Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12/14.7TBEPS-A.G1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: VENDA JUDICIAL
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
HIPOTECA
CADUCIDADE
EMBARGOS DE TERCEIRO
VENDA DE BENS ONERADOS
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / REALIZAÇÃO COACTIVA DA PRESTAÇÃO / ACÇÃO DE CUMPRIMENTO E EXECUÇÃO / VENDA EM EXECUÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / INTERVENÇÃO DE TERCEIROS / OPOSIÇÃO / OPOSIÇÃO MEDIANTE EMBARGOS DE TERCEIRO / DEDUÇÃO DOS EMBARGOS.
Doutrina:
- A. Luís Gonçalves, Arrendamento de prédio hipoteca, Caducidade do arrendamento, RDES, Ano XXX ( XI, da 2ª Série) , n.º1, p. 98;
- Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 11.ª Edição, Almedina, 2009, p. 403;
- Ana Carolina S. Sequeira, A Extinção de Direitos Por Venda Executiva, Garantias das Obrigações, p. 23 e 43;
- António Luís Gonçalves, Arrendamento de prédio hipotecado. Caducidade do arrendamento, in RDES, Ano XXXX - XI da 2.ª Série, nº1, p. 98,
- Cunha e Sá, Caducidade do Contrato de Arrendamento, p. 90 e 91;
- Dias Marques, Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1979;
- Henrique Mesquita, RLJ, Ano 127, p. 223;
- José Alberto Vieira, Arrendamento de Imóvel dado em Garantia, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, Volume IV, p. 448 e ss.;
- Maria Isabel Menéres Campos, Da Hipoteca, Caracterização, Constituição e Efeitos, p. 232 e ss., e 242;
- Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano e Outros temas de Direito e Processo Civil; Coimbra Editora, 2004, p. 24 e ss e 48-60.
- Menezes Cordeiro, Da natureza do direito do locatário, ROA n.º 40, 1980, p. 61 e 349 e ss.;
- Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, LEX, 1998, pág. 390.
- Mota Pinto, Direitos Reais, p. 135;
- Oliveira Ascensão, Locação de bens dados em garantia, natureza jurídica da locação, in ROA, Ano 45, Volume II, Setembro, p. 335, 365 e 366;
- Pedro Romano Martinez, Cessação do Contrato, p. 321;
- Remédio Marques e Miguel Mesquita, Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto, Almedina, 2000, p. 408 e ss. ; Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro, 2.ª Edição, Almedina, 2001, p. 179 e ss.;
- Romano Martinez, Contratos em Especial, Universidade Católica Editora, 1996, p. 158; Da cessação do Contrato, p. 321;
- Rui Pinto, Manual da execução e despejo, Coimbra Editora, 2013, p. 958;
- Vaz Serra, Realização coactiva da prestação. Execução. Regime civil, BMJ n.º 73, 1958, 31-192.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 824.º, N.º 2;
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC):- ARTIGO 344.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:




- DE 12-01-1995, IN CJ. STJ, ANO I, TOMO 3, P. 84 E ANO III, TOMO 1, P. 19;
- DE 07-12-1995, PROCESSO N.º 087516, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 29-10-1998, PROCESSO N.º 98B862, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 03-12-1998, PROCESSO N.º 98B863, IN BMJ, N.º 482.º, P. 219, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-07-2000 , IN CJ/STJ, ANO VIII, TOMO II, P. 150;
- DE 07-05-2003, PROCESSO N.º 03B3540, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-10-2003 , PROCESSO N.º 03B2762, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 20-11-2003, PROCESSO N.º 03B3540. IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 19-01-2004, PROCESSO N.º 03A4098;
- DE 20-09-2005, IN CJ/STJ, ANO XIII, TOMO III, P. 29.
- DE 31-10-2006, PROCESSO N.º 06A3241, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 27-03-2007, IN ANO XV, TOMO I, P. 146.
- DE 15-11-2007, PROCESSO N.º 7B3456, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 05-02-2009, PROCESSO N.º 09B4087, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 27-05-2010, PROCESSO N.º 5425/03.7TBSLX.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
- DE 27-05-2010, PROCESSO N.º 5425/03.7TBSLX.S1, IN CJ/STJ, ANO VIII, TOMO II, P. 150, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-05-2011, PROCESSO N.º 98B862, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-09-2014, IN CJ/STJ, ANO XXII, TOMO III, P. 43;
- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 430/11.2TBEVR-Q.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 22-10-2015, PROCESSO N.º 896/07.5TBSTS.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-01-2018, PROCESSO N.º 732/11.8TBPDL, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-02-2018, PROCESSO N.º 851/10.8TBLSA-D.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. O contrato de arrendamento, na medida em que sujeita o bem arrendado a uma situação fora da disponibilidade do respetivo proprietário devido ao seu carácter vinculístico, traduz-se num verdadeiro ónus e, como tal, deve estar sujeito ao regime previsto no art. 824º, nº 2 do Código Civil, cujo espírito ou ratio é a de os bens vendidos judicialmente serem transmitidos livres de quaisquer encargos.       

