo despedimento colectivo.
28.º Da dita carta resulta ainda que “a R...T... tem portanto absoluta necessidade de se reestruturar”.
29.º Junto aos autos encontra-se, também, um recibo de vencimento - Volume I, fls 44 – que comprova que o vencimento da Recorrida era de 1210.800,00 escudos, sendo que do mesmo (aliás de todo o processo) resulta ainda que a Recorrida era trabalhadora unicamente da Recorrente.
30.º Assim, o vencimento da Recorrida era demasiado elevado, sendo que a opção empresarial da Recorrente que se encontrava numa óptica de contenção de custos, conforme alegado e provado nos presentes autos, ao incluir a mesma nos trabalhadores a despedir foi perfeitamente natural e justificada.
31.º Cumpre salientar ainda alguns dos factos dados como provados que ajudam a fundamentar a pretensão da aqui Recorrente no presente recurso, no sentido do despedimento ser considerado lícito: 32.ºA distribuição directa pela C... às lojas de venda ao público, em vez de continuar a transportar as mercadorias para as instalações de Rio de Mouro, para, a partir daí, as distribuir às lojas, potencia aumentar a eficiência da distribuição e evita os custos de funcionamento com instalações e pessoal em Rio de Mouro”.
33.º Ficou provado também que: “desde finais de Setembro de 2001 que a I..., SL, com escritórios em Barcelona, não se ocupa das áreas de imagem e comunicação, as quais estão presentemente em serviço de outsourcing” e também que: “tais áreas estavam a cargo da Sra. CC”.
34.º Factos que sustentam que o despedimento da Recorrida se fundamentou única e exclusivamente em critérios empresariais da Recorrente, absolutamente lícitos e por isso que não são passíveis de serem sindicados pelo Tribunal.
35.º E, desta forma, inexistem razões para que o despedimento da Recorrida se considere ilícito.
36.º Relativamente à questão de saber se o recebimento da compensação equivale à aceitação do despedimento.
37.º De acordo com a doutrina e jurisprudência dominantes, o recebimento da compensação pelos trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo equivale a aceitação do despedimento.
38.º Tal como é referido actualmente no art. 401.º, n.º 4, do Código do Trabalho, o recebimento da compensação devida pelo despedimento colectivo equivalerá a uma aceitação desse despedimento, pelo que se retira do espírito da Lei que o trabalhador, se achar que o seu despedimento é ilegítimo, deverá impugná-lo de imediato, sem receber e aceitar a compensação proposta pela entidade empregadora.
39.º Assim sendo, a Recorrida ao aceitar a compensação que lhe foi paga, aceitou o despedimento, não podendo posteriormente vir a impugná-lo, como o fez.
40.º A Recorrente expressamente declara, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 15.º, n.º 3, do CCJ, a sua intenção de proceder ao envio por meios electrónicos do presente articulado e demais requerimentos do processo.»

Contra-alegou a Autora a pugnar pela confirmação do julgado, tendo concluído a respectiva peça alegatória, como segue:

«A - É sempre necessário apurar se os fundamentos que levam ao despedimento colectivo têm algum nexo de causalidade com a cessação do contrato de trabalho de cada trabalhador em concreto.
B - Como é referido no Acórdão do STJ, de 26.11.2008, em www.dgsi.pt): “na apreciação dos fundamentos do despedimento colectivo, importa ter em conta, para além da verificação objectiva da existência dos motivos estruturais, de mercado ou tecnológicos, a existência de um nexo entre tais motivos e os despedimentos efectuados, por forma a que aqueles sejam suficientemente fortes para que, determinando uma diminuição de pessoal, conduzam, sem mais, ao despedimento colectivo de certos e determinados trabalhadores.” (Sublinhado nosso).
C - Cabia à Recorrente fazer prova dos fundamentos do despedimento colectivo, maxime a cessação da função de intermediação em resultado da intervenção da C..., afectarem de alguma forma e, por isso, justificarem o despedimento em concreto da Recorrida.
D - Prova essa que não foi de forma alguma feita.
E - Antes pelo contrário, ficou claramente demonstrada a inexistência de qualquer fundamento para a extinção do posto de trabalho da Recorrida e a sua inclusão no despedimento colectivo.
F - A inclusão da Recorrida no processo de despedimento colectivo foi apenas e só uma forma de fazer cessar o seu contrato de trabalho quando não havia motivo legal para o fazer.
G - Pelo que se trata de despedimento ilícito com todas as consequências legais dai decorrentes.
H - Na data dos factos estava em vigor o art.º 23.º da LCCT com a redacção dada pela Lei 32/99, de 18 de Maio, e que eliminou o n.º 3 daquela disposição legal, renumerando os pontos seguintes.
I - Dessa eliminação resultou a retirada da disposição legal que impunha uma presunção absoluta de aceitação do despedimento com a aceitação da compensação.
J - Assim, deixou de existir qualquer disposição que impedisse a Recorrida de impugnar o despedimento colectivo depois de aceitar a compensação pela cessação do contrato de trabalho.»

