Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | CUSTÓDIO MONTES | ||
| Descritores: | EMPREITADA SUBEMPREITADA RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL RESPONSABILIDADE CONTRATUAL INTERVENÇÃO PRINCIPAL ÓNUS DA ALEGAÇÃO ÓNUS DA PROVA | ||
| Nº do Documento: | SJ200601310047622 | ||
| Data do Acordão: | 01/31/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Sumário : | 1. Cabe ao A. delimitar o objecto da acção, alegando e provando os factos concretos em que fundamenta a sua pretensão. 2. Baseando o A. a acção na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos previstos no art. 493.º, 2 do CC, tem que alegar e demonstrar os factos integrantes do ilícito em causa, designadamente que os mesmos foram praticados pela R. ou por outrem sob suas ordens e instruções, apenas se presumindo a culpa. 3. No contexto da responsabilidade extracontratual, não cabe a responsabilização da R. com fundamento no art. 800.º do CC, norma que se insere na responsabilidade contratual. 4. São distintos os campos de aplicação dos arts. 500.º e do art. 800.º do CC, já que esta é uma norma “de imputação da responsabilidade contratual”, pressupondo uma relação obrigacional entre o credor e o devedor, enquanto que aquela rege na responsabilidade extracontratual. 5. Assim, o empreiteiro não é responsável pelos danos causados na casa do A. pelo subempreiteiro ou empregados seus, no desmonte de uma rocha com explosivos, levado a efeito num prédio vizinho, a menos que o dono da obra também seja demandado, pois, em tal caso, o empreiteiro responderá por força do disposto no art. 800.º citado. 6. Demandado o empreiteiro e tendo este provocado a intervenção acessória do subempreiteiro para efeitos de direito de regresso, caso viesse a ser condenado, perante a dúvida fundamentada do autor do facto ilícito, podia e devia o A. provocar a intervenção provocada desse subempreiteiro. 7. Além disso, tendo alegado o R., na contestação, a relação contratual estabelecida com a dona da obra, e face também ao disposto no art. 1348.º, 2 do CC., podia e devia o A. ter chamado a juízo a dona da obra para, pela via contratual, poder responsabilizar também o referido empreiteiro. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça Relatório AA Intentou contra BB... - Sociedade de Construções, S.A, agora, BB, Sociedade de Cosntruções, S. A. Acção declarativa de condenação sob a forma ordinária Pedindo A sua condenação a efectuar no prédio do Autor todas as obras necessárias à reparação dos danos que alega, formulando como pedido alternativo, a sua condenação a pagar ao Autor a quantia de 4.735.000$00, montante correspondente ao custo das referidas obras, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até integral pagamento, emergentes de danos que lhe causou na sua casa com rebentamentos com explosivos que levou a cabo no prédio vizinho para construção de uma área de serviço, junto à A4, no decurso de obras de escavação e terraplenagem, com uso de explosivos. A R. contestou, por excepção, arguindo que, apesar de ter sido a adjudicatária dos trabalhos de empreitada do movimento de terras para a área de serviço da firma R..., é parte ilegítima por os rebentamento terem sido levados a cabo por uma subempreiteira que contratou para o efeito, “Valaduras Y Obras ...”, com quem não teve qualquer relação de comissão, pedindo, por isso, a sua intervenção acessória, bem como a da seguradora para quem transferiu a sua responsabilidade. As chamadas também contestaram. Houve réplica. Efectuado o julgamento, foi a acção julgada improcedente. O A. apelou com sucesso, com revogação da sentença e condenação da R. “ “a indemnizar o A., em espécie, realizando as obras de reparação dos danos constantes da matéria provada - tapagem das fissuras e brechas existentes em algumas paredes interiores e exteriores do prédio, nas placas nas lajes maciças da varanda e cobertura, substituição das pedras mármores, tijoleiras e mosaicos partidos, colocação