Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5/21.8YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO CONTENCIOSO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: CONDENAÇÃO À PRÁTICA DO ATO DEVIDO
CASO JULGADO
JUBILAÇÃO
APOSENTAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA DECISÃO
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AÇÃO ADMINISTRATIVA
Decisão: IMPROCEDENTE.
Sumário :
I – A autoridade do caso julgado não assenta na tríplice identidade a que o alude o art. 581.º do CPC, mas visa igualmente a preservação do prestígio dos tribunais e da certeza e segurança jurídicas.
II - A decisão de mérito que transita em julgado assume, assim, foros de indiscutibilidade não só no plano adjetivo, mas, também, no plano substantivo.

III - Tem-se vindo a entender que é admissível alargar a força obrigatória do caso julgado às questões que a anterior decisão tenha tido necessidade de resolver como premissas das conclusões firmadas na decisão.

IV - Como corolário destes ensinamentos, impõe-se que, para determinar o alcance do caso julgado, haja que proceder à sua interpretação, o que implica seguir, a par e passo, o percurso que conduziu à conclusão encontrada e que contém os antecedentes dados como assentes que constituem a fundamentação.

V - Cotejando os pedidos formulados nestes autos e naqueles que correram termos sob o n.º 79/18.9... desta Secção, alcança-se a conclusão de que, em ambas as lides, o autor pretende, em substância, a condenação do réu no reconhecimento/atribuição do estatuto de Juiz Jubilado.

VI - Nesse encadeamento, há que considerar que a situação estatuária do autor perante o réu se acha cabalmente definida no aresto proferido naquele processo, porquanto ali se decidiu, com força de caso julgado, que o autor "(. . .) permanece na situação de aposentado, mas agora de forma definitiva (…), asserção que, em moldes essencialmente semelhantes, foi sendo reiterada ao longo de todo o acórdão.

VII - Não ocorre preterição do dever de decidir quando o réu, após ponderação dos argumentos aduzidos, denega a pretensão formulada pelo autor socorrendo-se da invocação do caso julgado formado noutro processo.

VIII – O ónus imposto pelo n.º 2 do art. 7.º da Lei n.º 9/2011 de 12-03, revela-se funcionalmente adequado a pôr termo às situações em que o estatuto da jubilação se achava suspenso, não representando um encargo excessivo para os interessados que se encontravam nessa situação.

IX – A consequência associada à falta do cumprimento daquele ónus acha-se em estreita harmonia com o fim de interesse público que presidiu à sua imposição, não se figurando uma manifesta desproporção entre este objetivo e aquele encargo.

Decisão Texto Integral:

Acção Administrativa nº 5/21.8YFLSB


Acordam na secção do contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:


Relatório:


O Exmo. Juiz Conselheiro AA intentou acção de condenação à prática de acto devido contra o Conselho Superior da Magistratura, pedindo que o Réu fosse condenado a atribuir-lhe o estatuto de juiz jubilado inamovível.


Alegou, em síntese, que, em resposta a requerimento por si formulado - na sequência da improcedência da impugnação que, sob o n.º 79/18.9..., deduzira perante este Supremo Tribunal de Justiça - o Réu omitiu a audição do Autor no contexto do procedimento em que operacionalizou a respectiva mudança estatuária e que, ao denegar a pretensão agora formulado com a invocação do caso julgado ali formado, preteriu indevidamente o dever de decidir.


Mais sustentou que o Réu e o Supremo Tribunal de Justiça interpretaram indevidamente o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril, sustentando que ali se previu um procedimento administrativo em que, forçosamente, havia lugar à respectiva audição prévia e que a situação de suspensão da jubilação não lhe podia, sem ofensa do princípio da proporcionalidade, ser retirada por mera desatenção na observância do prazo legal, por a respectiva atribuição se traduzir num acto constitutivo de direitos e por inexistir qualquer motivo atendível que o justificasse.


Aduziu ainda que, no contexto da Lei n.º 24/2019, de 13 de Março, colegas seus foram diferentemente tratados, o que, a seu ver, constitui uma solução mediante a qual não se prosseguiu qualquer interesse público. Mais sustenta que foram violados preceitos vertidos no n.º 1 do artigo 216.º e no n.º 5 do artigo 267.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.


O Réu apresentou contestação em que, em suma, invocou ter cabalmente cumprido o dever de decisão. Mais sustentou que as questões suscitadas foram abordadas e amplamente decididas no aresto proferido naquele processo, sendo que a presente acção não pode servir o fito de sindicar o que foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça.


Advogou, ainda, que a invocação da inamovibilidade constitui um mero artifício com que o Autor pretende encobrir a sua pretensão - qual seja a reapreciação da sua situação estatuária -, sendo, em todo o caso, certo que tal garantia – associada ao desempenho da função jurisdicional – não deve ser entendida como imutabilidade do respectivo estatuto, como se entendeu naquele aresto, sede na qual se rebateu igualmente a argumentação aduzida com base na Lei n.º 24/2019, de 13 de Março.


Concluiu sustentando que a prolação de nova decisão contraditaria a situação jurídica definida na deliberação impugnada naqueloutra e ali mantida e, em conformidade, impetrou a respectiva absolvição por verificação da autoridade do caso julgado ou pela improcedência do pedido.


O Ministério Público, tendo tido intervenção nos autos, entendeu não se pronunciar sobre o mérito da causa.


Notificado da contestação, o Autor apresentou réplica em que, em síntese, sustentou que o Réu não estava impedido de revogar actos ilegais (tanto mais que nunca existira qualquer acto), reafirmou que o dever de decidir fora incumprido e que as questões ora suscitadas não foram decididas naquele aresto. Esclareceu ainda que apenas se apercebeu da entrada em vigor daquele diploma em 2017, QUAL tendo, desde então, procurado repor a situação.


Foram, posteriormente, juntos documentos pelas partes.


Questões a decidir


Nos presentes autos, impõe-se decidir se assiste ao Autor o direito a que o Réu lhe reconheça o estatuto de Juiz Conselheiro jubilado.


Saneamento


O Tribunal é competente em razão da matéria, hierarquia e nacionalidade.


Inexistem nulidades que invalidem todo o processado.


O Autor e o Réu têm personalidade judiciária, gozam de capacidade judiciária e são partes legítimas, estando devidamente representados.


Não se vislumbram outras questões que inviabilizem o conhecimento do mérito da causa.


Fundamentação de facto


São os seguintes os factos que se têm por demonstrados e que se mostram relevantes para a decisão a proferir:


1. O Autor jubilou-se em ... de ... de 1993.


2. Em ..., o Autor solicitou a suspensão do estatuto de jubilação.


3. Tal pedido de suspensão foi deferido por deliberação do Conselho Plenário do CSM de ... de ... de 1994, com efeitos a partir de ... de ... de 1994.


4. Por requerimento entrado no Conselho Superior da Magistratura em ... de ... de 2018, o Autor requereu que se deliberasse no sentido de definir a sua situação estatutária e que essa deliberação determinasse o seu regresso à situação de Juiz Conselheiro jubilado, com efeitos a partir do começo da eficácia dessa deliberação.


5. O Plenário do Conselho Superior da Magistratura, na sua sessão de ... de ... de 2018, tomou a seguinte deliberação: “Apreciado o requerimento apresentado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro na situação de aposentação, Dr. AA, foi deliberado por unanimidade, atenta a opção só agora manifestada de regresso à situação de Juiz Conselheiro Jubilado, que não se afigura suscitar qualquer dever de decisão e de deliberação deste CSM, porquanto nos termos legalmente previstos é a mesma extemporânea e, como tal, não está em causa uma alteração da situação estatutária anterior, uma vez que o decurso do prazo legal para o exercício de tal opção consolidou a situação estatutária de aposentado”.


