Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3729/21.6T8BRG.G1-A.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAIS PORTUGUESES
RESPONSABILIDADE CIVIL
DIREITOS DE PERSONALIDADE
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
DIREITO À IMAGEM
JOGADOR DE FUTEBOL
DOMICÍLIO
CAUSA DE PEDIR
PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE
REGULAMENTO (EU) 1215/2012
REQUISITOS
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
Data do Acordão: 05/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
 I. De harmonia com os critérios de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses, estabelecidos no artigo 62º do Código de Processo Civil:  citério da coincidência (al. a)), critério da causalidade (al. b)) e critério da necessidade (al. c)), mostra-se suficiente que no caso submetido a juízo se identifique um dos fatores enunciados.

II. Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes, em aplicação do fator da causalidade , para decidirem em acção de responsabilidade civil por violação de direitos de personalidade, alegando o Autor ser jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a  atividade em Portugal, e reclama da Ré indemnização devida por danos provocados pela utilização, não consentida, do seu nome e imagem nos videojogos produzidos nos E.U.A., comercializados em todo o mundo e cujos conteúdos são utilizados em plataformas informáticas.

Decisão Texto Integral:

ACÓRDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I - RELATÓRIO

1. Da acção

AA,  cidadão nacional, residente na Rua ..., ..., ..., Braga, intentou acção de processo comum contra,  Electronic Arts Inc., com sede em 209, Redwood Shores Parkway, Redwood City, Califórnia, 94065, EUA, pedindo que seja a Ré  condenada a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela  utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de 216.000,00 €, de capital, acrescida dos juros vencidos e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, bem como montante não inferior a 5.000,00 €, a título de danos não patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal.

Alegou, em síntese e relevo para o objecto do recurso,  que tem nacionalidade portuguesa, tendo exercido a sua profissão maioritariamente em clubes portugueses, dedicando-se à prática desportiva do futebol, com a qual se sustentou e à sua família. Por ter representado alguns dos mais importantes clubes portugueses, chegando a ser designado Capitão de Equipa tal o respeito que granjeou, é uma das mais relevantes personagens do mundo do futebol a atuar em Portugal neste século.

A Ré é uma empresa mundialmente reconhecida pela produção e desenvolvimento de jogos para computadores, jogos de vídeo e aplicações diversas e está a utilizar indevidamente a imagem e o nome do Autor, pelo menos, desde 27 de setembro de 2011 (data de lançamento do jogo de vídeo FIFA 2012) até aos dias de hoje em jogos de vídeo e aplicativos (FIFA, FIFA MANAGER, FIFA ULTIMATE TEAM – FUT e FIFA MOBILE).  Mais alega que a repercussão da imagem do Autor não se insere apenas ao âmbito nacional, mas é utilizada pela Ré a nível global. Sendo o dano a própria utilização não autorizada e indevida da imagem do Autor, o facto danoso ocorre, também, em Portugal.

Na sua contestação , além do mais,  a Ré suscitou a incompetência internacional dos Tribunais portugueses para julgar o litígio.  Em suma e para o efeito, sustenta que não exerce qualquer atividade em Portugal – não produz, nem comercializa os jogos no nosso país ou mesmo na Europa, pelo que se não apuram quaisquer factos que preencham os requisitos de que depende a verificação da competência internacional do tribunal português, ou seja, não se verifica qualquer fator de conexão estabelecido no artigo 62º do CPC. Termina, pedindo  a sua absolvição da instância.

Em  resposta, o Autor  objeta  que estando em causa  utilização e divulgação da imagem, nome e demais características do peticionante pela Ré nos seus jogos ,   sem o consentimento do Autor, tal  ocorre em qualquer lugar onde os jogos podem ser e são jogados.  Pelo que, sendo os jogos da ré comercializados e distribuídos em Portugal, a utilização ilícita da imagem, nome e características do Autor, acontece no nosso país, e conclui assim pela improcedência da exceção.

 2.  As Instâncias decidiram

O Tribunal de primeira  instância conhecendo da matéria de exceção, declarou-se  internacionalmente incompetente e absolveu a Ré da instância,  em conformidade com o disposto nos artigos 278, nº 1, al. a) e 576, nº 2, 595, nº 1, al. a) e 99 do Código de Processo Civil.

 Inconformado , o Autor interpôs  recurso  que o Tribunal da Relação de Guimarães por acórdão  julgou procedente,  concluindo com o seguinte dispositivo - “ Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a presente apelação, e, em consequência, julgar improcedente a exceção da incompetência internacional.”

3. A Revista

 Inconformada, agora, a Ré,  pede  revista  para que no acolhimento  da sua alegação revogue o acórdão e,  julgue o tribunal de Braga internacionalmente competente  para conhecer do mérito da causa. 

