Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1060/20.3T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: FERREIRA LOPES
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DE COGNIÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DA RELAÇÃO
PROVA PERICIAL
PROVA TESTEMUNHAL
ERRO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
Data do Acordão: 06/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
A alteração da matéria de facto pela Relação, no exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 662º, nº1, do CPC, no caso de prova não vinculada, como sucede com a prova pericial e testemunhal (arts. 389º e 396º do Cód. Civil), não é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, como decorre do nº3 do art.674º do CPCivil.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

CORRENTE SUBLIME, LDA. intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra FITNESS CLUB DE BRAGA-ATIVIDADES DESPORTIVAS, LDA. pedindo que a ré seja condenada:

a) a reconhecer a sua responsabilidade exclusiva nas infiltrações alegadas na causa de pedir da ação, bem como nos danos produzidos pelas mesmas;

b) a executar, com urgência e imediatamente, todas as obras necessárias a eliminar definitivamente as infiltrações que se verificam nas frações que tomou de arrendamento, em especial as impermeabilizações e revestimentos nas zonas húmidas, como instalações sanitárias, balneários e piscina, bem como a realizar, de futuro, a integral manutenção dos mesmos, respeitando a periodicidade adequada e exigida;

c) ou, alternativamente, a permitir o acesso da autora às frações por si ocupadas a fim de realizar todas as obras necessárias à eliminação das infiltrações, imputando-lhe todos os respetivos custos e despesas.

Regularmente citada, a ré apresentou contestação, impugnando os factos articulados pela Autora, e requereu a intervenção principal provocada de UNA SEGUROS, S.A. invocando que a responsabilidade pela realização das obras, a existir, foi transferida para a chamada ao abrigo de um contrato de seguro que estava em vigor no período a que se reportam os factos, e por impugnação.

Em reconvenção, pediu a condenação da Autora pagar-lhe a quantia de € 10 460,65, acrescida de juros de mora, valor que despendeu com a realização de obras nos balneários masculinos e que considera serem da responsabilidade da autora.

Tramitados os autos, e após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, nestes termos:

 i) Condena-se a Ré Fitness Club de Braga – atividades desportivas Lda., a reconhecer a sua responsabilidade exclusiva pelas infiltrações verificadas nas lojas 1, 2 e 3 do piso 0 do edifício denominado "Pólo de Negócios de ...", sito na Avenida ..., em ..., ..., sendo a referida ré, solidariamente com a chamada UNA Seguros S.A (nos termos do contrato de seguro entre ambas celebrado), responsável pelos danos causados por tais infiltrações;

ii) Condena-se a Ré Fitness Club de Braga – atividades desportivas Lda, a executar todas as obras necessárias a eliminar definitivamente as infiltrações que se verificam nas lojas 13 e 14 do piso 1 do edifício mencionado no ponto i., e que tomou de arrendamento à Autora Corrente Sublime Lda, em especial as obras de impermeabilizações e revestimentos nas zonas húmidas da piscina, bem como a realizar, de futuro, a integral manutenção de tais zonas, respeitando a periodicidade adequada e exigida, sendo igualmente condenada, em alternativa, em caso de não cumprimento de tais obrigações, a permitir o acesso da Autora às lojas 13 e 14 do piso 1 a fim de realizar todas as obras necessárias à eliminação das infiltrações, imputando-lhe todos os respetivos custos e despesas.

iii) julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional formulado pela Reconvinte e absolver a Reconvinda de todos os pedidos contra ela formulados.


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Inconformadas, a Ré e a interveniente Una Seguros SA, interpuseram recurso de apelação, impugnando a matéria de facto e pugnando pela revogação da sentença e a improcedência da acção.


Por acórdão da Relação de Guimarães de 30.11.2020, foram as apelações julgadas procedentes, com a consequente revogação da sentença sendo a Ré e a chamada absolvidas dos pedidos.


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É a vez da Autora trazer o presente recurso de revista, cujas alegações remata com as seguintes conclusões:

I - A Recorrente não concorda com o Acórdão recorrido, o qual julgou procedente as apelações e, em consequência, revogou os pontos i e ii da sentença recorrida, absolvendo a Ré e a Chamada dos pedidos a que essas condenações se reportavam, por considerar que aquele viola o artigo 389.º do C.C. que fixa a força probatória das respostas dos peritos;

II - Em regra os poderes do STJ cingem-se ao julgamento da matéria de direito, configurando a fixação de factos em violação de uma disposição expressa de lei que fixe a força de determinado meio de prova, uma exceção a tal regra pois tais situações configuram verdadeiros erros de direito, integrando a esfera de competência do S.T.J..( 682.º, n.º 2 e 674.º, n.º 3, ambos do CPC)

III - O Tribunal da Relação, com a transição dos factos 18 e 23 para o rol de factos não provados, violou a norma reguladora da força de um meio de prova, in casu, a prova pericial;

IV - O Tribunal da Relação de Guimarães entendeu que afirmando os peritos, que possuem conhecimentos técnicos sobre a matéria, que a causa das infiltrações pode ser determinada com a realização de ensaios de estanquicidade de todas as infraestruturas privativas e comuns não é adequado ignorar esta afirmação técnica e determinar a causa das infiltrações com base em juízos de mera probabilidade, como fez o tribunal recorrido.