6. O Autor propôs uma ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo para anulação da deliberação referida no ponto n.º 5 e para condenação do Réu à prática de acto administrativo, a qual correu termos neste Supremo Tribunal de Justiça.


7. Por acórdão datado de .../.../2019, já transitado em julgado, proferido pelo STJ no processo nº. 79/18.9..., foi decidido: “(…) julgar improcedente a presente ação administrativa intentada pelo Dr. AA, Juiz Conselheiro na situação de aposentado, contra o Conselho Superior da Magistratura”.


8. Por requerimento datado de ... de ... de 2020, o Autor requereu ao Conselho Superior da Magistratura que declarasse que “o ora requerente dispõe da condição jurídica de inamovibilidade, como magistrado judicial jubilado, condição decorrente do disposto nos seguintes preceitos do Estatuto dos Magistrados Judiciais: arts. 6º (tanto na versão atual, aprovada pela Lei nº. 67/2019, de 27 de Agosto, como na anterior), 1º, nº. 2 (tanto na versão atual, como na anterior) e 64º, nº. 2 (na versão atual) e 67º, nº. 2 (na versão anterior), porque para tanto preenche as condições legais (constitucionais e infra-constitucionais).”, invocando, em suma, que “a retirada ilegal da situação de inamovibilidade, questão que não foi suscitada, discutida ou decidida no requerimento dirigido em .../.../2018, na deliberação do CSM, nem na referida ação que correu termos no STJ e que passaram mais de dois anos sobre o requerimento datado de .../.../2018 e o fundamento do presente requerimento (violação das regras legais sobre a inamovibilidade) é diferente dos que fundamentaram aquele outro requerimento, sendo por isso, admissível ao abrigo do disposto no artigo 13º, nº.s 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo.”.


9. O Plenário do Conselho Superior da Magistratura, em deliberação de ... de ... de 2020, decidiu:


A questão essencial que o Ex.mo Sr. Juiz Conselheiro suscita é saber se o CSM deve declarar que o Requerente dispõe da condição jurídica de inamovibilidade, como magistrado judicial jubilado, ou, mais concretamente, se tem o estatuto de magistrado judicial jubilado. (…)


A primeira linha de argumentação do Ex. Sr. Juiz Conselheiro parte do pressuposto de que nem a deliberação de ........2018 do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, nem o Acórdão do Contencioso do STJ de ........2019 definiram a sua situação estatutária.


No entanto, da referida deliberação, acima transcrita no ponto 5, consta que o Plenário do CSM considerou que o Requerente se encontrava na situação estatutária de aposentado.


Por outro lado, o acórdão do STJ de ........2019, que confirmou essa deliberação, na fundamentação de forma expressa, clara e inequívoca decidiu que o Sr. Conselheiro estava na situação de aposentado e não de jubilado.


Assim, quanto a esta questão, consta: (…)


E mais adiante acrescenta: (…)


Por fim conexionado com a questão da situação de aposentado ou jubilado do Ex.mo Sr Conselheiro, escreveu-se: (…)


É, pois, indiscutível que o citado Acórdão do STJ de ........2019, transitado em julgado, conheceu da questão da situação do Requerente e clara e expressamente declarou que se encontrava na situação de aposentado, sem possibilidade de retorno.


A circunstância de ter referido na parte final que “a opção só agora manifestada, pelo Demandante, de regresso à situação de juiz conselheiro jubilado não suscita um dever de decisão e de deliberação por parte do CSM porquanto é extemporânea e, como tal, não põe em causa a sua situação estatutária pré-existente, uma vez que, o decurso do prazo legal para o exercício dessa opção consolidou a sua situação estatutária de aposentado”, decorre apenas de ter considerado que a atual situação estatutária de aposentado do Exmo. Juiz Conselheiro é uma mera decorrência legal que dispensa a necessidade de qualquer decisão administrativa ulterior, porquanto se trata de um efeito “ope legis”.


Ora, como é atualmente entendimento dominante na doutrina e jurisprudência, o caso julgado, como exceção e autoridade, não abrange apenas a parte decisória da sentença ou acórdão, abrange também os fundamentos pressupostos da parte dispositiva.” (…)


Entendemos, por conseguinte, que o acórdão do STJ de ........2019, decidiu definitivamente que o Sr. Juiz Conselheiro, ora impugnante estava na situação de aposentado e não de jubilado.


De referir que depois de ter sido proferido o citado acórdão, o Estatuto dos Magistrados Judiciais sofreu alterações significativas introduzidas pela Lei n.º 67/2019, de 27.08, passando o regime da jubilação e aposentação ou reforma a ser regulados nos arts. 64º a 69º, mas continua a não permitir a suspensão da situação de jubilação.


Numa segunda linha de argumentação, defende o Sr. Juiz Conselheiro que a determinação contida no n.º 2 do art. 7º da Lei n.º 9/2011, de 12.04 foi um ato materialmente administrativo e, por isso, devia ter sido notificado do início do procedimento e posteriormente sobre o sentido provável da decisão, nos termos dos arts. 55º e 100 n.º1º do Código de Procedimento Administrativo, na redação então vigente.


Sustenta ainda que a omissão dessa notificação e audiência prévia gera inexistência do procedimento e o Requerente mantém o estatuto de jubilado, que se encontrava suspenso e assim se manteve quanto da entrada em vigor da Lei n.º 9/2011 e no termo do prazo de três meses apontado pelo n.º 2 do art. 7º dessa Lei.


A situação de aposentado do Ex.mo Sr. Conselheiro não decorreu de qualquer procedimento administrativo, que tivesse terminado com um ato administrativo, nem o n.º 2 do art. 7º da Lei n.º 9/2011, tem essa natureza.


Como consta da fundamentação do citado acórdão do STJ (…)


Entendemos, pois, que a circunstância do art. 7º n.º 2 da Lei n.º 9/2011, de 12/04, não prever expressamente a consequência para a omissão da concretização da opção pela jubilação ou pela aposentação, não implica que o CSM tivesse de abrir um procedimento para que o Requerente em situação de aposentação temporária passasse para uma situação definitiva de aposentação.


Assim, carece de fundamento legal a alegação do Ex.mo Sr. Juiz Conselheiro que devia ter sido notificado pelo CSM, depois da entrada em vigor da Lei n.º 9/2011, para exercer a opção pela jubilação e que posteriormente, com a sua audiência prévia, devia proferir deliberação sobre a sua situação.


Como decidiu o acórdão, a situação definitiva de aposentado ficou constituída, por aplicação do aludido artigo 7.º, n.º 2 da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, pelo decurso do prazo nele estabelecido e pela circunstância de nada ter sido manifestado nesse prazo.


Sustenta ainda o Ex.mo Sr. Juiz Conselheiro que o n.º 2 do art. 7º da Lei n.º 9/2011, tem de ser interpretada em conformidade com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 3º da Lei n.º 24/2019 de 13 de março.


Esta Lei n.º 24/2019, procedeu à quarta alteração ao Decreto -Lei n.º 10/2011,de 20 de janeiro, que aprovou o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária.


O seu artigo 2.º, confere nova redação ao artigo 7.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, que passou a ser a seguinte:


“5- Os magistrados jubilados podem exercer funções de árbitro em matéria tributária, devendo, para o efeito, fazer uma declaração de renúncia à condição de jubilados, aplicando -se em tal caso o regime geral da aposentação pública.”


O invocado artigo 3º da Lei 24/2019, de 13.03, contém uma norma transitória, que estipula:


“1-As situações de suspensão provisória da condição de magistrado jubilado, solicitadas ao abrigo da anterior redação do n.º 5 do artigo 7.º do regime jurídico da arbitragem em matéria tributária, cessam definitivamente no termo do período de suspensão em curso, salvo nos casos dos magistrados que sejam árbitros em processos pendentes de decisão ou acórdão à data da entrada em vigor da presente lei, e o respetivo trânsito em julgado não ocorra até àquela data.


