Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1580/18.0T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

II. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa).

III. Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

1. AA e BB instauraram ação contra o BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., pedindo: a) o réu condenado a pagar aos autores o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem a quantia de €165.000,00, bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento; ou, assim não se entendendo, b) declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o Réu invoque para ter aplicado os €150.000,00 que os Autores entregaram ao Réu, em obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006; c) declarado ineficaz em relação aos Autores a aplicação que o Réu tenha feito desses montantes; d) o Réu condenado a restituir aos autores €165.000,00 que ainda não receberam dos montantes que entregaram ao Réu e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento; e, sempre, e) ser o Réu condenado a pagar aos autores a quantia de €5.000,00, a título de dano não patrimonial.

   Articularam, com utilidade, que em 13.10.2004 e 20.04.2006, o gerente da agência do Réu em ... disse ao Autor marido, que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada e juros semestrais e que poderia levantar o capital e juros quando entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias. O Autor marido, conforme o funcionário do Réu sabia, não conhecia os diversos tipos de produtos financeiros nem sabia avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente, e até à data sempre aplicara o seu dinheiro em depósitos a prazo. O Autor aceitou aplicar desse modo o valor de €150.000 convicto que estava a colocar o seu dinheiro em aplicações seguras, com as características de um depósito a prazo, e com risco exclusivamente do banco.

Todavia esse valor foi aplicado em obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e em SLN 2006, sem que os Autores soubessem em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa. Se os Autores tivessem percebido que que o capital não era garantido pelo BPN, não autorizariam essa aplicação. Nunca o gerente ou funcionários do Réu, nem ninguém, leu ou explicou aos Autores o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006. O Autor marido assinou dois documentos a dar ordem de subscrição das obrigações, sem perceber em concreto que ordens estavam a dar pois não leu os documentos nem estes lhe foram explicados, tal como não lhe foi lido ou explicado ou entregue qualquer contrato que contivesse cláusulas sobre o produto adquirido. Em novembro de 2015, o Réu deixou de pagar os juros respectivos e atribui a responsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade que os Autores nem sabiam existir. Em resultado da atuação do Réu, os Autores estão impedidos de usar o seu dinheiro, andam preocupados e com ansiedade, tristeza e dificuldades financeiras para gerir a sua vida.

2. Regularmente citado, o Réu contestou, excecionando a incompetência do tribunal em razão do território, a prescrição do direito dos Autores sobre o intermediário financeiro e o abuso de direito na sua atuação, pois sempre souberam o produto que tinham adquirido e receberam juros acima da média. Impugnou ainda os factos alegados pelos Autores quanto ao contexto em que foi contratada a aquisição das obrigações em causa, refutando a falta de informação acusada ou o fornecimento de informações incorrecta ou insuficiente, concluindo pela improcedência da ação.

3. Calendarizada e realizada a audiência final foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente e condenando o Réu a pagar aos Autores a quantia de €150.000,00, acrescida de juros de mora, em relação a €100.000,00 desde dezembro de 2015, e em relação a €50.000,00, desde junho de 2016, calculados à taxa legal de 4%, até integral pagamento.

4. Inconformado, o Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. recorreu de apelação, tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a decisão recorrida. Custas do recurso pelo recorrente.”

5. O Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. insurgiu-se contra a decisão proferida em 2.ª Instância, tendo interposto recurso de revista excecional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 n.º 1, alíneas a), b) e c) do Código de Processo Civil, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1) O Recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro e definição do sentido de determinadas expressões na prestação dessa informação tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

4) Pontificam a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do nível de risco de incumprimento, normalmente associado ao risco de insolvência da entidade emitente.

5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido” ou do “capital garantido pelo Banco”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6) Também a aplicação da formulação negativa do nexo de causalidade tem sido sujeita a interpretações diversas, seja quanto à extensão da presunção de culpa à causalidade, que aqui se não discute, como à necessidade, ou não, de aferição não apenas da causalidade mecânica no caso contrato, como da adequação geral do concreto ilícito para a produção do dano em causa.

7) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

Além disso,

8) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

9) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672º nº 1 als. a), b) e c) do Código de Processo Civil.

10) A douta decisão recorrida vem a confirmar a decisão de 1ª instância por entender que o Banco-R. prestou informação falsa aos AA. ao informar que o capital era garantido pelo Banco.

Ora,

11) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

12) O certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

13) Como é também verdadeiro que o Banco estaria sempre como activo subjacente à responsabilidade entidade emitente, pois que esta era dona de todo o seu capital social,

14) Tudo motivos por que a informação, podendo não ter sido expressa da melhor forma, não é de todo falsa!

15) Com a subsunção feita dos factos, o Tribunal recorrido violou por errónea aplicação o disposto nos art.ºs 304º, 312º e 314º do CdCM (na redacção aplicável)

De resto,

Por outro lado,

16) O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e o dano!

17) Todavia, além da demonstração da causalidade “mecânica” entre o imputado facto ilícito e o dano, importaria a demonstração de que aquele mesmo ilícito é, em geral, adequado à produção daquele dano - o que, neste caso ficou por demonstrar!

18) A prestação de informação falsa (ou a falta de prestação de informação), no que diz respeito ao nexo causalidade, está umbilicalmente ligada ao regime do erro.

19) Na verdade, aquele nexo de causalidade parte dos mesmos exatos termos em que existe a essencialidade do erro.

20) Ou seja, num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão – nada disso foi aqui feito!

21) Não basta, portanto, que se diga que existia um risco acrescido na subscrição proposta... é, além do mais, preciso que se demonstre que se o investidor soubesse daquele concreto risco que existia e que ele desconhecia, ele nunca teria investido como fez!

22) No caso concreto, além de não demonstrar alegado ou provado aquele facto negativo, ainda nos atreveremos a dizer que o contrário é relativamente óbvio... ou seja, em 2006 (sim, porque o contexto é o de 2006), ninguém relevava a eventualidade de uma situação de insolvência de um Banco ou de uma sociedade dona de um Banco – e como esse cenário não era sequer concebível, nunca ninguém duvidaria em investir mesmo em dívida subordinada, só por ser subordinada!

Por fim, e em bom rigor,

23) A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

24) Não podemos, por tudo o que vimos de expor, deixar de concluir que não apenas o Banco-R. não praticou qualquer acto ilícito, como mesmo que o houvesse praticado, tal qual identificado pelas instâncias, e ele nunca seria causal relativamente ao dano alegado.

25) Além das normas já referenciadas, incorreu a decisão recorrida em violação do disposto no art.º 563º do Código Civil.

Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e em consequência, pela revogação do douto acórdão recorrido, e sua substituição por outro que absolva o Réu do pedido, assim se fazendo... JUSTIÇA!”

