Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
877/05.3TBILH.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÂO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: USUFRUTO
DEMOLIÇÃO PARA RECONSTRUÇÃO DE PRÉDIO
OBRAS DE BENEFICIAÇÃO
ARRENDAMENTO
RENDA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
LIQUIDAÇÃO
Data do Acordão: 05/24/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 204º, 1471º A 1473º, 1476º, 1479º
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 668º, 716º, 721º, 722º
Sumário : 1. Só a “perda total da coisa usufruída” é causa da extinção do usufruto.
2. A demolição de uma construção que integra um prédio urbano sobre o qual incide um usufruto, como etapa necessária da sua reconstrução, não provoca a perda parcial do objecto do usufruto.
3. É-lhe aplicável o regime definido para as obras e melhoramentos.
4. O usufruto passa a abranger as novas construções; mas o aumento do rendimento líquido do prédio pertence ao proprietário, que as realizou com conhecimento e sem oposição do usufrutuário.
Decisão Texto Integral: 1. “AA” instaurou uma acção contra “BB”, casado com “CC”, “DD”, “EE” e “FF” pedindo a condenação do primeiro réu no pagamento das rendas que recebeu (e das que vier a receber) pelo arrendamento de três recoletas que fazem parte de um prédio urbano de que é usufrutuária e dos demais réus, arrendatários, no pagamento das rendas que entretanto se forem vencendo.

Os réus contestaram. Por entre o mais, alegaram que as recoletas sobre quais incidia o usufruto não existem desde 2002, porque, encontrando-se em avançado estado de degradação, foram demolidas pelo réu “BB”, proprietário do solo e filho da autora, com o consentimento da mesma; que uma delas está gratuitamente ocupada pelo réu “FF”, filho de “BB”; que as outras duas foram arrendadas por este, uma a “DD” (que ocupava uma das antigas, que “não tinha quaisquer condições de habitabilidade”, como dissera, por escrito, à autora) e a outra a “EE” (que nunca fora arrendatário da autora).

Concluíram que “AA” não tem “direito à renda de qualquer das recoletas” e esclareceram que a acção só foi proposta “com vista a satisfazer a teimosia e a animosidade de alguns dos filhos da A. que andam de relações cortadas com o ora R. “BB””.

A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de fls. 267.

O réu “BB” foi condenado a pagar à autora “as rendas por si já recebidas relativamente a três recoletas que substituíram as anteriormente existentes, em quantia a liquidar em execução de sentença”, correspondente ao “valor do seu rendimento deduzido do valor atinente ao aumento de rendimento em virtude da beneficiação verificada com as obras”, contado “desde a data da constituição do usufruto e até que estas passem a ser pagas directamente àquela pelos arrendatários das mesmas”; os réus “DD” e “EE” foram condenados “a pagar directamente à autora o valor das rendas pelo gozo das recoletas, ficando o réu “BB” com um crédito sobre a autora na parte em que se venha a definir em execução de sentença que houve um aumento de rendimento em virtude da beneficiação verificada com as obras”.

Quanto ao mais, os réus foram absolvidos do pedido.

Em síntese, o tribunal entendeu estarem em causa obras e melhoramentos que não provocaram a “perda da coisa usufruída (o seu desaparecimento, diga-se por causa fortuita)” e, consequentemente, a extinção do usufruto: mantém-se “o usufruto da autora sobre o prédio em questão, no qual estão incluídas as recoletas (…)”. Pois “se é certo que as recoletas antigas foram demolidas, tal sucedeu porque as mesmas se encontravam degradadas, dando lugar a novas recoletas, cuja fruição terá de ser concedida à autora nos termos e limites que a lei prevê para estas situações. (…) a autora terá direito ao rendimento que as recoletas proporcionariam com as condições de espaço/físicas a tinham antes das beneficiações que  sofreram”.

A sentença foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 311, nos seguintes termos: “Claro que não é lícito reconduzir as obras feitas pelo proprietário no prédio cativo de usufruto a uma hipótese de extinção do mesmo ainda que essas obras impliquem a demolição de anteriores edificações; é bem certo que a lei prevê – artigo 1476º nº 1 alínea d) – a extinção do usufruto em virtude da perda da coisa usufruída; só que esta perda deverá considerar-se como coisa fortuita e não já como uma etapa necessária de uma intentada reconstrução. Neste caso deverá entender-se que o direito do usufrutuário se transmitiu dentro dos limites a que fizemos referência, i.e. com a extensão que tinha antes, para a coisa reconstruída.”