Formulou as conclusões  seguintes : « a) O presente recurso de revista impugna o acórdão de 19.01.2023 do TRG, pelo qual se declarou a competência internacional do Juízo Central Cível ... para tramitar esta ação, recurso admissível nos termos do art.º 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC já que está em causa a infração de regras de competência internacional. b) A ré considera a decisão ilegal, com base na violação de lei substantiva, processual e da própria Constituição da República Portuguesa, destacando-se, entre outros, as seguintes normas e princípios jurídicos:– princípio de interpretação autónoma dos Estados-Membros, princípio da coincidência, princípio da causalidade, princípio do Estado de Direito, princípio da proteção ou tutela da confiança, princípio da soberania, princípio da igualdade, princípio do processo equitativo e da igualdade das partes, princípio da tutela jurisdicional efetiva, princípio do dispositivo, princípio do contraditório, princípio do dever de obediência dos tribunais à lei, princípio da separação dos poderes e o princípio do primado do direito europeu;– art.º 2.º, 8.º, 13.º, n.º 1, 20.º, n.º 4, 203.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa;– art.º 1.º, 9.º e 351.º do CC;– art.º 5.º, n.º 1, 62.º, 71.º, n.º 2 e 608.º, n.º 2 do CPC; – art.º 22.º e 38.º, n.º 1 da LOSJ. c) A apreciação da competência internacional é efetuada exclusivamente com base nos factos alegados na petição inicial, sem qualquer indagação probatória ou aplicação de presunções judiciais – art.º 38.º da LSOJ e, entre muitos outros, acórdão do TRE de 15.12.2016, Proc. n.º 1330/16.5T8FAR.E1; acórdão do TRG de 16.11.2020, Proc. n.º 114083/18.7YIPRT.G1. d) Sucede que o acórdão em crise entendeu recorrer a factos não alegados na petição inicial, assumindo por via de presunção judicial que (i) o autor tem o seu centro de interesses em Portugal e (ii) que foi no nosso país que sofreu os danos – danos que não estão territorialmente localizados na PI. e) O acórdão revidendo suporta-se, desta forma, em factos não articulados na petição inicial ou em factos que não integram a causa de pedir, na existência não invocada de um centro de interesses do autor em Portugal e na suposição dos danos do autor terem ocorrido em Portugal. f) A causa de pedir deste pleito é a alegada violação do direito de imagem do autor, pela aposição não autorizada da sua imagem nos jogos FIFA, não devendo ser considerados outros factos que não a integrem, como seja o exercício da atividade de futebolista ou a residência, pelo autor a dado momento em Portugal, nem a sua nacionalidade. g)  A decisão do TRG, apesar de reconhecer ser inaplicável o regulamento n.º 1215/2012, incluindo o seu art.º 7.º, n.º 2, sustenta-se no conceito jurisprudencial de centro de interesses desenvolvido pelo TJUE a propósito dessa norma. h)   A ré tem sede nos EUA e por isso o regulamento n.º 1215/2012 não lhe é aplicável, dado  que este só abrange casos em que a entidade demandada tem sede num Estado-Membro. i)   A jurisprudência do TJUE apenas se debruça, como resulta do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia em interpretar o direito da União, sendo expressamente proibido ao TJUE interpretar direito nacional dos Estados-Membros. j)  Restrição que visa efetivar o princípio de interpretação autónoma dos Estados-Membros e dos seus órgãos jurisdicionais sobre o seu direito nacional, não tendo o TJUE apetência ou conhecimentos para se debruçar sobre o direito interno. k) Não sendo aplicável o regulamento n.º 1215/2012, não podem valer igualmente os conceitos jurisprudenciais desenvolvidos pelo TJUE à luz desse regulamento, sendo por isso vedado aos tribunais portugueses aplicar o conceito de centro de interesses por tal redundar em aplicação contra legem, designadamente contra o regime legal aplicável e autossuficiente consagrado no art.º 62.º do CPC.   dispositivo, princípio do contraditório, princípio do dever de obediência dos tribunais à lei, princípio da separação dos poderes e o princípio do primado do direito europeu; aart.º 2.º, 8.º, 13.º, n.º 1, 20.º, n.º 4, 203.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa;– art.º 1.º, 9.º e 351.º do CC;– art.º 5.º, n.º 1, 62.º, 71.º, n.º 2 e 608.º, n.º 2 do CPC; – art.º 22.º e 38.º, n.º 1 da LOSJ. c)  A apreciação da competência internacional é efetuada exclusivamente com base nos factos alegados na petição inicial, sem qualquer indagação probatória ou aplicação de presunções judiciais – art.º 38.º da LSOJ e, entre muitos outros, acórdão do TRE de 15.12.2016, Proc. n.º 1330/16.5T8FAR.E1; acórdão do TRG de 16.11.2020, Proc. n.º 114083/18.7YIPRT.G1. d) Sucede que o acórdão em crise entendeu recorrer a factos não alegados na petição inicial, assumindo por via de presunção judicial que (i) o autor tem o seu centro de interesses em Portugal e (ii) que foi no nosso país que sofreu os danos – danos que não estão territorialmente localizados na PI. e) O acórdão revidendo suporta-se, desta forma, em factos não articulados na petição inicial ou em factos que não integram a causa de pedir, na existência não invocada de um centro de interesses do autor em Portugal e na suposição dos danos do autor terem ocorrido em Portugal. f) A causa de pedir deste pleito é a alegada violação do direito de imagem do autor, pela aposição não autorizada da sua imagem nos jogos FIFA, não devendo ser considerados outros factos que não a integrem, como seja o exercício da atividade de futebolista ou a residência, pelo autor a dado momento em Portugal, nem a sua nacionalidade. A decisão do TRG, apesar de reconhecer ser inaplicável o regulamento n.º 1215/2012, incluindo o seu art.º 7.º, n.º 2, sustenta-se no conceito jurisprudencial de centro de interesses desenvolvido pelo TJUE a propósito dessa norma. f) A ré tem sede nos EUA e por isso o regulamento n.º 1215/2012 não lhe é aplicável, dado que este só abrange casos em que a entidade demandada tem sede num Estado-Membro. i) A jurisprudência do TJUE apenas se debruça, como resulta do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia em interpretar o direito da União, sendo expressamente proibido ao TJUE interpretar direito nacional dos Estados-Membros. j) Restrição que visa efetivar o princípio de interpretação autónoma dos Estados-Membros e dos seus órgãos jurisdicionais sobre o seu direito nacional, não tendo o TJUE apetência ou conhecimentos para se debruçar sobre o direito interno. k) Não sendo aplicável o regulamento n.