de um forno novo e pintura do edifício – ou, em alternativa pagar ao A. o valor em que foram orçamentadas as referidas obras – 10 000,00€ - acrescidos de juros de mora à taxa legal contados desde a data de citação até integral e efectivo pagamento”. Inconformada, a R. interpôs recurso de revista, que termina com as seguintes Conclusões 1. O Tribunal "a quo" assenta a sua decisão, no sentido de revogar a sentença proferida em primeira instância e condenar a ora recorrente no pedido, no facto de esta ter a qualidade de empreiteiro da obra identificada nos autos; 2. Na decisão recorrida, é expressamente reconhecido que não foi a ora recorrente quem praticou a actividade de que terão resultado os danos verificados no prédio propriedade do recorrido; 3. Apesar disso, o Tribunal “a quo" considera que a ora recorrente é responsável pela reparação dos mesmos danos, por força do dispositivo contido no art. 800.º do Código Civil; 4. Sucede que, no caso dos presentes autos, o recurso ao disposto no art. 800.º do Código Civil para concluir pela responsabilidade da ora recorrente afigura-se totalmente ilegítimo; 5. Com efeito, o art. 800.º do Código Civil é uma disposição específica, aplicável em matéria relativa ao cumprimento das obrigações, no âmbito da responsabilidade civil contratual; 6. E tem em vista atribuir ao devedor de uma obrigação a responsabilidade, perante o credor, pelos actos praticados pelos representantes ou auxiliares daquele no âmbito do cumprimento da mesma obrigação; 7. O artigo em questão não é uma disposição de carácter genérico, aplicável a quaisquer situações em que se configure o recurso a representantes legais ou auxiliares; 8. No caso dos presentes autos, estamos no domínio da responsabilidade extra-contratual, conforme se refere expressamente na decisão recorrida; 9. Nunca existiu qualquer relação de natureza contratual entre a ora recorrente e o recorrido, que devesse ser cumprida ou que fosse susceptível de ser defeituosamente cumprida por quaisquer representantes ou auxiliares da ora recorrente, por forma a desencadear o mecanismo de responsabilidade previsto no art. 800.º do Código Civil; 10 - Por isso, não poderia o Tribunal da Relação, no caso dos presentes autos, lançar mão do dispositivo contido no art. 800.º do Código, para concluir pela responsabilidade da ora recorrente no que respeita à produção dos danos verificados no prédio do recorrido; 11. Também não pode dizer-se, como parece fazer a decisão recorrida, que a ora recorrente é responsável pelos prejuízos sofridos pelo recorrido pelo simples fado de, sendo ela o empreiteiro geral da obra identificada nos autos e tendo contratado um subempreiteiro para a realização dos trabalhos de desmonte de rocha, ter uma responsabilidade em tudo idêntica à do dono da obra; 12. O empreiteiro não é o proprietário do imóvel e só o proprietário pode ser responsabilizado pelas consequências do exercício do seu direito de propriedade, quando desse exercício resultem danos noutro imóvel; 13. Assim, nunca poderia a ora recorrente ser responsabilizada pelos danos causados no prédio do recorrido, por via da aplicação do art. 1348.º do Código Civil; 14. Da matéria dada como provada nos autos, não resultou que os factos praticados directamente pela ora recorrente tenham causado quaisquer danos no prédio propriedade do recorrido; 15. Por isso, não poderia esta ser responsabilizada pela prática de factos ilícitos, ao abrigo do disposto no art. 483.º do Código Civil, 16. Nos presentes autos, o que ficou provado foi que os trabalhos de rebentamento de rochas com explosivos foram efectuados, não pela ora recorrente, mas pela sociedade "Voladuras y Obras ..., SA", pelo que a ora recorrente não pode ser responsabilizada pelos danos causados no prédio do recorrido por força do art. 493, n.