II. Não se trata, porém, de estender, por via analógica, o efeito extintivo previsto neste art. 824º, nº 2 a direitos de natureza obrigacional, mas apenas de considerar aplicável esse efeito a direitos não reais relativamente aos quais, pela sua especificidade possam proceder as mesmas razões justificativas da extinção.

III. A interpretação dada ao nº 2 do art. 824º do Código Civil, no sentido de que o mesmo abrange também o contrato de arrendamento, é a que melhor responde às exigências de justiça e aos interesses teleológicos nele subjacentes, na medida em que assegura um equilíbrio adequado e proporcional entre os vários interesses em jogo: o interesse do proprietário do bem hipotecado, em celebrar o contrato de arrendamento; o interesse do arrendatário, que sabe ou pode saber pela publicidade registral que o bem objeto do arrendamento está sujeito à execução e o interesse do credor hipotecário, que não vê o bem hipotecado sofrer desvalorização em consequência do arrendamento.

IV. A relação locatícia estabelecida após constituição de hipoteca sobre o imóvel objeto do contrato, por aplicação do art.824º, nº 2 do Código Civil, caduca automaticamente com a venda do imóvel arrendado no processo executivo, inviabilizando, por isso, a dedução dos embargos por parte do arrendatário, de harmonia com o disposto  no art. 344º, nº 2, 2ª parte do CPC.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I – Relatório

1. Por apenso à execução que o Banco AA, S.A.. instaurou contra os executados BB e CC, veio DD deduzir embargos de terceiro.

Alega, para tanto e em síntese, que no ano de 2015 celebrou com os senhorios da fração “B” , correspondente ao 1º andar do prédio urbano, sito na Rua de …, nº…, freguesia de … e inscrito na matriz sob o artigo 2494,  ora adquirida pelo exequente, contrato de arrendamento, com início em 1 de dezembro de 2015, por via do qual e mediante o pagamento da renda mensal de € 150,00, passou a habitar neste prédio com o seu agregado familiar, obstando a sua posse à entrega do imóvel.

Mais alega que, já antes deste contrato e desde janeiro de 2013, residia com a sua família neste locado, mediante o pagamento de renda.

E alega ainda que, a partir de novembro de 2016 passou a pagar a renda à Srª Agente de Execução, que a recebeu, pelo que o exequente/embargado, ao pretender obter a entrega da fração em causa, incorre em abuso de direito.      


2. Pelo Tribunal de 1ª Instância, foi proferido despacho que, nos termos do preceituado no artº 345º do C.P.C., indeferiu liminarmente os embargos de terceiro, com o fundamento de que, tendo os mesmos sido instaurados em 26 de janeiro de 2017 e, portanto, posteriormente à venda judicial da referida fração autónoma, que ocorreu em 21 de Novembro de 2016, não é permitida a sua dedução conforme o disposto no nº 2 do artº 344º do C.P.C.

3. Inconformado com este despacho de indeferimento, dele apelou o embargante para o Tribunal da Relação de …, que, por acórdão proferido em 2017.12.18, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.