2 - Nos casos referidos na parte final do número anterior, as suspensões provisórias são prorrogadas até ao trânsito em julgado das decisões ou acórdãos desses processos.”


O Ex.mo Impugnante sustenta que destes normativos ( n.º 5 do art 7.º do Decreto -Lei n.º 10/2011 e art. 3º da Lei n.º 24/2019), resulta que o silêncio vale como desejo de manter o estatuto de jubilado e que o art. 7º n.º 2 da Lei 9/2011, deve ser interpretado em conformidade.


No entanto, a interpretação e aplicação ao caso concreto do n.º 2 do art. 7º da Lei 9/2011, foi definitivamente estabelecida pelo citado acórdão do STJ de ........2019, já transitado em julgado, proferido no processo nº. 79/18.9...


Como refere o citado acórdão (…)


Não há, pois, fundamento para aplicar à situação do Ex.mo Impugnante, o regime especial que decorre do art. 7º do DL n.º 10/2011 e do art. 3º da Lei n.º 24/2019.


Em resumo e conclusão:


Estando definitivamente decidido pelo acórdão do STJ de ........2019 que o Sr. Juiz Conselheiro, ora impugnante está na situação de aposentado e não de jubilado, não lhe pode ser reconhecida por este CSM a condição jurídica da inamovibilidade, prevista no artigo 6º do EMJ, que pressupõe estar no ativo ou jubilado.


Entendemos, pois, inexistir qualquer fundamento legal para alterar a deliberação do CSM de ........2018 e declarar como peticionado que o Ex.mo Sr. Juiz Conselheiro tem “a condição jurídica de inamovibilidade, como magistrado judicial jubilado.”


Deliberação


Pelo exposto, deliberam os membros do Plenário do Conselho Superior da Magistratura em negar provimento à impugnação administrativa e em confirmar o despacho do Ex.mo Vice-Presidente do CSM de ........2020. (…)”.


Fundamentação da decisão de facto


Não tendo havido lugar à produção de prova, a convicção do tribunal quanto aos factos provados filiou-se unicamente no acordo das partes quanto aos mesmos.


Fundamentação de direito


Como se colhe no precedente relatório, o Réu invoca, primordialmente, a autoridade do caso julgado para obviar à procedência do pedido.


Comecemos, pois, por abordar essa questão, o que se justifica por uma razão de precedência lógica.


A doutrina e a jurisprudência têm sido unânimes no reconhecimento de duas dimensões distintas ao caso julgado material: a de excepção e a de autoridade.


Interessa-nos, em particular, esta última dimensão.


A autoridade do caso julgado - figura, cujos contornos têm vindo a ser laborados pela doutrina e, sobretudo pela jurisprudência - não assenta na tríplice identidade a que alude o artigo 581º do Código de Processo Civil mas visa igualmente a preservação o prestígio dos tribunais e da certeza e segurança jurídicas.


Associa-se-lhe, pois, a função positiva do caso julgado, o que se consubstancia na obrigatoriedade da aceitação, na segunda acção, de uma decisão proferida numa acção anterior, porquanto o objecto desta se insere no objecto da segunda acção (assim, MARIANA FRANÇA GOUVEIA, A causa de pedir na acção declarativa, Almedina, Coimbra, 2004, pág. 394 e TEIXEIRA DE SOUSA, O objecto da sentença e o caso julgado material (O estudo sobre a funcionalidade processual, BMJ n.º 325, 1983, pág. 171).


Essa relação de prejudicialidade entre duas causas implica, pois, que a autoridade do caso julgado se constitua como pressuposto indiscutível da nova decisão e, nessa medida, nesta incorporado, assim obviando a que se verifique uma contradição objectiva e prática entre a exequibilidade das decisões e impedindo que a mesma relação controvertida seja indagada noutro processo ( cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Setembro de 2016, proferido no processo n.º 841/14.1TBFAF.G1.S1 e acessível em www.dgsi.pt e LEBRE DE FREITAS, MONTALVÃO MACHADO e RUI PINTO, em Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 2008, pág. 354).


A decisão de mérito que transita em julgado assume, assim, foros de indiscutibilidade não só no plano adjectivo mas, também, no plano substantivo.


Há, porém, que aquilatar da eventualidade de se verificar essa contradição, pelo que se impõe conhecer os limites objectivos do caso julgado.  


Tais limites decorrem dos “precisos termos em que se julga” (cfr. a primeira parte do artigo 621.º do Código de Processo Civil), o que equivale por dizer que a extensão objectiva deve ser medida em função da causa de pedir invocada na primeira acção e não em função de um facto jurídico meramente abstracto.    É que, como sublinhavam ANTUNES VARELA, SAMPAIO DA NÓVOA e J. MIGUEL BEZERRA, em Manual de Processo Civil, Coimbra, págs. 714, 715 e 718, a concepção restrita da eficácia do caso julgado acolhida no nosso direito processual civil significa que “como se depreende do disposto nos artigos 498.º e 96.º (CPC), apenas cobre a decisão contida na parte final da sentença (…), ou seja, a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do autor ou do réu, concretizada no pedido ou na reconvenção e limitada através da respectiva causa de pedir”.   


Sem embargo, tem-se vindo a entender que é admissível alargar a força obrigatória do caso julgado às questões que a anterior decisão tenha tido necessidade de resolver como premissas das conclusões firmadas na decisão (neste sentido, v., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 2004, de 14 de Março de 2006 e 25 de Março de 2009, proferidos, respectivamente, nos processos n.º 04B3703, n.º 05B3582 e n.º 530A09 e acessíveis em www.dgsi.pt).


Esse alargamento impõe-se porque "reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respectivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão” (TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Código de Processo Civil, Lex, págs. 578 e 579)


Como corolário destes ensinamentos, impõe-se que, para determinarmos o alcance do caso julgado, haja que proceder à sua interpretação, o que implica seguir, a par e passo, o percurso que conduziu à conclusão encontrada e que contém os antecedentes dados como assentes que constituem a fundamentação. 


Nesta conformidade, apreciemos, em primeira linha, o conteúdo do caso julgado formado no processo que, nesta secção, correu termos sob o n.º 79/18.9...


Nesse contexto, o Autor invocou, na petição inicial e nas subsequentes alegações, que:


- em ... de ... de 2018, solicitou ao Conselho Superior da Magistratura que, definindo a sua situação estatutária, deliberasse o seu regresso à situação de jubilado, com efeitos a partir da eficácia dessa deliberação;


- o Conselho Superior da Magistratura deliberou, em ... de ... de 2018, que não se suscitava qualquer dever de decisão e de deliberação, porquanto a pretensão do Autor era extemporânea, uma vez que o prazo legal para fazer essa opção já havia decorrido e, consequentemente, estava consolidada a sua situação de aposentação;


-verificava-se total falta de fundamentação já que o Conselho Superior da Magistratura não se pronunciara sobre as consequências da omissão da declaração exigida pelo n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril;


- em consequência dessa falta de fundamentação, o CSM não apreciou e/ou conheceu das questões que invocou, relativas à fixação seu estatuto aposentação/jubilação, a saber a desproporção do prazo de três meses concedido para a opção, a necessidade de acto do Conselho Superior da Magistratura e a necessidade de notificação dos interessados;


- o Conselho Superior da Magistratura, decidindo como decidiu, interpretou aquele preceito no sentido de que o prazo aí estabelecido, para a opção entre a jubilação ou a aposentação, era adequado e proporcionado, que, findo esse prazo, ficava automaticamente, ou melhor, “ope legis”, definida a sua situação, que não havia necessidade da sua intervenção e de se efetuar uma notificação aos seus destinatários para fazerem a opção exigida;


- O prazo de 3 meses foi desadequado e desproporcionado, para fazer a mencionada opção, dado que ela implicava “a modificação e reorganização da sua vida pessoal e profissional”, pois era membro de um tribunal arbitral, com julgamento iniciado e prova produzida, que não se conseguia concluir nesse prazo.