2. “BB” e outros recorreram para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foi admitido como revista, com efeito meramente devolutivo.

Nas alegações que apresentaram, formularam as seguintes conclusões:

“A - As duas recoletas dadas de arrendamento para habitação aos recorrentes “DD” e “EE”, são duas das três indicadas sobre a alínea a) dos Factos Assentes, cada uma pela renda mensal de €: 200,00.

B - Conjugando o teor da alínea a) e da alínea b) dos Factos Assentes, resulta que neles se faz constar que as recoletas dadas de arrendamento à “DD” e ao “EE” são duas daquelas cujo usufruto foi adjudicado à Autora.

C - Tais factos não correspondem à verdade, até porque na data da adjudicação não estava a ser paga qualquer renda de €: 200,00 mensais.

D - Em face do alegado pelos ora recorrentes em 17°, 18°, 19° e 20° da contestação, a matéria levada aos Factos Assentes sob a alínea b) encontra-se impugnada e, por isso, deveria ter sido levada à Base Instrutória.

E - As matérias alegadas pelos recorrentes sob os referidos números deveriam ter sido levadas à Base Instrutória, pois, assim, se evitaria a confusão gerada sobre se os arrendamentos e rendas se referiam ou não às antigas recoletas, adjudicadas à Autora, ou às novas recoletas, construídas pelos recorrentes “BB” e mulher.

F - Deveria, por isso, ter sido atendida a reclamação apresentada pelos recor­rentes quanto aos Factos Assentes e quanto à Base Instrutória.

G - Com o conhecimento e sem qualquer oposição da Autora, o recorrente “BB” demoliu as três recoletas cujo usufruto à Autora havia sido adjudicado e construiu quatro novas recoletas.

H - Não se tratou, por isso, da reparação ou reconstrução das antigas três recoletas, mas, sim, da sua demolição e construção de novas, sensivelmente no mesmo local mas maiores, ocupando mais espaço que as antigas.

I- Conforme resulta do alegado em 3° da p.i., a própria Autora aceita que o recorrente “BB” tem direito às rendas referentes à quarta recoleta, porque foi ele que a construiu.

J - Tendo-se dado como provado que o referido recorrente “BB” não construiu apenas uma, mas quatro novas recoletas, ter-se-á de entender que ele tem direito às rendas das quatro recoletas, podendo, quando muito, a Autora ter direito aos juros correspondentes o valor do solo, de acordo com o disposto no nº 2 do art° 1479° do C. Civil.

K - Na verdade, extinguiu-se o usufruto relativamente às três recoletas, entretanto demolidas.

L - Isso mesmo resulta do disposto na alínea d) do art° 1476° do C. Civil, tendo-se feito uma incorrecta interpretação desta disposição legal, no douto Acórdão sob recurso.

M - Contrariamente ao que resulta do douto Acórdão, o usufruto não se "transmitiu" para três das quatro novas recoletas construídas pelo recorrente “BB”.

N - O entendimento acolhido no douto Acórdão sob recurso contraria o disposto no nº 2 do art° 1479° do C. Civil.

O - Os contratos de arrendamento foram celebrados entre o recorrente “BB”, como senhorio e os recorrentes “DD” e “EE”, como arrendatários de duas das quatro novas recoletas construídas

P - Assim, os referidos arrendatários estão contratualmente obrigados a pagar a renda ao senhorio e não à Autora, que com eles não celebrou qualquer contrato de arrendamento.

Q - Por isso, a Autora apenas poderá exigir do recorrente “BB” o pagamento da quantia que entende ser-lhe devida e apurada em função do valor do solo onde se encontram implantadas três das quatro recoletas.

R - Só mediante penhora das rendas, enquanto créditos do “BB”, estariam os recorrentes Aurora e “EE” obrigados a entregar à Autora as quantias respeitantes às rendas.

S - Por isso, na douta sentença, proferida em Primeira Instância, não se atendeu ao disposto nos artigos 1022°, 1038° e 1041 ° do C. Civil.