V - A conduta do Tribunal da Relação é sindicável por este egrégi o Tribunal uma vez que há uma disposição expressa de lei que fixa a força probatória da prova pericial, não se podendo dar como não provado os aludidos factos pela simples circunstância do relatório pericial não ser perentório em afirmar que as infiltrações que se verificaram na “C...” provieram do balneário masculino, piscina e respetivas bombas instalados no locado ocupado pela Ré, e que as infiltrações verificadas na “F...” provieram do balneário masculino instalado nesse mesmo local, tendo sido originada;

VI - Partindo da constatação de que o contato que o Tribunal da Relação tem com as provas é feito através da gravação, é inadmissível, à luz dos princípios da imediação e oralidade da audiência de discussão e julgamento, da livre apreciação da prova e da segurança jurídica, a alteração operada por aquele tribunal;

VII - Os poderes de alteração pelo Tribunal da Relação da decisã o da 1.ª instância sobre a matéria de facto só devem ser usados quando seja possível, com a necessária e exigível segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados;

VIII - No caso em análise tal não ocorreu, pois, o relatório pericial não é perentório em atribuir como origem das infiltrações, causa diferente daquela que foi doutamente decretada pela 1.ª instância como resulta da globalidade da prova produzida.

IX - A douta Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância não padece de qualquer vício e os fundamentos aí vertidos revelam uma análise cuidada dos factos e do direito, porquanto foi analisada criticamente toda a prova produzida com base num raciocínio coerente, lógico e baseado nas provas oferecidas, na lei, nas regras da experiênci a e no senso comum;

X - A prova pericial não tem força probatória vinculada, dado que, como se extrai do disposto nos artigos 591.º e 655.º do CPC e no artigo 389.º do Código Civil, o resultado da perícia é sempre valorado pelo juiz segundo a sua livre convicção;

XI - A Mma. Juíz de 1.ª Instância não foi arbitrária, pois apreciou livremente a prova pericial, mas com observância das regras de experiência comum, prudência e bom senso.

XII - Nenhum dos peritos foi capaz de assegurar com certeza a causa das infiltrações, pelo que se devolve plenamente ao tribunal a decisão da matéria de facto, podendo este decidir, tal como decidiu, livre de qualquer restrição probatória e, portanto, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova;

XIII - A Mma. Juiz a quo convenceu-se de que as infiltrações em causa eram provenientes do balneário masculino e piscina e respetivas bombas pelo enquadramento por si feito face ao relatório pericial juntamente com a restante prova produzida (testemunhal e documental) em audiência de julgamento, o que lhe permitiu aferir da existência de uma linha de continuidade no conjunto do material probatório recolhido não sendo, por isso, de censurar decisão recorrida;

XIV - Nos termos do n.º 3 do artigo 674.º do CPC, deve este Douto Tribunal ad quem anular a decisão de considerar os factos 18 e 23 não provados uma vez que a prova de que a origem das infiltrações, no que à C... concerne, é o balneário masculino, piscina e respetivas bombas instalados no locado ocupado pelo Fitness, e que as infiltrações verificadas na F... provieram do balneário masculino instalado nesse mesmo local, constituem elementos essenciais para a procedência da pretensão da aqui Recorrente e tais factos foram dado s como não provados em violação/desrespeito do artigo 389.º do Código Civil que fixa a força probatória das respostas dos peritos.

Termos em que,

Deve o presente recurso merecer provimento, de acordo com as precedentes conclusões, revogando, consequentemente, a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães de considerar os factos 18 e 23 não provados uma vez que o acórdão recorrido viola/desrespeita o artigo 389.º do Código Civil que fixa a força probatória das respostas dos peritos.


Contra alegaram as Recorridas pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.


Ainda na 2ª instância, foi indeferido, por decisão transitada em julgado, o requerimento de extinção da instância por inutilidade superveniente formulado pela Ré/recorrida, com fundamento no facto de a Recorrente/Autora não ser mais a locatária das fracções A,B e C.


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 Fundamentação.

Vem provada a seguinte matéria de facto:

1. A Autora é uma sociedade comercial que, com intuito lucrativo, se dedica à gestão de imóveis próprios, de espaços comerciais, designadamente de lojas e escritórios, incluindo a prestação de serviços de limpeza, segurança, publicidade e outros, bem como à compra e venda de imóveis e à revenda dos adquiridos para esse fim.

2. A Ré é uma sociedade comercial que, visando o lucro, se dedica à exploração e aluguer de equipamento recreativo e desportivo e à comercialização de artigos de desporto e seus acessórios.