6. Foram apresentadas contra-alegações, tendo sido aduzidas as seguintes conclusões:

“A) Questão prévia: não admissão do recurso

1 - No caso dos presentes autos, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 07.11.2019, vem confirmar a decisão do Tribunal da 1ª instância, pelo que se verifica a dupla conforme (art.671º nº3 do CPC).

2 - Não obstante, o recorrente apresentou revista excecional com fundamento nas alíneas a) e b), do nº1 do art.672º do CPC.

i.     Da inadmissibilidade do recurso de revista com fundamento na alínea a), do nº1 do art.672º do CPC:

3 - O requisito da alínea a) do n.° 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil (CPC) implica a controvérsia da questão jurídica na doutrina e na jurisprudência, a sua complexidade, ou, finalmente a sua natureza inovadora, em termos de se justificar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça para evitar dissonâncias interpretativas e porem em causa a boa aplicação do direito.

4 - Crê-se, contudo, que o Réu não logrou demonstrar que se trata de questão cuja importância justifique claramente a intervenção do STJ, em termos de conseguir uma melhor aplicação do direito.

5 - Somos da opinião, que o recurso apresentado pelo Réu, trata-se manifestamente, de uma discordância com o decidido a esse respeito no acórdão recorrido, tanto mais que, o por si alegado, não tem capacidade para sustentar a relevância jurídica como fundamento de uma revista excecional.

6 - Se é verdade que, existem casos apreciados pelos tribunais sobre esta questão, não é menos verdade que, esses mesmos casos revelam diversos padrões de comportamento quer do lado dos intermediários financeiros, através dos seus dirigentes ou dos funcionários, quer do lado dos investidores não institucionais.

7 - Com efeito, se em alguns deles se evidenciam estratégias agressivas de assédio aos clientes ou reveladoras de um aproveitamento fraudulento da pura iliteracia financeira, noutros casos, as aplicações financeiras foram conscientemente realizadas pelos investidores com o propósito de obterem rendimentos mais elevados, e é precisamente neste ponto que as decisões divergem, dando aso a soluções jurídicas e interpretações divergentes.

8 - Ora, no caso dos autos, a matéria de facto dada como provada, remete-nos especificamente para as situações em que o Banco Réu assumiu uma prática agressiva, envolvendo o A. marido, de perfil não qualificado, levando-a, a subscrever obrigações subordinadas como se fossem verdadeiros depósitos a prazo, aproveitando-se, assim, da sua ingenuidade e da sua falta de experiência.

9 - E, daí, inexistir qualquer relevância jurídica da questão em causa para uma melhor aplicação do direito.

10 - Face ao exposto, não deve ser admitido o recurso de revista excecional com fundamento na alínea a), o que se invoca para os devidos legais efeitos.

ii. Da inadmissibilidade do recurso de revista excecional com fundamento na alínea b), do nº1 do art.672º do CPC:

11 - O requisito da alínea b) do nº1 do art.672º do CPC, tem ínsita a aplicação de preceito ou instituto a que os factos sejam subsumidos e que possa interferir com a tranquilidade, a segurança, a ou a paz social, em termos de haver a possibilidade de descredibilizar as instituições ou a aplicação do direito.

12 - Não obstante, da matéria facto articulada e provada, não parece surgir uma situação em que possa haver colisão de uma decisão jurídica com valores sócio-culturais dominantes que a devam orientar e cuja eventual ofensa possa suscitar alarme social determinante de profundos sentimentos de inquietação que minem a tranquilidade de uma generalidade de pessoas.

13 - Os autos demonstram uma intermediação excessiva, pois a atividade descrita e demonstrada nos autos não era a da intermediação financeira, no verdadeiro sentido do termo: do que se tratava era de utilizar o Banco Réu para captar de forma ilícita recursos para a sua dona, através de uma autêntica caça aos depósitos a prazo dos seus clientes.

14 - Portanto, a questão suscitada não reveste particular relevância social, nem a sua solução ultrapassa os limites do caso concreto por forma a gerar sentimentos de intranquilidade ou alarme social, ou colocar em causa a credibilidade do direito.

15- Pelo que, não deve ser admitido o recurso de revista excecional com fundamento na alínea b), o que se invoca para os devidos legais efeitos.

B) Do recurso da matéria de direito:

i. Da responsabilidade civil do Banco Réu:

16 - A aplicação do direito aos factos, efetuada na douta sentença recorrida é intocável, não merecendo qualquer reparo, a qual corroboramos na íntegra.

17 - Com efeito, o BPN, na sua relação com os Autores, intervinha como instituição de crédito e como intermediário financeiro, por conta da SLN, apesar de estes o não saberem.

18- Como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta que o RGICSF – em vigor na altura da subscrição das obrigações, nomeadamente os artigos (art.73º e 74º do RGICSF), e ainda o critério de diligência previsto no artigo 76.º, segundo o qual devia atuar nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos investidores.

19 - Por sua vez, enquanto intermediário financeiro (cf. arts. 289º, nº1, al. a) e 290º, nº1, al. c), do Código dos Valores Mobiliários) encontrava-se vinculado às normas que estabelecem regras próprias quanto aos deveres dos intermediários financeiros (cf. arts. 304º a 342º, do CVM).

20 - A obrigação de informação está inscrita no artigo 312º do CVM e o intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

21 - Sendo certo que, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há-de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objeto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação, contrariando assim de modo evidente, a decisão do pleito.

22 - E é indiscutível que a qualidade da informação deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, conforme ressalta do guião diretivo imposto pelo artigo 7º do CVM.

23 - De acordo com a disciplina consagrada no artigo 304º do Código dos Valores Mobiliários os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado e nesse relacionamento devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

24 - A responsabilidade do intermediário financeiro, no caso do Banco Réu decorre, desde logo, do disposto no artigo 314.º do CVM.

25 - Com efeito, a responsabilidade do intermediário financeiro a que alude o art.º 314º do CVM, apresenta-se desde logo como uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo art.º 798º do CC, sendo a causa de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, e presume-se nos termos do artigo 799º do CC.

26 - A factualidade do caso concreto demonstra que o comportamento do Réu/recorrente esteve, inequivocamente, longe de preencher os critérios ético-normativos decorrentes das normas do CVM supra citadas.

27 - Com efeito, o Banco Réu tem um dever de diligência ativa, no sentido de se inteirar, atenta a experiência e conhecimentos do cliente, da razoabilidade e adequação da aplicação financeira, tanto mais que, o Banco apresenta-se ao destinatário como tendo qualidade específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem este investidor a confiar.

28 - Ora, do acervo dos factos dados como provados, resulta que, o A. marido não tinha qualificação nem formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos produtos financeiros, e os riscos inerentes a eles, a não ser que lhos explicassem devidamente, e que por isso mesmo tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, pelo que não tinha experiência no funcionamento do mercado de valores mobiliários.