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu douto parecer — a que as partes não responderam — no sentido de ser negada a revista.

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Corridos os vistos, cumpre decidir.


II

1. Na primeira instância os factos materiais da causa foram fixados nos seguintes termos, que o Tribunal da Relação aceitou:

«I – Com base nos documentos juntos nestes autos e no acordo das partes nos articulados:
1. A petição inicial da presente acção foi remetida a este tribunal por carta registada em 3/08/2001 (cfr. Doc. de fls. 134).
2. A A. iniciou a sua prestação de trabalho na R. em 1/07/1997, com a função de Directora Comercial, tendo transitado da associada da R., R... – Companhia de Importação e Exportação de Têxteis, Lda., na qual a A. exercia as funções de Directora Comercial desde 1989 (Doc. de fls. 29).
3. Quando da sua admissão como trabalhadora da R., foram-lhe garantidos todos os direitos e regalias que tinha adquirido como funcionária da associada R... (Doc. de fls. 29).
4. No início de 1999, foi atribuída à A. a categoria de Directora de Produto.
5. No início de 2000, a A. passou a desempenhar funções na área de imagem e comunicação.
6. Em 22/01/2001, a A. recebeu comunicação da R., nos termos previstos no n.º 3 do art.º 17.º do DL n.º 64-A/89, na qual lhe era manifestada a intenção de despedimento (Docs. de fls. 30 a 37).
7. Em 5/03/2001, recebeu a A., nos termos do art.º 20.º, n.º 1, do citado DL, a decisão do seu despedimento no âmbito do processo de despedimento colectivo, com efeitos no dia 5/05/2001 (Doc. de fls. 38 a 43).
8. À data do despedimento, a A. auferia a retribuição base mensal de 1.210.800$00, tendo a R. lhe pago uma compensação no valor de 14.529.600$00 (Doc. de fls. 44).
9. No dia 4/05/2001, 6.ª Feira, pelas 16H30, a R. entregou à A. um cheque com aquela data, sacado sobre o BES – Praça de Londres, no valor de 16.784.997$00, correspondente à soma da aludida compensação com os créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, calculados com referência àquela mesma data.
10. A A. recebeu a aludida verba no dia 7/05/2001.
11. A A. remeteu à R. a carta de 9/05/2001 sobre o assunto, que se dá como reproduzida (Doc. de fls. 45).
12. O Sr. BB era o Presidente do Conselho de Administração da R. e seu accionista maioritário, e controlava as seguintes sociedades: R... – Companhia de Importação e Exportação de Têxteis, Lda.; C..., Lda.; I..., SL; G..., SL; G... Confecções, Lda.; G... Confecciones, SL; D...T..., Lda. e B... Imobiliária, S.A..
13. O sr. BB viveu maritalmente com a A. durante vários anos, tendo dessa relação nascido um filho com 6 anos à data da instauração da acção.
14. A A. e o sr. BB estavam de relações pessoais cortadas e tinham um litígio judicial pendente relativo à regulação do exercício do poder paternal sobre o filho, que estava entregue aos cuidados da mãe.
II – Com base nos elementos constantes do relatório da Exm.ª Assessora, nos termos dos quais se consideram assentes os factos alegados como fundamento do despedimento que aí não estão infirmados e os factos apurados pela mesma com base em prova documental bastante:
15. À data do despedimento, a R. era uma empresa comercial do sector têxtil, cuja actividade consistia, essencialmente, na venda por grosso de vestuário produzido por terceiros.
16. Acessoriamente, exercia algumas actividades de apoio à concepção e comercialização do referido vestuário, actividades estas da responsabilidade de empresas especializadas detidas maioritariamente pela R..
17. Para além disso, vendia ela própria produto acabado directamente ao público, numa loja que possuía no Carregado (outlet), onde prestavam serviço cinco trabalhadores.
18. A R. exercia essencialmente a sua actividade em Rio de Mouro, onde possuía a sede, armazém e escritórios, com a única excepção da loja do Carregado.
19. Era nas instalações de Rio de Mouro que a A. tinha o seu gabinete de trabalho quando se encontrava em Portugal.
20. Eram frequentes as suas deslocações a Espanha.
21. Em 1999, o Fundo de Internacionalização das Empresas Portuguesas (F.I.E.P.) adquiriu 28% do capital da R., que se traduziu num investimento de meio milhão de contos, com o objectivo de aumentar as vendas, tentar amortizar o passivo bancário e, por essa via, consolidar a empresa.
22. Todavia, a empresa continuou a ter resultados operacionais e líquidos negativos. Assim:
Resultados operacionais
199893.583 contos
1999114.492 contos
2000(40.615 contos)
Resultados líquidos
199826.137 contos
1999(9.442 contos)
2000(109.519 contos)
23. A concorrência do sector têxtil é cada vez maior a nível mundial, exigindo níveis de eficiência e competitividade cada vez melhores.
24. A R. encomendava a produção a terceiros e, até 31 de Dezembro de 2000, recepcionava essa produção nas suas instalações em Rio de Mouro, para, a partir daí, a vender e distribuir às lojas de venda ao público.
25. A empresa C... - Vestuário, Lda., com sede na Trofa, era uma das empresas à qual a R. encomendava regularmente parte dessa produção.
26. Em Dezembro de 2000, a R. adquiriu a totalidade do capital social da C..., por troca de participações sociais equivalentes dos respectivos accionistas da R., sem necessidade de aumentar o endividamento desta.
27. A R. deixou as instalações de Rio de Mouro, cessando todas as actividades aí desenvolvidas, nomeadamente a função de intermediação logística entre a produção e as lojas de venda ao público, que passaram a receber o produto acabado directamente da C....
28. Em tais instalações trabalhavam, até 31 de Dezembro de 2000, 30 trabalhadores.
29. No início de 2001, a R. celebrou acordos de cessação de contrato de trabalho individual com 24 desses trabalhadores, mediante recebimento pelos mesmos de uma indemnização.
30. De entre os mesmos, as Sras. M...de M... e S...C... foram admitidas em Janeiro de 2001 na G... Confecções e na C..., respectivamente.
31. Foram objecto do despedimento colectivo as restantes 6 trabalhadoras, nomeadamente a A. e as seguintes:
- M...M...P...S... - Directora de Logística
-M...F...M...V... - Chefe de Serviços
- S...A...A...A...M...C... - Escriturária de 1.ª
- A...M...B....B...da C...R... - Escriturária de 1.ª
- M...J...F...dos S... - Secretária de Administração.
32. A todas foram processadas as correspondentes compensações legais.

