Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02A2143
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AFONSO CORREIA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
PROMESSA UNILATERAL
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
USUFRUTO
RENÚNCIA
Nº do Documento: SJ200210290021431
Data do Acordão: 10/29/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 10703/01
Data: 12/13/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR CONTRAT.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 410 N3 ARTIGO 830 N3 ARTIGO 1444 ARTIGO 1476 N1 B E.
Sumário : 1. A renúncia ao usufruto, como acto abdicativo, é mero negócio jurídico unilateral.
2. A renúncia remunerada e orientada para determinado fim contém todos os elementos integrantes de um acto oneroso, de transmissão, ainda que atípico, subsumível à forma ampla a que a lei chamou de trespasse do direito.
3. Não obstam à pedida execução específica da promessa unilateral da renúncia - execução específica essa que não pode ser afastada pelas partes (arts. 410º, nº 3 e 830º, nº 3 do CC) -, nem a natureza da renúncia a usufruto incidente sobre edifício já construído, nem a existência de sinal prestado por quem, à data da propositura da acção, era nu proprietário desse prédio.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A" intentou acção declarativa de condenação, com processo comum e forma ordinária, contra B, pedindo fosse proferida sentença judicial que substitua a declaração negocial da faltosa ora Ré, com vista à realização do negócio prometido. Ou, se assim não se entender, deve subsidiariamente ser a Ré condenada na restituição em dobro do sinal recebido.
Fundamenta o seu pedido na promessa unilateral vertida no documento junto, de 1 Outubro de 1998, pela qual a Ré prometeu renunciar ao usufruto de que é titular do prédio urbano, sito na Praceta Domingos Rodrigues, na Quinta do Figo Maduro, Prior Velho. A referida renúncia foi feita a favor do A mediante a entrega de cinco milhões de escudos nos termos constantes daquele documento.
A ré contestou, defendendo ser aqui inexigível a execução específica por ter havido sinal e não ser o Autor proprietário da nua propriedade.
Concluiu pela improcedência da acção e absolvição do pedido.
Foi proferido despacho saneador sentença que julgou a acção improcedente quanto ao pedido de execução específica do contrato celebrado entre a A. e Ré por se ter entendido que a renúncia ao usufruto não integrava transmissão do direito; mas condenou-se a Ré na restituição em dobro da quantia por ela recebida a titulo de sinal.
Inconformado, apelou o A., mas sem êxito, pois a Relação entendeu estar afastada a execução específica por ter havido sinal. E confirmou o decidido.
Ainda irresignado o A. pede revista e consequente revogação do acórdão recorrido que teria interpretado incorrectamente o art. 830º e desaplicado o seu nº 3 que impõe a execução específica, ainda que haja sinal passado, desde que, como aqui acontece, se trate de transmitir um direito real sobre imóvel. Como melhor se vê da alegação que coroou com as seguintes :