29 - Assim sendo, no caso de o cliente não ser um investidor institucional ou experiente, como é o caso dos autos, carece objetivamente de particular proteção, nomeadamente, em termos de informação.

30 - Não obstante, o funcionário do Banco Réu desconsiderando o perfil do A. marido, aconselhou-o a investir e aplicar as suas poupanças em Obrigações SLN 2004 e 2006, informando-o [erroneamente] e assegurando que a aplicação em causa era equivalente a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.

31 - Daí que, e em face das referidas informações [inexatas], tenha o A. marido, prima facie confiante, dado autorização para aplicação de fundos seus no valor de 150.000,00€, nomeadamente, 100.000,00€ em duas obrigações SLN 2004 e 50.000,00€ numa obrigação SLN 2006, convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.

32 - Aliás, nem sequer se afigura razoável que o A. marido, pudesse conhecer detalhadamente as características das obrigações, pois tal como resultou provado nunca ninguém leu ou explicou ao autor o que eram obrigações, nem os autores sabiam o que era ou quem era a SLN.

33 - É que, e em rigor, não sabendo sequer o A. marido em concreto o que era a SLN, acabou por seguir a sugestão do funcionário do Banco, subscrevendo as obrigações SLN 2004 e 2006, e aceitando como boa a informação do referido funcionário no sentido de que o risco era mínimo, tratando-se de produto idêntico a um depósito a prazo.

34 - Portanto, a informação prestada no sentido de que era uma aplicação equivalente a um depósito a prazo quando em verdade não o era, assume tanto maior gravidade quanto se sabe que o funcionário em causa sabia que o A. marido não faria aplicações que não tivessem capital garantido e que não pudessem ser resgatadas em qualquer altura – ou seja, no sentido de que a informação prestada foi afinal determinante da vontade contratual do A. marido.

35 - Sendo certo que, esta referenciação ao DP não é, evidentemente, inocente, uma vez que se trata de um produto muito divulgado, de todos conhecido, e sobretudo, reconhecido pela sua segurança, sobre ele recaindo invariavelmente conforme o réu sabia, a preferência do A. marido.

36 - Acresce que, o facto de ter sido dito ao A. marido que o capital estava garantido pelo BPN (informação inverdadeira), veio dar ainda mais confiança e segurança para aplicar o seu dinheiro, pois o BPN é uma entidade bancária de todos conhecida no mercado financeiro e com credibilidade, na qual o A. marido confiava plenamente.

37 - Portanto, o A. marido estava convicto de estar a contratar com o Banco e a subscrever produto desse mesmo Banco.

38 - Pelo que, a saliência exagerada da comparação a um depósito a prazo (quanto ao risco de investimento), e a garantia do capital pelo próprio BPN, ofuscou tudo o resto, não tendo o A. marido a verdadeira perceção das consequências adversas que potencialmente estavam contidas na operação em causa, o que permite imputar ao Banco Réu a violação dos deveres que sobre si impendiam, mormente deveres de informação.

39 - Da factualidade dada como provada, resulta de forma inequívoca que, a comunicação contratual efetuada não foi completa nem é integralmente verídica, estando igualmente patenteado que foram subtraídos elementos informativos que não permitiram que o cliente compreendesse os riscos essenciais envolvidos na operação financeira realizada.

40 - Em suma, e sem margem para quaisquer dúvidas, porque a factualidade assente fala por si, é inquestionável que in casu o intermediário financeiro/Banco violou o dever de informação, não elucidando convenientemente [antes prestando informação incorreta, para não dizer enganadora e ardilosa] ao A. marido, sobre as características do produto financeiro que lhe foi proposto/sugerido.

41 - Mesmo que assim não se entenda, o que não se concebe nem concede, sempre se dirá que a declaração de que o Banco Réu é o garante da aplicação financeira, sobretudo quando a A. marido nem sequer sabia o que era a SLN, só pode ser compreendido, pelo declaratário  normal, como uma efetiva garantia de pagamento e que este lhes seria restituído a 100% pelo BPN (art.236º, nº1 do CC).

42 - Temos, pois, que no caso dos autos, o banco Réu assumiu perante o A. marido aquando da aquisição do produto financeiro (2004 e 2006), o compromisso da garantia do capital que havia sido investido.

43 - Trata-se, neste caso, de um compromisso contratual em que o banco réu assume perante o A. marido o pagamento do capital investido na aludida aquisição dos ativos financeiros e nessa medida verifica-se uma situação de responsabilidade contratual que o banco réu não pode deixar de assumir e com as consequências decorrentes do art. 798 do C. Civil.

44 - Donde e relativamente à responsabilidade pelo reembolso do capital investido na aplicação financeira em causa do banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, a mesma só existe, no caso em apreço, porque o banco réu assumiu, segundo o que vem provado, proceder ao pagamento do valor nominal dos títulos em causa, o que consubstancia um compromisso contratual, ao qual não pode fugir, como acima já se referiu.

45 - No caso dos autos, o banco réu, na qualidade de intermediário financeiro em que aqui operou, não podia deixar de pautar o seu comportamento contratual em nome do relacionamento de confiança existente entre si e o A. marido pelo princípio da boa-fé (cfr. art. 762º nº2 do C. Civil).

46 - Revertendo ao caso vertente, parece evidente, face ao acervo factual apurado, que a apelante incumpriu em toda a linha o dever de informação que sobre si recaia, omitindo informação relevante e prestando informação incorreta, determinando o A. marido à subscrição de um produto que não conhecia, não tendo sido esclarecida quanto às suas características, antes lhes tendo sido descrito enganadoramente como um produto com capital garantido, como equivalente a um depósito a prazo, mas com uma remuneração mais vantajosa, pelo que a A. marido atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, com risco exclusivamente do Banco.

47 - Também não podemos olvidar, que no caso dos autos o funcionário do Banco Réu não Explicou ao A. marido que se tratavam de «obrigações subordinadas», e consequentemente, que a este produto financeiro está associado um risco não comum mas sim anormal (ou especial), na medida em que o investimento subjacente, em caso de insolvência ou liquidação da entidade emitente, apenas seria reembolsado após a satisfação dos créditos dos demais credores por dívida não subordinada (com exceção dos acionistas), como resulta do disposto na al. c) do art.48º do CIRE (DL nº53/2004), de 18 de Março).

48 - Esta informação não é inócua, antes pelo contrário, é relevante e determinante, uma vez que coloca os investidores (neste caso os Autores), numa posição bem mais desvantajosa do que os simples depósitos a prazo, mas que lhes foi claramente ocultada.