º 2, do Código Civil, uma vez que não se provou ter a mesma realizado uma actividade perigosa 17. A única entidade que poderia ser directamente responsabilizada, à luz da mencionada disposição legal, seria a aludida sociedade "Voladuras y Obras ..., SA"; 18. A responsabilidade que, em princípio, pertenceria à mencionada sociedade não pode considerar-se extensiva à ora recorrente pelo facto de aquela ter sido contratada como subempreiteiro desta; 19. Com efeito, entre a ora recorrente e a mesma sociedade não foi estabelecida uma relação de comissão, para os efeitos do disposto no art. 500.º do Código Civil; 20. Uma vez que a existência de uma relação de comissão se traduz na existência de um vínculo de autoridade e subordinação e no contrato de subempreitada não existe vínculo de subordinação do subempreiteiro relativamente ao empreiteiro; 21. Em face da matéria dada como provada nos autos, o Tribunal de primeira instância decidiu correctamente, ao concluir pela absolvição da ora recorrente do pedido; 22. O Acórdão recorrido violou, pelo menos, o disposto nos art. 483.º, 493.º n.º 2, 500°,800° e 1348°, todos do Código Civil. Termina, pedindo se conceda a revista e se revogue a decisão recorrida, absolvendo-se a recorrente do pedido. Contra alegou o A. para pugnar pela manutenção da decisão recorrida. Corridos os vistos, cumpre decidir. FUNDAMENTAÇÃO Matéria de facto provada: 1. O Autor é dono e legítimo possuidor de um prédio urbano composto por casa de dois pisos e um fogo, com quintal, sito no lugar do ..., freguesia de Castelões, Penafiel, a confrontar de Norte com herdeiros de CC, de Sul e Poente com caminho público e do Nascente com lote nº2; 2. A Ré é uma empresa que se dedica à construção civil e obras públicas, procedendo, para o efeito, ao desaterro, aterro, abertura de valas, terraplanagens; 3. A Cobertar foi adjudicatária dos trabalhos da empreitada de movimentos de terras para a área de serviços da R..., localizada na A4-Auto-estrada Porto/Amarante, sublanço Penafiel/Amarante, entre os Kms. 5.550 e 6.050; 4- Mediante contrato titulado pela apólice nº 8400, em vigor à data dos factos objecto da presente acção, a Companhia de Seguros ... havia assumido a responsabilidade pela actividade da Ré, mediante as condições especiais da apólice junta aos autos a fLs. 83 e ss., nomeadamente, por danos causados por utilização de explosivos na execução de trabalhos a efectuar; 5. Em dia que não foi possível apurar em concreto, do mês de Junho de 1997, a Ré efectuou obras de escavação e terraplanagem duma futura área de serviço a edificar junto da auto-estrada A4; 6. Inicialmente usou camiões e "caterpillares"; 7. Imediatamente a seguir e durante dias seguidos foram usados explosivos para partir a pedra existente no terreno; 8. Foram produzidos, por várias vezes, rebentamentos de inúmeras cargas de dinamite ao mesmo tempo; 9. Como consequência dos referidos rebentamentos o prédio referido em 1) apresenta fissuras em algumas paredes interiores e exteriores; 10. Nas placas, sendo que essas fissuras existem nas lajes maciças da varanda e cobertura/lajes em consola); 11. Que apresentam nalguns casos brechas; 12. Logo que começaram os rebentamentos o Autor interpelou a Ré para que cessasse a actividade que provocava estragos; 13. Nessa sequência a Ré assumiu a sua responsabilidade; 14. Em consequência dos estragos referidos nos factos 9, 10 e 11, as fendas terão de ser biseladas para se proceder à introdução de argamassa nova; 15. No prédio referido em 1) existem zonas cobertas com pedras de mármore. 