T - Mas como no douto Acórdão não foi apreciada a questão alegada relativa à atribuição do direito ao recebimento das rendas, está ele ferido de nulidade, ao abrigo do disposto na alínea d) do nº 1 do art° 668° do C.P.C .. “

Não houve contra-alegações.

3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido):

“1. No inventário a que se procedeu por óbito de “GG”, à Autora foi adjudicado o usufruto do prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo 6029, sito na Rua A… J… P…, G… de A…, freguesia de S. S…, concelho de Ílhavo, composto de moradia principal e três recoletas, de que é proprietário de raiz o Réu “BB”, conforme documentos de fls. 7 a 15, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido. (Al. A)

2. A sentença de homologação do mapa de partilha do referido inventário foi proferida em 7.01.2003.

3. Duas das recoletas estão dadas de arrendamento para habitação aos Réus “DD” e “EE”, que pagam, cada um, 200,00 mensais (Al. B)).

4. Os Réus entregam ao Réu “BB” o valor das rendas. (Al.C)

5. O Réu “FF”, filho do Réu “BB”, ocupa uma das recoletas, local onde habita. (Q.1º)

6. Os co-Réus referidos em b) da matéria de facto assente, pelo menos desde a data da celebração dos contratos de arrendamento referidos em 12º, designadamente desde 1.09.2004 no que se refere ao co-Réu “EE” Duarte e desde 1.05.2003 no que se refere à co-ré “DD”, que têm vindo a pagar ao Réu “BB” a quantia de 2006 mensais. (Q.3º)

7. Quando a Autora adquiriu o usufruto das recoletas referidas em a), estas tinham as paredes com grandes rachadelas e a esboroarem-se. (Q 4º)

8. O telhado tinha as telhas de luzalite partidas em vários sítios, (Q.5º)

9. (...) e os barrotes de suporte estavam podres, (Q.6º)

10. (...) permitindo a entrada de águas pluviais, do frio e de bichos. (Q.7º)

11. Em data não concretamente apurada, situada entre 2000 e 2003, com o conhecimento e sem qualquer oposição da Autora, o Réu “BB” demoliu as três recoletas existentes. (Q.9º).

12. O Réu voltou a construir três recoletas sensivelmente com a mesma localização das anteriores, embora com maior dimensão que aquelas e construiu uma quarta recoleta que anteriormente não existia. (Q.10º)

13. (…) pagando ele os respectivos materiais e mão-de-obra.(Q.11º)

14. Foram celebrados contratos de arrendamento com o Réu “BB” enquanto senhorio e os arrendatários referidos em b) a partir da reconstrução das recoletas e sua ida para estas, sendo que a ré “DD” já anteriormente às obras era arrendatária de uma das recoletas então existentes. (Q.12º)

15. O Réu “FF” vive numa das recoletas por mero favor. (Q.13º)

16. A Autora requereu a notificação judicial avulsa dos RR. “DD”, “EE” e “FF”, que lhes foi notificada em 12 de Fevereiro de 2005, para que estes passem a pagar as rendas das recoletas que os mesmos ocupam por arrendamento à Autora como usufrutuária das mesmas.

16. Antes da realização das obras as recoletas já haviam sido habitadas (cfr. artigo 9º da contestação).”

4. Antes de mais, cabe excluir do âmbito de apreciação deste recurso a questão a que se referem as conclusões A) a F), por a tanto se opor o disposto no nº 1 do artigo 722º do Código de Processo Civil, conjugado com o nº 2 do artigo 754º do mesmo Código.

Com efeito, só ocorrendo alguma das hipóteses ali previstas é que se pode invocar violação da lei de processo (no caso, da lei relativa à elaboração da lista de factos assentes e da base instrutória) no recurso de revista. No caso, não ocorre.

5. Cumpre assim conhecer das seguintes questões:

– nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia;

– extinção do usufruto, no que diz respeito às três recoletas demolidas e reconstruídas (não está em causa neste recurso a quarta recoleta, sem correspondência anterior);

– inexistência da obrigação de pagamento de rendas à autora.

6. Os recorrentes sustentam que o acórdão recorrido não conheceu da “questão alegada relativa à atribuição do direito ao recebimento das rendas”, sofrendo por isso de nulidade.