33. As 2.ª, 3.ª, 4.ª e 5.ª trabalhadoras mencionadas passaram a trabalhar para a B... Imobiliária, S.A., a partir de 5/05/2001.
34. Em 1/04/1999, a S... – Sociedade Industrial de Artefactos de Madeira, Lda. prometera vender à B... Imobiliária, S.A., pelo preço de 140.000.000$00, as instalações utilizadas pela R. em Rio de Mouro, utilização essa prevista no respectivo contrato; e a B... prometera arrendar as mesmas instalações à R., pela renda mensal de 1.750.000$00, com início a partir da mesma data.
35. Em 29/03/2001, a S... vendeu as aludidas instalações à B..., pelo preço de 140.000.000$00; a B... vendeu-as ao Fundo de Investimento Imobiliário Aberto F..., pelo preço de 270.000.000$00; e o F... arrendou-as à B..., para armazém e serviços administrativos da respectiva actividade, pelo prazo de 5 anos, renovável, pela renda mensal de 1.800.000$00.
36. Em 2001, a R. teve resultados operacionais negativos no valor de Euros 1.164.989 e resultados líquidos negativos no valor de Euros 1.584.023.
37. A B... Imobiliária, S.A. teve resultados líquidos negativos no valor de Euros 82.815, em 2000, e resultados líquidos positivos no valor de Euros 114.235, em 2001.
38. O lucro de Euros 648.437,27, auferido pela B... com o negócio acima aludido, foi absorvido em grande parte por encargos de contratos de leasing com a compra de imóveis e outros custos de gestão.
39. A M...J...F...dos S..., desde que foi trabalhar para a B... Imobiliária, SA, mantém-se, como antes, como secretária particular do Sr. BB.
III – Constantes da decisão do tribunal proferida no final da audiência de discussão e julgamento:
40. AM...F...M...V..., a S...A...A...A...M...C... e a A...M...B...B...da C...R... enquanto trabalharam para a B... Imobiliária, S.A., até ao fecho relativo ao ano de 2001, tiveram a seu cargo, como antes, a realização ou a coordenação da contabilidade das empresas R... – Companhia de Importação e Exportação de Têxteis, Lda., G... Confecções, Lda., D...T..., Lda., R...T..., S.A. e B... Imobiliária, S.A..
41. As funções incluídas no ponto 5. dos Factos Assentes incluíam coordenação do gabinete de grafismo da marca “G...”, colaboração com o gabinete de interiorismo e de escaparatismo, relacionamento com a imprensa, nomeadamente sobre os gabinetes de show-room em Espanha e Portugal, coordenação da actualização dos sites na Internet, nomeadamente das sucessivas colecções, e coordenação dos catálogos da marca “G...”.
42. Tais tarefas eram também desempenhadas em Barcelona, Espanha.
43. Nos últimos 2 anos, todas as semanas, a A. partia para Barcelona 3.ª feira de manhã, de onde regressava na 5.ª Feira à noite, quando lá não permanecia toda a semana.
44. A A. tinha o seu gabinete e número de telefone próprio nos escritórios de Barcelona.
45. Era nessas instalações que desempenhava a sua actividade, quando se encontrava em Espanha.
46. Bem como em contactos com os gabinetes existentes em Espanha e com as lojas espalhadas por Portugal e Espanha.
47. A A. colocou a possibilidade de passar a residir em Barcelona.