16. Que terão de ser removidas; 17. E colocadas pedras novas; 18. O Autor possui um forno nos anexos; 19. O forno terá de ser substituído por um forno novo; 20. Existem algumas zonas com sapatas de pilares; 21. Para evitar o aparecimento de fissuras, após tapagem das fissuras e brechas, o edifício tem de ser pintado na membrana elástica nas zonas onde se vier a verificar necessidade de colmatação de fissuras; 22. Posteriormente, o edifício tem que ser pintado na totalidade com tinta por questões de tonalidade; 23. Será necessário substituir tijoleiras e mosaicos; 24. As obras referidas anteriormente ascendem, em termos de estimativa orçamental, a cerca de 10.000,00€, a preços de Julho de 2003; 25. O edifício referido em 1) é de construção recente, efectuado com pilares de betão, tendo cerca de 12 anos; 26. Parte das suas paredes exteriores é executada em blocos de cimento e areia, revestidas e pintadas; 27. Até ao momento referido no facto 5) o edifício referido em 1) jamais oscilou ou mostrou quebra; 28. A Ré celebrou com a ... Portugal - Petróleo e Derivados, Lda., um acordo mediante o qual os trabalhos de movimentos de terras para a área de serviço da A4 seriam executados directamente por si ou por outras empresas por si contratadas; 29. Mediante acordo celebrado entre a Ré e a Chamada "Voladuras Y Obras ..., S.A.", esta obrigou-se à execução dos trabalhos de desmonte de rocha com recurso a explosivos; 30. Fazendo a Chamada a sua gestão de meios de pessoal e equipamento; 31. Com autonomia e sem receber ordens ou directrizes da Ré; 32. Na sequência do referido acordo, o desmonte da rocha referido no facto 7) foi feito pela empresa "Voladuras y Obras ..., S.A.; 33. Em Julho de 1997 a Ré foi alertada para a existência de estragos; 34. E, nessa sequência, não reduziu as cargas de explosivos e a malha, nem as áreas de intervenção/detonação simultânea. O direito Nas suas alegações, a recorrente insurge-se contra o acórdão recorrido por ter sido condenada a reparar os estragos provocados na casa do A. com os rebentamentos mencionados na matéria de facto ou no valor em que os mesmos foram orçamentados, já que os rebentamentos não foram feitos pela R mas por uma sua sub empreiteira, não se verificando nem uma relação de comissão com ela nem responsabilidade extracontratual que lhe seja imputável. A questão que é colocado a este Supremo Tribunal é, pois, a de saber se os danos causados na casa do A. com os rebentamentos levados a cabo no decurso de uma empreitada entregue por R... Portugal-Petróleos e Derivados, L.da. à R., rebentamentos que esta, por seu turno, sub empreitou numa outra empresa – a Valaduras Y Obras ..., S.A – são imputáveis à R. a título de responsabilidade extracontratual ou nos termos do art. 800.º do CC, como se decidiu no acórdão recorrido. Antes de mais, importa analisar os termos em que o A. fundamentou o pedido formulado. Já vimos que o A. pede a condenação da R. a reparar-lhe os danos que lhe foram provocados na sua casa ou, em alternativa, o custo das respectivas obras, no valor de 4.735.000$00. Esse pedido tem que ser apreciado em função dos fundamentos que o sustentam. E como fundamentou o A o pedido? Vejamos o direito. Resulta do disposto no art. 264.º, 1 (1) que cabe às partes alegar os factos que integram a causa de pedir, não podendo o juiz - n.º2 - fundar a decisão em factos que não sejam alegados por elas, "sem prejuízo do disposto nos arts. 514º e 665º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa." Os trechos citados consagram o princípio do dispositivo que se traduz em as partes "proporcionarem ao juiz, mediante as suas afirmações de facto e as provas que tragam ao processo, a base factual da decisão, não sendo consentido ao juiz indagar por si a verdade: iudex secundum allegata et probatia partium iudicare debet, non secundum conscientia suam." (2) Ao discorrer sobre a importância da P.I., A. Varela e Outros, (3) referem que ela nasce "do princípio base da iniciativa das partes" corolário do princípio do dispositivo, mencionando-se que "a acção não pode nascer da iniciativa do juiz", sendo "mais premente a menção das razões de facto do que as razões de direito" face ao comando do art. 664º que, em sede de matéria de facto, cinge o juiz aos factos alegados pelas partes, dando-lhe apenas liberdade quanto à interpretação e indagação do direito: "da mihi factum dabo tibi ius." (4) Como ensina A. de Castro, (5) o princípio do dispositivo decorre do princípio do pedido ou "princípio da iniciativa das partes: nemo iudex sine actore, ne procedat