4. De novo, inconformado com este acórdão, o embargante deduziu recurso de revista, por via excecional, para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«I. Mostram-se verificados os pressupostos para a admissão da revista excepcional, pelo que a presente revista deve ser admitida

II. Encontrando-se junto aos autos documentos que provam que o locado em causa nos presentes autos está na posse do aqui recorrente, desde o início do ano 2013, no uso dos poderes de cognição do tribunal, teria o M.m° Juiz do tribunal "a quo" deles ter tomado conhecimento.

III. Ao não faze-lo, violou o artigo 5o, n° 2 al. c) do C.P.C.

IV. Fez ainda errada aplicação do artigo 824°, n° 2 do Código Civil.

V. Ante de tudo o exposto, o direito do aqui recorrente subsiste com a venda executiva, de harmonia com o disposto no artigo 1057° e artigo 9o, n° Io e 3o do Código Civil.

VI. Tal direito pessoal de gozo não caduca com a venda executiva.

Termos em que deverá ser revogada a sentença:

a) Quando ao indeferimento dos embargos.

b) Quanto à natureza do direito do arrendatário.

c) Quanto à caducidade do arrendamento».

Termos em que requer seja dado provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido.


5. O embargado respondeu, terminando as suas contra alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«a) Não se verificam os pressupostos para a admissão do Recurso de Revista Excecional, desde logo por não estarem em causa interesses de particular relevância social, nem o Recorrente alegar a contradição entre acórdãos;

b) Caso assim não se entenda, e por mera cautela, prevendo a lei nos termos do n.º 2 do art.° 344° do CPCF que os embargos de terceiro nunca podem ser deduzidos depois de os respetivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados, esteve bem o Tribunal de … ao indeferir liminarmente os mesmos e o Tribunal da Relação de … ao confirmar essa decisão, sendo certo e estando provado nos autos que o recorrente sempre acompanhou e teve conhecimento de todo o processo executivo;

c) Não é admissível o alargamento do âmbito do recurso de revista ao conhecimento de questões que não constam da matéria delimitada pelas conclusões do recurso de apelação. No entanto, por mera cautela e para o caso de assim não se entender, é claro e unânime na doutrina e jurisprudência atuais que os arrendamentos constituídos após o registo da hipoteca são inoponíveis ao adquirente do imóvel em sede de venda judicial, porquanto após essa venda caducam automaticamente nos termos do art 824° do CC».

Termos em que pugna pela improcedência do recurso.

6. O Coletivo da formação a que alude o nº3 do art. 672º do CPC admitiu o recurso interposto por verificação do pressuposto a que alude a al. c) do nº1 do mesmo artigo.

                                                   

7. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



***



II. Delimitação do objecto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].

Assim, a esta luz, a única questão a decidir consiste em saber se o contrato de arrendamento celebrado após o registo da hipoteca é inoponível ao comprador do imóvel em sede de venda judicial, por caducar com esta.



***



III. Fundamentação


3.1. Fundamentação de facto


O Tribunal da Relação deu como provados os seguintes factos:


1 - É o seguinte o teor da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância:

Conforme decorre do preceituado no nº 2 do artº 344º do C.P.C., os embargos de terceiro não podem ser deduzidos depois de os respectivos bens terem sido judicialmente vendidos ou adjudicados.


Pois bem...

Os presentes embargos de terceiro reportam-se à fracção autónoma melhor identificada sob o artº 3º da petição inicial, e foram instaurados no dia 26 de Janeiro de 2017.

Conforme se alcança do teor do auto de abertura de propostas junto ao processo principal, a fls.141/142, a referida fracção autónoma foi judicialmente vendida em 21 de Novembro de 2016. Ou seja, os embargos foram deduzidos em data significativamente posterior àquela em que o bem em causa foi judicialmente vendido, o que, como vimos, não é consentido pelo referido nº2 do artº344º do C.P.C..

Urge, pois, nos termos do preceituado no artº345º do C.P.C., indeferir liminarmente os presentes embargos de terceiro.

Pelo exposto, decide-se indeferir liminarmente os presentes embargos de terceiro.

Custas pelo embargante, sem prejuízo do eventual apoio judiciário.

Registe e notifique.


2 - Para fundamentar os embargos, o embargante alega a celebração, em 01.12.2015, de um contrato de arrendamento relativo à aludida fração e, antes disso, a posse da mesma desde 2013.