3. E é detentora de um ginásio que, ademais de outros espaços húmidos e abastecidos por água, como balneários, está também dotado de uma piscina interior.

4. Em 31-01-2008, a Ré (na qualidade de segunda outorgante) celebrou um contrato promessa de arrendamento com a sociedade "K..., Lda." (na qualidade de primeira outorgante), e que tinha por objeto as lojas n.º 13 e 14 do empreendimento designado por "Pólo de Negócios de ...", sito na Avenida ..., em ..., ....

5. Do clausulado de tal contrato resultou o seguinte:

Considerando que: (…)

A segunda outorgante pretende instalar no local um centro de fitness, para desenvolver a sua atividade comercial. (…)


CLÁSULA SEGUNDA (objeto)

1. Pelo presente contrato a Primeira Outorgante promete dar de arrendamento à Segunda, e esta reciprocamente, promete tomar de arrendamento, as Lojas 13 e 14, do empreendimento identificado na cláusula antecedente, com a área global de 1.709,00 m2, devidamente assinaladas na planta anexa, que depois de rubricada pela Primeira e Segunda Outorgantes fica a fazer parte integrante deste contrato.

2. O presente arrendamento destina-se, exclusivamente, ao exercício da atividade de Fitness desenvolvida pela Segunda Outorgante, não podendo ser utilizado para qualquer outro ramo de comércio ou indústria, nem ser sublocado no todo ou em parte, sem o consentimento escrito, devidamente reconhecido, da Primeira Outorgante.


CLÁUSULA TERCEIRA (Promessa e Conversão em Definitivo)

1. O contrato prometido será celebrado no prazo de um ano a contar da data da assinatura do presente contrato, comportando como prazo máximo o dia 31/12/08.

2. Na realização da condição expressa, ou seja, com a realização das obras infra referenciados, que implicam a observância pela Segunda Outorgante da entrega do Projeto da Piscina até ao dia 09 de Maio de 2008, e entrega dos projetos definitivos até ao dia 30 de Junho de 2008, este contrato converte-se em definitivo, valendo como o contrato prometido, em todo o estipulado que não tenha natureza de mera promessa.


CLÁUSULA SEXTA (Obras e Benfeitorias)

1. A Segunda Outorgante será responsável pelo pagamento à Primeira do montante despendido por esta para as obras, requeridas por aquela, para adaptar o locado às necessidades e fins do arrendamento, em função dos projetos e caderno de encargos que vierem a ser elaborados.

(…)

5. Pelo presente contrato, a Segunda Outorgante atribui, desde já, à Primeira Outorgante a direito de preferência na adjudicação do contrato de empreitada respeitante à execução das obras necessárias para adaptar o local a um Centro Fitness, bem como na execução de quaisquer outros trabalhos àqueles concernentes, sendo certo que este direito de preferência pode ser exercido pela Primeira Outorgante, ou por qualquer outra sociedade comercial por qualquer outra sociedade comercial pertencente ao mesmo grupo empresarial das sociedades que constituem e são sócias da Primeira Outorgante.


CLÁUSULA OITAVA (encargos)

Todas as despesas e encargos relativos à conservação e fruição do espaço arrendado, nomeadamente as que digam respeito ao consumo de água, luz, taxa de saneamento e despesas de condomínio ficam por conta da Segunda Outorgante.

(…)


CLÁUSULA DÉCIMA (Benfeitorias)

1. Findo o presente contrato de arrendamento, no fim do prazo inicial do presente contrato, demonstrando a Segunda Outorgante o cumprimento cabal e pontual deste, esta temo direito de optar pela entrega do locado com ou em benfeitorias, salvaguardando-se sempre a estrutura base do espaço, sob pena de indemnização.

2. Caso a Segunda Outorgante não cumpra com o estipulado no presente contrato, e o mesmo finde antes do prazo referido na alínea antecedente a Primeira Outorgante fica com o direito a todas as benfeitorias realizadas no local arrendado, não podendo a Segunda Outorgante exigir qualquer indemnização à Primeira Outorgante a este título ou alegar retenção.

3. A Segunda Outorgante tem a obrigação de restituir o arrendado objecto do presente contrato, findo este, em perfeito estado de conservação e limpeza, com todas as suas chaves e pertenças.


6. O imóvel dado de promessa de arrendamento encontrava-se em bruto, ou seja, arrendando as frações em estrutura, só com paredes, placa de pavimento e teto.

7. No dia 10-03-2009, a Ré celebrou com a K..., Lda." um contrato de empreitada, que teve por objeto a execução das obras de adaptação das frações supra aludidas para exploração de ginásio,

8. Ao abrigo desse contrato, a K... executou todas as tubagens para condução de águas, instalou uma piscina, e construiu todas as instalações de ginásio na fração arrendada.