iudex ex officio." (6) Se cabe à parte formular o pedido ou a pretensão, cabe-lhe também carrear para o processo "os elementos de cognição necessários à justificação do pedido". (7) Na sequência lógica deste princípio, vigora entre nós a teoria da substanciação em que ao A. cabe definir o objecto da acção, formulando o pedido e a causa de pedir, indicando os factos concretos em que baseia a pretensão que quer acautelar. (8) Formulado o pedido ou pretensão pelo A. - "o direito para quem ele solicita ou requer a tutela judicial e o modo por que intenta obter essa tutela (a providência judicial requerida): o efeito pretendido"-(9) essa pretensão não pode proceder "sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para condicionar ou produzir". (10) Recordados estes princípios jurídicos processuais, vejamos então, em que factos se baseia o A. para fundamentar aquela pretensão. Alegou que a R., no desenvolvimento da sua actividade de construção civil, em finais de Fevereiro de 1997, iniciou obras de escavação e terraplanagens duma futura área de serviço a edificar na A4, tendo usado, por vezes, no decurso desses trabalhos, “o rebentamento de inúmeras cargas de dinamite ao mesmo tempo, sem respeitar convenientemente as regras técnicas para a sua execução, e sem empregar todas as providências exigidas pelas circunstâncias para evitar danos em propriedade de terceiros, vindo a provocar vários danos no edifício do A.” que descreve. Portanto, o A. fundamenta a acção em factos caracterizadores de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, nos termos do art. 493.º, 2 do CC. (11) Na contestação, a R. nega ter sido ela quem procedeu aos trabalhos referidos pelo A., explicitando que foi, de facto, adjudicatária dos trabalhos de empreitada de Movimento de Terras para a Área de Serviço da R..., localizada na A4 – Auto Estrada Porto/Amarante, Sublanço Penafiel/Amarante, entre os Kms 5,550 e 6,050, tendo, para o efeito, celebrado um contrato de empreitada com a R... Portugal-Petróleos e Derivados, L.da. Alega ainda que um dos trabalhos dessa empreitada – o desmonte de rocha com utilização de explosivos – os sub empreitou à firma “Valaduras Y Obras ..., S. A.”. Por isso, requer a intervenção acessória provocada dessa firma, excepcionando a sua ilegitimidade. Para além disso, depois de impugnar os danos e o seu montante, refere que a “V...” executou os trabalhos dentro das regras técnicas exigidas. Admitida a intervenção, deduziram contestação as chamadas, (12) tendo o A. respondido à matéria das contestações, impugnando os factos e concluindo como na P.I. A matéria de facto trazida ao processo pelo R. visa, para além de impugnar os factos alegados pelo A., chamar a interveniente “V...” para efeitos de direito de regresso, no caso de vir a ser condenada. Dela não pode o tribunal servir-se para alterar os termos em que o A. fundamentou a acção que, como se disse, pretende responsabilizar a R. nos termos do art. 493.º, 2 do CPC, (13) ou seja, por lhe ter causado danos na sua casa, no exercício de uma actividade perigosa, usando explosivos para o desmonte da rocha. É apenas dentro dos fundamentos da acção que o A. invocou que teremos de ver se os factos provados permitem a condenação da R., como se decidiu no acórdão recorrido. Vejamos, então, se a R. é responsável pelos danos causados ao A., como se decidiu no acórdão recorrido. Para além dos demais pressupostos da responsabilidade civil, (14) torna-se necessário, para a responsabilização do agente, em todas as formas de responsabilidade civil, (15) que lhe seja imputada a prática de um acto lesivo a si (16) ou a quem ele encarregue qualquer “comissão”, sendo responsável, então, “independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar”. (17) Quer da análise levada a cabo pelas instâncias, quer da matéria de facto, não resulta que a R. seja comitente em relação à sub empreiteira que encarregou de efectuar as obras, pelo que, no caso, não cabe analisar os