48. Era da responsabilidade da A. acompanhar o negócio das marcas “G...” e “C...de C...” no quadro da imagem e comunicação no âmbito da R. e das restantes sociedades do grupo, quer portuguesas, quer espanholas.
49. A A. tinha ao seu serviço uma viatura atribuída pela R..
50. O pessoal de Barcelona do gabinete de comunicação e imagem e a equipa de desenho, id. no organigrama de fls. 49, reportavam directamente à A..
51. Posteriormente ao despedimento colectivo, foi elaborado o organigrama de fls. 50, em que a função de Director de Imagem e Moda foi assumida pelo Sr. BB.
52. O qual passou a assumir as mesmas funções e tarefas que eram realizadas pela A..
53. A R... continua em actividade.
54. Para fazer face à situação referida no ponto 22. dos Factos Assentes, era necessária a contenção de custos.
55. A distribuição directa pela C... às lojas de venda ao público, em vez de continuar a transportar as mercadorias para as instalações de Rio de Mouro, para, a partir daí, as distribuir às lojas, potenciava aumentar a eficiência da distribuição e evitar os custos de funcionamento com instalações e pessoal em Rio de Mouro.
56. Desde finais de Setembro de 2001 que a I..., SL, com escritórios em Barcelona, não se ocupa das áreas de imagem e comunicação, as quais estão presentemente em regime de outsourcing.
57. Tais áreas estavam a cargo da Sra. CC.
58. A D...T..., Lda., ocupa-se da actividade de retalho da marca "C...de C...".
59. Nas instalações da R. em Rio de Mouro funcionavam os serviços de contabilidade, não só daquela – negócio de roupa – mas também de outras empresas do grupo, assumindo a natureza de serviços partilhados.
60. Em virtude do encerramento daquelas instalações, os serviços de suporte à contabilidade relativos ao negócio de roupa passaram a ser desempenhados em Trofa, pela C....
61. A reestruturação e transferência de serviços de contabilidade é uma operação complexa, gradual, demorada e que tem de ser faseada por forma a permitir dar continuidade à normal actividade da R. e das outras empresas do grupo.
62. Atenta a complexidade da operação, a ré entendeu necessitar dos serviços da Sra.M...F...M...V... nesta fase de transição, motivo porque a Sr.ª M...F...V... celebrou com a B... Imobiliária um contrato de trabalho a termo certo.
63. Com as trabalhadoras M...V..., S...C..., A...M...B... e M...J...S..., a R. celebrou mútuos acordos de rescisão, tendo em seguida estas trabalhadoras celebrado contratos de trabalho a termo certo com a B... Imobiliária, S.A..
64. A viatura de serviço que a A. utilizava estava registada em nome da R., com indicação de sede nas instalações de Rio de Mouro.
65. O pessoal dos escritórios de Barcelona reportava superiormente ao Presidente do Conselho de Administração da R..
66. As contas da R. são auditadas regularmente pela E...& Y....
67. Para fazer face à situação de dificuldade financeira da R., os seus accionistas, em Janeiro de 2001, viram-se na necessidade de efectuar suprimentos no valor de Esc. 200.000.000$00.
68. A R..., actualmente, limita-se a ser detentora das marcas “G...” e não tem, desde 1999, qualquer trabalhador ao seu serviço.»

