Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1233/14.8TBGMR.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: OPOSIÇÃO DE JULGADOS
MATÉRIA DE FACTO
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
ESTADO ESTRANGEIRO
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
Data do Acordão: 06/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA - PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 629.º, N.º 2, ALÍNEA D), 988.º, N.º 2.
ORGANIZAÇÃO TUTELAR DE MENORES (OTM): - ARTIGOS 146.º, 150.º E 182.º .
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 21-10-2010, PROC. N.º 327/08; DE 7-6-2011, PROC. N.º 3139/07; DE 6-7-2011, PROC. N.º 726/07; DE 26-1-2012 E DE 3-5-2012, PROC. N.º 106/08 E N.º 459/05; DE 9-2-2012, PROC. N.º 2406/07; DE 21-6-2012, PROC. N.º 613/04; DE 6-12-2012, PROC. N.º 322/05, DE 12-9-2013, PROC. N.º 1984/06; DE 1-9-2013, PROC. N.º 505/07; DE 20-11-2014, PROC. N.º 99/10; DE 23-4-2015, PROC. N.º 1869/11; DE 24-9-2015, PROC. N.º 202/08; DE 26-11-215, PROC. N.º 471/13.
Sumário :
I - Não é admissível recurso para o STJ, face ao disposto no art. 988.º, n.º 2 do NCPC(2013), de acórdão da Relação na parte em que, tendo em conta os factos provados à luz do superior interesse da criança, considera adequado e conveniente que se mantenha a criança, que tem uma relação afetiva intensa com a mãe, confiada à sua guarda; e que assim continue a viver com a mãe, agora na Suíça, onde ela tem assegurada uma vida pessoal e economicamente estável com o seu atual marido, mantendo todos um excelente relacionamento.

II - É, no entanto, admissível a revista fundada na contradição deste acórdão com outro acórdão da Relação, face ao disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d) do NCPC, acórdão este em que se considerou que o superior interesse da criança exige que não se autorize a sua mãe a levá-la para o estrangeiro, ainda que provisoriamente, afastando-a do convívio com pai, avós paternos, tios e primos por razões económicas não demonstradas nos autos.

III - Não se verifica, dada a diferença factual, contradição entre os acórdãos, pois o superior interesse da criança pode justificar que, face a determinadas realidades, não deva ser autorizado o progenitor a levar consigo para outro país o seu filho, mas já se justifique a autorização, o que sucede quando se comprova que a criança irá integrar noutro país europeu com a mãe, sua figura de referência com a qual mantém laços afetivos intensos e recíprocos, um agregado familiar que lhe proporciona condições acrescidas de bem-estar material e moral.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1. AA requereu no dia 11-11-2013 contra BB ação de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, nos termos do artigo 182.º da Organização Tutelar de Menores, pedindo que seja autorizada a mudança da residência da menor CC, nascida no dia 8-8-2008 para a Suíça, aí passando a residir coma mãe, alterando-se em consequência o regime de visitas fixado.

2. A requerente alega que recebeu uma proposta para trabalhar na Suíça, na cidade de Frankendorf, que permite à requerente uma melhoria de vida, proporciona à filha melhores oportunidades no que respeita aos estudos, situação que a menor compreende, mostrando-se entusiasmada com a ida para a Suíça.

3. De acordo com a sentença homologatória de 11-7-2013 ficou acordado que a menor ficaria à guarda e cuidados da mãe, podendo o pai estar com ela aos fins de semana de 15 em 15 dias.

4. Foi proferida decisão em 1ª instância no dia 20-4-2015 que julgou a ação improcedente, indeferindo a pretendida alteração de regulação do exercício das responsabilidades parentais.

5. Interposto recurso pelo Digno Magistrado do Ministério Público, em representação da menor, nele se sustentou que a decisão deve ser revogada, propondo-se que a criança fique entregue à guarda e cuidados da mãe, fixando-se a residência junto desta, na Suíça, devendo a mãe providenciar pela transferência da menor, devendo estabelecer-se que as férias escolares de verão e as férias de inverno sejam passadas com o progenitor, assegurando-se ainda o direito de o pai comunicar diariamente com a filha, ressalvando o período de descanso e horário escolar da menor.