Conclusões
A) - Por documento escrito datado de 1 de Outubro de 1998 a recorrida prometeu renunciar ao usufruto relativamente ao prédio urbano sito na Praceta Domingos Rodrigues, na Quinta do Figo Maduro, Prior Velho.
B) - A referida promessa de renúncia foi validamente efectuada pela recorrida na qualidade de usufrutuária sucessiva (art. 1441 Cód. Civil) a favor do proprietário de raiz, ora recorrente, mediante a entrega de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos).
C) - A recorrida recebeu a título de sinal: 450.000$00 (quatrocentos e cinquenta mil escudos) em 16 de Setembro de 1998: 500.000$00 (quinhentos mil escudos) no acto da assinatura da promessa de renúncia em 1 de Outubro de 1998, e em 17 de Dezembro de 1998 foi feito um reforço de sinal no montante de: 300.000$00 (trezentos mil escudos). Sendo certo que até ao momento a recorrida recebeu um total de: 1.300.000$00 (um milhão e trezentos mil escudos).
D) - A referida promessa encontra-se assinada e reconhecida presencialmente, de acordo com os formalismos legais.
E) - Estando em causa, no caso sub judice, uma transmissão de um direito real, uma vez que a renúncia ao usufruto, por parte da ora recorrida, gera na esfera jurídica do recorrente a plena propriedade, o recorrente pode legitimamente recorrer a execução específica nos termos do art. 442 nº 3 e 830 nº 3 Cód. Civil.
F) - Estando subjacente a esta situação uma transmissão de um direito real sobre edifício, nos termos do art. 410 nº 3 do Cód. Civil a existência de sinal não afasta a possibilidade de as partes recorrerem à execução específica nos termos do art. 830 nº 3 do C. Civ.
G) - A decisão da Relação, ao negar a possibilidade da execução específica ao recorrente, enferma de um erro de interpretação da Lei (art. 830 nº 3) e até de falta de fundamentação, uma vez que na referida decisão não consta por que razão a Relação decidiu não considerar a aplicação da excepção prevista no art. 830 nº 3 no caso em apreço.
H) - Efectivamente a Lei no art. 830 n.º 3 do Cód. Civil consagra a proibição das partes afastarem a execução especifica nos Contratos Promessas de celebração de Contrato Oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício ou fracção autónoma dele, já constituído, em construção ou a construir. Sendo esta claramente a situação do caso em apreço nos presentes autos.
I) - De facto a própria doutrina na sua análise no art. 830 n.º 3 do Cód. Civil é defensora desta proibição de afastamento da possibilidade de recurso à execução específica nos casos supra referidos, veja-se a este propósito "Sobre o Contrato Promessa", Coimbra Editora, Págs. 130-131 e sgs. do Prof. Antunes Varela em que este Professor claramente refere que a terceira emenda "relacionada com as alterações na área da execução especifica do Contrato Promessa, devido ao Dec-lei 379/86, é, justamente, a que nega às partes a possibilidade de afastarem a execução especifica nos Contratos Promessa referidos na alínea anterior destas conclusões e que abrangem claramente o caso sub judice.
J) Salienta ainda o citado Professor Antunes Varela que a imperatividade da execução específica assim decretada não vale só em relação aos edifícios ou fracções autónomas destinadas a habitação própria, mas também em relação a edifícios ou fracções autónomas destinadas a qualquer outro fim.
Chegando mesmo a referir-se que a proibição drástica do afastamento da execução específica se aplica indiscriminadamente tanto ao promitente alienante como ao promitente adquirente.
L) E mais refere, ainda, o Prof. Antunes Varela no supra citado Livro "Sobre o Contrato Promessa" que esta proibição do afastamento da execução específica vale tanto para a promessa de transmissão de propriedade como para a constituição ou transmissão (onerosa) de qualquer outro direito real, como é o caso dos presentes autos.
M) Deste modo e em face do supra exposto teremos de concluir que a decisão da Relação de que, ora, se recorre é incorrecta na justa medida em que não faz a aplicação e análise do art. 830 n.º 3 no caso concreto como deveria ter feito em conformidade com a Lei e com os contornos de facto da situação existente no caso em apreço.

A recorrida respondeu em defesa do decidido. O recurso não mereceria provimento porque não foi exibida ou certificada a existência de licença de utilização, seriam nulas as cláusulas 2ª e 3ª e tanto à data da declaração como da propositura da acção não era o A. dono da raiz, pelo que a prometida renúncia jamais reverteria em favor dele.
Porque não foi requerida a ampliação do âmbito do recurso, nos termos do art. 684ºA do CPC, a única questão a decidir é a de saber se a promessa unilateral e sinalizada de renúncia a usufruto sobre prédio urbano é, no caso, susceptível de execução específica.
Mas para tanto e antes de mais é mister ver que a Relação teve por assentes, sem oposição de ninguém, os seguintes