º 1215/2012, não podem valer igualmente os conceitos jurisprudenciais desenvolvidos pelo TJUE à luz desse regulamento, sendo por isso vedado aos tribunais portugueses aplicar o conceito de centro de interesses por tal redundar em aplicação contra legem, designadamente contra o regime legal aplicável e autossuficiente consagrado no art.º 62.º do CPC. k) Não sendo aplicável o regulamento n.º 1215/2012, não podem valer igualmente os conceitos jurisprudenciais desenvolvidos pelo TJUE à luz desse regulamento, sendo por isso vedado aos tribunais portugueses aplicar o conceito de centro de interesses por tal redundar em aplicação contra legem, designadamente contra o regime legal aplicável e autossuficiente consagrado no art.º 62.º do CPC. l)      De igual modo, caso o TRG pretendesse fazer uma interpretação conforme do direito nacional ao direito europeu (sendo certo que não foi esse o mecanismo utilizado na decisão revidenda), sempre deverão ser respeitadas as orientações e s finalidades da regulamentação europeia. m) Ora, a regulamentação europeia assumiu como critério fundamental em matéria de competência internacional o domicílio do demandado. n) De igual modo, as considerações do TJUE em matéria do reconhecimento e aplicabilidade) critério jurisprudencial de centro de interesses apenas dizem respeito a demandas em que a ré tenha sede dentro da União Europeia. o) Por outras palavras, legislador e julgador europeus quiseram excluir o critério relativo ao centro de interesses para a decisão da matéria da competência internacional, quando em causa esteja uma demanda contra uma entidade não europeia. p) Desse modo, apenas subvertendo os princípios e finalidades da legislação e jurisprudência europeia poderão os tribunais nacionais importar o conceito jurisprudencial de centro de interesses e aplicá-lo em qualquer demanda contra a ora ré. q) Acresce que a própria jurisprudência do TJUE se vem consolidando no sentido de defender que o conceito de “lugar onde ocorreu o dano” deve ser interpretado muito restritamente e dando relevância ao local de produção do dano inicial (parágrafo 21 do acórdão do TJUE de 19.09.1995, Processo n.º C-364/93; parágrafos 19 e 21 do acórdão do TJUE de 10.06.2004, Proc. n.º C-168/02; e parágrafos 34 e 35 do acórdão do TJUE de 16.06.2016, Proc. n.º C-12/15). r) Ou seja, o acórdão objeto de recurso não só aplica indevidamente jurisprudência do TJUE, como o faz em sentido contrário àquele que hodiernamente tal tribunal tem sustentado. s) Em todo o caso, sendo inaplicável o regulamento n.º 1215/2012, o CPC estabelece no art.º 62.º do CPC o regime interno que define quais os fatores de atribuição da competência internacional. t) Este regime deve ser interpretado e aplicado de acordo com os critérios legais de interpretação das normas fixado no art.º 9.º do CC: elementos literal, teleológico, sistemático e histórico, sendo inconstitucional e ilegal qualquer interpretação contra ou praeter legem. u) As fontes de direito português são as leis e diplomas equiparados (art.º 1.º do CC), em nada relevando a jurisprudência do TJUE sobre normas que não estão em causa, sob nenhuma forma, nestes autos. v) A apreciação da competência internacional nestes autos deve ser dirimida exclusivamente à luz do art.º 62.º do CPC e critérios aí elencados, a saber:– alínea a): critério da coincidência; – alínea b): critério da causalidade; e – alínea c): critério da necessidade. w) Estes critérios devem ser ponderados à luz da factualidade constante da petição inicial, assumindo-a, para este efeito como verdadeira, e sem proceder a quaisquer indagações probatórias, destacando-se do elenco da petição inicial, a seguinte factualidade relevante: (i) A ré é uma sociedade norte-americana, com sede no Estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América; ii) A ré dedica-se à exploração, distribuição e venda de jogos, sendo que o autor não alega que a ré o faz em Portugal (artigo n.º 1 e 2 da petição inicial) – ou seja, de acordo com a própria alegação do autor, não há qualquer atuação da ré em território nacional; iii) O autor refere que “…a ré conta com várias subsidiárias, entre as quais se destaca, na Europa, a EA Swiss Sàrl…” (artigo n.º 2 da petição inicial), o que evidencia que a ré não atua em Portugal ou, sequer, na Europa; (iv) O ato ilícito que o autor imputa à ré consiste na utilização da sua imagem que ocorrerá aquando da produção dos jogos objeto dos presentes autos, sendo certo que em parte alguma da petição inicial, o autor afirma que a ré produz, em Portugal, os jogos FIFA; (v) De igual modo, o autor não afirma, em momento algum, que a ré vende, em Portugal, os jogos FIFA, chegando mesmo a reconhecer, quanto a versões antigas dos jogos que os mesmos são comercializados por terceiros e que estes assumem total responsabilidade por esses atos (artigos n.º 2 da petição inicial); (vi) Ainda que assim não fosse – o que não se concede – o ato de venda dos jogos FIFA não é um ato ilícito ou, sequer, um ato gerador de danos para o autor; (vii) Nenhum dano é alegado ou concretizado, pelo autor, na petição inicial, nem tampouco como ocorrendo em Portugal (tampouco sendo possível identificar o momento temporal da ocorrência dos danos hipoteticamente sofridos pelo autor). x) Destes factos, verifica-se que: – nenhum facto territorialmente localizado em Portugal foi alegado pelo autor; – não se imputa à ré a prática de atos em Portugal; – não há na petição inicial concretização de danos;– não há alegação do momento e lugar do sofrimento desses danos; – não há nenhum facto que preencha os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual; – não se invoca qualquer dificuldade na demanda da ré no local da sua sede. y) De acordo com o critério da coincidência, o tribunal português será internacionalmente competente se esta ação pudesse ser proposta no nosso país, segundo as regras de competência territorial do CPC. z) Valendo, nesta ação de responsabilidade civil extracontratual, a regra do art.º 71.º, n.º 2 do CPC: o tribunal competente é o do lugar onde o facto ocorreu. aa) O autor não imputa qualquer ato praticado pela ré em Portugal e afirma que a ré não tem atividade na Europa. Mais alega que é uma entidade terceira que comercializa e assume a responsabilidade pela venda dos jogos FIFA. bb) A ré não praticar qualquer acto ilícito, em Portugal, sendo que os autos imputados pelo autor à ré localizados no estrangeiro, designadamente a produção dos jogos FIFA om a aposição da imagem do autor. cc) O facto ilícito assacado à ré ocorre no estrangeiro, não relevando a difusão desse ato por terceiros – vide, em acórdão relativo à difusão de conteúdo na televisão nacional, o acórdão do TRP 8.03.1999, Proc. n.