3 - A hipoteca sobre a dita fração encontra-se registada a favor do Banco AA, S.A.. desde 20.02.2008 (cfr. certidão permanente junta com o requerimento executivo no processo principal).



***



3.2. Fundamentação de direito


Conforme já se deixou dito o objeto do presente recurso prende-se com a questão de saber se a venda judicial, em processo de execução, de fração hipotecada faz caducar seu arrendamento quando posteriormente celebrado à constituição e registo da hipoteca.


Sobre esta matéria, dispõe o art. 824º, n.º 1, do Código Civil, que a «A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.», estabelecendo o seu n.º 2 que «Os bens são transmitidos livres de direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com exceção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo».

Por sua vez, estipula o art. 1051 do C. Civil, que «O contrato de locação caduca:

a) Findo o prazo estipulado ou estabelecido por lei;

b) Verificando-se a condição a que as partes o subordinaram, ou tornando-se certo que não pode verificar-se, conforme a condição resolutiva ou suspensiva;

c) Quando cesse o direito ou findem os poderes legais de administração com base nos quais o contrato foi celebrado;

d) Por morte do locatário ou, tratando-se de pessoa coletiva, pela extinção desta, salvo convenção escrita em contrário;

e) Pela perda da coisa locada;

f) Pela expropriação por utilidade pública, salvo quando a expropriação se compadeça com a subsistência do contrato;

g) Pela cessação dos serviços que determinaram a entrega da coisa locada».


Assim, não fazendo a norma do nº 2 do citado art. 824º qualquer alusão ao “contrato de locação”, na medida em que contempla apenas os  “direitos reais”, nem prevendo o citado art. 1051º a caducidade do contrato de locação nos termos do art. 824º, nº 2, torna-se evidente a relevância que assume a questão de saber se vendido, em sede executiva, o prédio hipotecado, o contrato de arrendamento celebrado depois da constituição de hipoteca e penhora caduca, ou não, automaticamente.

Trata-se de problemática que ainda não ganhou unanimidade ao nível da doutrina e da jurisprudência, tendo-se formado, entre nós, duas linhas essenciais de orientação.

De um lado, a corrente que defende que o citado art. 824º, nº 2 não pode aplicar-se ao arrendamento por este não ser um direito real, tendo, antes, natureza obrigacional, e atento o carácter taxativo da enumeração dos casos de caducidade do contrato de locação feita no art. 1051º do C. Civil.

Considera, em síntese, que o art. 824º, nº 2 do C. Civil, não previu a caducidade do arrendamento porque o art. 1057º do mesmo Código estabeleceu a regra da sua transmissão, inexistindo, por isso, lacuna legal que permita, de harmonia com o disposto no art. 10º, nºs 1 e 2 do C. Civil, a aplicação analógica do citado art.824º, nº 2 ao arrendamento, sendo que a hipoteca, nos termos do art. 695º do C. Civil, não gera, para o respetivo dono, qualquer indisponibilidade para onerar ou dar de arrendamento os bens hipotecados.

Posicionam-se nesta linha de entendimento Menezes Cordeiro[2], Amâncio Ferreira[3] e Maria Olinda Garcia[4].

Neste mesmo sentido pronunciaram-se, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07.12.1995 (processo nº 087516) [5] ; de 19.01.2004 (processo 03A4098) [6] ; de 20.09.2005 [7] e de 27.03.2007 [8] .


De outro lado, perfilha-se a orientação, largamente maioritária, no sentido de que, mesmo entendendo que o arrendamento reveste-se de natureza obrigacional, o artigo 824°, n.º 2, do Código Civil, tem aplicação ao arrendamento, pelo que qualquer situação locatícia - registada ou não - constituída após o registo de hipoteca, arresto ou penhora, é inoponível ao comprador do imóvel em sede de venda judicial, na justa medida em que, após a concretização desta, caduca automaticamente.

Defendem esta doutrina, que vem, aliás, na senda de Vaz Serra[9], para quem não há razão para, nesta matéria, submeter o arrendamento a regime diferente do aplicável aos direitos reais, Romano Martinez[10], José Alberto Vieira[11], Miguel Teixeira de Sousa[12],

Remédio Marques e Miguel Mesquita[13], Oliveira Ascensão[14], Rui Pinto[15], António Luís Gonçalves[16], Henrique Mesquita[17], Maria Isabel Menéres Campos[18] e Ana Carolina S. Sequeira[19].