Factos

1 - Por documento escrito, de 1 de Outubro de 1998, a R. e ora Recorrida prometeu renunciar ao usufruto de que é titular relativamente ao prédio urbano, sito na Praceta Domingos Rodrigues, na Quinta do Figo Maduro, Prior Velho.
2 - O referido imóvel encontra-se descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures, sob o n.º 01327, da Freguesia de Camarate e inscrito na matriz predial urbana 1265, da mesma Freguesia.
3 - A prometida renúncia foi feita a favor do A. A, mediante a entrega de 5.000.000$00 (cinco milhões de escudos).
4 - A R. recebeu do A, a título de sinal, a quantia de 450.000$00 (quatrocentos e cinquenta mil escudos) em 16 de Setembro de 1997, bem como, a título de reforço do sinal, a quantia de 550.000$00 (quinhentos e cinquenta mil escudos), no acto da assinatura da referida promessa. A R. recebeu ainda do A. a quantia de: 300.000$00 (trezentos mil escudos), ainda a título de reforço de sinal, perfazendo o montante total de 1.300.000$00 (um milhão e trezentos mil escudos).
5 - De acordo com a Promessa Unilateral de Renúncia de Usufruto, a marcação da Escritura ficou a cargo do ora A.
6 - Em 08 de Julho de 1999 o A. notificou a R., por carta registada com aviso de recepção, do local, dia e hora de outorga da referida Escritura - 5 Agosto de 99.
7 - À referida notificação respondeu a R. com urna Notificação Judicial Avulsa, dizendo que não cumpriria o prometido, pretendendo dar sem efeito a Promessa de Renúncia.
8 - À supra referida notificação, o A. respondeu com carta registada com aviso de recepção comunicando-lhe a data para que havia marcado a escritura.
9 - O A. é proprietário da raiz do bem imóvel em questão por compra efectuada a C, em 12.10.99.
10 - Na declaração de Promessa unilateral de renúncia a usufruto a Ré declara ser usufrutuária sucessiva do prédio urbano sito na Praceta Domingues Rodrigues, na Quinta do Figo Maduro, em Prior Velho.
11 - Sobre este prédio à data da assinatura da declaração, recaía um usufruto vitalício a favor da D, solteira.
12 - À data da assinatura desta declaração pela Ré e marido, a anterior usufrutuária era viva, vindo a falecer no dia 7 de Abril de 1999.
13 - Em 1 Julho de 1999, a Ré e o marido enviam uma carta ao A. onde lhe dão conta da sua vontade de não concretizar o mencionado negócio manifestado na declaração unilateral. Após receber esta carta o A responde com a carta supra referida.
14 - Ao receber a carta a Ré, a 12.7.99, comunica-lhe que não estará na escritura.

Sendo estes os factos e aplicando-lhes o Direito

Como disposto no art. 1439º do CC, usufruto é o direito de gozar temporariamente uma coisa ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância.
Porque pode ter por objecto coisas ou direitos, sempre alheios, o usufruto é um direito real menor, limitado, mas de gozo pleno, pois a única limitação é a de não poder o usufrutuário alterar a forma ou substância da coisa ou direito.
O usufrutuário pode trespassar a outrem o seu direito - art. 1444º, n.º 1, CC.
Ao utilizar a expressão trespassar o direito, em vez de ceder o seu direito a outrem, a lei fê-lo por pretender abranger aí quaisquer formas típicas ou atípicas de transferência do direito de usufruto sem se confinar à venda ou doação (1).
O usufruto extingue-se, entre o mais, pela reunião do usufruto e da propriedade na mesma pessoa - al. b) - ou pela renúncia - al. e), ambas do n.º 1 - renúncia que não requer aceitação do proprietário - n.º 2, sempre do art. 1476º do CC.
...«No caso do usufruto, nenhum dos titulares (usufrutuário ou proprietário) pode ser considerado como sujeito passivo da relação de que o outro seja titular activo. Cada um deles é titular de um estatuto real que, envolvendo posições relativas entre si, compreende sobretudo poderes absolutos, direitos com eficácia erga omnes. Juntando-se na mesma pessoa (por negócio entre vivos ou por sucessão mortis causa, ou porque o proprietário adquira o usufruto ou porque o usufrutuário adquira a nua propriedade) as qualidades de usufrutuário e de nu - proprietário, haverá uma reunião de poderes até aí dispersos por duas ou mais pessoas, que envolve a extinção do usufruto e a restauração da plena potestas sobre a res; o que não há, porém., é uma confusão, tendente à destruição recíproca das duas posições anteriores nos pólos da mesma relação jurídica (2)».
Quando se extinguem os direitos concorrentes (como o usufruto) que oneram a coisa, a (nua) propriedade, por força da sua elasticidade, torna-se plena (O. Ascensão, Direitos Reais, 1974, 456), quem quer que seja o seu titular.
A renúncia é, como ensinam P. Lima e A. Varela, "uma demissão do direito, um acto abdicativo e não um acto de transmissão"; não é um contrato, mas mero negócio jurídico unilateral (M. Pinto, op. cit., 414).
Foi com base neste ensinamento que o Ex.mo Juiz negou o pedido de execução específica, como se vê a fs. 141: «Ela (a usufrutuária) abdica do seu direito de usufruto sucessivo, não o transmite, não o aliena, não o trespassa ... antes renuncia ao mesmo ... tendo sempre como consequência a extinção do seu direito.
Já a Relação confirmou o assim decidido mas com diferente fundamento: a existência de sinal constitui convenção em contrário à pretendida execução específica.
A promitente recorrida, sem ter pedido ampliação do recurso, defende o julgado porque não foi exibida nem certificada a existência de licença de utilização e seriam nulas as cláusulas 2ª e 3ª - promessa de renúncia e marcação da escritura - por não ser o ora Recorrente dono da nua propriedade, nem à data da promessa nem da propositura da acção.