9. A K..., Lda. e a Autora tinham, naquela data, os mesmos sócios/gerentes e inclusive a mesma sede social, sendo simultaneamente Gerente e Sócio de ambas as sociedades AA, e simultaneamente sócio de ambas as sociedade BB.

10. Em julho de 2012, e em decorrência da celebração de um contrato de cedência de posição contratual, a Autora ocupou a posição dessa "K......" em tal relação locatícia, nela passando a figurar como senhoria e mantendo-se a ré como inquilina,

11. O que foi comunicado pela Autora à Ré por carta registada com aviso de receção, datada de 5 de julho de 2012, recebida pela Ré.

12. Entre os anos de 2015 e 2016, a Ré substituiu a tela da piscina e procedeu a obras de impermeabilização da mesma, com o valor orçamentado de € 18.144,19.

13. Em 04-07-2017, a Autora cedeu à sociedade comercial "F... Lda", a utilização da fração autónoma designada pela letra          C, correspondente à Loja 3, sita no rés-do-chão do edifício denominado "Pólo de Negócios de ...",

14. A fração C ocupada pela "F..." situa-se imediatamente por baixo das lojas mencionadas em 4., nomeadamente da piscina, da casa das máquinas da piscina, das saunas e dos balneários masculinos e femininos.

15. A Autora vem sendo interpelada pela "F.....", desde Julho de 2019, dando-lhe conta da existência de infiltrações na fração C,

16. Nomeadamente por gotejamento de água através do teto falso dessa fração, formando poças no pavimento.

17. Em julho de 2019, as placas de gesso que compõem o teto falso da fração cedida à "F....." estavam encharcadas, apresentando-se empoladas e empenadas, em virtude da água que as humedece de modo contínuo e ininterrupto.

18.  (julgado não provado pela Relação).

19. A "C..., Lda." ocupa as frações com as "A" e "B", correspondentes às lojas 1 e 2 do piso 0, e que se situam imediatamente por debaixo das frações mencionadas em 4., nomeadamente dos balneários masculinos.

20. A Autora vem sendo interpelada pela "C...", desde janeiro de 2019, dando-lhe conta da existência de infiltrações nas lojas mencionadas nos pontos anteriores.

21. Em julho de 2019, a fração ocupada pela C... apresentava as seguintes marcas:

a. Manchas de escorrimento de água em paredes situadas sob os balneários, casa das máquinas e bombas da piscina do locado da Ré;

b. Formação de substância de aparência cristalina ou filamentosa de cor esbranquiçada, em locais próximos da escorrência de água e nos pavimentos situados diretamente por baixo de ocorrências em tetos;

c. Deposição à superfície da estrutura de betão armado de sais dissolvidos pela percolação de água no interior do betão;

d. Eflorescências visíveis, formação de estalactites e separação do reboco das paredes na área por baixo dos balneários, da casa das máquinas e das bombas da piscina do locado da Ré;

e. Manchas de cor castanha/amarela nos tetos do WC na área por baixo dos balneários do locado da Ré;

f. Escorrência e água junto de duas caixilharias voltadas a nascente;


22. Por causa dessas infiltrações, a "C....." teve um quarto de banho com a utilização interdita e impossível de ser usado, nomeadamente por clientes e staff,

23. (julgado não provado pela Relação).

24. Em 20-09-2019, o Condomínio do "Pólo de Negócios de ..." dirigiu uma carta à Autora com os seguintes dizeres:

«Pelos técnicos ao serviço do condomínio foi possível apurar que as aludidas infiltrações estão relacionadas com a deterioração dos materiais de impermeabilização situados zonas mais húmidas da fração ocupada pelo Ginásio Fitness bem como com a ausência de uma manutenção periódica dos mesmos. Razão pela qual vem pela presente o condomínio P.N. ... requerer a Vas. Exas. que diligenciem com urgência, pela realização de obras tendentes a uma adequada impermeabilização da fração de vossa propriedade».


25. Em 26-09-2019, a Autora dirigiu uma carta à Ré com os seguintes dizeres:

«Pelos técnicos ao serviço do condomínio foi apurado que as aludidas infiltrações estão relacionadas com a deterioração dos materiais de impermeabilização situados zonas mais húmidas da fração ocupada por V. Exas. bem como com a ausência de uma manutenção periódica dos mesmos. Razão pela qual, e não obstante sermos os proprietários da aludida fração, vimos pela presente notificar V. Exas para que procedam, com urgência, às obras tendentes a uma adequada impermeabilização da fração por vós ocupada e onde, por vossa conta e risco levaram a cabo obras de adaptação do locado ao fim a que pretendiam, mormente com construção de uma piscina, sendo todos os encargos e custos com tal adaptação».


26. Pelo menos desde 28 de janeiro de 2020 existia uma rotura na união de tubo de abastecimento de água quente de ligação à torneira do duche, no balneário masculino e descoloração e levantamento do piso em linóleo.

27. O estado em que os chuveiros se encontravam levou à interdição dos balneários masculinos por período não concretamente apurado.