6. Interposto foi também recurso pela mãe da menor no sentido de que a filha fique entregue à guarda e cuidados da mãe, fixando-se a residência junto desta na Suíça, devendo a mãe providenciar pela transferência escolar da menor isto sem embargo de ser alterado o regime de visitas, procurando minorar o afastamento da menor do pai, procurando ainda que esta passe com ele o maior espaço de tempo possível, sem prejuízo das suas necessidades e atividades escolares.

7. O Tribunal da Relação concedeu provimento aos recursos considerando que se afigura manter a guarda da menor confiada à sua progenitora com a consequente alteração da sua residência para a Suíça, justificando-se alteração do regime de visitas, tudo assim decidido:

A - Manter a menor CC confiada à guarda da sua progenitora AA, autorizando a mudança da residência da menor para a Suíça, que, entretanto, apenas se poderá concretizar uma vez demonstrada nos autos a sua inscrição num estabelecimento escolar daquele país que assegure a continuidade do seu processo educacional, ao nível escolar, sem qualquer interrupção.

B - Estabelecer regime de visitas nos termos seguintes:

- As férias escolares de verão serão passadas com o progenitor, com exceção do período de oito dias, que passará com a progenitora, salvo acordo dos progenitores em contrário, devendo esta última informar o pai com a antecedência mínima de trinta dias do período que pretende passar com a menor, sendo que, se não fizer essa comunicação, será o pai a decidir o período que a menor passará com a mãe.

- O período de férias da Páscoa, nele se incluído o período decorrente do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa, inclusive, será passado, alternadamente, com cada um dos progenitores, sendo que no presente ano passará tal período com o progenitor.

- Os períodos de Natal e Ano Novo serão passados alternadamente com cada um dos progenitores, sendo que o próximo período natalício e de Ano Novo será passado com o progenitor com o qual a menor não passou o anterior.

- O período das férias escolares de Carnaval será passado alternadamente com cada um dos progenitores, passando também o próximo com o progenitor que não tiver passado o anterior.

- Qualquer outro período de férias escolares de que a menor usufrua no sistema de ensino Suíço será passado com o progenitor, o que permitirá manter um maior equilíbrio entre os progenitores quanto aos períodos de convívio com o menor, devendo a progenitora avisar o pai com a antecedência mínima de quinze dias, desses períodos de férias de que a menor venha a gozar.

- Atenta a distância existente as residências do progenitor e da menor, determina-se que apenas o seu dia de anos (que ocorre durante o período e férias escolares de verão) seja passado alternadamente com cada um dos progenitores.

C - Relativamente aos alimentos devidos à menor o progenitor efetuará o pagamento dos seguintes valores:

- A título de pensão de alimentos pagará, mensalmente, o montante de 110,00 €.

- Suportará o valor de metade das despesas médicas e medicamentosas tidas com a menor, ficando a outra metade a cargo da progenitora.

- A pensão de alimentos deverá ser entregue à mãe até ao dia 8 de cada mês através da transferência bancária para a conta correspondente ao NIB: …  do extinto Banco DD.

- Suportará metade do valor das viagens Suíça/Portugal e Portugal/Suíça,para o efetivo exercício do direito de visitas, sendo a outra metade suportada pela progenitora.

8. BB interpôs recurso de revista sustentando que a decisão proferida não acautela devidamente os superiores interesses da menor, concluindo a minuta de recurso nestes termos:

1ª-) Não tendo alterado a matéria de facto da 1ª instância e fazendo uma correta subsunção da lei aos factos provados, o acórdão ora recorrido deveria ter confirmado a decisão anteriormente proferida.

2ª-) A decisão ora proferida não acautela devidamente os superiores interesses da menor.

3ª-) A alteração de residência da menor trará significativas e nefastas alterações quanto aos contactos e visitas entre a menor e o seu pai, pelo que tal alteração de residência da menor só deverá ocorrer em consonância e de acordo com os superiores interesses da menor Inês, tal como decorre de resto da Convenção Sobre os Direitos da Criança.

4ª-) O interesse da menor encontra-se "em estreita conexão com a garantia de condições materiais, sociais, morais e psicológicas, que possibilitem o seu desenvolvimento estável, à margem da tensão e dos conflitos que eventualmente oponham os progenitores e que possibilitem o estabelecimento de relações afetivas contínuas com ambos, em especial com o progenitor a quem não seja confiado".