2. Não vindo impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, e não se verificando qualquer das situações que, nos termos do artigo 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, autorizam o Supremo Tribunal a censurar tal decisão, é com base na factualidade por aquele tribunal superior fixada que hão-se ser apreciadas as questões suscitadas nas conclusões do recurso de revista. São elas as mesmas que foram colocadas à apreciação do Tribunal da Relação no recurso de apelação:

1.ª — Saber se o despedimento em apreciação pode ser declarado ilícito em função da inexistência de nexo causal entre a motivação invocada para justificar o despedimento colectivo e a individualização do despedimento da Autora;

2.ª — Saber se o recebimento pela Autora da compensação pecuniária equivale à aceitação do despedimento.

3. Da (i)licitude do despedimento:

3. 1. Dado que a relação laboral cessou antes de 1 de Dezembro de 2003, tem aqui inteira aplicação — como consideraram as instâncias, sem discordância das partes — a disciplina contida no Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo (LCCT), anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, atento o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, 1.ª parte, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto que aprovou o Código do Trabalho.

De acordo com o artigo 16.º da LCCT, «[c]onsidera-se despedimento colectivo a cessação de contratos individuais de trabalho promovida pela entidade empregadora operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, que abranja, pelo menos, 2 ou 5 trabalhadores, conforme se trate de, respectivamente, de empresas com 2 a 50 ou mais de 50 trabalhadores, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento definitivo da empresa, encerramento de uma ou várias secções ou redução do pessoal determinada por motivos estruturais, tecnológicos ou conjunturais».

E, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea e), do mesmo diploma, o despedimento colectivo é ilícito «[s]e forem declarados improcedentes os fundamentos invocados».

A sentença da 1.ª instância, depois de discorrer, com pertinentes referências doutrinárias e jurisprudenciais, sobre os aspectos genéricos do conceito de despedimento colectivo, observando que esta modalidade de cessação do contrato de trabalho tem como efeito a extinção de uma pluralidade de contratos em consequência de um pressuposto material, que é um motivo de natureza económica que se situa na esfera da empresa e é, assim, exterior àqueles contratos, e acolhendo o entendimento de que não cabe ao tribunal apreciar, do ponto de vista da racionalidade económica, o mérito dos critérios de gestão empresarial determinantes da decisão de reestruturação ou redução de pessoal, verificados que sejam os fundamentos previstos no citado artigo 16.º, concluiu, perante a factualidade provada, que a decisão da Ré de «encerrar definitivamente as instalações de Rio de Mouro, cessando todas as actividades aí desenvolvidas», justificava, tendo em conta todo o enquadramento motivacional, a cessação de contratos de trabalho no âmbito de um processo de despedimento colectivo.

Ponderou, outrossim, que, apesar de o despedimento colectivo se basear numa motivação comum, no que respeita à decisão global de gestão, haverá de demonstrar-se a existência de um nexo causal entre aquela e o despedimento de vários trabalhadores e de cada um deles.