49 - Por outro lado, o facto de não ser previsível, à época, o colapso do sistema financeiro, não justifica o facto de o Banco Réu ter omitido ao A. marido o risco de insolvência da SLN, e a possibilidade de nunca mais vir a reaver o dinheiro investido, pois as obrigações do intermediário financeiro acima referidas e designadamente a obrigação de informação, já estão consagradas na lei desde data muito anterior ao início da mencionada crise.

50 - Outrossim, ainda que, à data, pudesse não ser previsível que viesse a ocorrer insolvência da sociedade emitente (risco especial), a Ré tinha a obrigação de alertar o A. marido para o risco (geral) da insolvência da emitente, sobretudo face à posição extremamente desfavorável atribuída aos credores obrigacionistas em tal situação.

51 - Também, não se pode esquecer o prazo de 10 anos, prazo extremamente longo, pelo que, em tão dilatado período de tempo, nunca ninguém poderia afirmar que no final o capital estava garantido, e por isso mesmo, a insolvência sempre seria de se admitir e considerar (mais uma vez o banco réu prestou informação falsa).

52 - E, não se pode dizer que não havia exemplo de insolvências de bancos (o que não é correto, pois já havia ocorrido com a Caixa Económica ..., no ano de 1986), quando a SLN nem sequer era o banco, mas sim uma empresa ou uma holding de empresas de vários ramos de negócio, com todos os riscos que isso envolve, designadamente de contágio entre elas.

53 - A própria Nota Informativa do produto (junta com a contestação), prevê expressamente no ponto 1 “Advertência aos investidores”, decorrendo de forma irrefutável que haviam duas características cruciais a serem advertidas aos clientes: a primeira prende-se com a possibilidade de insolvência da sociedade emitente, ou seja, que a SLN só lhes restituiria o capital no final do prazo de 10 anos se chegado esse tempo futuro ela tivesse disponibilidade financeira para proceder à restituição, e a segunda, diz respeito à subordinação dessas obrigações, pois nestas condições, o reembolso do capital, só seria pago depois de satisfeitos os credores que não tivessem créditos subordinados.

54 - Em face do referido, não se pode aceitar que se diga que a advertência aos investidores relativa ao risco de insolvência não era informação exigível ao banco Réu, uma vez que à data nada fazia prever o que se veio a concretizar, isto é, a insolvência da SLN.

55 - Não foi isso que entendeu a própria SLN e o Banco de Portugal, aliás, ambos entenderam diferente, daí constar da Nota Informativa como advertência a ser dada e explicada aos investidores.

56 - Acresce que, no caso dos autos, o Banco Réu não provou ter fornecido cópia da Nota Informativa ao A. marido, e muito menos provou ter-lhe dado as explicações que dela constam (ónus que lhe incumbia).

57 - O facto de não ter provado que entregou ao A. marido qualquer Nota Informativa sobre o emitente das Obrigações, integra a violação dos deveres consignados nos artigos 312º-C e 312º-F, ambos do Código dos Valores Mobiliários, especialmente no que tange a falta de documentação da informação a prestar.

58 - Estamos, aqui no domínio da responsabilidade contratual feita em nome do relacionamento anterior de clientela existente entre os Autores e o Banco Réu e nessa perspetiva o banco réu tem de assumir contratualmente o reembolso do capital investido (cfr. art. 798 e segs. do C. Civil).

59 - Efetivamente, tendo o Banco Réu avançado para a aquisição do produto financeiro aqui em causa sem observar os deveres de informação junto do A. marido, a que estava obrigado na qualidade de intermediário financeiro em que interveio, torna-se responsável pelos prejuízos causados aos Autores, nos termos do art. 314 nº1 do CVM, sendo certo também que não se mostra ilidida a presunção a que alude o nº2 do citado art. 314 que impendia sobre o banco Réu.

60 - Mas ainda que assim não se entendesse, também seria o Banco Réu aqui responsável extracontratualmente em consequência da violação de deveres, não só do exercício da sua atividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304º do CVM, como sejam os ditames da boa-fé, elevado padrão de diligência, lealdade e transparência, como também da violação dos mais elementares deveres de informação a que aludem os arts. 7.º n.º 1 e 312.º, n.º1, ambos do CVM, e art. 77º, n.º 1 do RGICSF, fazendo, assim, incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude o art. 304º-A, n.º1, do CVM , sendo certo também que o banco Réu não ilidiu a presunção legal de culpa do n.º2 do citado art. 304º-A.º, constituindo-se por essa via também na obrigação de indemnizar os danos causados aos Autores, enquanto subscritora das obrigações, nos termos sobreditos.

61 - A factualidade provada aponta para uma subscrição, em que o essencial não foi devidamente explicado, omitindo-se, ou deturpando-se os reais riscos da mesma – transparecendo a ideia de que o Banco Réu se responsabilizava pelo pagamento das obrigações, embora na realidade, e tendo em conta o seu comportamento posterior, não tivesse essa intenção.

62 - Dizer-se que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, quando, na verdade, não tem, não pode ser visto como artifício ou sugestão admissível, tanto mais que a obrigação de informação é essencial e resulta da lei (arts. 253.º, n.º 2, e 485.º, n.º 2, do CC).

63 - O A. marido só aceitou negociar com o Banco Réu, porque lhe foi comunicado que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo próprio BPN.

64 - Ou seja, o A. marido atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente banco.

65 - O réu sabia que prestava informação errada ao A. marido – dizendo-lhe que garantia o capital e os juros – e sabia que essa errada informação era determinante, como foi, da declaração de vontade emitida.

66 - Ora, por força do art. 800º do C.C. (ou, para quem considere que em causa não está responsabilidade contratual, mas sim extracontratual, por força do art. 500º do C.C.), o BPN responde pelos atos dos seus funcionários

67 - A situação dos autos pode ser igualmente enquadrada na modalidade de responsabilidade pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco informou o A. marido que estava garantido o retorno do capital.

68 - A apresentação do produto como produto seguro, como do próprio do banco constitui violação do dever de informação.

69 - Afirmar que o produto é produto seguro, como do próprio banco é o mesmo que afirmar que é o próprio banco que reembolsará o cliente do capital investido.

70 - Que não é um produto de risco.

71 - Relevante é que, ao dizer que o produto era produto seguro, do próprio do banco,o A. Marido não foi colocado perante a hipótese de investir as suas poupanças em produto que não era próprio do BPN.

72 - Por força do art. 314º nº 2 do C.V.M. - redação original, presume-se a culpa do intermediário financeiro.

73 - Porque o dano sofrido pelos Autores, decorreu da prestação de informação falsa e a falsidade da informação é uma forma de violação do dever de prestar informações por ação, presume-se a culpa do Banco Réu, nos termos previstos no nº 2, do artigo 304º-A do Código dos Valores Mobiliários.