5ª-) O acórdão recorrido deveria ter analisado esta situação tendo em consideração o princípio da proporcionalidade plasmado no artigo 18.°, n.° 2 da CRP.

6ª-) A mudança de residência do menor só se justifica se, no âmbito das relações parentais e tendo em atenção o superior interesse da criança, se mostrar necessária, adequada, idónea, conveniente e ocorrer na justa medida, valências estas que o acórdão recorrido nitidamente descurou.

7ª-) Não se mostra preenchido nos presentes autos o pressuposto da "necessidade", ou seja, não decorre da factualidade dada como assente, que a mãe da menor necessite de sair do País para, assim, lograr alcançar as mínimas condições; para satisfazer as suas necessidades e as necessidades da sua filha CC.

8ª-) Não preenche o conceito, determinado, do interesse superior da menor, que esta tenha necessariamente que ir para a Suíça simplesmente porque é o país onde reside o atual marido da sua mãe, e esta pretende estar com ele, ou porque é o país onde a sua mãe tem intenção de lograr alcançar melhores condições de vida.

9ª-) A saída da menor não se configura como necessária ou, mesmo até, "na justa medida" dos interesses e bem-estar da mesma.

10ª-) O acórdão recorrido errou ao considerar que a relação da menor com o progenitor guardião é a mais importante, pois este é a sua figura primária de referência e ao considerar que para o desenvolvimento da criança é menos traumatizante a redução do contacto com o progenitor sem a guarda do que uma rutura na relação com o progenitor com quem tem vivido.

11ª-) O acórdão recorrido errou ao considerar que desde que a relação da criança com a figura primária de referência seja uma relação que funciona em termos normais, deve reconhecer-se a esse progenitor a liberdade de mudar de cidade ou país, levando a criança consigo.

12ª-) O exercício das responsabilidades parentais deve ser norteado pelo interesse dos filhos (art. 1878° do C. Civil), tendo em vista o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, de forma que o seu crescimento aconteça numa atmosfera de afeto e segurança material e moral.

13ª-) É importante para o menor que não sinta a separação dos cônjuges como um abandono do progenitor não guardião e não cresça com a ideia que o progenitor que não tem a sua guarda é um estranho.

14ª-) O acórdão recorrido está em evidente contradição com o acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Guimarães, de 20-03-2014, que entendeu que o superior interesse da criança exige que não se autorize a sua mãe a levá-la para o estrangeiro, afastando-a do convívio com o pai, avós paternos, tios e primos, por razões economicistas.

15ª-) A autorização para a criança sair do país só pode assentar no seu próprio interesse, o qual sobreleva o dos pais. O superior interesse da criança assim o exige. Ela é o centro nuclear da questão e tudo deve girar em torno da concretização do seu desenvolvimento feliz e harmonioso.

16ª-) Estando perante casos absolutamente similares, não se entende a fundamentação ora expendida no acórdão pelo Sr. Juiz Relator, cujos fundamentos são claramente contraditórios, e até em sentido oposto, ao que o mesmo Juiz defendeu no referido acórdão de março de 2014.

17ª-) Cotejando os dois casos (do dito acórdão e o do acórdão ora recorrido) constatamos com segurança estarmos perante casos muito similares e com contornos basicamente iguais, tendo naquele acórdão prevalecido o superior interesse da criança contra o interesse privilegiado da progenitora, ao passo que neste não deixou de prevalecer o interesse da progenitora que por sua exclusiva conveniência decidiu emigrar para a Suíça.

18ª-) No caso concreto do referido acórdão desta Relação estava tão somente em causa uma autorização provisória, ao passo que no presente acórdão essa autorização a concretizar-se é definitiva.

19ª-) O superior interesse da criança exige que não se autorize a sua mãe a levá-la para o estrangeiro, ainda que provisoriamente, afastando-a do convívio com o pai, avós paternos, tios e primos, por razões económicas não demonstradas nos autos.

20ª-) O acórdão recorrido sufragou o egoísmo da progenitora em detrimento dos superiores interesses da menor, não havendo factos nos autos que demonstrassem ser absolutamente necessário, evidente e proporcional que a menor tivesse necessidade de mudar drasticamente do seu meio social, familiar e escolar em que vivia.