- Entendendo-se que tal prazo era suficientemente adequado para fazer essa opção e que, com o seu decurso, a sua situação estatutária ficava definida e consolidada mostrar-se violado o princípio da proporcionalidade.


- Interpretando-se, também, aquela norma no sentido de que a modificação da situação estatutária dos seus destinatários, não implicava sua notificação pelo Conselho Superior da Magistratura para fazerem a opção, viola-se o disposto no n.º 3 do artigo 268.º, da CRP.


- O Conselho Superior da Magistratura, ao presumir que por não ter feito a declaração a sua situação de aposentado tornou-se definitiva, não teve em consideração que, nessa altura, a sua situação estatutária já era definitivamente a de jubilado, estando, apenas, provisoriamente suspensa, conforme dispunha o n.º 6 do artigo 67.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, na redação dada pela Lei n.º 10/94, de 05 de Maio.


- Por outro lado, a perda do estatuto de jubilado só se verifica, legalmente, por razões disciplinares ou por declaração de renúncia, nos termos do artigo 67.º, do Estatuto dos Magistrados Judiciais [o relevo que o Conselho Superior da Magistratura deu ao seu silêncio, apesar da lei não especificar qual a sua consequência, é sempre ilidível pois trata-se de uma presunção], sendo que o seu estatuto já se encontrava definitivamente adquirido de base.


-A interpretação feita pelo CSM é inconstitucional, por violar os princípios da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas, vertente do princípio da segurança ou da confiança, ínsito no artigo 2.º da CRP, ou seja, por violar os princípios do Estado de direito democrático. Foi violado do princípio da igualdade, face ao regime concedido para as arbitragens tributárias, em que os magistrados judiciais, suspendendo temporariamente a condição de jubilado, podem exercer funções de árbitro em matéria tributária – n.º 5 do artigo 7.º do Regime Jurídico da Arbitragem Temporária, na redação dada pelo artigo 14.º da Lei n.º 20/2012, de 14 de Maio.





Perante a argumentação aduzida, este Supremo Tribunal, no aresto proferido naqueles autos, decidiu o seguinte:


“1) - Violação do princípio constitucional da “igualdade” estabelecido no artigo 13º, da CRP:


Aduz o Exmo. Juiz Conselheiro que o disposto no artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, quando interpretado no sentido de que quem não fez a opção, como o seu caso, fica aposentado, viola o princípio da igualdade, previsto no artigo 13º, da CRP, face ao disposto no artigo 7.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, na redação dada pela Lei n.º 20/2012 de 14/05, que permite que os magistrados jubilados possam “exercer funções de árbitro em matéria tributária” desde que, nomeadamente, solicitem a suspensão da sua jubilação. (…)


No caso concreto, estamos perante uma lei geral, aplicável a todos os magistrados judiciais, ao passo que o artigo 7º, do RJAT, é uma lei excecional que abrange apenas os magistrados que exercem “funções de árbitro em matéria tributária”.


Estamos, pois, perante situações e realidades diferentes, porque a suspensão da situação de jubilado, em geral, permite ao magistrado poder exercer qualquer função remunerada e a suspensão do estatuto de jubilação para exercer as funções de árbitro tributário, apenas permite ao magistrado exercer essas mesmas funções.


É a excecionalidade da matéria tributária que justifica a excecionalidade do regime de jubilação.


Estamos, assim, perante situações desiguais que requerem, também, um tratamento desigual.


Esta questão, a partir de 14 de março de 2019, dada a alteração, entretanto, efetuada ao regime jurídico da arbitragem em matéria tributária, assumiu uma dimensão diferente.


Com efeito, em 13 de março do corrente ano, foi publicada a Lei n.º 24/2019, já em vigor, que determina que o exercício das funções de árbitro em matéria tributária exige também a renúncia à condição de magistrado judicial jubilado.


O seu artigo 2º, que altera o n.º 5, do artigo 7º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprova o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária, alterado pelas Leis n.ºs 64-B/2011, de 30 de dezembro, 20/2012, de 14 de maio, e 66-B/2012, de 31 de dezembro, passou a ter a seguinte redação:


“Os magistrados jubilados podem exercer funções de árbitro em matéria tributária, devendo, para o efeito, fazer uma declaração de renúncia à condição de jubilados, aplicando-se em tal caso o regime geral da aposentação pública.”


Foi estabelecido um regime transitório, no artigo 3º, da citada Lei, para as situações de suspensão provisória da condição de magistrado jubilado solicitados nos termos da anterior redação do n.º 5 do artigo 7º.


Essas situações “cessam definitivamente no termo do período de suspensão em curso, salvo nos casos dos magistrados que sejam árbitros em processos pendentes de decisão ou acórdão à data da entrada em vigor da presente lei, e o respetivo trânsito em julgado não ocorra até àquela data” [n.º 1], sendo que “nos casos referidos na parte final do número anterior, as suspensões provisórias são prorrogadas até ao trânsito em julgado das decisões ou acórdãos desses processos” [n.º 2].


2). Violação do princípio da proporcionalidade:


Para o demandante, o prazo de 3 meses, concedido pelo artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, para fazer a opção pelo estatuto de jubilado ou pelo estatuto de aposentado, foi demasiado limitado e reduzido, pelo que viola o princípio da proporcionalidade, decorrente de um Estado de direito, consagrado no artigo 2º, da CRP.


Aduz, para o efeito, que a suspensão do estatuto de jubilado permitia-lhe o exercício de outra atividade que, na altura, se encontrava a exercer e que não podia ser abandonada em tão curto prazo, pois, se o fosse, ocorreriam graves consequências, nomeadamente para si. (…)


Ora, a questão que se coloca, no caso concreto, é a de saber se era exigível, para o fim que a medida legislativa visava realizar [acabar com a possibilidade de suspensão do estatuto de jubilação dos magistrados], um período mais alargado para quem estivesse nessa situação fazer a sua opção.


Tendo em conta que a finalidade dessa lei foi a de dignificar o estatuto de jubilação, pois os magistrados jubilados continuam a ter os mesmos direitos, imunidades e regalias, como se estivessem no ativo, e o de aproximação entre o estatuto da aposentação e o estatuto de aposentação da função pública, o prazo concedido, de 3 meses, para aqueles magistrados fazerem a sua opção, não foi desproporcionado e nem desadequado aos interesses, que eventualmente fossem atingidos, dos magistrados seus destinatários, até porque a possibilidade da sua suspensão temporária sempre foi uma faculdade e não um direito.


Por outro lado, sendo a lei geral e abstrata, ou seja, o disposto no artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, tendo como destinatários todos os Magistrados, quer Judiciais quer do Ministério Público, que se encontravam, na altura, com o seu estatuto de jubilação suspenso, o princípio da proporcionalidade não pode aferir-se apenas por um caso concreto, mas por todos os interesses abstratamente passíveis de serem atingidos de todos os seus destinatários.


Acresce que, esta norma não atingiu qualquer direito constitucionalmente protegido pois a opção que devia ser feita não punha em causa, nomeadamente, o “direito ao trabalho” e o “direito à segurança do emprego”, consagrados constitucionalmente nos artigos 58º e 53º, ambos da CRP.


Não foi, pois, o prazo de 3 meses, violador do princípio da proporcionalidade.





3). Violação do princípio da determinabilidade e precisão das normas jurídicas, na vertente da segurança jurídica e da garantia, tendo como referência, a interpretação feita pelo CSM do artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril:


Alega o Exmo. Juiz Conselheiro que a perda do estatuto de jubilado apenas pode ocorrer por motivos disciplinares ou por renúncia, de acordo com os n.ºs 10 e 12, do artigo 67º, do EMJ, precisamente na redação dada pela Lei n.º 9/2011, de 12 de abril.