Enfim, analisou a matéria de facto provada e veio a concluir, no que à Autora diz respeito, não ser possível estabelecer um nexo entre o quadro motivacional comum alegado pela Ré para justificar a cessação plural de contratos de trabalho e a individualização do despedimento da Autora.

No recurso de apelação, a Ré sustentou, por um lado, que, estando provado o circunstancialismo justificativo da decisão de proceder ao despedimento colectivo, a opção pelos concretos trabalhadores a despedir, cabe exclusivamente na discricionariedade da Ré, não podendo o julgador sindicar essa opção, e, por outro lado, que, no caso, o despedimento da Autora se fundou em critérios empresariais lícitos, não passíveis de serem sindicados.

3. 2. O Tribunal da Relação sufragou o entendimento da sentença, discreteando assim:

«A exigência do nexo de causalidade entre a motivação global invocada para justificar o despedimento colectivo e o concreto despedimento de cada trabalhador resulta directamente do texto do artigo 16.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Dec-Lei 64-A/89 de 27.02 (LCCT) (*), que considera despedimento colectivo a cessação de contratos individuais de trabalho promovida pela entidade empregadora, sempre que tal ocorrência se fundamente em encerramento definitivo da empresa, encerramento de uma ou várias secções ou redução de pessoal determinada por motivos estruturais, tecnológicos ou conjunturais .
E, a jurisprudência dominante(*) tem entendido que o controlo judicial da validade do despedimento colectivo implica, por parte do tribunal, não só a verificação objectiva da motivação invocada para justificar a redução global dos postos de trabalho, mas também, a verificação da idoneidade de tal motivação para, em termos de razoabilidade, determinar a extinção dos concretos postos de trabalho, ou seja, implica também uma análise da adequação da motivação invocada para justificar o despedimento colectivo e a extinção de cada um dos contratos de trabalho que caem por efeito desse despedimento.
Na verdade, só assim o despedimento de cada trabalhador pode considerar-se justificado, face ao disposto no art. 53.º da CRP.
Como se refere no AC. do STJ de 26.11.2008, em www.dgsi.pt “ao prescrever que "são proibidos os despedimentos sem justa causa", o artigo 53.º da CRP proíbe os despedimentos imotivados, ultrapassando o conceito restrito de justa causa subjectiva relacionada com o comportamento culposo do trabalhador. Quer se considere que a justa causa a que alude o artigo 53.º da Constituição se relaciona com o conceito de direito civil de justa causa como "motivo atendível" que legitima a não prossecução de uma relação jurídica duradoura, quer se considere que a única exigência constitucional é a de que o despedimento tenha sempre uma motivação "justa, capaz, socialmente adequada e, dentro do possível, judicialmente controlável", é incontestável que a Constituição não admite a denúncia discricionária por parte do empregador e apenas possibilita a cessação do contrato de trabalho por vontade do empregador se existir uma justificação ou motivação, ainda que a justa causa possa resultar de causas objectivas relacionadas com a empresa nos termos da lei.”
E o mesmo aresto acrescenta mais adiante: “na apreciação dos fundamentos do despedimento colectivo, importa ter em conta, para além da verificação objectiva da existência dos motivos estruturais, de mercado ou tecnológicos, a existência de um nexo entre tais motivos e os despedimentos efectuados, por forma a que aqueles sejam suficientemente fortes para que, determinando uma diminuição de pessoal, conduzam, sem mais, ao despedimento colectivo de certos e determinados trabalhadores”.
É que o art. 20.º n.º 1 da LCCT exige que a entidade empregadora comunique, por escrito, a cada trabalhador a despedir a decisão de despedimento, com menção expressa do motivo. E este motivo há-de poder evidenciar, em termos de razoabilidade, que o despedimento de desse concreto trabalhador abrangido pelo despedimento colectivo se insere na motivação global invocada pela entidade empregadora para justificar o mesmo.
Refere-se no Ac. do STJ de 18.10.2006 que “é ilícita, por improcedência dos fundamentos invocados (artigo 24.º, n.º 1, alínea e), da LCCT), a decisão de despedimento que não explicita em relação a um determinado trabalhador a inter-relação existente entre a situação funcional desse trabalhador e os motivos económico-financeiros que estiverem na base do despedimento colectivo, a não ser que esta interrelação resulte, de modo implícito, da descrição do motivo estrutural, tecnológico ou conjuntural que tenha sido invocado para justificar a redução de pessoal”.