21ª-) O egoísmo da progenitora, apoiado pelo acórdão ora recorrido, chega ao ponto de, imediatamente após a prolação do acórdão recorrido, levar a filha para a Suíça, sem ter previamente efetuado a sua inscrição num estabelecimento de ensino naquele país e não possibilitando desde então qualquer contacto da menor com o progenitor, que não vê nem fala com a filha desde o dia 3 de fevereiro, não sabendo tão pouco do seu paradeiro.

22ª-) O acórdão recorrido não fez uma correta ponderação dos interesses em causa, concretamente não protege os interesses da menor dando prevalência ao particular interesse da mãe.

23ª-) O douto acórdão ora recorrido não poderia dar maior importância à relação da menor com o progenitor guardião, entendendo que para o desenvolvimento da criança é menos traumatizante a redução do contacto com o progenitor sem a guarda do que uma rutura na relação com o progenitor com quem tem vivido.

24ª-) Deve este STJ revogar o acórdão recorrido, mantendo a decisão anteriormente proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.

25ª-) Ao decidir como decidiu o douto acórdão recorrido violou, entre outros, os artigos 12°, 13°, 18°, n° 2, 36° e 68°, todos da Constituição da República Portuguesa; a Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de setembro de 1990; a Declaração Universal dos Direitos da Criança; os artigos 1878° e 1885°, ambos do Código Civil.

9. Factos provados

1- Por acordo alcançado entre os progenitores a 11 de julho de 2013, em diligência de tentativa de conciliação realizada no processo de divórcio sem consentimento do outro cônjuge n.º 23/13.0TCGMR, que correu termos pela extinta 2ª Vara de Competência Mista de Guimarães, homologado por decisão proferida na mesma data, fixou-se, de entre outras coisas, que a menor CC, nascida a 08.08.2008, ficava entregues à guarda e cuidados da sua mãe, cabendo o exercício das responsabilidades parentais referentes à mesma menor a ambos os progenitores (cf. doc. de fls. 176 a 187).

2- Mais ficou convencionado em tal acordo que o pai poderia estar com a menor, designadamente ao fim de semana, de 15 em 15 dias; à quarta-feira no final das atividades escolares da menor; bem como nos períodos de dias festivos do Natal, Ano Novo e Páscoa; dias feriados e dias de aniversário dos progenitores e dos avós; bem como nas férias escolares da menor.

3- A requerente vive com a sua filha CC num R/C arrendado, Tipo T1, pelo qual paga a renda mensal de  210,00€.

4- A requerente contraiu segundo matrimónio, sendo que o seu marido se encontra a residir e a trabalhar na Suíça, onde tem a sua vida estabilizada e autonomia financeira.

5- A menor CC sempre viveu com a sua mãe e mantém uma relação afetiva muito próxima e gratificante com esta, que, desde sempre, zelou pelos principais cuidados e necessidades da sua filha CC.

6- Revela ser uma mãe dedicada em relação ao acompanhamento educativo e sócio comportamental da sua filha CC.

7- O seu atual marido tem igualmente uma boa relação afetiva com a menor CC.

8- O requerido tem vindo a cumprir com o regime de visitas acordado, estando regularmente com a menor designadamente aos fins de semana, de 15 em 15 dias, e às quartas-feiras.

9- Cumpre igualmente com a pensão de alimentos acordada a favor da menor CC.

10- A requerente pretende ir viver para a Suíça, para junto do seu marido, na companhia da sua filha, sobretudo para proceder ao agrupamento permanente do seu agregado familiar.

11- Pretende igualmente arranjar emprego na Suíça e alcançar, para si e para a menor, uma maior estabilidade e autonomia socioeconómica.

12- Está disposta a consentir que a menor CC passe as férias escolares na íntegra com o seu pai, comparticipando equitativamente no pagamento das viagens nesse sentido.

13- A requerente trabalha como embaladeira têxtil, auferindo o salário mínimo nacional.

14- O seu marido trabalha na Suíça, na área da construção civil, verbalizando a requerente que o salário mensal do seu marido ronda os 4.100,00€;

15- O requerido reside com os seus pais, no R/C de uma vivenda, composto por 2 quartos, WC e cozinha.

16- Trabalha num talho, como cortador de carnes, auferindo um rendimento mensal não inferior ao salário mínimo nacional.