Como se sabe, só a omissão de apreciação de questões e não dos fundamentos invocados para as sustentar provoca nulidade por omissão de pronúncia (al. d) do nº 1 do artigo 668º e artigo 716º do Código de Processo Civil).

É certo que os recorrentes sustentaram na apelação, tal como fazem agora na revista, que os demais réus só estão obrigados a pagar as rendas correspondentes às recoletas que ocupam perante o réu “BB”. No entanto, o acórdão recorrido manteve a condenação na entrega das referidas rendas à autora, expressamente justificada pela sentença na circunstância de ser a autora “a usufrutuária do prédio em apreciação” (fls. 278).

Para o efeito, o acórdão corroborou a sentença, considerando que “o direito do usufrutuário se transmitiu (…) para a coisa reconstruída”, que o direito da autora “se manteve incólume” e concluindo que “a sentença está correcta orientando-se pelos parâmetros legais”.

Tem assim de se entender que o acórdão recorrido confirmou o entendimento expresso na sentença quanto à questão de saber a quem devem ser pagas as rendas, apesar de não ter expressamente afastado os argumentos contrapostos pelos recorrentes.

Mas essa falta de apreciação não conduz à nulidade do acórdão recorrido, cuja arguição se indefere.

7. Para a apreciação da questão da extinção do usufruto sobre as recoletas, sustentada pelos réus, interessa especialmente recordar que vem provado que, na sequência de inventário aberto por morte do marido da autora, foi-lhe adjudicado “o usufruto do prédio urbano (…) composto de moradia principal e três recoletas, de que é proprietário de raiz o réu “BB””; que em 7 de Janeiro de 2003 foi proferida a sentença de homologação da partilha; que, “quando a autora adquiriu o usufruto”, as recoletas então existentes “tinham as paredes com grandes rachadelas e a esboroarem-se”, os telhados com “as telhas (…) partidas em vários sítios” e os barrotes de suporte podres, “permitindo a entrada de águas pluviais, do frio e de bichos”; que, algures “entre 2000 e 2003, com o conhecimento e sem qualquer oposição da autora”, “BB” demoliu aquelas três recoletas, voltando a construir outras três “sensivelmente com a mesma localização das anteriores, embora com maior dimensão daquelas”, pagando os correspondentes custos.

É com base nestes factos que cumpre determinar se a demolição das três recoletas existentes quando a autora adquiriu o direito de usufruto sobre o prédio urbano que as mesmas integravam, levada a cabo pelo proprietário de raiz, com o conhecimento e a não oposição da usufrutuária, seguida da respectiva reconstrução, conduziu:

– à extinção do usufruto, pela perda da coisa, como sustentam os réus com base na al. d) do nº 1 do artigo 1476º do Código Civil (“perda total das três recoletas”, que conduziu à “extinção do usufruto da autora quanto às antigas três recoletas”, como alegam);

– à alteração do objecto do usufruto, nos termos previstos no artigo 1479º do Código Civil, por destruição de edifícios integrantes de prédio urbano, regime também referido pelos recorrentes;

– à extensão do direito de usufruto às três novas recoletas, por aplicação do disposto nos artigos 1471º a 1473º do Código Civil, como entenderam as instâncias.

8. Não é manifestamente possível sustentar a extinção do usufruto, ainda que restrita às três recoletas demolidas.

Com efeito, o usufruto incide sobre um prédio urbano composto por uma moradia principal e três recoletas. Sabe-se que no prédio urbano se encontra incluído o solo no qual o (os) edifício (edifícios) se encontram implantados e “os terrenos que lhe sirvam de logradouro” (nº 2 do artigo 204º do Código Civil).

Ora, independentemente de saber até que ponto uma demolição como aquela de que nos ocupamos poderá considerar-se como perda, a demolição das recoletas dos autos é insusceptível de provocar a perda do prédio – só a “perda total da coisa usufruída” é causa da extinção do usufruto (al. d) do nº 1 e nº 2 do já citado artigo 1476º do Código Civil). A razão da extinção é evidente, tendo em conta a natureza real do direito de usufruto.

Contrariamente ao que seria indispensável para que procedesse a alegação de perda, o usufruto relativo às referidas recoletas não é separável do usufruto da globalidade do prédio, nos moldes sustentados pelos recorrentes.