Fazendo-se “uma leitura contextual” de todos os preceitos desse diploma, verifica-se que a falta da declaração de opção, exigida pelo artigo 7º, n.º 2, não pode fundamentar a perda do estatuto de jubilado pois se pudesse, tratar-se-ia de uma aposentação compulsiva.


Conjugado o artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, com o disposto nos n.º 10 e 12, do artigo 67º, do EMJ, e não explicitando, aquela norma, aos seus destinatários, qual a consequência da omissão da opção, isto é, “não permitindo saber quais os efeitos jurídicos da norma, a lei não é clara nem inequívoca, nem contém um regime suficientemente concretizado ou densificado, não permitindo, assim, aos destinatários, conhecer com segurança a sua situação jurídica”, a interpretação de que o silêncio equivale à aposentação viola o princípio da precisão ou determinabilidade das normas jurídicas.


a) - Do estatuto da jubilação/aposentação:


De acordo com o artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, “os tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo” e para a administrar devem “assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados”.


Quanto ao estatuto dos juízes, determina a Constituição que a magistratura dos tribunais judiciais é constituída por um corpo único de juízes que se regem por estatuto próprio [artigo 215.º], estatuto esse que se encontra regulado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho, com diversas alterações.


Por sua vez, o estatuto da jubilação encontra-se definido e regulado no artigo 67º, do EMJ, segundo o qual “[c]onsideram-se jubilados os magistrados judiciais que se aposentem ou reformem, por motivos não disciplinares, com a idade e o tempo de serviço previstos no anexo II da presente lei e desde que contem, pelo menos, 25 anos de serviço na magistratura, dos quais os últimos 5 tenham sido prestados ininterruptamente no período que antecedeu a jubilação, exceto se o período de interrupção for motivado por razões de saúde ou se decorrer do exercício de funções públicas emergentes de comissão de serviço” [n.º 1].


Acresce que os “magistrados jubilados continuam vinculados aos deveres estatutários e ligados ao tribunal de que faziam parte, gozam dos títulos, honras, regalias e imunidades correspondentes à sua categoria” [n.º 2].


Ora, o regime específico da jubilação sofreu, desde a sua versão inicial (1985), algumas alterações, nomeadamente quanto à possibilidade da sua renúncia e da sua suspensão.


Com efeito, o n.º 3 do artigo 67.º do EMJ começou por estabelecer, na sua versão inicial, ou seja, na versão da Lei n.º 21/85, de 30 de julho, a possibilidade de renúncia à condição de jubilado, ficando sujeito, em tal caso, ao regime geral de aposentação pública, não prevendo, contudo, a possibilidade da sua suspensão.


Esta norma foi alterada em 1994, 2008 e 2011, pelas Leis n.ºs 10/94, de 05 de maio, 26/2008, de 27de junho, e 9/2011, de 12 de abril.


A primeira alteração ocorreu por via da Lei n.º 10/1994, de 5 de maio, que acrescentou à possibilidade de renúncia a possibilidade da sua suspensão temporária [“os magistrados judiciais podem fazer declaração de renúncia à condição de jubilados ou pode ser-lhes concedida, a seu pedido, suspensão temporária dessa condição, ficando sujeitos em tais casos ao regime geral da aposentação pública”].


Por sua vez, a Lei n.º 26/2008, de 27 de junho, introduziu, acrescentando ao estatuto do magistrado jubilado, a possibilidade de o Conselho Superior da Magistratura poder [“a título excecional e por razões fundamentadas, nomear juízes conselheiros jubilados para o exercício de funções no Supremo Tribunal de Justiça”].


Por fim, a Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, retirou novamente aos magistrados jubilados a possibilidade de pedirem a suspensão do seu estatuto, passando apenas a poder renunciar ao mesmo e, neste caso, ficando sujeitos ao regime geral da aposentação pública, como aliás, constava na versão originária do artigo 67º, do EMJ [inicialmente no n.º 3, agora no seu n.º 12].


Ora, ao terminar com a possibilidade de suspensão do estatuto de jubilação, a Lei n.º 9/2011, de 12.04, estabeleceu um regime transitório para a jubilação, nomeadamente para os magistrados judiciais que se encontravam com o estatuto de jubilação suspenso.


Assim, no seu artigo 7º, determinou:


1) “Os magistrados judiciais ou do Ministério Público subscritores da Caixa Geral de Aposentações que até 31 de dezembro de 2010 contem, pelo menos, 36 anos de serviço e 60 de idade podem aposentar-se ou jubilar-se de acordo com o regime legal que lhes seria aplicável naquela data, nomeadamente levando-se em conta no cálculo da pensão a remuneração do cargo vigente em 31 de dezembro de 2010 independentemente do momento em que o requeiram.


2) Os magistrados judiciais ou do Ministério Público com a jubilação suspensa devem, no prazo de três meses a contar da data de entrada em vigor da presente lei, optar pela mesma ou pela aposentação.”





A lei estabeleceu, pois, um prazo para que os magistrados judiciais pudessem fazer a sua opção, findo o qual deixava de haver magistrados com o estatuto de jubilação suspenso – os magistrados ou ficavam jubilados ou ficavam aposentados.


Desta evolução, resulta que a suspensão da jubilação nunca foi um direito mas sim uma faculdade que existiu em determinado período temporal, a qual tinha que ser pedida pelo interessado e cuja concessão não era automática pois dependia da autorização do CSM.


b) - Do princípio da determinabilidade e precisão das normas jurídicas: (…)


Ora, o problema suscitado pelo Exmo. Juiz Conselheiro não se fundamenta na falta de clareza da lei e nem na sua indeterminação, mas apenas no facto de ter omitido, no prazo concedido pelo artigo 7º, n.º 2 da Lei nº 9/2011 e até hoje, a opção prevista nesse mesmo preceito, tendo ficado na situação de aposentado, em virtude de, em tempo anterior, ter requerido a suspensão daquele mesmo estatuto de jubilação.


Como se viu, e como resulta claro da comparação entre as duas versões do artigo 67º, a possibilidade da suspensão da jubilação desapareceu do nosso ordenamento jurídico.


Ou seja, o legislador terminou com a possibilidade de suspensão do estatuto da jubilação, concedendo aos magistrados que, à data, dela beneficiavam a possibilidade de, em prazo, optarem pelo regresso ao referido estatuto ou, em alternativa, de continuarem na situação de aposentado.


É certo que a Lei não prevê expressamente a consequência para a omissão na escolha, mas nem tinha que o fazer, na medida em que tal omissão implica naturalmente a transição para definitiva de uma situação até aí temporária: a aplicação do regime de aposentação.


Noutras palavras, à data da entrada em vigor deste novo regime, o Exmo. Juiz Conselheiro encontrava-se na situação de aposentado.


Ora, apesar de a Lei lhe ter concedido a possibilidade de, no prazo por ela fixado, regressar à jubilação, o Demandante nada disse, ficando em silêncio.


Sendo assim, permanece na situação de aposentado, mas agora de forma definitiva.


Conclui-se, pois, que a omissão na opção de regresso ao estatuto de jubilado implica a continuação da situação existente à data, ou seja, a manutenção do estatuto de aposentado, mas agora sem possibilidade de retorno.


c) - Do princípio da confiança:


Invoca ainda o Exmo. Juiz Conselheiro a proteção da confiança, em virtude da falta de precisão ou determinabilidade da norma jurídica, para que se lhe mantenha a possibilidade de regresso à situação da jubilação, benefício que, segundo ele, lhe fora concedido aquando do deferimento da sua suspensão. (…)


Tendo em atenção estes pressupostos e estes princípios não se pode considerar que o legislador tenha gerado expectativas de continuidade no que se refere ao regime da aposentação e jubilação e, neste, da possibilidade da sua suspensão.