E, nesta linha de entendimento, insere-se a generalidade da jurisprudência deste Supremo Tribunal, designadamente os Acórdãos do STJ de 29.10.1998 (processo nº 98B862) [20] ; de 03.12.1998 ( processo nº 98B863) [21] ; de 06.07.2000 [22]; de 07.05.2003 (processo nº 03B3540) [23]; de 09.10.2003 (03B2762) [24] ; de 20.11.2003 (processo nº 03B3540) [25] ; de 31.10.2006 (processo nº 06A3241) [26]; de 15.11.2007 (processo nº 7B3456) [27]; de 05.02.2009 (processo nº 08B3994) [28]; de 05.02.2009 (Processo nº 09B4087)[29]; de 27.05.2010 (processo nº 5425/03.7TBSLX.S1) [30]; de 19.05.2011 (processo nº 98B862) [31]; de 16.09.2014[32] ; de 09.07.2015 (processo nº 430/11.2TBEVR-

Q.E1.S1)[33]; 22.10.2015 (processo nº 896/07.5TBSTS.P1.S1)[34] ; de 09.01.2018 (processo nº 732/11.8TBPDL) [35] ; 15.02.2018 (processo nº 851/10.8TBLSA-D.S1) [36].  

Assim, rebatendo os argumentos em que se alicerça a primeira das teses enunciadas, parte esta segunda orientação - que, desde o ano de 2007, se vem sedimentando de forma praticamente unânime no nosso panorama jurisprudencial - , da defesa de que a circunstância de o arrendamento não ser um direito real, revestindo-se, antes, de a natureza obrigacional, não é de per si excludente da sua subsunção  na previsão do nº 2 do art. 824º do C. Civil  e de que o art. 1051º do C. Civil também não coloca  nenhuma proposição adverbial excludente de outras causas de caducidade do contrato de locação, sendo que, como se refere o citado Acórdão do STJ de 06.07.2000 [37], «o carácter taxativo nunca é de presumir» e não falta, na doutrina, quem, como Cunha e Sá[38] e Oliveira Ascensão[39], considere  a enumeração das causas de caducidade vertidas no citado art. 1051º como meramente exemplificativa.

E se é certo que a hipoteca não impede, nos termos do art. 695º do C. Civil, o poder de disposição dos bens hipotecados por parte do respetivo dono, mediante alienação  ou oneração, não menos certo é que,  como resulta do disposto nos arts. 686, 695º, 700º e 701º, todos do C. Civil e refere Maria Isabel Menéres Campos[40], ela não deixa de produzir limitações de  vária ordem ao direito de propriedade do hipotecador, a quem fica vedado praticar livremente atos que ponham em causa o valor da coisa hipotecada estando limitado aos atos que caibam  nos poderes de administração ordinária.   

Por outro lado e vistas as coisas pelo prisma do credor hipotecário, é consabida a repercussão negativa, em termos de valor-preço, que a celebração de um contrato de arrendamento provoca no imóvel.

O valor de um prédio arrendado é, em regra, inferior ao valor de um prédio devoluto.

Por isso, como escreve Maria Isabel Menéres Campos[41], citando A. Luís Gonçalves[42] e Henrique Mesquita [43], o contrato de arrendamento «na medida em que sujeita o bem arrendado a uma situação fora da disponibilidade do proprietário devido ao seu carácter vinculístico, traduz-se num verdadeiro ónus e, como tal, deve estar sujeito  à extinção por força da venda executiva. O arrendamento de que o senhorio não possa libertar-se a breve prazo é um ónus, não podendo sobrepor-se à hipoteca, porquanto origina a degradação do valor dado em garantia».

Daí afirmar também o Acórdão deste Supremo Tribunal de 31.10. 2006 (processo 06A3241)[44], que « À luz do artº 824º do CC, o contrato de arrendamento é considerado como um verdadeiro ónus em relação ao prédio. Daí que, vendido o prédio em sede executiva, o contrato de arrendamento celebrado depois da constituição de hipoteca e penhora caduque automaticamente».