28. Por carta datada de 29-01-2020, recebida pela Autora, a Ré comunicou à Autora a existência de infiltrações de água na zona de chuveiros e nos corredores, parede exterior do balneário, com exposição a tijolo, exigindo a reparação de tais infiltrações.

29. Foram realizadas as seguintes obras no balneário masculino, no valor global de 10.195,47

- Estudo de fuga de água, abrir rasgo na parede dos balneários dos homens, reparar o tubo da rede de água quente, reparar as paredes danificadas nas áreas do ginásio e piscina, fornecer e colocar 108 m2 de linóleo e retirar o entulho para vazadouro, tendo a chamada Una Seguros S.A. pago a quantia global de 5 452,00, a título de regularização de danos do sinistro ocorrido em setembro de 2019 (processo ...54 apólice nº ...74 Multi Riscos Industrial) correspondendo 5 302,00 aos danos sofridos pela segurada Fitness Club; Lda. e 150 aos danos sofridos pelo lesado. (redacção introduzida pela Relação)

30. Em data não concretamente apurada, mas após março de 2020, a Ré efetuou obras nos balneários masculinos do ginásio, pelo valor orçamentado de € 15.912,65:

- Picagem do revestimento e betonilha de pavimentos existentes com transporte a vazadouro; - Retirada dos revestimentos existentes nas paredes, incluindo transporte a vazadouro; - Remoção de canaletes de escoamento de água e execução de pendentes para o escoamento da água; - Regularização de pavimento para receber telas, com respetivas inclinações; - Fornecimento e colocação de 2 telas de 3kg/m2 e 4kg/m2 com dobragem de 20cm nas paredes; -Colocação de manta geotextil e recobrimento com rede de galinheiro e argamassa de regularização; - Fornecimento e colocação de pavimento cerâmico até 15€/m2; - Aplicação de tela cimenticia em parede por forma a impermeabilizar, antes de receber o cerâmico em paredes; - Fornecimento e colocação de revestimento cerâmico até 15€/m2; - Execução de ramal de abastecimento de água a partir do passador existente em tubo inox à vista, incluindo fluxometros e chuveiros.

31. Nas lojas mencionadas no ponto 4. existem estúdios de aulas de grupo com tetos estragados;

32. No dia 14-09-2021, as lojas mencionadas no ponto 4. apresentavam ainda o seguinte estado:

a. Existência de manchas secas de infiltração no teto do ginásio (estúdio grande) (zona não compatível com as infiltrações encontradas nas frações inferiores);

b. Existência de gotejamento na zona de acesso aos balneários (zona compatível com as infiltrações encontradas nas frações ocupadas pela C... e pela F..., sem que nestas existam evidências de que persistam infiltrações ativas em ambas as frações);

c. Existência de gotejamento na zona da casa das máquinas da piscina com formação de eflorescências na superfície do betão e escorrimento sobre a conduta, situada por baixo da cobertura-terraço do piso 2, com marcas de corrosão e umidade em várias zonas do pavimento revestido a betão. Nesta zona existiam vestígios ativos de presença de água no pavimento (zona compatível com as infiltrações encontradas na fração ocupada pela C..., sem que nesta existam evidências de que persistam infiltrações ativas);

d. Empolamento da pintura na parede e teto norte e poente do local possivelmente proveniente da fachada do edifício, do sistema de impermeabilização da cobertura-terraço imediatamente acima ou de anomalias na tubagem de águas pluviais (zona não compatível com as infiltrações encontradas nas frações inferiores).


33. As alíneas c) e d) do ponto anterior situam-se sobre os terraços do piso 2 do prédio “Polo de negócios de ...”.

34. A Ré celebrou com a chamada Una Seguros S.A um contrato de seguro Multi- Riscos Industrial, titulado pela Apólice n.º ...74, do ramo multirriscos industrial, com início em 27-03-2018, validade de um ano e seguintes, automaticamente renovável no termo de cada anuidade caso não fosse denunciado, e tendo por objeto a atividade industrial de exploração de instalações desportivas no local seguro – ..., Loja 13 e14, ... ....

35. O referido contrato rege-se pelas suas condições particulares, e bem assim, pelas condições gerais do ramo em causa.

36. Das condições particulares resulta como objecto seguro: conteúdos/benfeitorias”

37. Das condições particulares resulta a subscrição do seguro das seguintes coberturas complementares:

a. “responsabilidade civil exploração (incluindo intoxicação alimentar)”;

b. “danos por água”;

c. “pesquisa e reparação de avarias”.

37-A. “A cobertura complementar de “responsabilidade civil exploração (incluindo intoxicação alimentar)”, referida em 37 a., foi subscrita tendo como limite de indemnização o capital seguro de 100.000,00 e sujeita a uma franquia de 10% do valor do sinistro no mínimo de 250,00.” (aditado pela Relação).