º 9831155, no qual o se determinou que o tribunal territorialmente competente era o local do estudo de televisão e não o tribunal do local onde o autor alegou ter sofrido danos, designadamente no seu domicílio. dd) Os tribunais portugueses não são, desta forma, competentes ao abrigo da alínea a) do art.º 62.º. ee) Quanto ao fator de conexão previsto na alínea b) – critério da causalidade –, impunha-se ao autor alegar factos integradores da causa de pedir ocorridos nosso país. ff) Sucede que não há, em toda a petição inicial, um único facto alegado integrador da causa de pedir ocorrido em Portugal. gg) Não foi concretizado qualquer dano sofrido pelo autor, tampouco em território nacional, nem se indicando o momento em que tal se produziu. hh) Sem a alegação do “quando” e “onde” desse dano, é impossível afirmar que o dano ocorreu em Portugal para efeitos de atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses, na medida em que, na decisão de competência, o Tribunal se deve ater aos factos alegados pelo autor. ii) Não alegando o autor onde se encontrava quando sofreu danos, não compete ao Tribunal efetuar qualquer análise jurídica para apurar o local da verificação dos danos. jj) O autor não alega que o putativo facto ilícito – produção dos jogos – ocorre em Portugal,  não invoca qualquer dano que se tenha produzido em Portugal, nem alega nenhuma circunstância integradora dos restantes requisitos da responsabilidade civil localizada em Portugal. kk) O único facto alegado pelo autor como ocorrendo em Portugal consiste na venda dos jogos em todo o mundo, vendas que atribuiu a terceiros e não à ré. ll) A conclusão de que o autor tem o seu centro de interesses em Portugal, logo os danos são localizados em Portugal, constitui utilização de presunção judicial para assunção de factos, ato vedado na apreciação da competência. mm) Note-se que o TRG suporta essa presunção, desde logo, na aplicação de um conceito jurídico sem fonte normativa e de conteúdo indeterminado. nn) Sem que se conheça que tipo de factos possam integrar o conceito de centro de interesses, o TRG presume que o autor dispõe de centro interesses em Portugal. oo) Em caso algum se poderá ignorar, para efeitos da análise da competência, o que o próprio autor afirma na petição inicial sobre ser entidade terceira a responsável pelas vendas na Europa, incluindo por isso Portugal, designadamente a sociedade “…EA Swiss Sàrl, pessoa colectiva registada no Registo de Pessoas Colectivas de Genebra com o número CH-660-2328005-8 e sede em 8 Place du Molard, 1204 Genebra, Suiça…” (artigo 2.º da petição inicial). pp) Acresce que os factos determinadores da competência internacional devem assumir conexãorelevante com Portugal – acórdão do TRL de 08.10.2020,proc. 3231/19.6T8CSC.L1-2. qq) Não podem ser os factos que ocorrem em todo o mundo e, por esse motivo, também em Portugal a justificar a avocação de competência, sob pena de se potenciar conflitos de soberania entre estados. rr) O TRG reconhece a impossibilidade de identificar a localização geográfica e a data dos alegados danos, tendo que recorrer a critérios para os determinar, como se assume no texto decisório. ss) Ao tribunal a quibus está vedado lançar mão de presunções judiciais para apreciar a competência, designadamente supor realidades que não estão na petição inicial, como seja o autor ter um centro de interesses em Portugal, que o local onde sofreu os danos foi o seu centro de interesses e que tais danos ocorreram em Portugal. tt) A este respeito é igualmente proibido, à luz dos critérios de interpretação consagrados no direito português, utilizar conceitos jurisprudenciais do TJUE e sobre normas de regulamentos europeus inaplicáveis, nomeadamente o conceito de centro de interesses. uu) Sendo a existência ou não dum centro de interesses, numa determinada jurisdição, uma conclusão jurídica que assenta em determinados factos, da petição inicial não é possível identificar quaisquer factos que permitam suportar a existência de um centro de interesses em território nacional. vv) O conceito de “centro de interesses” é uma figura trabalhada pela jurisprudência do TJUE e indevidamente aplicada pelo TRG pois não existe qualquer lacuna na lei portuguesa que requeira integração através daquela figura – vide Parecer do Ilustre doutrinário, Prof. Doutor Teixeira de Sousa. ww) Este conceito de "centro de interesses" apenas pode ser convocado no âmbito de aplicação subjetivo do Reg. 1215/2012, e não já quando em causa esteja a interpretação e aplicação dos critérios previstos no direito nacional (critérios da coincidência, causalidade e necessidade). I.e., depende da circunstância de a demandada ter residência dentro do território da União Europeia. xx) Já os critérios de direito nacional - critérios da coincidência, causalidade e necessidade - não se confundem como critério do centro de interesses, na medida em que, como refere o Prof. Teixeira de Sousa, o direito nacional não concebe o critério relativo à residência do autor. yy) Por conseguinte, a aplicação de critérios desenvolvidos pela jurisprudência europeia em interpretação do Reg. 1215/2012 não só extravasa a intenção do legislador e julgador europeu, como também viola o disposto no art.º 267.º do TUE, na medida em que este normativo dispõe que o TJUE apenas tem competência quanto a atos normativos da União Europeia e, por conseguinte, os princípios da interpretação conforme e do primado do direito europeu. zz) Acresce que o autor não alega qualquer facto que demonstre uma conexão significativa ao território nacional, suficiente para a sustentação de um centro de interesses em Portugal. aaa) Sem a alegação de factos que permitissem concluir que o seu centro de interesses se materializa em Portugal, o acórdão em crise aplica duas presunções de forma sobreposta e sobre a mesma realidade: o autor tem o seu centro de interesses em Portugal (1.º facto não alegado) e foi em Portugal onde sofreu danos (2.º facto não alegado). bbb) Estes pressupostos que determinaram o sentido da decisão do acórdão em crise não estão alicerçados em alegação da petição inicial e existem num plano exclusivamente presuntivo! ccc) É exclusivamente, com base nas presunções judiciais que o tribunal conclui pela existência do centro de interesses do autor em Portugal e pela localização dos danos, o que é proibido pelo art.