É que, como salienta o citado Acórdão do STJ de 03.12.1998 (processo nº 98B863)[45], «Apesar de um manifesto intuito de proteger o bem da estabilidade da habitação, não pode entender-se que o legislador houvesse querido deixar sem protecção os direitos dos credores titulares de garantias reais registadas com anterioridade relativamente à celebração da invocada relação locatícia (…) » , sustentando, por isso, que « (..) só por esta via  interpretativa se obviará a que a oneração de prédio urbano através da celebração posterior de contrato de arrendamento, impossibilite ou pelo menos dificulte o ressarcimento completo do credor com garantia real».

Ou seja, segundo afirma o citado Acórdão do STJ de 27.05.2010 (processo nº 5425/03.7TBSLX.S1) [46], estribado nos ensinamentos de Romano Martinez[47], Mota Pinto[48] e Dias Marques[49], impõe-se, por via de uma interpretação teleológica e com base em argumentos de analogia ou semelhança das situações de facto e consequências práticas (que não se confunde com a integração de uma lacuna legal, no sentido técnico-jurídico do art. 10º do C. Civil), designadamente de natureza sócio-económica, entender-se que «a referida norma  do art. 824º se aplica a todos os direitos de gozo, quer de natureza real, quer pessoal, de que a coisa vendida seja objecto e que produzam efeitos em relação a terceiros. É que o arrendamento, dada a sua eficácia em relação a terceiros, deve ser para este efeito, equiparado a um direito real. De outra forma, pôr-se-ia em causa o escopo da lei, de que a venda em execução se faça pelo melhor preço possível».

Dito de outro modo e nas palavras do citado Acórdão 16.09.2014[50] «não se trata, portanto, de estender , por via analógica, o efeito extintivo previsto no art. 824º, nº 2 a direitos de crédito, naturalmente de eficácia relativa e, nessa medida, inoponíveis a terceiros, mas apenas de considerar aplicável esse efeito a direitos não reais relativamente aos quais, pela sua especificidade» e, no dizer de Ana Carolina S. Sequeira[51], “ possam proceder as mesmas razões justificativas da extinção”.

Quanto a nós, não vislumbramos razões para dissentir desta orientação, que se perfilha, essencialmente, por duas ordens de razões.

Desde logo, por se entender, como se reconhece neste último acórdão, que a mesma é a que melhor responde às exigências de justiça e aos interesses teleologicamente detetáveis no nº 2 do art.284º, do C. Civil, cujo espírito  ou ratio é, como defende Pedro Romano Martinez[52], a de os bens vendidos judicialmente serem transmitidos livres de quaisquer encargos.        

Em segundo lugar, por se entender que a interpretação dada ao nº 2 do citado art. 824º, no sentido de que o mesmo abrange também o contrato de arrendamento, é a que melhor assegura um equilíbrio  proporcional entre os vários interesses em jogo: o interesse do proprietário do bem hipotecado, em celebrar o contrato de arrendamento; o do arrendatário, que sabe ou pode saber pela publicidade registral que o bem objeto do arrendamento está sujeito à execução, e o do credor hipotecário, que não vê o bem hipotecado sofrer desvalorização em consequência do arrendamento.

É que se é certo que, tal como admitiu o citado Acórdão do STJ, de 03.12.1998, que com esta solução sairá, objetivamente, penalizado o arrendatário, a verdade é que, no jogo de interesses em confronto, fará menos sentido protegê-lo, em detrimento do credor hipotecário, tendo em consideração que ele não ignorava ou não devia ignorar a hipoteca que onerava o bem locado e que o credor se vê confrontado com uma desvalorização do imóvel decorrente do arrendamento, entretanto celebrado sem a sua intervenção e vontade.


*

Assim, ante este cenário jurídico e considerando que, no caso dos autos, a hipoteca sobre a fração vendida no processo executivo encontra-se registada a favor do banco exequente desde 20.02.2008 e que o contrato de arrendamento invocado pelo embargante, ora recorrente, e que sobre ela recaiu é posterior a esta data, não podemos deixar de considerar que o mesmo, por aplicação do citado art.824º, nº 2, caducou automaticamente com a venda do imóvel arrendado no processo executivo, o que inviabiliza, desde logo, a dedução dos presentes embargos de harmonia com o disposto no art. 344º, nº 2, 2ª parte do CPC.