Pelo contrário, verifica-se que os pressupostos da aposentação e da jubilação têm vindo a sofrer alterações substanciais, mormente quanto aos requisitos de idade e tempo de serviço necessários, que têm vindo a ser aumentados. Ou seja, tem vindo a ser transmitida a ideia da mutabilidade dos estatutos profissionais e dos regimes de aposentação e reforma, comportando alterações ao longo de uma carreira profissional, as mais das vezes, sobretudo desde há já alguns anos, não favoráveis aos trabalhadores, por estar em causa a solidez e sustentabilidade dos sistemas previdenciais do género.


Do que se conclui que não merece proteção jurídica a confiança do Exmo. Juiz Conselheiro, no sentido da manutenção de um benefício estatutário, consistindo na possibilidade de, a todo o tempo poder regressar ao estatuto de jubilação, fazendo cessar a sua suspensão.


Aliás, desde a aprovação e publicação do EMJ e até hoje, esta possibilidade só vigorou a partir da Lei n.º 10/1994, de 05 de maio, que a introduziu, até à entrada em vigor da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, o que demonstra que a Lei não gerou qualquer expectativa da sua continuação.


Ora, o Exmo. Juiz Conselheiro encontrava-se, na data referida na Lei n.º 9/2011, na situação de aposentado desde ... de ... de 1994.


Tendo essa Lei revogado a possibilidade de suspensão do estatuto da jubilação, estabeleceu um regime provisório no qual concedeu aos magistrados que se encoravam na situação do Demandante, o direito de regressarem à situação de jubilados, desde que para tal, e num determinado período, fizessem essa opção.


Ao não fazer a opção, como determinado pelo artigo 7º, n.º 2, da Lei n.º 9/2011, tem que se considerar, necessariamente, que ele optou por se manter na situação em que se encontrava, a de aposentado a título provisório, mas agora passando a ser de forma definitiva e sem possibilidade de retorno.


d) - Da necessidade de notificação do dever de opção e da necessidade do CSM tomar uma decisão sobre a sua pretensão:


Por fim, aduz o Demandante, que sendo o n.º 2, do artigo 7º, da Lei n.º 9/2011, um ato administrativo geral, que se dirige a um número limitado de pessoas, impunha-se a sua notificação aos seus destinatários, nos termos das normas conjugadas dos artigos 52º, n.º 1, e 51º, n.º 1, ambos do CPTA, e artigo 268º, n.º 3, da CRP, por ser um ato impugnável e por produzir efeitos externos na esfera jurídica dos interessados. (…)


Contudo, a Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, que procedeu à décima quarta alteração do Estatuto dos Magistrados Judiciais e décima alteração do Estatuto do Ministério Público, em matéria de aposentação, reforma e jubilação e de adaptação do regime de proibição de valorizações remuneratórias de 2011 ao sistema judiciário, corresponde ao exercício da função legislativa pelo que as suas normas não podem ser tidas como sendo atos administrativos.


Ora, de acordo com o artigo 5º, n.º 1, do Código Civil, a lei só se torna obrigatória depois de publicada no jornal oficial.


Só com a sua publicação é que se pode presumir o conhecimento daqueles a quem o conteúdo da lei se destina.


Pelo que só daí em diante se pode sustentar que “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento” [artigo 6º, do CC].


Por sua vez, a Lei n.º 9/2011, sendo um Diploma emanado da Assembleia da República produz efeitos através da sua publicação no Diário da República – artigo 1º, da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro.


Como tal, para ser eficaz, não precisa de qualquer notificação aos seus destinatários.


Por fim, a atual situação estatutária de aposentado do Exmo. Juiz Conselheiro é uma mera decorrência legal que dispensa a necessidade de qualquer decisão administrativa ulterior, porquanto se trata de um efeito “ope legis”.


Uma eventual deliberação do CSM a tal respeito traduzir-se-ia num ato meramente declarativo e enunciativo, não promovendo a constituição, modificação ou a extinção de qualquer situação jurídica.


Neste caso, como já referido, a sua situação jurídica ficou constituída por aplicação do aludido artigo 7.º, n.º 2 da Lei n.º 9/2011, de 12 de abril, pelo decurso do prazo nele estabelecido e pela circunstância de nada ter sido manifestado nesse prazo.


Na situação concreta, a opção só agora manifestada, pelo Demandante, de regresso à situação de juiz conselheiro jubilado não suscita um dever de decisão e de deliberação por parte do CSM porquanto é extemporânea e, como tal, não põe em causa a sua situação estatutária pré-existente, uma vez que, o decurso do prazo legal para o exercício dessa opção consolidou a sua situação estatutária de aposentado (…)”.


Como assim, mostram-se reconhecíveis os contornos do caso julgado formado no processo n.º 79/18.9...


Em face do que se veio de expor, é imperioso constatar que, cotejando os pedidos formulados nestes autos e naqueles que correram termos sob o n.º 79/18.9... desta Secção, se alcança a conclusão de que, em ambas as lides, o Autor pretende, em substância, a condenação do Réu no reconhecimento/atribuição do estatuto de Juiz Jubilado.


É, assim, possível concluir pela perfeita indistinguibilidade entre as pretensões formuladas num e noutro processo. Não basta, com efeito, a mera adjunção, no petição, do adjectivo “inamovível” ou a iterada referência ao “estatuto de inamovibilidade” para postergar aquela conclusão.


Nesse encadeamento, há que considerar que a situação estatuária do Autor perante o Réu se acha cabalmente definida no aresto proferido naquele processo.


Com efeito, ali se decidiu, com força de caso julgado, que o Autor “(…) permanece na situação de aposentado, mas agora de forma definitiva (…)”, asserção que, em moldes essencialmente semelhantes, foi sendo reiterada ao longo de todo o acórdão.


E vale a pena frisar que a acção de condenação à prática de acto devido (pedido cuja cumulação foi expressamente admitida no aresto proferido no processo n.º 79/18.9...) constitui “(…) um meio ou processo de plena jurisdição cujo objecto diz respeito à pretensão material do interessado, à relação material controvertida que se constituiu (…)”, pelo que, forçosamente, o tribunal tem “(…) o dever de analisar e decidir do mérito da pretensão [sublinhado nosso] (…)” e, nessa medida, os respectivos fundamentos fácticos e jurídicos em que ela assenta ( cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Janeiro de 2012, proferido no proc. n.º 574/10 e acessível em www.dgsi.pt; no mesmo sentido, expendem MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA - Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, pág. 364 “(…) É, portanto, sob a pretensão do interessado que o tribunal se deve pronunciar: se a julgar procedente, impondo a prática do acto (…)” – e LUÍS FILIPE COLAÇO ANTUNES, A Ciência Jurídico Administrativa, Almedina, pág. 579, ao escrever que se inclina para a tese que vê como objecto do processo “(…) a pretensão material do cidadão (…)”. Por isso, como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Junho de 2020, proferido no processo n.º 35/19.0YFLSB e disponível em www.dgsi.pt. “(…) pode ocorrer desde logo a improcedência da acção. Isto pode decorrer essencialmente das seguintes quatro vicissitudes: (…) o demandante não está em posição processual que o legitime a exigir tal acto, reivindicando em seu favor uma sentença que condene a entidade demandada a fazê-lo; (…)”.


Crê-se, por isso, que o Autor, não pode aludir à decisão de improcedência ( como sucede, por exemplo, no artigo 8º da réplica) sem tomar em consideração o mais importante antecedente lógico em que ela assentou.


Deparamo-nos, pois, com uma decisão que - como era suposto, ademais, pelo pedido condenatório formulado- procedeu ao acertamento do estatuto jurídico do Autor perante o Réu.