º 351.º do CC e pelo facto de não haver lugar a qualquer indagação probatória nesta fase. ddd) A existência e análise de elementos de conexão para efeitos da apreciação da competência dos tribunais não é aferida por meio de prova testemunhal e muito menos por meio de presunções. eee) No caso em apreço, não fora a utilização de presunções pelo TRG e os factos alegados na petição inicial não permitiriam concluir pela existência de elementos de conexão com Portugal. fff) Acresce que a aquisição dos jogos FIFA em qualquer parte do mundo, comercializados por atos de terceiro, não permite justificar a declaração de competência internacional, desconsiderando cegamente a circunstância de a ré não produzir o jogo neste país e aqui não praticar aqui qualquer ato. ggg) A ser assim, o tribunal de qualquer local onde os jogos são vendidos seria internacionalmente competente, gerando um evidente conflito positivo de competência internacional ,precisamente o que se visa evitar em homenagem ao princípio da soberania dos Estados e à maior eficácia/proximidade da realização de julgamento. hhh) À luz da lei portuguesa, o domicílio do autor em nada releva para efeitos de aplicação do art.º 62.º do CPC e, sendo assim, muito menos relevará o centro de interesses. iii) A utilização do conceito de centro de interesses atenta contra as regras de interpretação do art.º 8.º e 9.º do CC, já que o art.º 62.º estabelece, por si só, regulação suficiente sobre esta matéria, não havendo qualquer lacuna a entregar. jjj) A consideração de um centro de interesses representa, inclusivamente, derrogação do disposto no art.º 62.º, afastando-se o respetivo regime para se solucionar esta ação à luz de norma de direito da UE inaplicável. kkk) Neste âmbito, o legislador não quis consagrar o critério do domicílio ou centro de interesses ou da nacionalidade, sendo que o acórdão em crise adota solução contrária à opção legislativa neste âmbito focada na causa/origem dos factos da causa de pedir e não no centro de interesses do lesado. lll) Por fim, importa notar que o exercício da atividade profissional de futebolista ou a  residência, a dado momento em Portugal, não é um facto que integre a causa de pedir, por não respeitar a nenhum dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, designadamente, facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade. mmm) O direito que o autor pretende fazer valer nestes autos não emerge do exercício da sua atividade profissional de futebolista, mas da invocação de violação do seu direito de imagem. nnn) A causa de pedir, ainda que complexa, apenas compreende os factos relativos aos cinco pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e não a factos que não se refiram a tais pressupostos. ooo) O exercício pelo autor da atividade profissional de futebolista em Portugal ou a residência, a determinada altura, não é um facto que preencha ou integre os pressupostos da responsabilidade civil da ré, designadamente, ação, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade. ppp) A adotar-se o entendimento do acórdão, qualquer facto em território nacional relativo ao autor equivaleria a facto que integra a causa de pedir, entendimento que obviamente contraria frontalmente o sentido normativo do princípio da causalidade. qqq) No caso concreto, os factos relevantes prendem-se com a inclusão não autorizada da imagem do autor nos jogos FIFA, atuação que, sob nenhum prisma, ocorre em território nacional, como se reconhece nestes autos (autor incluído). território nacional, (ii) inaplicabilidade do centro de interesses e sua irrelevância para aplicação do art.º 62.º do CPC, (iii) não alegação de danos em Portugal e (iv) irrelevância da nacionalidade portuguesa ou do exercício da atividade de futebolista e residência, a dado momento, em Portugal, inexistem elementos de conexão à luz do princípio da causalidade. sss) Caso este Tribunal se pronuncie sobre o art.º 62.º, alínea c) do CPC – princípio da necessidade –, cumpre ressalvar que o autor não invocou que o direito que aqui peticiona não pudesse tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro. ttt) Não bastando, seguramente, ao autor ter nacionalidade ou domicílio português, para daí se reconhecer, em todos os seus futuros litígios, competência internacional aos nossos tribunais. uuu) O direito que o autor pretende fazer valer é amplamente reconhecido pelas várias jurisdições do mundo, sendo que da sua alegação na petição inicial não resulta qualquer concretização acerca do que seja a dificuldade objetiva que possa gerar uma limitação no exercício dos seus direitos. vvv) O autor chega a alegar factos na petição inicial que comprovam que os direitos que pretende exercer são reconhecidos na jurisdição norte-americana. ww) Daí que não se verifiquem nenhum dos fatores de conexão estabelecidos no art.º 62.º do CPC e não possa ser mantida, por ser inconstitucional a interpretação e aplicação da alínea b) pelas razões acima detalhadas, o que deve determinar a revogação do acórdão do TRG e a declaração da incompetência internacional dos tribunais portugueses. xxx) São inaplicáveis os conceitos relativos ao domicílio e centro de interesses do autor e, bem assim, quaisquer presunções judiciais ou factos que não estejam referidos na petição inicial e que não integrem a causa de pedir, sob pena de interpretação inconstitucional dos art.º 62.º do CPC, 8.º, 9.º e 351.º do CC e 38.º, n.º 1 da LOSJ, por violação nos termos detalhados nas alegações de recurso – aqui dados por reproduzidos e para os quais se remete –, entre outros, dos seguintes princípios:  princípio do Estado de Direito (e seus subprincípios da legalidade, da proteção da confiança dos cidadãos e da certeza e da segurança jurídicas); – princípio do processo equitativo (e subprincípios do dispositivo e do contraditório); – princípios da separação dos poderes e do dever de obediência à lei; e – princípio do primado do direito europeu. yyy) Esta questão relativa à inconstitucionalidade da aplicação dos artigos 62.º do CPC, 8.º, 9.º e 351.ºdoCC e 38.º, n.º1da LOSJ é suscitada para conhecimento expresso deste Supremo Tribunal, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º- A, n.º 2, todas da Lei n.º 28/82. Nestes termos requer a V. Exas., face a tudo o que foi supra alegado, se dignem conceder provimento ao recurso, revogando a decisão sindicada e proferindo acórdão no sentido adrede pugnado.»