factos nessa vertente. Mas também não resulta dos factos provados que tenha sido a R. a praticar os factos que originaram os danos. Por isso, os factos não lhe podem ser imputados nem a título de culpa nem a título de risco nem sequer a título da prática de facto lícito (18) gerador de danos para o A. pela simples razão de que a matéria de facto levada à BI para tal efeito não logrou resposta positiva. Com efeito, perguntava-se se a R. “durante dias seguidos usou explosivos para partir pedra existente no terreno” e se tinha produzido “por várias vezes, rebentamentos de inúmeras cargas de dinamite ao mesmo tempo”, tendo o tribunal respondido à primeira pergunta “provado apenas que imediatamente a seguir e durante vários dias seguidos foram usados explosivos para partir a pedra existente no terreno” e à segunda, “provado apenas que foram produzidos, por várias vezes, rebentamentos de inúmeras cargas de dinamite ao mesmo tempo”, não se imputando à R. tais factos. Por seu turno, da resposta ao n.º 39.º da BI resulta que “o desmonte da rocha referido no facto 3) foi feito pela empresa “Valaduras Y Obras,..., S.A.” Não é correcto, pois, o que se diz no acórdão recorrido quando se imputam os factos à R. a título de responsabilidade extracontratual, com base no art. 493.º, 2 do CC, porque não tendo sido a R. quem causou os danos, (19) não lhe pode ser imputada a obrigação de os reparar. Por isso, neste vertente, nada temos a acrescentar ao decidido na 1.ª instância que, a nosso ver, decidiu acertadamente. Mas o acórdão recorrido invoca um outro fundamento para responsabilizar a R. – o do art. 800.º do CC - que regula a responsabilidade do devedor pelos “actos dos representantes legais ou auxiliares”: “1. O devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor.” Este normativo insere-se na responsabilidade obrigacional que não na responsabilidade delitual, com diferenças tão profundas “que afectam a própria essência ou natureza jurídica dos dois institutos”, como diz Pessoa Jorge.(20) Como ensina Maria Victória R. F. da Rocha (21) “o art. 800.º, n.º 1 consagra o princípio geralmente reconhecido nos direitos modernos da responsabilidade do devedor perante o credor pelos actos das pessoas que utilize no cumprimento da obrigação como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor …. caso de responsabilidade objectiva….” em que o devedor responde independentemente de culpa sua in eligendo, in vigilando ou in instruendo”. (22) E mais à frente a mesma A. ensina que a “ratio do artigo resulta de necessidades práticas económico-sociais que se manifestam na necessidade de responderem pelos riscos da actividade aqueles que dela tiram proveitos; na exigência de garantir ao credor a indemnização, que seria precária dada a falta de acção contra e/ou a provável insolvência dos auxiliares; da consideração da libera electio, reconhecida ao devedor, dos meios idóneos execução, e da extraneidade do credor relativamente a esta escolha”. Ao analisar os pressupostos da aplicação do art. 800.º, 1, a mesma autora começa por referir que a norma exige a “existência de uma obrigação”, referindo que a distinção entre esse normativo e o art. 500.º é a seguinte: enquanto o primeiro “é uma norma de imputação no âmbito da responsabilidade contratual, pelo que pressupõe uma relação obrigacional específica entre o credor e o devedor,” o segundo, “vigora na responsabilidade extracontratual.”(23). Portanto, imputando o A. responsabilidade extracontratual pela prática de actos ilícitos, previstos no art. 493.