Improcede, assim, a alegação da Recorrente de que o Tribunal Recorrido não podia sindicar a opção do empregador pelos trabalhadores a despedir por isso se situar no âmbito dos poderes de gestão do empregador.
Quanto à concreta apreciação do caso vertente, relacionado apenas com o concreto despedimento da Autora, aqui Recorrida, remetemos para a fundamentação constante da decisão recorrida com a qual concordamos no essencial.
Na verdade, a Ré fundamentou o despedimento colectivo no encerramento das instalações de Rio de Mouro, cessando as actividades aí desenvolvidas, que consistiam na intermediação logística entre a produção de roupa e as lojas de venda ao público do produto acabado, passando tais lojas a ser fornecidas directamente pela C....
Nessas instalações trabalhavam 30 trabalhadoras, sendo que a Ré celebrou acordos de cessação de contrato de trabalho com 24 trabalhadores, pelo que o despedimento colectivo abrangeu as restantes cinco trabalhador[a]s, tendo todas recebido a compensação devida, mas só a Autora impugnou o seu despedimento.
Acontece que conforme resulta dos factos provados n.ºs 40 a 57 a situação funcional da Autora tinha especificidades relativamente às restantes trabalhadoras que laboravam nas instalações de Rio de Mouro, não só em termos de local de trabalho, visto que passava a maior parte do seu tempo em Espanha, como sobretudo em termos funcionais. Está provado que a A. desempenhava funções na área de imagem e comunicação, que incluíam a coordenação do grafismo da marca “G...”, colaboração com o gabinete de interiorismo e de escaparatismo, relacionamento com a imprensa, nomeadamente sobre os gabinetes de “show room” em Espanha e Portugal, coordenação da actualização dos sites na Internet, nomeadamente das sucessivas colecções e coordenação dos catálogos da marca G....
Ora, esta actividade na área de imagem e comunicação, relacionada com as várias empresa do grupo, continuou a existir, mesmo após o encerramento das instalações de Rio de Mouro, estando provado que essa actividade passou a ser desempenhada primeiro pelo Senhor BB, seguida pela Sr.ª CC, e só depois passou para outsourcing.
Todavia, como bem evidencia a decisão recorrida, a Ré, no âmbito do procedimento prévio de despedimento colectivo, estabeleceu a ligação entre a motivação económica comum do despedimento e a cessação do contrato de trabalho da A. nos termos já indicados (cfr. os Docs. de fls. 30 a 37 e 38 a 43, mencionados nos pontos 6 e 7 dos Factos Provados), sem qualquer referência que a particularize.
De mais significativo apenas consta que, “acessoriamente, exerce algumas actividades de apoio à concepção e comercialização do referido vestuário, actividades estas da responsabilidade de empresas especializadas detidas maioritariamente pela ré” e que “a partir da reestruturação proporcionada pela C... (…) não faria sentido manter as funções de apoio a outras empresas nas áreas da concepção e comercialização, por não se justificar a sua existência autónoma, e porque cada uma daquelas empresas tem capacidade suficiente para suprir ela própria as suas necessidades neste domínio.”
Porém, o facto das funções que eram exercidas pela Autora continuarem a existir, mesmo após o despedimento, é suficientemente demonstrativo da incongruência da justificação invocada para justificar o seu despedimento.
Note-se que dos autos não resulta que a Ré se propusesse encerrar definitivamente toda a sua actividade, antes decidiu eliminar uma função autónoma que era a da intermediação logística no ciclo da distribuição, passando esta a fazer-se directamente da produção para as lojas, não se evidenciando que a justificação invocada para a eliminação dessa intermediação logística seja suficiente para justificar a eliminação da actividade que era desenvolvida pela Autora, a qual, como está provado, continuou a existir após o despedimento.
Assim, é de concluir, como fez a decisão recorrida, pela insuficiência e incongruência entre a motivação comum invocada para justificar o despedimento colectivo e a individualização do concreto despedimento da Autora, o que torna ilícito o despedimento, nos termos do art. 24.º n.º 1 al. e) da LCCT.»