                                                              *

O Autor produziu contra-alegações , pugnando  em síntese pela improcedência da revista e confirmação do acórdão.

 Foi admitido o recurso de  revista em conformidade com o disposto no artigo 671º, nº1, do CPC e  colhidos os Vistos.

4. Tema decisório  

 Estando o objecto  do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente em interface com o acórdão impugnado , cabe  decidir se, o tribunal  de Braga   pode conhecer do litígio plurilocalizado objecto dos autos, rectius, se é internacionalmente competente para o mérito da causa.


II. O Mérito do Recurso

 Decorre da petição que o Autor, futebolista profissional, pretende  que a Ré , empresa sediada nos EUA, seja condenada a pagar-lhe quantia indemnizatória com o fundamento base de que a mesma  violou os seus direitos de personalidade ao nome e à imagem, utilizando, sem o seu consentimento, o seu nome e a sua imagem, que inclui as suas características pessoais e profissionais, desde pelo menos 2011 e até aos dias de hoje em jogos de vídeo e aplicativos (FIFA, FIFA MANAGER, FIFA ULTIMATE TEAM – FUT e FIFA MOBILE) nas sucessivas  edições anuais. Os danos  que descreve,  correspondem à exposição do seu nome e da sua imagem sem o recebimento de qualquer vantagem,  e o efeito  negativo que a invenção de atributos físicos e técnicos àquele, nos  videojogos, se refletem na vida profissional e pessoal, e bem assim os estados psicológicos de perturbação, desgosto, tristeza e revolta do Autor  que sofreu em consequência da situação.

Na versão do Autor,  que alega  residir em Portugal e  ter desenvolvido a actividade de futebolista profissional em clubes portugueses,  é neste território que os danos ocorrem; para a Ré,  que tem a sua sede nos Estados Unidos da América ,  a produção dos videojogos em referência,  que alegadamente assumem conteúdo lesivo,  ocorreu  neste país.

 Entre os factos alegados na PI que avultam para  a decisão o Autor e  que indiciam  que exerceu maioritariamente a sua actividade profissional em clubes desportivos portugueses  artigos 7.º, 8.º e 9.º) e  aqui reside,  em especial ,  no artigo 8º que transcrevemos-  “ Conforme resulta, também, do Doc. 1 o Autor esteve vinculado aos seguintes clubes e nas seguintes épocas: - 2020/21 – ...- 2019/20 – ... - 2018/19 – ... - 2017/18 - ... - 2016/17 – ... - 2015/16 – ... - 2014/15 – ... (B) - 2013/14 – ... (B) - 2013 – G... e ... - 2012 – Internacional e ... - 2011 – Atlético-... - 2010 – ...»

 Estamos perante  litígio , cujo enquadramento no que respeita aos pressupostos de  facto e  de direito a respeito do conhecimento daquela exceção ,  foi  objecto de apreciação reiterada por este Supremo Tribunal,  em sucessivos casos análogos , decidindo em unanimidade que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer do mérito da causa.[1]

 Sentido decisório que acolhemos, sem  reservas, e que aplicado  no caso espécie  conduz à improcedência da revista. 

 Justamente nesta secção  foi proferido em  24-05-2022, no processo n.º 3853/20, um dos primeiros arestos em que o Supremo  Tribunal foi convocado  a apreciar caso análogo,  com a particularidade da matéria alegada na petição inicial indiciar  que o centro de interesses predominante da atividade de futebolista do Autor ocorre em território nacional, à semelhança do que sucede na situação em juízo . [2]

Louvando-nos no mérito da sua apreciação   -  “O artigo 37.º, n.º 2, da Lei Orgânica do Sistema Judiciário, incumbe a lei de processo de fixar os fatores de que depende a competência internacional dos tribunais judiciais, dispondo o artigo 59.º do Código de Processo Civil que, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º do mesmo diploma.O Regulamento Europeu que rege a competência judiciária em matéria cível e comercial é o denominado Regulamento Bruxelas I bis (Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012). Com exceção das ações previstas nos artigos 18.º, n.º 1, 21.º, n.º 2, 24.º e 25.º deste Regulamento, onde não se inclui a presente ação, é condição de aplicabilidade das regras nele contidas que o demandado tenha domicílio num Estado Membro. Se este requisito não se verificar, como sucede na presente ação, dado que a Ré tem a sua sede nos Estados Unidos da América, o referido Regulamento determina que a competência dos tribunais dos Estados Membros seja a definida pelas leis internas destes (artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I bis). Como não existe nenhum instrumento internacional que vincule o Estado Português em matéria de competência judiciária aplicável à presente ação, é, portanto, à luz do disposto nos artigos 62.º e 63.º do Código de Processo Civil, por remissão do artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento Bruxelas I, bis, que deve ser determinada a competência dos tribunais portugueses para decidir a presente ação.”