38. Do clausulado de tal contrato resultou o seguinte: CONDIÇÕES GERAIS

(…) ARTIGO - DEFINIÇÕES

Para efeitos do presente contrato, entende-se por: (…)

EDIFÍCIO: Conjunto de elementos de construção e respetivas instalações fixas de água, gás, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, comunicações, elevadores, monta-cargas e escadas rolantes, painéis solares, antenas de captação de imagem e de som, bem como as construções anexas pertencentes ao edifício seguro.

Consideram-se, igualmente, parte integrante do edifício:

- As arrecadações, garagens, piscinas e tanques, a ele pertencentes,

- Todos os elementos nele incorporados de forma fixa pelo seu proprietário, nomeadamente soalhos, pavimentos e armários;

- As benfeitorias introduzidas pelo seu proprietário com carácter permanente, com exceção daquelas relacionadas com o exercício de atividades profissionais;

- Os muros de contenção de terras ou de delimitação e/ou separação da propriedade e respetivos portões.vedações,caminhos e outras superfícies     asfaltadas,    ladrilhadas    ou empedradas, jardins, campos de jogos e outras instalações recreativas, desde que o respetivo valor esteja considerado no apuramento do correspondente valor seguro.

(…) ARTIGO 2°- OBJECTO DO CONTRATO

1. São objeto do presente contrato o edifício, mobiliário, maquinaria, recheio, instalações e existências ou qualquer outro património, que se especifique nas condições particulares, destinados exclusivamente à atividade do segurado.

2 Mediante convenção expressa através das respetivas condições especiais, poderão ser objeto do presente contrato outros bens, valores e/ou custos declarados nas condições particulares. 3. Do mesmo modo, está incluído na cobertura do presente seguro, o valor das obras de melhoramento efetuadas pelo segurado em edifícios ou locais propriedade de terceiros, assim como dos bens móveis que se encontrem em seu poder à guarda ou em depósito.

4. A obrigatoriedade de discriminação valorizada, os limites de tolerância e as condições de existência e funcionamento de bens seguros, pelo presente contrato, ficam igualmente sujeitos ao disposto, para os efeitos respetivos, nas condições especiais.

ARTIGO - GARANTIAS DO CONTRATO

No âmbito da cobertura base e dentro dos limites estabelecidos no contrato, o segurador indemnizará o segurado pelas perdas e danos que os bens seguros possam ter sofrido por qualquer causa acidental ou imprevisível em consequência direta de:

01 - Incêndio, Queda de Raio e Explosão

02 - Fumo, Fuligem e Cinzas

03 - Queda ou Impacto de Aeronaves

04 - Choque ou Impacto de Veiculos Terrestres

05 - Despesas de Demolição e Remoção de Escombros

06 - Quebra de Vidros, Reclamos e Loiças Sanitárias

07 - Quebra ou Queda de Antenas

08 - Quebra ou Queda de Painéis Solares

09 - Queda de Árvores

10 - Derrame de Sistemas Hidráulicos de proteção contra Incêndios

11 - Reabastecimento de Equipamento contra Incêndio

ARTIGO - COBERTURAS COMPLEMENTARES

Conjuntamente com a cobertura base, mediante convenção expressa nas condições particulares, (…) poderá ser alargado o âmbito do presente contrato à cobertura de outros ricos complementares, ficando sujeitos aos termos e condições das correspondentes condições especiais.

(…)

CONDIÇÕES ESPECIAIS (quando contratadas) (…) 127 - RESPONSABILIDADE CIVIL EXPLORAÇÃO Para efeitos desta cobertura entende-se por:

LESÃO CORPORAL: Ofensa que afete a saúde física ou a sanidade mental provocando um dano.

LESÃO MATERIAL: Ofensa que afete qualquer coisa móvel, imóvel ou animal, provocando um dano.

DANO PATRIMONIAL: Prejuízo que, sendo suscetível de avaliação pecuniária deve ser reparado ou indemnizado

DANO NÃO PATRIMONIAL: Prejuízo que não sendo suscetível de avaliação pecuniária,deve, no entanto, ser reparado através de uma compensação pecuniária

1. Por esta condição especial fica garantido o pagamento das indemnizações legalmente exigíveis ao segurado, em consequência de sinistros ocorridos no local de risco e originadas pela exploração normal da atividade segura, a título de responsabilidade civil extracontratual e, decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, causados a terceiros e cuja causa seja única e exclusivamente devida a:

a) Quaisquer materiais, utensílios, decorações ou serviços que sejam considerados como fazendo parte integrante das instalações, incluindo queda de toldos, tabuletas ou quaisquer outros objetos de identificação ou publicidade;

b) Atos ou omissões profissionais de qualquer dos seus empregados;

2. Para além das exclusões previstas nas condições gerais, fica ainda excluído do âmbito da presente cobertura:

(…)

b) Os danos ocasionados por obras, trabalhos, prestação de serviços, produtos e suas embalagens, produzidos, executados e/ou armazenados e/ou fornecidos pelo segurado, se as reclamações forem motivadas por erro, omissão ou vicio oculto que se revelem somente após as receção expressa ou tácita dos referidos bens, produtos ou serviços.