Daí nenhuma censurar merecer o acórdão recorrido que, por isso, será de manter, improcedendo, por isso, todas as conclusões do recurso interposto pelo embargante.


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IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente.


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Supremo Tribunal de Justiça, 18 de outubro de 2018

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

José Manuel Bernardo Domingos

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.
[2]  In, “Da natureza do direito do locatário”, in ROA 40 (1980), págs. 61 e 349 e seguintes.
[3] In “Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., Almedina, 2009, pág.403.
[4] In “Arrendamento Urbano e Outros temas de Direito e Processo Civil”, Coimbra Editora, 2004, págs. 24 e seguintes e 48-60.
[5] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[6] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[7] In, CJ/STJ, Ano XIII, Tomo III, pág. 29.
[8] IN, CJ/STJ, Ano XV, Tomo I, pág. 146.
[9] In “Realização coactiva da prestação. Execução. Regime civil, BMJ 73 (1958), 31-192.
[10] In, “ Da cessação do Contrato», pág. 321.
[11] Arrendamento de Imóvel dado em Garantia”, in “Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles”, Volume IV, págs. 448 e seguintes.
[12] In “Acção Executiva Singular”, LEX, 1998, pág. 390.
[13] In “Curso de Processo Executivo Comum à face do Código Revisto”, Almedina, 2000, págs. 408 e seguintes, e “Apreensão de Bens em Processo Executivo e Oposição de Terceiro”, 2ª ed., Almedina, 2001, págs. 179 e seguintes, respetivamente.
[14] Locação de bens dados em garantia – natureza jurídica da locação”, in ROA, Ano 45, Vol. II, Setembro, págs. 365 e 366.
[15] In, “Manual da execução e despejo”, Coimbra Editora, 2013, pág. 958.
[16] In” Arrendamento de prédio hipotecado. Caducidade do arrendamento”, in RDES, Ano XXXX - XI da 2ª Série - nº1, pág. 98.
[17] In RLJ, ano 127, pág. 223.
[18] In, “ Da Hipoteca- Caracterização, Constituição e Efeitos”, págs. 242.
[19]  «A Extinção de Direitos Por Venda Executiva», in “Garantias das Obrigações», págs. 23 e 43. 
[20] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[21] In BMJ, nº 482º, pág. 219 e também acessível in www.dgsi.pt/stj.
[22] In CJ/STJ, Ano VIII, Tomo II, pág. 150.
[23] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[24] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[25] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[26] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[27] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[28] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[29] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[30] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[31] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[32] In CJ/STJ, Ano XXII, Tomo III, pág. 43.
[33] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[34] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[35] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[36] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[37] In CJ/STJ, Ano VIII, Tomo II, pág. 150.
[38] In, “caducidade do Contrato de Arrendamento”, págs.90 e 91.
[39] In “ROA”, nº45, pág. 335.
[40] In, “ Da Hipoteca- Caracterização, Constituição e Efeitos”, págs. 232 e segs.
[41] In obra citada, pág. 242.
[42] In “ Arrendamento de prédio hipoteca. Caducidade do arrendamento”, RDES, Ano XXX ( XI, da 2ª Série) , nº1, pág. 98.
[43] In,  RLJ, Ano 127º, pág. 223.
[44] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[45] In BMJ, nº 482º, pág. 219 e também acessível in www.dgsi.pt/stj.
[46] Acessível in www.dgsi.pt/stj.
[47] In “ Contratos em Especial”, Universidade Católica Editora, 1996, pág. 158
[48] In “Direitos Reais”, pág. 135.
[49]  In, “Introdução ao Estudo do Direito”, Lisboa, 1979 (edição policopiada), pág 168.
[50] In CJ/STJ, Ano XXII, Tomo III, pág. 43.
[51]  «A Extinção de Direitos Por Venda Executiva», in “Garantias das Obrigações», págs. 23 e 43. 
[52] In “ Cessação do Contrato”, pág. 321.