3. 3. A Ré persiste na afirmação da tese que defendeu perante o Tribunal da Relação, reproduzindo na alegação da revista os mesmos argumentos.

Ora, as considerações expendidas no acórdão recorrido mostram-se consonantes com a jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal — cfr. Acórdãos 24 de Maio de 2006, 17 de Janeiro de 2007, 26 de Junho de 2007 (Documentos n.os SJ200605240003794, SJ200701170015494 e SJ200706270 011474, em www.dgsi.pt) e 26 de Novembro de 2008 (no processo n.º 1539/08, sumariado em www.stj.pt/Jurisprudência/Sumários de Acórdãos/ Secção Social —, respondendo cabalmente à argumentação da recorrente, pelo que se subscrevem, corroborando-se o juízo a que conduziram.

4. Da aceitação do despedimento por efeito do recebimento da compensação:

O Tribunal da Relação enfrentou a questão nos seguintes termos:

«No âmbito de aplicação da LCCT, na sua versão originária, dispunha o n.º 2 do art. 25.º que o despedimento colectivo só podia ser impugnado pelos trabalhadores que o não aceitaram, uma vez que o n.º 3 do art. 23.º da mesma Lei estabelecia que “o recebimento da compensação devida pelo despedimento colectivo valia como aceitação do mesmo”.
A doutrina e a jurisprudência (*) consideravam que a aceitação do despedimento, nos termos do n.º 3 do art. 23.º, como uma presunção absoluta, que não admitia prova em contrário, segundo o regime correspondente ao das presunções juris et de jure.
Significa isto que o trabalhador alvo de um despedimento colectivo que recebesse a compensação devida pelo mesmo ficava impedido de o impugnar.
Acontece que o n.º 3 do art. 23.º da LCCT foi eliminado pela Lei n.º 32/99 de 18.05 (passando os n.ºs 4 e 5 para n.ºs 3 e 4). Com essa alteração a impugnação do despedimento colectivo passou a ser admitida no prazo de 90 dias a contar da data da cessação do contrato de trabalho nos termos previstos no n.º 2 do art. 25.º do mesmo diploma.
Com a entrada em vigor do Código do Trabalho, em 1.12.2003, foi revogada a LCCT e, no seu art. 401.º, n.º 4 (*), estabelece-se o seguinte: “presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação prevista neste artigo”.
Com esta norma voltou a introduzir-se a presunção de que o recebimento da compensação faz presumir a aceitação do despedimento, mas agora essa presunção é ilidível, juris tantum, ou seja, admite prova em contrário.
Ao caso vertente, porém, face às datas da comunicação da intenção de proceder ao despedimento colectivo (21.01.2001) e da comunicação do efectivo despedimento (5.05.2001), é aplicável a LCCT com as alterações introduzidas pela Lei 32/99 de 18.05, uma vez que o Código do Trabalho entrou em vigor em 1.12.2003 e o processo de despedimento colectivo se iniciou e terminou no âmbito de aplicação da referida Lei 32/99 de 18.05.
E, no âmbito de aplicação desta legislação, o recebimento da compensação não inviabilizava, nem sequer fazia presumir, a aceitação do despedimento, pelo que a sua impugnação podia ser livremente efectuada dentro do prazo legal.»

Na alegação da revista, também neste ponto, coincidente com a do recurso de apelação, a Ré limita-se a afirmar que, de acordo com a doutrina e a jurisprudência dominantes, o recebimento da compensação pelos trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo equivale à aceitação do mesmo, invocando, por outro lado, o disposto no artigo 401.º, n.º 4, do Código do Trabalho de 2003, deste modo ignorando a fundamentação expendida pelo Tribunal da Relação, contra a qual não aduz qualquer argumento.

Ora, tal fundamentação não merece crítica, pois traduz análise correcta dos efeitos da sucessão de leis e da determinação da lei aplicável ao caso, bem como da fixação do sentido e alcance desta, dispensado-se outras considerações para se anuir ao juízo que de tal fundamentação resultou.

Improcede, pois, também nesta parte, a alegação da revista.


III

Por tudo o exposto, decide-se negar a revista.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2010.

Vasques Dinis (Relator)

Bravo Serra

Mário Pereira