Nessa medida, verifica-se a falada relação de prejudicialidade entre as duas causas.


Com efeito, e como bem se percebe, a definição da situação estatutária do Autor não pode nem deve ser unicamente estruturada a partir da deliberação parcialmente transcrita no ponto n.º 9 do elenco supra, pois tem, como inarredável ponto de partida, o que se decidiu naqueles outros autos a esse respeito. Em síntese, a decisão tomada no processo n.º 79/18.9... desta Secção constitui-se como um pressuposto lógico e irrefutável da decisão a proferir nos presente autos, assumindo plenamente a dimensão positiva do caso julgado a que acima se aludiu.


Assim sendo, torna-se, desde logo, claro que a apreciação e a decisão do pedido formulado nesta acção no sentido preconizado pelo Autor contenderia frontalmente com o definitivamente decidido no processo n.º 79/18.9... e com os fundamentos fácticos e jurídicos em que essa decisão se apoiou. Como facilmente se compreende, existiria uma intolerável contradição lógica entre a decisão de mérito que o Autor pretende que seja tomada neste processo e aquela que foi tomada mo processo n.º 79/18.9... Os efeitos jurídicos de uma e de outra decisão seriam, em síntese, inconciliáveis entre si. 


E também não se diga de que, naquele aresto e na óptica do Autor, não se abordou cabal ou perfeitamente a argumentação por ele expendida. É que a valoração jurídica dos factos pretensamente constitutivos do direito exercido em juízo e a consequente inatendibilidade de pretensões neles fundadas/fundáveis está já judicialmente acertada por decisão dotada da força de caso julgado material. É quanto basta para que, sem necessidade de outros considerandos e em homenagem aos valores subjacentes ao instituto do caso julgado considerar que esses mesmos factos e os seus efeitos jurídicos não devem voltar a ser discutidos em juízo. 


Como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de ... de ... de 2014 salientou ”(…) a força obrigatória reconhecida ao caso julgado material repousa na necessidade de assegurar estabilidade às relações jurídicas, não permitindo que litígios, entre as mesmas partes e com o mesmo objecto, se repitam indefinidamente, em prejuízo da paz jurídica, que ao Estado, como defensor do interesse público, compete assegurar. Sendo, precisamente, pela imposição, aos litigantes, desse comando jurídico indiscutível – a decisão transitada sobre o mérito da causa – que o Estado prossegue essa finalidade, assegurando o prestígio dos tribunais e garantindo a certeza e segurança jurídicas nas relações interpessoais.”. 


Se assim não fosse, admitir-se-ia que, com a introdução de sub-reptícias alterações ao pedido (com o acrescento do qualificativo “inamovível” ) e/ou aos fundamentos jurídicos em que o faz repousar, o Autor intentasse sucessivamente diversas acções até alcançar o integral sucesso da sua pretensão.


Tendo presente as precedentes considerações, impõe-se, pois, a verificação da autoridade do caso julgado.


Impõe-se, por isso, que se reconheça que, actualmente, o Autor detém a situação estatuária de aposentado, o que, por sua vez, implica que este tribunal se abstenha de tomar posição sobre a argumentação expendida pelo Autor no sentido de ser indispensável a prévia organização de um procedimento administrativo para operacionalizar a disciplina prevista no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril e, consequentemente, a concessão, nesse âmbito, do direito de audiência prévia ao Autor (artigos 14.º a 18.º da petição inicial e artigos 9.º e 10.º da réplica) (No sentido de que o caso julgado apenas impede a alteração da decisão transitada com base num fundamento precludido, v. TEIXEIRA DE SOUSA, Preclusão e caso julgado, pág. 10, acessível em TEIXEIRA_DE_SOUSA_M_Preclusao_e_caso_jul.pdf.)


Não se pode, com efeito, olvidar que ali se decidiu que se tratava de uma consequência ope legis, o que, necessariamente, evidencia a dispensabilidade de um tal procedimento administrativo para esse fim.


Nesta conformidade e sem perder de vista o referido acertamento, impõe-se apenas que apreciemos a argumentação que, em relação ao antes alegado, apresenta um cariz de novidade16, atento o facto de se reportar a outra deliberação. ( no sentido de que o “caso julgado não preclude a possibilidade de invocar diferentes causas de pedir para o mesmo pedido, tal como não impede a formulação de outros pedidos, com relação à mesma causa de pedir”, v. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2009 e de 17 de Janeiro de 2017 – proferidos, respectivamente, no proc. n.º 09B0081 e no processo n.º 3844/15.5T8PRT.S1 e acessíveis em www.dgsi.pt e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Algumas questões sobre o ónus de alegação e de impugnação em processo civil, in Scientia Iuridica, tomo LXII, n.º 332, pág. 404)


Essa argumentação centra-se na violação do dever de decidir, na violação do princípio da proporcionalidade e no cotejo com o regime emergente da Lei n.º 24/2019, de 12 de Março.


Abordemo-los pela ordem com que o Autor as apresenta.


Violação do dever de decidir.


O princípio da decisão exige que os órgãos administrativos se pronunciem sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados pelos particulares (n.º 1 do artigo 13.º do Código do Procedimento Administrativo).


No âmbito de um procedimento administrativo, esse princípio, em harmonia com o princípio da legalidade (artigo 3.º daquele diploma) transmuta-se, para a Administração, em dever de decisão, o qual se caracteriza como “o dever de responder às iniciativas que lhe são apresentadas pelos particulares (…) em defesa de interesses próprios ou de natureza objectiva, quais sejam os patrocinados pela Constituição, pelas leis ou pelos interesses gerais, pois é para o respectivo tratamento que a administração está vocacionada (…)” (v. LUIZ CABRAL MONCADA, Código de Procedimento Administrativo Anotado, Coimbra, pág. 114)


A inobservância do dever de decidir – isto é, o silêncio indevido da Administração – determina a incursão em omissão de pronúncia e, consequentemente, em vício de violação de lei ( v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 2018, proferido no proc. n.º 92/17.3YFLSB e acessível em www.dgsi.pt).e, ademais, viabiliza o recurso à acção de condenação à prática de acto devido (cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 67.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).


Regressemos ao caso em apreço.


Atentando na deliberação em causa (cfr. ponto n.º 9 do elenco supra), é patente que o Réu não infringiu o dever de tomar uma posição sobre a pretensão que lhe fora exposta pelo Autor no requerimento nela referido (cfr. ponto n.º 8 do mesmo elenco). Com efeito, o Conselho Superior da Magistratura deliberou expressamente sobre a mesma, tendo-a denegado.


E, ao contrário do que se advoga, não lhe era interdito que, para o efeito, se socorresse da invocação do caso julgado formado no processo n.º 79/18.9...


Na verdade, a observância do ali decidido acha-se-lhe imposta pelo n.º 2 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa e pelo n.º 1 do artigo 158.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.


Essa vinculação impede, além do mais,, que o Réu, livremente, pudesse revogar o acto anterior ao caso julgado, ou seja, a deliberação mencionada no nº 5 do elenco factual, (n.º 1 do artigo 167.º do Código de Procedimento Administrativo). Deve, aliás, notar-se que a vinculação legal ao caso julgado constitui a razão pela qual um acto ofensivo do caso julgado deve ser tido como nulo (alínea i) do n.º 2 do artigo 161.º do mesmo diploma).


Por seu turno e, ao contrário do que se parece entender ( artigos 9º e 10º da petição inicial e da artigo 9º da réplica), há a salientar que o Réu não enjeitou o cumprimento do dever de decidir escudando-se no caso julgado formado no processo n.º 79/18.9... O que se constata através da interpretação do conteúdo daquele acto decisório é que, após ponderação dos argumentos agora aduzidos (mormente, a invocada imutabilidade da respectiva situação estatuária), se denegou a pretensão formulada, com fundamento, em substancial medida, no que fora decidido no processo n.º 79/18.9..., o que é bem diverso da preterição do dever de decidir.