 E, mais adiante –“(…) a ação causal imputada à Ré pelo Autor  nesta ação ocorre inicialmente nos Estados Unidos da América a produção dos videojogos e desenvolve-se posteriormente em todo o mundo a comercialização dos videojogos uma vez que a lesão deste tipo de bens de personalidade ocorre com a divulgação pública não autorizava do nome e vem imagem do lesado. Coisa diferente com essa diferente da lesão destes direitos de personalidade são os danos que vela terão resultado na versão apresentada pelo autor (…) são realidades distintas do ato lesivo e claramente diferenciadas quando este é apenas resumido a atividade criadora(..)”[3]

Prosseguindo igual entendimento , inter alia, nesta secção do Supremo, elencamos  o Acórdão de 23.06.2022 , que  explicita no sumário -  “.I De acordo com a jurisprudência anterior do STJ: (i) São internacionalmente competentes para conhecer o mérito de uma acção de responsabilidade civil extracontratual, por violação de direitos de personalidade através de conteúdos mundialmente difundidos, os tribunais do país onde se encontra o centro de interesses do lesado durante o período em que ocorrem os danos provocados por essa ofensa; (ii) Os tribunais portugueses são, pois, internacionalmente competentes, nos termos do art. 62.º, b), do CPC, para decidirem uma acção em que um jogador profissional de futebol que exerceu, predominantemente, a sua actividade em Portugal, pede uma indemnização pelos danos causados pela utilização, não consentida, do seu nome e imagem em videojogos produzidos nos ... e divulgados por todo o mundo. (…)”[4]

 Na mesma linha decisória e de fundamentação,  também tirado nesta secção do Supremo Tribunal ,  citamos o Acórdão de 10-11-2022,  em que de igual modo nos louvamos - “ (…)Deste iluminador percurso retira-se, em fórmula simplificada, a seguinte conclusão: à luz do critério da causalidade consagrado no artigo 62.º, al. b), do CPC, os tribunais portugueses serão internacionalmente competentes para conhecer o mérito de uma acção de responsabilidade civil extracontratual, por violação de direitos de personalidade através de conteúdos difundidos globalmente, se, durante o período em que ocorrem os danos, o centro de interesses do lesado se situar em Portugal, ou, tendo o centro de interesses do lesado variado, existir um elo suficientemente forte entre o lesado e Portugal. Este é a consequência da aplicação das disposições da lei portuguesa sobre competência internacional. Convoque-se, para começar, o artigo 37.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) (…).” [5]

  Na situação objecto dos autos, os  pressupostos de facto  da causa de pedir  e do pedido alegados  pelo Autor na PI, coincidem com  os  que estão subjacentes   aos julgados por este Supremo a que vimos fazendo referência.  

Acompanhando nós a solução neles preconizada,  reiterada  com unanimidade nos sucessivos acórdãos tendo por objecto casos análogos, atenta a exigência  legal da uniformidade de critério para situações do mesmo tipo ( artigo 8º , nº3,  do Código Civil), resta considerar algumas notas.    

   Estando indiciado pela alegação na petição inicial  que o centro de interesses do Autor predominante se situa em Portugal, uma vez que aqui pratica profissionalmente a atividade de futebolista destacado em diversos  clubes desportivos,  pelo menos desde que se fixa o começo da invocada violação do direito ao nome e à imagem  e, tratando-se de uma causa de pedir complexa,  não se afigura motivo para  excluir a competência dos tribunais portugueses sob o disposto do artigo 62º alínea b) do CPC.

  Observe-se ainda que, recolhe também justificação  a aplicação da competência internacional dos tribunais portugueses sob o critério estabelecido no artigo 62º alínea c) do CPC, i.e, a existência de conexão relevante entre o litígio e o foro nacional escolhido pelo Autor, considerando a nacionalidade do Autor e a sua residência, sendo os videojogos comercializados pela Ré em diversos países,  suscetíveis de serem  palco de outros litígios.

Convém por fim  referir, conforme  afirmado no precedente Acórdão citado, que não assiste razão à Ré ao alegar que a opção decisória aplicou indevidamente norma de direito  comunitário-  “   (..) que não se justificam as preocupações da ré quanto à (in)aplicabilidade do Direito europeu ao caso dos autos [cfr., genericamente, conclusões g) a p) das alegações]. Conforme já exposto, não se trata de aplicar directa ou sequer analogicamente a legislação europeia, mas apenas de convocar a legislação europeia e a jurisprudência sobre ela desenvolvida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia  (TJUE)enquanto quadro de referência e de orientação para a interpretação das normas aplicáveis do Direito português.”[6]  

  O apelo à jurisprudência do TJUE, como bem se compreende, não sugere no caso a subsunção a norma de direito comunitário, que na realidade não tem aplicação  no caso ,  visando tão só a sua análise iluminar o debate e reforçar a adequação do critério  eleito à luz do artigo 62º, alínea b do CPC. 

A terminar, a invocada inconstitucionalidade na aplicação dos artigos 62.º do CPC, 8.º, 9.º e 351ºdo Código Civil  e 38º, n.º1, da LOSJ, nos termos e para os efeitos dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 72.º, n.º 2 e 75.º-A, n.º 2, todos da Lei n.º 28/82.

 Alega a Ré que a interpretação e aplicação daqueles normativos no acórdão recorrido padece de inconstitucionalidade, no sentido de ser possível trazer ao processo, em última instância, factos presumidos, não alegados na petição inicial e fora da causa de pedir, bem como a adoção de um “critério normativo de centro de interesses” para decidir sobre a matéria de competência internacional, por contrário ao princípio do estado de direito democrático, o princípio do processo equitativo, o princípio da separação de poderes e o princípio do dever de obediência à lei.

  Em rigor, s.d.r, a recorrente não suscita pela forma própria a inconstitucionalidade da interpretação dos preceitos citados, ao não indicar qual o sentido interpretativo alternativo e adequado à Lei fundamental  , antevendo-se o insucesso na pretendida apreciação  pelo Tribunal Constitucional.  