17- O requerido mostra-se interessado em acompanhar o processo socioeducativo e de desenvolvimento da sua filha CC, bem como no que respeita à promoção do seu percurso de autoestima e de identidade parental;

18- Considera que a menor já se encontra enraizada e integrada no seu meio sócio escolar e familiar e que a mesma não deverá ser afastada de si e de outros familiares paternos ou maternos e dos amigos da sua idade.

19- Está ainda o requerido disposto a assumir a guarda da sua filha, caso a requerente pretenda ir para a Suíça, para junto do seu marido.

20- A CC frequenta o 1º ano de escolaridade na EB1 de ..., onde se mostra bem adaptada e é uma criança sociável, saudável e comunicativa.

21- A CC verbaliza que se sente desenquadrada e esquecida no agregado familiar de seu pai.

22- A CC encara a possibilidade de ir viver para outro país como uma aventura e não manifesta oposição em ir viver com a sua mãe para a Suíça.

Factos não provados:

Com relevo para a decisão da causa, não resultaram demonstrados quaisquer outros factos alegados pela requerente e pelo requerido não incluídos na relação de factos acima descrita e/ou que se mostrem em contradição com os mesmos, designadamente que:

- A requerente recebeu uma proposta para ir trabalhar para a Suíça, na cidade de Frenkendorf, de acordo com a qual irá auferir cerca de 2.500,00€ mensais.

- Considerando o salário mensal que recebe, a requerente tem-se visto impossibilitada de cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente no que concerne ao empréstimo bancário que contraiu conjuntamente com o requerido.

- A saída da menor CC para o estrangeiro irá pôr em causa a estabilidade emocional, psicológica e afetiva da menor.

- A menor confidenciou ao pai que não pretende sair do País.

Apreciando

10. Cumpre recordar que, nos termos dos artigos 146.º, 150.º e 182.º da OTM, o processo de alteração das responsabilidades parentais é um processo de jurisdição voluntária. Assim sendo, das suas resoluções proferidas segundo critérios de conveniência e de oportunidade não é admissível recurso para o STJ (artigo 988.º/2 do CPC2013).

11. No caso vertente, o Tribunal da Relação, posto perante o pedido de alteração da responsabilidades parentais fundado na deslocação da mãe da menor de Portugal para a Suíça, à qual estava confiada a guarda desta, decidiu o recurso interposto da decisão de 1º instância considerando que a filha devia continuar confiada à guarda da mãe, não obstante esta passar a residir na Suíça, impondo-se uma alteração no regime de visitas fixado.

12. Não está em causa a interpretação de nenhuma norma legal, mas tão somente a alteração do regime de responsabilidades parentais que inequivocamente se justifica a partir do momento em que, pelo afastamento da residência dos progenitores, a criança irá necessariamente ver diminuídos os contactos que mantinha com aquele ao qual não ficar confiada a sua guarda.

13. A concretização do interesse da criança, nestes casos, deve ser ponderado à luz dos factos provados, tendo em vista determinar se a guarda deve manter-se com o progenitor que até então a tinha à sua guarda ou, pelo contrário, deve ser alterada, passando a guarda a ser confiada ao outro progenitor, pelo facto de aquele ir residir para outro país.

14. Trata-se afinal de ponderar a solução mais conveniente para a menor, se a de continuar a viver com a mãe e à guarda desta, o que impõe a mudança da sua residência para a Suíça ou, pelo contrário, a de a separar da mãe pelo facto de esta ir viver para a Suíça, confiando-a ao pai que vive em Portugal, país onde a criança viveu desde o seu nascimento.

15. O superior interesse da criança deve ser perspetivado, como referiu o acórdão recorrido, a partir da análise da relação da criança com a sua figura primária de referência, a sua relação afetiva com os pais, a vontade da criança, as consequências para a relação entre o progenitor guarda e o filho resultantes de uma proibição judicial de mudar de terra, as consequências para o filho de uma alteração da decisão regulação do poder paternal a favor do outro progenitor e da consequente rotura na relação afetiva com a figura primária de referência.