74 - Assim, a omissão de tal informação foi causal da segurança do A. marido em subscrever as Obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006, fazendo que as subscrevesse, e agora sofram os Autores um dano por não lhe ser reembolsado o dinheiro.

75 - O comportamento do banco réu foi decisivo e causal na produção dos danos, pois como resultou provado que o que motivou a autorização pelos autores foi o facto de o gerente do réu ter dito que o capital era garantido pelo banco réu, com juros semestrais e que poderiam levantar o capital e juros quando assim o entendessem, bastando avisar a agência com antecedência. (Cfr. facto nº 5).

76 - Tanto assim é que, ficou assente que o autor marido atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, num produto do banco (cfr. facto nº6).

77 - Pelo que, e tal como resultado provado, se o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2004 ou SLN 2006, produtos de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria (cfr. facto nº 7).

78 - Mesmo que assim não se entenda, o que não se concebe nem concede, veja-se a respeito do nexo de causalidade, a recente decisão singular, datada de 02/04/2019, no processo nº6295/16.0T8LSB.L1.S1-A, da relatora Maria João Vaz Tomé, que entendeu que se deve admitir uma inversão do ónus da prova de comportamento conforme à informação – causalidade preenchedora, incumbindo assim ao intermediário financeiro (devedor da informação), provar que, mesmo perante um cumprimento pontual dos deveres de informação, o investidor da informação teria tomado a mesma decisão, correndo deste modo o primeiro. E, daí que, no seu entendimento, se presume o nexo causal – preenchedor, entre o incumprimento ou deficiente cumprimento dos deveres de informar e a decisão de investimento adotada pelo investidor presunção essa que pode ser retirada do art.304º, nº2 do CVM).

79 - No mais, entende ainda que, atualmente tende a prevalecer um entendimento amplo de presunção de culpa, quer daquela prevista no art.799º, nº1 do CC, que abrange também a de ilicitude e a da causalidade fundamentante, quer daquela prevista no art.304º-A, nº2, do CVM, que inclui a de ilicitude, a da causalidade fundamentante e a da causalidade preenchedora.

80 - Sendo certo que, no caso em apreço, o Banco Réu não logrou ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos sofridos pelos Autores, pois como resultou provado, o A. marido agiu convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e em tudo semelhante a um depósito a prazo, e com risco exclusivamente do BPN.

81 - Verifica-se, por isso, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres resultantes da lei e nomeadamente os deveres de informação a que o banco Réu está e os danos que os Autores reclamam (confrontar artigo 563.º do Código Civil).

82 - Tem, pois, o Banco Réu a obrigação de indemnizar os Autores pelo valor do capital investido, acrescido de juros à taxa legal desde a data do termo do prazo das obrigações subscritas (arts. 805º nº 3 e 806º do C.C.).

83 - Improcedem, deste modo, as conclusões de recurso no que toca à impugnação da matéria de direito.

ii. Da prescrição

84- Como é sabido, o recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sendo certo que, no caso dos autos, o Banco Réu, não questionou a bondade da decisão do Acórdão da Relação, que concluiu tendo o banco Réu violado os seus deveres de informação pelo menos com culpa grave, não se aplica o prazo de prescrição do art.324º, nº2 do CVM, mas sim o prazo ordinário de 20 anos, fixado no art.309º do CC, pelo que não ocorreu a alegada prescrição.

85 - Não tendo o recorrente, impugnado tal decisão no recurso de revista, significa que, não só concordou, como se conformou com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação quanto a esta questão.

86 - Pelo que, quanto à inexistência da invocada exceção de prescrição, a decisão já transitou em julgado, não podendo a mesma ser alterada.

iii. Do parecer

87 - O parecer junto representa, apenas, a opinião do jurisconsulto que o subscreve, sobre a solução de determinado problema e tem a autoridade que o seu autor lhes confere, isto é, é mero documento particular para efeitos probatórios.

88 - Com efeito, os pareceres de natureza jurídica relevam ao nível do estudo e do enquadramento das questões de natureza jurídica suscitadas pelas partes mas nada têm a ver com a fixação da matéria de facto e com a prova.

89 - Por isso, os pareceres, não constituem prova documental com força probatória plena.

90 - Com o devido respeito, os recorridos não concordam com o teor do parecer junto da autoria do Professor António Pinto Monteiro.

91 - No nosso modesto entendimento, é dispensada qualquer análise mais aprofundada do aludido parecer, quando o mesmo chega a referir “que não há qualquer dever geral por parte do banqueiro de prestar informações”, negando de forma insofismável a violação dos deveres de informação por parte do BPN.

92 - Outrossim, não podemos subscrever a afirmação constante do referido parecer, quando o mesmo chega a afirmar que o conceito da obrigação é “conhecida da generalidade do público” “ou, pelo menos, facilmente apreensível”.

93 - Tal asserção assenta, cremos, o que com maior respeito se afirma, num equívoco quanto à natureza e extensão dos conhecimentos de grande parte da população portuguesa, sobretudo quando estão em causa pessoas sem qualificação e de perfil conservador, ou seja, sem conhecimento e sem experiência, como é o caso do A. marido.

94 - Sendo certo que, o produto subscrito pelo A. marido não era de complexidade mínima, muito menos facilmente apreensível mediante a apresentação de informações simples, tais como as que foram prestadas.

95 - Também, merece censura da nossa parte, a conclusão sustentada no aludido parecer, de que dizer que o “capital era garantido”, não seria sinónimo de “reembolso garantido”, pois parte-se de um princípio que nos oferece algumas reservas, isto porque, um cidadão comum, não tem necessariamente de perceber essas subtilezas jurídicas.

96 - As minudências do mundo financeiro podem proporcionar tantas cambiantes que obrigam necessariamente a um especial cuidado por parte de quem se oferece para prestar um conselho profissional, no quadro de uma relação estabelecida entre um banco e o seu cliente, relativamente a um investimento que no caso ascendeu a 150.000,00€.

97 - São esse tipo de preocupações que justificam que o legislador rodeie a atividade bancária e de intermediação financeira de um conjunto de deveres (acessórios) de cuidado, proteção, informação e diligência, que visam essencialmente a especial tutela do “investidor-consumidor”.

98 - E, não podemos olvidar que, o aludido parecer foi emitido à margem das especificidades do caso em apreço, tendo sido emitido para ser junto a todos os processos respeitantes à responsabilidade do Banco Réu e não ao de reembolso dos credores obrigacionistas da SLN.

99 - Aliás, parte do teor de tal parecer contraria o que vem sendo jurisprudência quase pacífica do STJ e aceite na generalidade da doutrina, mormente o teor do Ac. do STJ de 10/04/2018, proferido no proc. 753/16.4TBLIS.S1, versando sobre caso com semelhanças óbvias com o presente e que confirmou o acórdão TRL que revogou a sentença da 1ª secção cível da Instância Central da Comarca de Lisboa, de 10 de Dezembro de 2016, várias vezes citada pelo Prof. Pinto Monteiro no parecer, sempre com menção de concordância.