(…)

d) A responsabilidade civil emergente da propriedade de imóveis ou outros bens não seguros pelo presente contrato;

(…)

f) As reclamações baseadas numa responsabilidade do segurado resultante de acordo ou contrato particular, na medida em que mesma exceda a responsabilidade a que o segurado estaria obrigado na ausência de tal acordo ou contrato; (…).

(…)

150 - DANOS POR ÁGUA GARANTIA

Pela presente condição especial ficam cobertos os danos diretamente causados aos bens seguros em consequência de:

a) Rotura, defeito, entupimento ou transbordamento, súbito e imprevisível, da rede interior de distribuição de água e esgotos do edifício, incluindo os sistemas de esgoto das águas pluviais, assim como dos aparelhos ou utensílios ligados à rede de distribuição de água e de esgotos e respetivas ligações;

b) Torneiras deixadas abertas durante falta de abastecimento de água por facto não imputável ao segurado, quando esta seja:

b.1) Comprovada pelos respetivos serviços abastecedores; ou

b.2) Decorrente da falta de energia elétrica comprovada pelos respetivos serviços abastecedores, nos casos em que o abastecimento de água dependa diretamente do fornecimento de energia elétrica;

1. Para além das exclusões previstas nas condições gerais, ficam ainda excluídos do âmbito da presente cobertura, os danos causados:

a) Por infiltrações através de paredes, tetos, portas, janelas, claraboias, terraços ou marquises, bem como por goteiras, humidade, condensação e/ou oxidação, exceto quando se trate de danos resultantes da cobertura e ainda o refluxo de águas provenientes de canalizações ou esgotos não pertencentes ao edifício;

b) Devidos a pesquisa e reparação de roturas, defeitos ou entupimentos,

c) Em edifícios, devidos a notória falta de manutenção ou conservação das respetivas redes de água e esgotos do edifício após a existência de vestígios claros e inequívocos de que se encontra deteriorada ou danificada, constatáveis nomeadamente por oxidação, infiltrações ou manchas;

d) Provocados por instalações provisórias e/ou que não obedeçam as regras normais de execução e montagem.

e) Em consequência de obras efetuadas no local de risco.

39. Das condições particulares resulta ainda o seguinte clausulado: PESQUISA DE AVARIAS

Esta cobertura garante as despesas efetuadas pelo segurado para pesquisa e reparação, no interior do edifício ou fração seguros, de rotura, defeito ou entupimento na rede interna de distribuição de água ou esgotos, desde que as referidas avarias tenham dado origem a um sinistro indemnizável ao abrigo da cobertura de danos por água.

EXCLUSÕES:

Ficam excluídas as perdas ou danos devidos a notória falta de manutenção ou conservação das redes de água e esgotos do edifício, após a existência de vestígios claros e inequívocos de que se encontram deterioradas ou danificadas, constatáveis nomeadamente por oxidação, infiltrações ou manchas.


*


Foi julgado não provado:

A. fracção ocupada pela F... apresentava, em 14.09.2021, vários componentes metálicos que formam a estrutura desse teto falso com marcas de ferrugem e oxidação.

B. Em março de 2020 a Ré constatou que as canalizações do esgoto não estavam tamponadas nem ativadas, e que nem nas paredes como nos pavimentos existiam proteções para infiltrações.

C. A Ré interpelou a Autora por diversas vezes no sentido de levar a cabo obras a fim de restituir o locado na situação que lhe permita gozar e fruir do mesmo.

D. As marcas identificadas nos pontos 31 e 32 têm origem nos pisos superiores de propriedade da Autora.

E. A Ré pagou pelas obras mencionadas no ponto 12. o valor de € 18.144,19, e pelas obras mencionadas no ponto 30. o valor de € 15.912,65.

F. As infiltrações mencionadas nos pontos anteriores são provenientes do balneário masculino instalado no locado ocupado pela Ré e descrito no ponto 4. (facto 18 da sentença, que a Relação julgou não provado).

G. As infiltrações mencionadas nos pontos anteriores são provenientes do balneário masculino e piscina e respetivas bombas instalados no locado ocupado pela Ré e descrito no ponto 4. (facto 23 da sentença que a Relação julgou não provado).


Fundamentação de direito.

São duas as questões que em face do teor das conclusões da Recorrente cumpre apreciar:

- se a Relação exorbitou dos seus poderes na reapreciação da matéria de facto;

- violação pela Relação do art. 389º do Cód. Civil que fixa a força probatória da prova pericial.