16. Estamos igualmente diante de critérios que fundamentam a resolução mais conveniente, atento o interesse da criança, quando a Relação considera "que apenas não deve ser autorizada a mudança de residência quando o impacto negativo no equilíbrio psíquico, emocional e efetivo da menor, implicados por essa mudança de residência e afastamento do progenitor, seja superior ao impacto negativo que para o menor representaria a rotura na relação com o progenitor que tem à sua guarda, no caso de a guarda vir a ser transferida para outro progenitor".

17. Se não estão em causa estes critérios em si mesmos, mas tão somente a sua aplicação às circunstâncias do caso, ou seja, a própria solução encontrada, rege o artigo 988.º/2 do CPC. (ver, na jurisprudência mais recente, Ac. do STJ de 21-10-2010, rel. Álvaro Rodrigues, rv. 327/08, Ac. do STJ de 7-6-2011, rel. Azevedo Ramos, rev. n.º 3139/07, Ac. do STJ de 6-7-2011rel. Moreira Alves, rev. n.º 726/07, Ac. do STJ de 26-1-2012 e de 3-5-2012, rel. João Trindade, rev. n.º 106/08 e n.º 459/05, Ac. do STJ de 9-2-2012,rel. Paulo Sá, revista n.º 2406/07,Ac. do STJ de 21-6-2012, rel. Ana Paula Boularot, rev. n.º 613/04, Ac. do STJ de 612-2012, rev. n.º 322/05, Ac. do STJ de 12-9-2013, rel. Gregório Jesus, rev. n.º 1984/06,Ac. do STJ de 1-9-2013, rel. Tavares de Paiva, rev. n.º 505/07, Ac. do STJ de 20-11-2014, rel. Fernanda Isabel Pereira, rev. n.º 99/10,Ac. do STJ de 23-4-2015, rel. Maria dos Prazeres Beleza, rev. n.º 1869/11, Ac. do STJ de 24-9-2015, rel. Pires da Rosa, rev. n.º 202/08,Ac. do STJ de 26-11-215, rel. Maria dos Prazeres Beleza, rev. n.º 471/13).

18. Pode dar-se a circunstância de o Tribunal recorrer a critérios de julgamento que sejam em si violadores da lei - v.g  " a mãe é sempre a figura de referência de uma criança com menos de 5 anos de idade" ou "a mudança de residência para outro Estado implica uma presunção legal no sentido de ficar afetado o equilíbrio psíquico de uma criança".

19. Nestes e noutros casos - incluindo aqueles em que a solução adotada desrespeita de tal modo os pressupostos ou critérios legais, tudo se passando como se os revogasse em vez de se limitar a concretizá-los ou a aplicá-los equitativamente - a decisão já se traduz em violação da lei porque está em causa a fixação normativa desses mesmos critérios; assim sendo, o recurso já será admissível porque não se discute a decisão à luz dos factos provados tendo em vista o interesse superior da criança, mas a legalidade dos critérios que estão na base da decisão.

20. Do exposto resulta que o STJ - porque o recurso é inadmissível no que respeita à decisão proferida tendo em vista o disposto no artigo 988.º/2 do CPC/2013 - não vai analisar a bondade da decisão recorrida, que se encontra exaustivasmente fundamentada, no que respeita a saber se, ponderados os factos perspetivados à luz do superior interesse da criança, a circunstância superveniente de a mãe ir viver para a Suíça determina alteração das responsabilidades parentais, devendo a guarda da filha ser confiada ao pai porque, para a criança, a saída de Portugal e o menor contacto com o progenitor, implica um desequilíbrio psicológico e, a ser assim, se este é ou não mais intenso do que aquele que resulta de continuar a viver na companhia da mãe na Suíça.

21. O recurso é, no entanto, admissível face ao disposto no artigo 629.º/2, alínea d) do CPC/2013 visto que o recorrente invocou a contradição do acórdão recorrido com o acórdão 2813/12 da Relação de Guimarães onde se decidiu que " o superior interesse da criança exige que não se autorize a sua mãe a levá-la para o estrangeiro, ainda que provisoriamente, afastando-a do convívio com o pai, avós paternos, tios e primos, por razões económicas não demonstradas nos autos".

22. Para a recorrente, o caso focado nesse acórdão é muito similar ao aqui em apreço, verificando-se que nesse acórdão estava em causa uma decisão provisória e aqui uma decisão definitiva.