 Como pontifica frequentemente aquele tribunal  em diversos arestos - «Para que o Tribunal Constitucional conheça de um pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade é ,necessário que em fase anterior à do requerimento de recurso para este Tribunal, no decurso do processo, o recorrente tenha identificado expressamente a questão de inconstitucionalidade, de forma expressa, direta e clara de modo a criar para o Tribunal a quo o dever de pronúncia sobre a precisa norma em causa. Como tem sido entendimento uniforme do Tribunal Constitucional, a identificação da inconstitucionalidade deve ser feita em termos de o Tribunal « (…)a poder enunciar na decisão, de modo que os respetivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa norma não pode ser aplicada em tal sentido. » (cfr., entre muitos, o Acórdão n.º 367/94, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt).”[7]

  De todo em todo, e para melhor esclarecimento, na apreciação do objeto decisório – exceção da incompetência internacional do tribunal- importa  atender à factualidade alegada na petição inicial na medida estrita que releve para aquele exclusivo fim, não se interpondo o risco de  alegados juízos presuntivos para a apreciação e julgamento ulterior do mérito da causa.

 O tópico mereceu já avaliação em outros arestos deste Supremo, que sufragamos, para  concluir nesse segmento, que o elo de conexão proeminente  entre o objeto da causa e a ordem jurídica portuguesa, que justifica a atribuição de competência em razão da nacionalidade aos tribunais nacionais para conhecer do presente litígio nos termos da alínea b) do artigo 62.°, numa ação de responsabilidade civil extracontratual de violação de direitos de personalidade apontada como verificada em Portugal, e também com dimensão global, não indicia interpretação contrária à Constituição.[8]

 III - DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o Acórdão recorrido e decidindo-se julgar o tribunal da causa competente, em razão da nacionalidade, para conhecer do litígio e determinar o prosseguimento do processo.

Custas a cargo da Ré vencida.

Lisboa, 25.05.2023 


Isabel Salgado (Relatora)

Maria da Graça Trigo

Catarina Serra

____

[1] Cfr. de 23.06.2020, Proc. 3239/20 ; de 20.09.2020,; de 24.05.2022 – proc. 3853/20.2T8BRG.G1.S1; de 07.06.2022 – proc. 4157/20.6T8STB.E1.S1; de 7.06.2022 – proc. 24974/19.9T8LSB.L1.S1; de 23.06.2022 – proc. 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1; de 28.09.2022 – proc. 637/20.1T8PRT.P1.S1; de 29-09-2022 – proc. 2160/20.5T8PNF.P1.S1; de 13.10.2022 – proc. 1014/20.0T8PVZ.P1.S1; de 10.11.2022 – proc. 17046/20.5T8LSB.L1.S1; de 10.11.2022 – proc. 1579/20.6T8PVZ.P1.S1; de 10.01.2023 – proc. 996/21.9T8PVZ.P1.S1; de 19.01.2023 – proc. 2161/20.3T8CSC.L1- A.S1;  de 14.02.2023 – proc. 3803/20.6T8BRG.G1-A.S1; de 15.02.2023 – proc. 4239/20.4T8STB.E1.S1.

[2] Nesta  2.ª Secção  os Acórdãos de  24.05.2022 (Proc. 3853/20.2T8BRG.G1.S1)[1], de 7.06.2022 (Proc. 24974/19.9T8LSB.L1.S1), de 23.06.2022 (Proc. 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1)[2], de 29.09.2022 (Proc. 2160/20.5T8PNF.P1.S1)[3] e de 13.10.2022 (Proc. 1014/20.0T8PVZ.P1.S1)[4] e ainda do Acórdão da 1.ª Secção de 7.06.2022 (Proc. 4157/20.6T8STB.E1.S1), todos  disponíveis em www.dgi.pt.

[3] Relator Cura Mariano, cujo texto vem servindo de guião nos muitos arestos já proferidos adrede.

[4] No processo 3239/20, Relator Maria da Graça Trigo, sendo primeira Adjunta Catarina Serra, que integram este coletivo. O aresto  analisa a aplicação do critério previsto na al) b do artigo 62º do CPC na situação tipo  em que o  centro de interesses do Autor é predominantemente em Portugal e aquela outra situação em que pelos factos alegados pelo Autor não sobressai nenhum país onde o Autor tenha claramente o seu centro de interesses.         

[5] No Processo nº 17046/20, Relatora Catarina Serra, seguindo também de perto o Ac.STJ de  24-05-2022, no processo n.º 3853/20. 

[6] Cfr. artigos 7.º, 2), do Regulamento Bruxelas I bis, e dos artigos 5.º, n.º 3, dos anteriores instrumentos legais europeus que tiveram por objeto o estabelecimento de regras comuns de competência judiciária em matéria cível e comercial, a Convenção de Bruxelas, de 27.09.1968, a Convenção de Lugano de 16.09.1988, a Convenção de Lugano II, de 30.10.2007, e o Regulamento n.º 44/2001, do Conselho, de 22.12.2000, tendo, nesses casos, o Tribunal aplicado, com temperança, a regra da ubiquidade.  Jurisprudência, segundo a qual, considera que,  em princípio, o impacto da violação dos direitos de personalidade que ocorrem nestas circunstâncias, verifica-se predominantemente no Estado onde a vítima tem o seu centro de interesses, aí se encontrando a maioria das provas dos prejuízos sofridos, pelo que a atribuição de competência aos tribunais desse país para apreciar a integralidade dos prejuízos sofridos, satisfaz o objetivo da boa administração da justiça.

[7] Cfr. Acórdão nº 302/2022 de 27.04.2022, consultável na página do mesmo  tribunal.

[8] Cf. inter alia, o Acórdão do STJ de 15 de fevereiro de 2023 no proc nº 4239/20.4T8STB.E1.S1, disponível in www.dgi.pt.