Já a perda parcial está regulada no artigo 1478º, em geral e, no que toca à destruição de edifícios, no caso de usufruto de prédios urbanos (como aqui ocorre), no artigo 1479º, ambos do Código Civil.

9. Mas também não pode concluir-se pela perda parcial do prédio, nos termos previstos no artigo 1479º do Código Civil (como subsidiariamente admitem os recorrentes).

Em primeiro lugar, os factos provados não se enquadram na destruição de edifícios ali contemplada, e que, nos termos do nº 2, concede ao proprietário o direito de os reconstruir, “ocupando o solo e os materiais”, desde que compense o usufrutuário durante o usufruto.

O que os factos mostram é uma demolição levada a cabo pelo proprietário e conhecida pelo usufrutuário, que se não opôs.

Estando naturalmente excluído que a lei permita ao proprietário, por sua exclusiva vontade, extinguir total ou parcialmente o objecto do usufruto, para que a concreta demolição das recoletas pudesse ter como efeito a extinção ou a redução dos direitos da usufrutuária seria imprescindível que os factos revelassem uma renúncia, ainda que parcial, desses mesmos direitos; o que não se verifica, como observaram as instâncias.

Em segundo lugar, e como expressamente observou o acórdão recorrido, a demolição dos autos apresenta-se “como uma etapa necessária de uma intentada reconstrução” (cfr. fls. 320), devendo pois inserir-se no regime das “obras e melhoramentos” regulados pelo artigo 1471º do Código Civil.

Como escrevem os recorrentes, a fls. 336, ““BB”, devido ao estado de degradação das três recoletas, demoliu-as e construiu três novas, sensivelmente na mesma localização das anteriores, mas com maior dimensão”; no contexto do usufruto em causa nestes autos – de prédio urbano, composto por uma moradia principal e três recoletas, legalmente incluindo o solo ocupado com as construções e o logradouro –, essas demolição e reconstrução são obras e melhoramentos do prédio.

Isto significa que o usufruto da autora inclui as recoletas reconstruídas, como expressamente resulta do nº 2 do artigo 1471º do Código Civil; mas significa igualmente que pertence ao proprietário da raiz o aumento de rendimento líquido do prédio que tais obras tenham provocado.

A terminar este ponto, recorda-se que não está em causa neste recurso a quarta recoleta.

10. Uma vez que o direito de usufruto continua a abranger as três recoletas reconstruídas, cabe à usufrutuária o direito a receber as rendas de eventuais arrendamentos das mesmas, já que nada de diferente foi estabelecido no título constitutivo (artigos 1445º e 1446º do Código Civil).

Esta afirmação não contraria o que se disse no ponto anterior, no que toca à medida desse direito, ou seja, ao quantitativo que lhe caberá, nos termos do já indicado nº 2 do artigo 1471º do Código Civil.

Está assente que o réu “FF” não paga qualquer renda. O problema de saber a quem deverão ser pagas as rendas reduz-se, assim às que correspondem às recoletas arrendadas pelo réu “BB” a “DD” e a “EE”.

Ora, quanto mais não seja, os termos em que a presente acção foi proposta (bem como os da notificação judicial avulsa cuja cópia foi junta com a petição inicial, a fls. 23) demonstram que a autora reconheceu os réus “DD” e “EE” como arrendatários das recoletas cuja fruição lhe pertence, não obstante os contratos de arrendamento terem sido celebrados com o réu “BB” e em momento posterior à constituição do usufruto.

Tal reconhecimento significa, desde logo, o não exercício de um hipotético direito de questionar a validade de tais contratos, por terem sido celebrados pelo proprietário da raiz e não pela usufrutuária; mas não lhe retira o direito ao pagamento das rendas, que os arrendatários estão obrigados a satisfazer.

11. Confirma-se, assim, o acórdão recorrido. Apenas se observa que, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil, na redacção aplicável (introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março), o apuramento da quantia que os réus “BB”, por um lado, e “DD” e “EE”, por outro, foram condenados a pagar à autora, se fará de acordo com o previsto nos artigos 378º e segs. do Código de Processo Civil, e não em execução de sentença.

Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 24 de Maio de 2011

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)

Lopes do Rego

Orlando Afonso