23. Nesse acórdão - acórdão fundamento - referiu-se o seguinte:

"O superior interesse da criança exige que não se autorize a sua mãe a levá-la para o estrangeiro, afastando-a do convívio com o pai, avós paternos, tios e primos, por razões economicistas. A criança tem o apoio do pai, da mãe e da segurança social. Autorizar provisoriamente a mãe a levar a criança para a Alemanha e dessa forma cortar bruscamente os liames afetivos concretos com o pai e família, exige mais profunda indagação.

É necessário que existam nos autos elementos seguros de que a criança vai ser feliz no país de destino. Esses elementos não existiam nos autos na data em que foi proferido o despacho recorrido.

Neste contexto, entendemos que não estão reunidos os pressupostos necessários para que se possa conceder a autorização provisória para a mãe levar consigo a filha para a Alemanha. Fazê-lo, seria colocar a criança numa situação de insegurança por falta de cautelas mínimas quanto à sua real e efetiva realização como pessoa humana no país para onde a mãe a quer levar. Não é possível dizer que tal autorização, embora provisória, seria benéfica para a criança. A autorização para a criança sair do país só pode assentar no seu próprio interesse, o qual sobreleva o dos pais. O superior interesse da criança assim o exige. Ela é o centro nuclear da questão e tudo deve girar em torno da concretização do seu desenvolvimento feliz e harmonioso".

24. Os factos e a situação que se verifica nos acórdãos invocados em contradição são diversos. No acórdão recorrido, está provado que a Inês se " sente desenquadrada e esquecida no agregado familiar do pai", encara a possibilidade de ir viver para outro país como uma aventura e não manifesta oposição em ir viver com a sua mãe para a Suíça", na Suíça ela integrar-se-á no agregado familiar composto pela mãe e atual marido, mantendo, como sempre manteve, uma " relação afetiva muito próxima e gratificante" com a mãe que é "dedicada em relação ao acompanhamento educativo e sócio comportamental da filha", mantendo a Inês uma boa relação afetiva com o atual marido da mãe, dispondo o casal de condições financeiras.

25. Ora no acórdão fundamento tratava-se de uma decisão provisória e avultava que a deslocação da mãe para a Alemanha se traduzia na busca de uma situação de vida estável que ali não estava garantida nem do ponto de vista económico nem familiar, considerando o Tribunal que " não existiam nos autos, à data do despacho, elementos factuais credíveis sobre o alegado pela mãe da criança. Indica o nome de uma empresa na Alemanha, uma residência, um salário e um hipotético subsídio de que iria usufruir por ser mãe divorciada", tratando-se apenas " de meras intenções, não de factos concretos demonstrados minimamente nos autos".

26. Não ocorrendo a referida contradição, o recurso não pode proceder.

Concluindo:

I - Não é admissível recurso para o STJ, face ao disposto no artigo 988.º/2 do CPC/2013, de acórdão da Relação na parte em que, tendo em conta os factos provados à luz do superior interesse da criança, considera adequado e conveniente que se mantenha a criança, que tem uma relação afetiva intensa com a mãe, confiada à sua guarda; e que assim continue a viver com a mãe, agora na Suíça, onde ela tem assegurada uma vida pessoal e economicamente estável com o seu atual marido, mantendo todos um excelente relacionamento.

II - É, no entanto, admissível a revista fundada na contradição deste acórdão com outro acórdão da Relação, face ao disposto no artigo 629.º/2, alínea d) do CPC/2013, acórdão este em que se considerou que o superior interesse da criança exige que não se autorize a sua mãe a levá-la para o estrangeiro, ainda que provisoriamente, afastando-a do convívio com o pai, avós paternos, tios e primos por razões económicas não demonstradas nos autos.

III - Não se verifica, dada a diferença factual, contradição entre os acórdãos, pois o superior interesse da criança pode justificar que, face a determinadas realidades, não deva ser autorizado o progenitor a levar consigo para outro país o seu filho, mas já se justifique a autorização, o que sucede quando se comprova que a criança irá integrar noutro país europeu com a mãe, sua figura de referência com a qual mantém laços afetivos intensos e recíprocos, um agregado familiar que lhe proporciona condições acrescidas de bem-estar material e moral.

Decisão: nega-se a revista

Custas pelo recorrente

Lisboa, 2-6-2016

Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego

Orlando Afonso