O quadro factual, em traços gerais, é o seguinte:

Á data da propositura da presente acção, a Autora/recorrente era a locadora das lojas n.º 13 e 14 do empreendimento designado por "Pólo de Negócios de ...", sito na Avenida ..., ..., dadas de arrendamento, desde 31.01.2008, à Ré Fitness Clube de Braga – Actividades Desportivas, Lda;

Naquelas lojas 13 e 14, a Ré explora um centro de fitness e aí instalou uma piscina;

Imediatamente por debaixo das lojas 13 e 14, encontram-se as fracções A) e B) ocupadas pela “C... Lda” e a loja C) ocupada pela F...;

A partir de 2019, a “C... Lda” e a F..., têm reclamado junto da  Autora do aparecimento de infiltrações e outros sinais de humidade nas fracções que ocupam.


Com a presente acção, a Autora pretende responsabilizar a Ré pelas infiltrações e humidade surgidas nas fracções A, B) e C), que, no seu entender, têm como causa o balneário, piscina e respectivas bombas do estabelecimento de fitness da Ré, tendo pedido a condenação desta a realizar as obras necessárias a eliminar o problema.


A sentença julgou a acção procedente, essencialmente por ter dado como provado que:

As infiltrações mencionadas nos pontos anteriores são provenientes do balneário masculino instalado no locado ocupado pela Ré e descrito no ponto 4. (18);

 As infiltrações mencionadas nos pontos anteriores são provenientes do balneário masculino e piscina e respetivas bombas instalados no locado ocupado pela Ré e descrito no ponto 4. “(23)


Nos recursos de apelação que interpuseram da sentença, a Ré e a chamada impugnaram a decisão quanto àqueles dois pontos da matéria de facto, e com sucesso pois a Relação alterou para não provado os factos descritos nos pontos 18 e 23.

A Recorrente insurge-se contra esta decisão, dizendo ser “inadmissível, à luz dos princípios da imediação e oralidade da audiência de discussão e julgamento, da livre apreciação da prova e da segurança jurídica, a alteração operada por aquele tribunal” e que “os poderes de alteração pelo Tribunal da Relação da decisã o da 1.ª instância sobre a matéria de facto só devem ser usados quando seja possível, com a necessária e exigível segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente aos concretos pontos de facto impugnados” (conclusões VI e VII).

Vejamos.

É sabido que com a reforma do processo civil de 1995/96 (DL nº329-A/95 de 12.12., e DL nº 180/96, de 25.09) o legislador visou instituir um efectivo 2º grau de recurso em matéria de facto, propósito que veio a ser reforçado com a nova redacção do art. 662º, do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 41/013, de 26.06).

Esta disposição, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, estatui:

“A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se, os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Refere Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pag. 287:

O actual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos discórdia.”

A propósito dos poderes da Relação na reapreciação da matéria de facto, escreve o Professor Miguel Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, nº44, pp. 29 e ss, em comentário ao Acórdão do STJ de 24.09.2013, P. 1965/04:

“O actual art. 662º, aumenta os poderes da Relação sobre o julgamento a matéria de facto, pelo que o standard que o Supremo Tribunal de Justiça passará a dever utilizar para controlar esse julgamento é o da aplicação pela Relação de todos os poderes que agora lhe são conferidos.”

Trata-se de entendimento hoje pacífico e reiteradamente reafirmado.

Assim, decidiu o Acórdão do STJ de 14.09.2021, P. 60/19, (Nuno Oliveira):

“O art. 662º do Código de Processo Civil exige que o Tribunal da Relação forme uma convicção própria sobre a matéria de facto, através da apreciação críticas dos meios de prova disponíveis.”

No caso vertente, sobre a matéria dos pontos 18 e 23 foi produzida prova pericial e testemunhal.

Na reapreciação do relatório pericial, dos esclarecimentos dos peritos em audiência, e da prova testemunhal, a Relação chegou a um entendimento diferente do da 1ª instância e alterou a matéria de facto, julgando não provados aqueles pontos de facto.

Como reconhece a Recorrente, quer a prova pericial quer a testemunhal estão sujeitos a livre apreciação (arts. 389º e 396º do Cód. Civil).

Ora, nos termos do nº3 do art. 674º do CPC, “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

Constitui jurisprudência pacífica que “os poderes do STJ em matéria de facto cingem-se aos casos de prova vinculada, sendo-lhe ainda lícito sindicar o mau uso, pela Relação, dos seus poderes de modificação da matéria factual. Estando a prova pericial sujeita à regra da livre apreciação, está afastada a possibilidade de o STJ a reapreciar ou reinterpretar para efeitos de modificação da decisão de facto.” (Acórdão do STJ de 07.05.2015, Sumários, 2015, p. 276).

Tendo presente os princípios expostos, está vedado ao STJ sindicar o juízo da Relação sobre os pontos de facto em causa.

Como na revista a Recorrente coloca apenas em causa a decisão proferida pela Relação sobre a matéria de facto, a improcedência das razões aduzidas pela Recorrente conduz ao inevitável naufrágio do recurso.


Decisão.

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 06.06.2023


Ferreira Lopes (Relator)

Manuel Capelo

Nuno Ataíde das Neves