Temos para nós que a razão está do lado do Recorrente.
Quanto à natureza de acto abdicativo da renúncia ao usufruto, concordamos que, em geral e conceptualmente, se trate de mero negócio jurídico unilateral, de «acto abdicativo», de «uma demissão do direito». Mas não pode deixar de ver-se na renúncia remunerada e orientada para determinado fim todos os elementos integrantes de um acto (oneroso) de transmissão, ainda que atípico, mas integrado na forma ampla a que a lei chamou trespasse do direito, precisamente para abranger outras formas de transmissão que não as mais vulgares de compra e venda e doação.
Com efeito, a usufrutuária só abdicava do seu direito contra o pagamento de cinco milhões de escudos, nos termos clausulados, e de que recebeu um milhão e trezentos mil.
É certo que o beneficiário do negócio - o aqui Recorrente e pagador das várias quantias a título de sinal e seu reforço - só adquiriu a nua propriedade e ficou em condições de, pela reunião na sua pessoa do usufruto e da raiz, se tornar proprietário pleno, beneficiando da prometida renúncia, em 12 de Outubro de 1999, poucos dias antes da propositura da acção.
Também é seguro que a Recorrida só adquiriu o usufruto (a que prometeu renunciar) aquando da morte da anterior usufrutuária, em 7.4.99, datando a promessa unilateral de renúncia de 1.10.98.
Mas nenhuma destas circunstâncias invalida ou torna nulo o negócio.
Nunca se pôs em causa a validade da promessa de venda de bens futuros ou alheios, que o mesmo é dizer, a transmissão de direito de que ainda se não é titular à data da promessa. É que a promessa não transfere, não transmite direitos sobre o bem ou direito objecto (mediato) do contrato, apenas gera a obrigação de contratar, de emitir a declaração de vontade correspondente ao negócio prometido.
Por isso, o facto de à data da promessa nem o beneficiário desta ser proprietário da raiz nem a promitente ser titular do usufruto a que prometia renunciar determina a nulidade da promessa ajuizada.
De resto, quando interpelada para cumprir - em 8.7.99 - a promitente já era usufrutuária do bem desde a morte da primitiva usufrutuária, ocorrida em 7.4.99, e à data da propositura da acção - 21.10.99 - era o A. nu proprietário desde o dia 12 anterior, quando vendeu a si próprio este direito, conforme procuração outorgada pela anterior proprietária.
Por outro lado, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, antes deve atender à unidade do sistema jurídico e às condições do tempo em que é aplicada, desde que tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso - art. 9º, n.º 1 e 2 e, quanto ao lugar paralelo da interpretação das declarações negociais em negócios formais, o art. 236º, ambos do CC.
Não resta qualquer dúvida que a prometida renúncia, apesar da sua natureza conceitual de acto abdicativo, integra negócio oneroso de trespasse, de transmissão, pela promitente, do direito real de usufruto de que era titular sobre edifício já construído, a favor do A que lhe pagou as várias quantias por aquela recebidas a título de sinal e seu reforço e a quem a promitente quis devolver o recebido.
Hoje «a execução específica está adquirida como grande princípio, do mesmo modo que o cumprimento é princípio primário, natural e lógico, reconhecendo-se carácter subsidiário e residual à reparação do dano e execução por equivalente» (3).
Em promessas como esta e nos termos do n.º 3 do art. 410º do CC, o escrito onde se vazou a promessa deve conter o reconhecimento presencial da assinatura de quem se obrigou e a certificação, pelo notário, da existência de licença de utilização ou de construção.