100 - Pelo que, os pareceres técnicos, não constituindo prova documental com força probatória plena, não permitem, por si só, alterar a decisão de facto do tribunal recorrido, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do CPC.

101 - De todo o modo, não podemos deixar de realçar o facto de o recorrente, surpreendentemente, no caso dos presentes autos, não ter junto aos autos o parecer do Professor Doutor António Menezes Cordeiro, como tem sido sua prática comum, nos imensos processos que têm corrido e correm nos nossos Tribunais, onde se discute a mesma querela jurídica, designadamente, a propósito a responsabilidade civil do intermediário financeiro, por violação dos deveres de informação.

102 - No nosso humilde entendimento, a ausência da junção do aludido parecer, só pode querer significar que, o mesmo se revela favorável à tese defendida pelos Autores, e corrobora a posição do douto Tribunal recorrido, caso contrário, se fosse um parecer favorável ao Banco Réu e à tese que o mesmo vem defendendo, teria sido junto como nos demais processos similares ao do presente autos.

103 - O douto Acórdão recorrido não merece, assim, qualquer censura, pelo que deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se aquele, na íntegra.

Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que Vªs Exªs doutamente suprirão, o presente recurso não deve ser admitido ou, quando assim não se venha a entender, deve negar-se provimento, mantendo-se o douto acórdão apelado nos seus precisos termos, com as legais consequências. Assim decidindo, farão Vªs Exªs, Venerandos Conselheiros, a habitual JUSTIÇA.”

7. Remetidos os autos à Formação, foi admitida a revista excecional.

8. Entretanto, foram os autos suspensos até ao trânsito em julgado dos autos pendentes para uniformização de jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via do recurso admitido no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.

9. Os aludidos autos para uniformização de jurisprudência (Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.) já transitaram em julgado.

10. Foram dispensados os vistos.

11. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano?


II. 2. Da Matéria de Facto


Factos Provados:

“1- Os autores eram clientes do réu, na sua agência de ..., com a conta à ordem nº ...01, onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças.

2 - Primeiro, em Outubro de 2004 e depois em Maio de 2006, o gerente do banco réu da agência de ..., disse ao autor marido, que tinha aplicações em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada, com juros a 4,5% e prazo de 10 anos.

3 - O funcionário do banco sabia que o autor marido não tinha qualificação ou formação técnica que lhe permitisse, às datas, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente. Tinha o autor marido um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo.

4 - O dinheiro do autor no valor total de 150.000,00€ viria a ser colocado da seguinte forma: duas obrigações SLN Rendimento Mais 2004, no valor de 100.000,00€, e uma obrigação SLN 2006, no valor de 50.000,00€, sem que o autor soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa.

5 - O que motivou a autorização pelos autores foi o facto de o gerente do réu ter dito que o capital era garantido pelo banco réu, com juros semestrais e que poderiam levantar o capital e juros quando assim o entendessem, bastando avisar a agência com antecedência.

6 - O autor marido actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, num produto do banco.

7 - Se o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2004 ou SLN 2006, produtos de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.

8 - Nunca foi intenção dos autores investir em produtos de risco, o que era do conhecimento do gerente e funcionários do réu, e os autores, em concreto o autor marido, sempre esteve convencido que o réu lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.

9 - A convicção do autor foi reforçada com o pagamento dos juros semestralmente pagos, o que lhe transmitiu segurança e nunca o alertou para qualquer irregularidade, face ao que lhe tinha sido dito, pelo referido gerente da agência de ....

10 - E que manteve até Novembro de 2015, data em que o banco réu deixou de pagar os juros respectivos.

11 - Nunca o gerente ou funcionários do réu, nem ninguém, leu ou explicou ao autor o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN 2004 ou obrigações SLN 2006.

12 - Os autores não sabiam o que era ou quem era a SLN. Pensavam que se tratava de uma denominação da conta a prazo que o banco utilizava.

13 - As aplicações no valor de 150.000,00€ não foram reembolsadas

14 - Nunca qualquer contrato lhe foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelo autor nem nunca conheceu o autor qualquer título demonstrativo de que possuía obrigações SLN, não lhe tendo sido entregue documento correspondente.

15- O réu foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa.

16 - O autor marido assinou dois documentos, que não leu nem lhe foram explicados, em que estaria a dar ordem de subscrição das referidas subscrições.

17 - O que constava da própria documentação interna criada, veiculada e distribuída pelo réu aos seus funcionários.

18 - Um dos argumentos invocados pela Direcção Comercial do BPN e que os funcionários da rede de balcões do banco réu repetiam junto dos seus clientes, como o fez com o autor, era o de que se tratava de um investimento seguro e, por isso, este assegurava o reembolso do capital investido e juros.

19 - As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o banco garantia o capital investido.

20 - Por força da impossibilidade em reaver o dinheiro aplicado os autores têm-se sentido preocupados e ansiosos, com o receio de não reaver, ou de não saber quando vão reaver o seu dinheiro.

21 - E tem provocado nos autores ansiedade, tristeza.”


II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

II. 3.1. O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, reconhecendo a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano? (1)

Cotejado o acórdão recorrido, anotamos que o Tribunal a quo, perante a facticidade demonstrada, concluiu, no segmento decisório, pela confirmação da sentença que condenou o Banco BIC, a pagar aos Autores a quantia de €150.000,00, acrescida de juros de mora, em relação a €100.000,00 desde dezembro de 2015, e em relação a €50.000,00 desde Junho de 2016, calculados à taxa legal de 4%, até integral pagamento.

O aresto escrutinado apreendeu a real conflitualidade subjacente à demanda trazida a Juízo.

Assim, acompanhando o objeto da apelação interposta pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., o Tribunal recorrido proferiu aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo posto em crise com a interposição da presente revista.

Elaborando o enquadramento jurídico que a facticidade demonstrada exige, diremos que o contrato de intermediação financeira encerra um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), relativo à prestação de atividades de intermediação financeira, enunciando-se, a propósito que, nos termos do n.º 1 do art.º 289.º do Código dos Valores Mobiliários, são atividades de intermediação financeira:

a) Os serviços de investimento em valores mobiliários;

b) Os serviços auxiliares dos serviços de investimento;

c) A gestão de instituições de investimento coletivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições

Sublinhamos, outrossim, que os serviços de investimento compreendem:

a) A receção e a transmissão de ordens por conta de outrem;

b) A execução de ordens por conta de outrem;

c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) A colocação em ofertas públicas de distribuição.