º, 2 do CC, nunca essa norma poderia aplicar-se ao caso dos autos, mesmo que se demonstrassem os factos atribuídos à R. (24) que, como se disse, se não provaram. A norma em causa já poderia ser aplicável para responsabilização da R. se tivesse sido demandada a R..., dona do terreno onde foram feitas as escavações, porque, em face do contrato de empreitada, já funcionaria a ratio do preceito que é a de tutelar o crédito na moderna organização económica: ao assumir a empreitada, a R., como devedora do credor – que é a dona do terreno e da obra – tem de responder pelos meios empregues, respondendo perante o credor como se fosse ela a cumprir pessoalmente. É o que ensina a A. que vimos citando (25): “o que o devedor promete é um comportamento diligente pela «genuinidade» dos meios empregados no cumprimento nos mesmos termos em que responderia se fosse ele pessoalmente a cumprir”. Também Pedro Martinez (26) ensina que, no âmbito da responsabilidade contratual, “o empreiteiro é, …, responsável objectivamente nos termos do art. 800.º, porque tanto o trabalhador como o subempreiteiro são pessoas utilizadas no cumprimento da sua obrigação”. Porém, logo adverte, em nota, que tanto “o contrato de empreitada, como o de subempreitada, não consubstanciam uma relação de comissão, pelo que não gera responsabilidade nos termos do art. 500.º”, concluindo que o empreiteiro não é responsável “por danos causados a terceiros pelo subempreiteiro ou por empregados seus”. O empreiteiro é responsável perante o dono da obra – o “credor” – nessa relação contratual, mas não perante terceiros, a menos que seja ele o autor do facto ilícito, por culpa ou risco, ou por facto lícito. “O intermediário não é responsável por danos causados a terceiros – em que não se inclui o primeiro contraente – pelo subcontraente, salvo se for instigador ou auxiliar do acto ilícito praticado por este último (art. 490.º). E, em regra, o intermediário também não responde como comitente (art. 500.º) por actos praticados pelo subcontraente, pois este actua autonomamente, e não se verifica a existência, entre eles, de uma relação de comissão”. (27) Especificamente, quanto ao contrato de subempreitada, o autor citado, remete para Vaz Serra, que tem o mesmo entendimento. (28) Finalmente, diga-se que o dever de fiscalização ou vigilância invocado no acórdão recorrido também não pode responsabilizar a R. porque essa fiscalização funciona mais no interesse do empreiteiro, visando fundamentalmente impedir que a subempreitada lhe seja entregue com vícios pelos quais terá de responder perante o dono da obra. Aliás, se a moderna organização económica se baseia na especialização, quando o empreiteiro contrato subempreiteiros para determinado tipo de obras, pode acontecer que, dada a especialidade da obra, aquele não a possa fiscalizar em termos técnicos. “Numa organização económica fundada na divisão de trabalho, um dever de vigilância muitas vezes não faz sentido.”(29) Ou, como diz Trimarchi (30) “Não é possível, na moderna organização económica, uma vigilância capilar, minuciosa e contínua dos actos dos auxiliares, e, se o auxiliar é uma empresa especializada, um técnico altamente qualificado, ou um dirigente, a vigilância é excluída pela própria natureza da actividade que desenvolvem”. Assim, a R. não é responsável pelos danos peticionados no contexto deste processo, tal como o A. configurou a acção. E o A. podia evitar este desfecho se tivesse usado das cautelas que a lei lhe permitia. Com efeito, perante a intervenção acessória provocada que a R. deduziu, para chamar a “Valaduras”, a quem tinha subempreitado a empreitada que firmara com a dona da obra – a Repsol -, poderia o A. ter deduzido a intervenção principal quer desta quer daquela, (31), pois se suscitava a dúvida sobre o sujeito da relação controvertida, (32) possibilidade que a reforma processual de 95/96 introduziu para “privilegiar a decisão de fundo”, como se refere no preâmbulo do DL 329-A/95, de 12.12. Sendo chamada a intervir como R. a Repsol – dona da obra – em face da relação conexa que a ligava à R.. já esta responderia pelos danos causados à A. por força do art. 800.º, 1 citado, tal como a interveniente “Valaduras”, esta por responsabilidade civil extracontratual e ainda por força do contrato de subempreitada que a ligava à R. Não o tendo feito, o A. apenas de si se pode queixar, constituindo a omissão cometida um erro técnico responsável pela absolvição da R. Para além disso, ao deduzir o pedido de intervenção principal da Repsol, o A. podê-la-ia ter demandado por responsabilidade civil extracontratual por factos lícitos, integrantes do disposto no art. 1348.