No caso em apreço não se mostra cumprido o segundo comando legal. Contudo, o contraente que promete transmitir ... o direito só pode invocar a omissão destes requisitos quando a mesma tenha sido culposamente causada pela outra parte - art. 410º, n.º 3, in fine, do CC.
Ora, além de nada se alegar quanto a culpa de qualquer das partes, a omissão de formalidades que tais sempre foi subtraída ao conhecimento oficioso do tribunal, mesmo perante texto menos claro como era o introduzido pelo Dec-lei n.º 236/80, de 18 de Julho - Assento n.º 3/95, no DR n.º 95, de 22.4.95.
Além de que na promessa de extinção de usufruto não se verifica a necessidade de protecção do interesse público de combate à construção clandestina e o proprietário continua a ser o mesmo, recuperando a plenitude de poderes graças à elasticidade da excelência real que é o direito de propriedade (4).
Se o não cumprimento da promessa for devido a quem recebeu o sinal pode o contraente não faltoso requerer a execução específica dela - art. 410º, n.os 2 e 3, CC - execução específica assim regulada nos n.os 1 a 3 do art., 830º do CC:
- se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida - n.º 1;
- entende-se haver convenção em contrário se existir sinal ... n.º 2;
- o direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o n.º 3 do art. 410º, promessas respeitantes à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício.
Nestas promessas «o direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes; logo, imperatividade da execução específica, com a consequente nulidade de cláusula contrária à lei, haja ou não sinal, haja ou não traditio rei, já que o n.º 3 do art. 830º não distingue - C. Silva, op. cit., 105 e 145.
«Quer isto dizer que, praticamente, todos os contratos-promessa relativos a imóveis passaram a ficar sob o signo da imperatividade, incluindo a promessa de constituição ou de transmissão de um direito de usufruto (Antunes Varela, Sobre o Contrato-Promessa, 1988, pág. 160 a 162, Das Obrigações em Geral, 9ª ed., I, 372) qualquer que seja o fim a que o prédio se destine (habitação, exercício do comércio ou de profissão liberal, ou qualquer outra - P. Lima-A. Varela, CC Anotado, II, 4ª ed., 113.
Concluímos, pois, que nem a natureza da renúncia a usufruto incidente sobre edifício já construído nem a existência de sinal prestado por quem, à data da propositura da acção era nu proprietário de tal prédio, obstam à pedida execução específica da promessa unilateral de renúncia, execução específica que não pode ser afastada pelas partes, nos termos dos art. 410º, n.º 3 e 830º, n.º 3, ambos do Código Civil.

Decisão

Termos em que se concede a pedida revista e, na procedência da acção, se decreta a renúncia, pela Recorrida, ao usufruto de que era titular e incidia sobre o prédio urbano sito na Praceta Domingos Rodrigues, na Quinta do Figo Maduro, no Prior Velho, prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o n.º 01327/910612, usufruto que assim se declara transmitido a favor do Recorrente.

Custas totais a cargo da Recorrida, por vencida - art. 446º, n.os 1 e 2, do CPC.

Lisboa, 29 de Outubro de 2002
Afonso Correia,
Afonso Melo,
Fernandes Magalhães.
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(1) M. Pinto, Direitos Reais, 1972, 362; P. Lima-A. Varela, CC Anotado, III, 471.
(2) Autores e Obra ora referidos, 532.
(3) Calvão da Silva, op. cit., 143.
(4) Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, 8.ª ed., 85.