O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no Código dos Valores Mobiliários, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

Subsumida a facticidade adquirida processualmente, não temos dificuldade em reconhecer, aliás, pacificamente aceite pelas partes, a celebração entre os Autores/AA e BB e o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. (que além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, tratando da comercialização, aos seus balcões, nomeadamente, de obrigações da SLN, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas), de um negócio jurídico, qualificado como contrato de intermediação financeira.

Sendo, pois, incontroversa, a qualificação jurídica do ajuizado negócio outorgado entre as partes, impõe-se saber e decidir, se o Banco/Réu violou deveres que sobre si impendiam, enquanto intermediário financeiro, aquando da aquisição, por parte dos Autores, do produto financeiro ajuizado, e, consequentemente, apurar se o Banco/Réu é responsável pela pretensão jurídica arrogada nestes autos.

Neste particular, sublinhamos, desde já, que a extensão e a profundidade da informação, a cargo do intermediário financeiro, devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, o que, de resto, este Tribunal de recurso reconhece, e não questiona.

Colhemos do Código dos Valores Mobiliários que os intermediários financeiros, enquanto entidades que exercem, a título profissional, atividades de intermediação financeira, estão sujeitos a múltiplos deveres de informação, sejam deveres comuns ou específicos do serviço de investimento/auxiliar que em cada caso concreto esteja em causa.

Enunciamos, de seguida, os preceitos legais que importam aos princípios que devem orientar os intermediários financeiros no exercício da respetiva atividade; os deveres de informação, mormente os deveres comuns, e, de igual modo; os preceitos legais atinentes à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, por danos causados a qualquer pessoa, em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

O art.º 304º do Código dos Valores Mobiliários estabelece os princípios que devem orientar a atividade dos intermediários financeiros:

“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário.

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação.”

O art.º 312º do Código dos Valores Mobiliários, estatui, acerca dos princípios gerais do intermediário financeiro, concretamente os deveres de informação:

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.

Ainda quanto ao dever de informação, o art.º 7º do Código dos Valores Mobiliários, preceitua no seu n.º 1:

“1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.”

De igual modo, refira-se que, em matéria de conflitos de interesses e realização de operações pessoais, o art.º 309º do Código dos Valores Mobiliários, relaciona os seguintes princípios gerais:

“1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e atuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes, deve pôr à disposição destes os valores mobiliários pelo mesmo preço por que os adquiriu.”

Ademais, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, prevenido no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de dezembro, impõe, nos seus artºs. 73º a 76º, às instituições de crédito, em quaisquer das atividades que pratiquem, que garantam aos seus clientes, superlativos graus de tecnicidade, provendo a respetiva organização com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência, devendo os seus administradores e empregados proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, pelos clientes, informando-os sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados, devendo sempre e em todo o caso, proceder com a diligência de um gestor criterioso.

Merecendo, a este propósito ser sublinhado o art.º 77.º, n.º 1, do consignado Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que estatui:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.

Dos enunciados normativos importa reter que a relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objetiva, completa, verdadeira, atual, clara, e lícita, tendo em conta, sublinhamos, que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

Doutrina e Jurisprudência reconhecem, pacificamente, resultar dos enunciados preceitos legais, impor-se ao intermediário financeiro, para além do dever de informação, clara e relevante para a opção que pretende tomar, o dever de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos do investidor, cliente, sendo certo que o dever contratual de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, resulta, ao cabo e ao resto, no dever de agir de boa-fé, neste sentido, Agostinho Cardoso Guedes, in, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil - Revista de Direito e Economia, Volume XIV, páginas 138 e139, Gonçalo Castilho dos Santos, in, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, página 76, 96 e 141, 2008, Almedina, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2018.

Conforme decorre da lei, o dever de informação exigido ao intermediário financeiro inclui um dever de recolha de informação (sobre a experiência e o conhecimento do cliente em matéria de investimento), um dever de avaliação da adequação do investimento proposto ao cliente.

No que tange à responsabilidade civil do intermediário financeiro, por danos causados ao investidor em razão da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, estabelece o art.º 314º do Código dos Valores Mobiliários:

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”


Necessariamente esta responsabilidade pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam, a demonstração do facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume nos termos do art.º 799.º n.º 1 do Código Civil e art.º 304º-A do Código dos Valores Mobiliários); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Para o caso trazido a Juízo releva especialmente o facto de ter sido uniformizada jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via de recurso admitido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que, a respeito do pressuposto da ilicitude, consignou a seguinte resposta uniformizadora:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.”

De igual modo, a propósito do pressuposto da responsabilidade civil atinente ao exigido nexo de causalidade entre o facto e o dano, decorre do enunciado acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que a demonstração desse nexo de causalidade constitui ónus do investidor, ainda que não qualificado, como resulta do ponto 1 do sumário do consignado AUJ, explanado nos pontos 3 e 4 da respetiva resposta uniformizador, cujo teor adiante se declara:

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.” 

Daqui se colhe a firme orientação segundo a qual é sobre o interessado que recai o respetivo ónus da prova, ficando clarificado, não poder aceitar-se a dispensa da demonstração dos factos integrantes deste pressuposto mediante a adesão a uma tese como aquela que faz presumir a causalidade a partir da verificação da ilicitude.

Elaborada a caracterização e enquadramento jurídico, relembremos a decisão da matéria de facto relevante para daí podermos conhecer da alegada violação dos deveres de informação, por parte Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, impondo-se sublinhar que o cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação impostas ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto, pode ser efetivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação.

Relembremos os factos adquiridos processualmente.

“1 - Os autores eram clientes do réu, na sua agência de ..., com a conta à ordem nº ...01, onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças.

2 - Primeiro, em Outubro de 2004 e depois em Maio de 2006, o gerente do banco réu da agência de ..., disse ao autor marido, que tinha aplicações em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada, com juros a 4,5% e prazo de 10 anos.

3 - O funcionário do banco sabia que o autor marido não tinha qualificação ou formação técnica que lhe permitisse, às datas, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente. Tinha o autor marido um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo.

4 - O dinheiro do autor no valor total de 150.000,00€ viria a ser colocado da seguinte forma: duas obrigações SLN Rendimento Mais 2004, no valor de 100.000,00€, e uma obrigação SLN 2006, no valor de 50.000,00€, sem que o autor soubesse em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa.

5 - O que motivou a autorização pelos autores foi o facto de o gerente do réu ter dito que o capital era garantido pelo banco réu, com juros semestrais e que poderiam levantar o capital e juros quando assim o entendessem, bastando avisar a agência com antecedência.

6 - O autor marido actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, num produto do banco.

7 - Se o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2004 ou SLN 2006, produtos de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.

8 - Nunca foi intenção dos autores investir em produtos de risco, o que era do conhecimento do gerente e funcionários do réu, e os autores, em concreto o autor marido, sempre esteve convencido que o réu lhe restituiria o capital e os juros, quando os solicitasse.