º, 1e 2 do CC. (33) Na verdade, só ela, como dona da obra e do terreno em que foram feitos os rebentamentos, poderia se demandada e, por via do contrato de empreitada, a R. De facto, o art. 1348.º, 2, acima transcrito, determina que “logo que venham a padecer danos com as obras feitas, os proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor delas…” Depois de um percurso contraditório da nossa jurisprudência, veio a firmar-se o entendimento de que a lei, ao referir a expressão “pelo autor delas” quer aludir ao proprietário do prédio onde as obras são realizadas, que não ao seu autor material. (34) Este será também responsável se se verificarem os necessários pressupostos. No caso, vem demonstrado que foi a subempreiteira “Valaduras” que procedeu aos rebentamentos com explosivos, actividade que é perigosa, (35) presumindo-se a culpa dela, por não ter sido ilidida. De qualquer forma, a sua responsabilidade advir-lhe-ia sempre mesmo em termos objectivos, sem ilicitude nem culpa, porque o mencionado normativo enquadra um dos casos excepcionais de responsabilidade civil extracontratual, resultante de uma actividade lícita, que não exige culpa. De facto, como ensina A. Varela, (36) a nossa lei, além de ter consagrado as duas formas de responsabilidade civil por fatos ilícitos (responsabilidade com base na culpa e responsabilidade com base no risco), aceitou também a responsabilidade por factos lícitos causadores de danos, como acontece nos arts. 1348.º e 1349.º do CC, para além de outras disposições legais “disseminadas pela legislação extravagante”, legitimando “a prática do acto susceptível de causar danos, com a protecção devida aos titulares dos bens atingidos”. No entanto, nem nesta perspectiva podemos analisar os factos, pois, o A. apenas fundamentou a acção, como se disse, na responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. Anote-se, finalmente, que, contrariamente ao que se diz no acórdão recorrido, não há qualquer obrigação solidária de pagamento da indemnização peticionada, entre a R. e a Repsol, já que, podendo esta responder apenas por força do art. 1348.º, 2 do CC, se a acção tivesse sido também fundamentada nesses termos, que não foi, como já se disse, aquela seria responsável em virtude da relação conexa derivada do contrato de empreitada que firmara com a R. e por força do art. 800.º, 1 do CC. Por isso, o A. apenas poderia obter a condenação da R. se demandasse também a Repsol – dona da obra. E, não podendo exigir da R. a indemnização sem demandar também a dona da obra, em que aquela responderia perante si com base no art. 800.º, 1 do CC, a obrigação não é solidária, já que, como ensina A. Varela, (37) a obrigação só se diz solidária, pelo lado passivo, “quando o credor pode exigir a prestação integral de qualquer dos devedores e a prestação efectuada por um deles os libera a todos perante o credor comum.” Como é sabido, a regra é a das obrigações conjuntas, apenas podendo resultar a solidariedade da vontade das partes ou da lei. Ora, no caso, em face dos fundamentos da acção e da matéria de facto, os danos causados pela subempreiteira com base na violação do disposto no art. 493.º, 2 do CC, não constituem obrigação solidária que responsabilize também a R., pois, como se disse, tal só aconteceria se ela tivesse agido como comitente, o que, como todos concordam, não acontece. Não pode, pois, subsistir a decisão recorrida, devendo manter-se o decidido na 1.ª instância. Decisão Pelo exposto, concede-se a revista, revogando-se o acórdão recorrido para subsistir a decisão da 1.ª instância, com a absolvição dar. Do pedido. Custas pelo A. Lisboa, 31 de Janeiro de 2007 Custódio Montes Mota Miranda Alberto Sobrinho _____________________ 1- Do CPC. |