9 - A convicção do autor foi reforçada com o pagamento dos juros semestralmente pagos, o que lhe transmitiu segurança e nunca o alertou para qualquer irregularidade, face ao que lhe tinha sido dito, pelo referido gerente da agência de ....

10 - E que manteve até Novembro de 2015, data em que o banco réu deixou de pagar os juros respectivos.

11 - Nunca o gerente ou funcionários do réu, nem ninguém, leu ou explicou ao autor o que eram obrigações, em concreto, o que eram obrigações SLN 2004 ou obrigações SLN 2006.

12 - Os autores não sabiam o que era ou quem era a SLN. Pensavam que se tratava de uma denominação da conta a prazo que o banco utilizava.

13 - As aplicações no valor de 150.000,00€ não foram reembolsadas

14 - Nunca qualquer contrato lhe foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelo autor nem nunca conheceu o autor qualquer título demonstrativo de que possuía obrigações SLN, não lhe tendo sido entregue documento correspondente.

15 - O réu foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa.

16 - O autor marido assinou dois documentos, que não leu nem lhe foram explicados, em que estaria a dar ordem de subscrição das referidas subscrições.

17 - O que constava da própria documentação interna criada, veiculada e distribuída pelo réu aos seus funcionários.

18 - Um dos argumentos invocados pela Direcção Comercial do BPN e que os funcionários da rede de balcões do banco réu repetiam junto dos seus clientes, como o fez com o autor, era o de que se tratava de um investimento seguro e, por isso, este assegurava o reembolso do capital investido e juros.

19 - As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respectivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o banco garantia o capital investido.

20 - Por força da impossibilidade em reaver o dinheiro aplicado os autores têm-se sentido preocupados e ansiosos, com o receio de não reaver, ou de não saber quando vão reaver o seu dinheiro.

21 - E tem provocado nos autores ansiedade, tristeza.”

Daqui resulta serem os Autores, titulares de obrigação subordinadas, nas quais foram aplicadas as suas poupanças, conquanto aplicadas em produto distinto do pretendido, e sem estarem devidamente esclarecidos acerca das suas características, as quais não eram adequadas ao seu perfil de investidores, avessos ao risco, o que era do conhecimento dos funcionários da agência do BPN, com os quais os Autores lidavam e em quem estes confiavam, sendo que se aos Autores tivessem sido dadas completas informações sobre as características do produto financeiro que lhes foi proposto, lhes tivessem mostrado e explicado integralmente o conteúdo da nota informativa respeitante a esse produto, os Autores não o teriam adquirido.

Está, pois, adquirido processualmente que os Autores não possuíam conhecimentos sobre os diversos tipos de produtos financeiros, concretamente, as obrigações subordinadas, e não sabiam avaliar, por isso, os riscos da aplicação neste produto financeiro, sendo certo que ficaram convencidos de que o seu dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, num produto do Banco, garantido e assegurado pelo Banco/Réu, num produto sem risco e com reembolso garantido.

Esta declaração, para com estes Autores, deverá ser interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais - art.º 236º do Código Civil - .

A declaração só pode significar que o Banco/Réu assumiu um compromisso perante os Autores, seus clientes, o do reembolso do capital investido no consignado produto financeiro. É isto que decorre das regras da normalidade do acontecer e da relação de confiança com uma instituição bancária que não pode deixar de ser ponderada no interesse do próprio sistema financeiro.

O Banco/Réu incumpriu o compromisso assumido de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos dos Autores, enquanto investidores e clientes, de tal sorte que o Banco/Réu, ao deixar de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, que lhe eram impostos, enquanto intermediário financeiro, tudo isto, no interesse legítimo dos seus clientes, aqui Autores, não cuidou de proceder com boa-fé.

Assim, reconhecemos verificada a ilicitude da conduta do Banco/Réu, na violação do dever de informação e do compromisso assumido de garantia do capital investido, sendo este não cumprimento, sancionado no âmbito da responsabilidade civil contratual, impendendo, de igual modo, sobre o Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, presunção de culpa, nos termos do direito substantivo civil, sendo que a culpa do devedor, aqui Banco/Réu, é reconhecidamente grave, até pelo especial dever de diligência que impendia sobre o Banco/Réu, grosseiramente desconsiderado.

Verificados que estão os pressupostos da responsabilidade civil contratual, concretamente, o facto ilícito, traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira; a culpa, que se presume nos termos do direito substantivo civil, sendo que no caso em apreço está adquirido facticidade que a sustenta; e o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro, importa apreciar do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, saber se os Autores, acaso tivessem sido informado das verdadeiras características do produto que adquiriram, a troco das entregas de dinheiro a que procederam, se não o teriam efetuado.

Como sabemos, a nossa lei substantiva civil ao tratar do pressuposto do nexo de causalidade, no âmbito da responsabilidade civil, estabelece a teoria da causalidade adequada, o mesmo é dizer que é necessário que, em concreto, a ação ou omissão tenha sido condição do dano; e que, em abstrato, dele seja causa adequada, perfilhando, assim, o nosso ordenamento jurídico, a teoria da “causalidade adequada” na sua formulação negativa ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”

Outrossim, como já adiantamos, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o Banco/Réu é responsável pelo dano sofrido pelos Autores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos Autores, ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto, ou seja, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, os Autores não teriam investido naquela aplicação financeira, isto é, impõe-se que da facticidade demonstrada se possa concluir que os Autores não teriam tomado a decisão de subscrever o produto financeiro - SLN Rendimento Mais - se lhes tivesse sido dito, pelos funcionários do Banco/Réu, que corriam o risco de perder o dinheiro investido.


Com vista a este particular pressuposto da responsabilidade civil, e rememorando a matéria de facto adquirida processualmente, concluímos que os Autores não teriam tomado a decisão de subscrever aquele produto financeiro (compra das obrigações subordinadas) se lhes tivesse sido dito, pelos funcionários do Banco/Réu, que corriam o risco de perder o seu dinheiro, importando, assim, retirar dos factos demonstrados, o necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, enquanto pressuposto da responsabilidade civil contratual, tão evidente se torna ao cotejar os factos concretos que permitem estabelecer o nexo entre o incumprimento dos deveres de informação e os prejuízos alegados pelos Autores.

Em face da facticidade demonstrada, a subsumir juridicamente, nos termos consignados, não reconhecemos à argumentação aduzida pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., virtualidade bastante no sentido de alterar a decisão recorrida, merecendo esta a aprovação deste Tribunal ad quem.


III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso, negando-se a revista, mantendo, consequentemente, o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 27 de outubro de 2022


Oliveira Abreu (Relator)

Nuno Pinto Oliveira

Ferreira Lopes