Deve, de resto, observar-se que “o princípio da globalidade da decisão (n.º 2 do artigo 94.º do Código de Procedimento Administrativo) apenas impõe a resolução de questões que o órgão decisor tenha por pertinentes - a par, obviamente, da pronúncia expressa sobre o pedido formulado - não sendo legalmente exigível que a administração tome posição sobre todos os raciocínios, argumentos, razões, considerações ou pressupostos - que, podem, na terminologia corrente, até ser tidos como “questões” - empregues pelos particulares para sustentar a sua pretensão, mas apenas sobre as questões por esta efectivamente suscitadas.” ( cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Maio de 2017, proferido no proc. n.º 61/16.0YFLBS e sumariado em www.stj.pt.).


Nesta conformidade, não se reconhece a indevida preterição do aludido dever de decidir.





Violação do princípio da proporcionalidade:


Abordemos agora a argumentação do Autor no sentido de que a consequência da falta de declaração de opção a que alude o n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 9/2011 de 12 de Março se constitui como uma sanção desproporcional que não encontra arrimo em qualquer motivo de interesse público.


O princípio da proporcionalidade acha-se contido no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e definido nos n.os 1 e 2 do artigo 7.º do Código do Procedimento Administrativo. A sua observância implica que a administração prossiga o interesse público escolhendo as soluções das quais decorram menos sacrifícios para as posições jurídicas dos administrados.


Antes mesmo da reforma do Código do Procedimento Administrativo, já FREITAS DO AMARAL ensinava que o aludido princípio se desdobrava em três dimensões a saber: a adequação, a necessidade e o equilíbrio. «A adequação significa que a medida tomada em concreto deve ser causalmente ajustada ao fim que se propõe atingir (…) a necessidade significa que, além de idónea para o fim que se pretende alcançar, a medida administrativa deve ser, dentro do universo das abstractamente idóneas, a que lese em menor medida os direitos e interesse dos particulares (…) o equilíbrio (…) exige que os benefícios que se esperam alcançar com determinada medida administrativa, adequada e necessária, suplantem, à luz de certos parâmetros materiais, os custos que ela por certo acarretará (…)». (Curso de Direito Administrativo, Coimbra, volume II, págs. 129 a 132, do citado autor com a colaboração de LINO TORGAL, posição que se vê reafirmada nas págs. 113 a 115 da 3ª edição da mesma obra; no mesmo sentido, MARCELO REBELO DE SOUSA, Lições de Direito Administrativo, Pedro Ferreira Editor, págs. 145 e 146).


Vem, no caso, questionada a conformidade à Constituição da interpretação dada ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril.


Sob a epígrafe “Regime transitório relativo à jubilação”, ali se previa que “Os magistrados judiciais ou do Ministério Público com a jubilação suspensa devem, no prazo de três meses a contar da data de entrada em vigor da presente lei, optar pela mesma ou pela aposentação.”


Se bem que se deva reconhecer que o fundamento agora invocado não foi apreciado e conhecido de modo concreto, o certo é que, como vimos salientando, ali se reconheceu que a falta de cumprimento do ónus ( e não “sanção”) previsto acarretava forçosamente a recondução da situação do Autor ao estatuto de aposentado ( Cfr., entre outros, o Acórdão n.º 46/2019, de 23 de Janeiro, acessível em TC > Jurisprudência > Acórdãos > Acórdão 46/2019 (tribunalconstitucional.pt. No mesmo sentido, v. LOPES DO REGO, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil - Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, págs. 839 e 840)


Por isso, a argumentação ora apreciada perde acuidade e relevância. Essa consequência, porque coberta pela força do caso julgado, projecta-se neste processo, estando, nessa medida, vedado ao Autor discutir, nesta sede, o acerto da decisão ali tomada. Irrelevam, pois, argumentos como aqueles que se aduzem nos artigos 21.º, 24.º, 27.º, 28.º e 29.º da petição inicial, aduzidos com o propósito de reverter o sentido da decisão ali adoptada.


Em todo o caso, e tomando posição sobre tal argumentação, cabe ponderar o seguinte.


Para aquilatar a conformidade constitucional de ónus processuais – imposições que apresentam um incontornável paralelismo com o caso dos autos – à vista do princípio da proporcionalidade, tem-se firmado, na jurisprudência do Tribunal Constitucional e em conformidade com o expendido acerca das dimensões operantes daquele princípio, a necessidade de sujeitar a norma que os cria a uma sequência de testes, a saber: a adequação funcional, o grau de onerosidade e a definitividade das consequências da sua inobservância ( Cfr., entre outros, o Acórdão n.º 46/2019, de 23 de Janeiro, acessível em TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 46/2019 (tribunalconstitucional.pt); no mesmo sentido, v. LOPES DO REGO, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil - Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra, págs. 839 e 840)


Neste âmbito, importa recordar que, no aresto proferido no processo n.º 79/18.9... se reconheceu que a cessação da faculdade da suspensão do estatuto da jubilação tinha em vista a dignificação do mesmo no contexto do Estatuto dos Magistrados Judiciais. Deve-se, de resto, notar que esse mesmo interesse público subjaz igualmente à previsão do n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 24/2019, de 13 de Março, mediante a qual se extinguem, ope legis, as situações de suspensão da condição de jubilado que hajam sido admitidas à luz da pregressa redacção do n.º 5 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.


Sujeitando a citada norma aos já referidos testes, crê-se que o ónus imposto aos interessados pelo citado preceito se revela funcionalmente adequado a pôr termo às situações em que o estatuto da jubilação se achava suspenso, isto é, a alcançar o fim legalmente visado por aquela norma.


Por seu turno, o cumprimento do referido ónus não representa, para os interessados que se encontravam nessa situação, um encargo excessivo. Atente-se, desde logo, na dimensão temporal concedida para a actuação preconizada (sendo que, como se notou no aresto proferido no processo n.º 79/18.9..., a proporcionalidade não pode ser aferida em função de um caso concreto) e na inexigibilidade de observância de qualquer forma ou na necessidade de adoptar um concreto procedimento para manifestar a opção pela jubilação.


Por fim, constata-se que a consequência associada à falta de cumprimento do ónus se acha em estreita harmonia com o fim de interesse público que presidiu à sua imposição, não se figurando uma manifesta desproporção entre este objectivo e aquele encargo. O cariz indubitavelmente gravoso da consequência assacada à sua inobservância acha-se temperada pela ampla latitude com que a opção poderia ter sido exercida, evidenciando-se, outrossim, que a norma promove, congruentemente, um interesse relevante de igual valência.


Não se detecta, pois, que se tenha verificado a referida violação do princípio da proporcionalidade.





Cotejo com o regime emergente da Lei nº 24/2019 de 12 de Março.


Resta, por fim, o argumento contido nos artigos 29.º a 33.º da petição inicial, o qual se estriba no entendimento de que existe um paralelismo entre as normas contidas no artigo 2.º e no artigo 3.º da Lei n.º 24/2019, de 13 de março.


O primeiro desses preceitos procedeu à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (que aprovou o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária), introduzindo a seguinte redacção no n.º 5 do seu artigo 7.º na qual se lê que:


“5 - Os magistrados jubilados podem exercer funções de árbitro em matéria tributária, devendo, para o efeito, fazer uma declaração de renúncia à condição de jubilados, aplicando-se em tal caso o regime geral da aposentação pública.”


Por seu turno, no artigo 3.º da Lei 24/2019, de 13 de Março contém uma norma transitória, que estipula:


“1 - As situações de suspensão provisória da condição de magistrado jubilado, solicitadas ao abrigo da anterior redação do n.º 5 do artigo 7.º do regime jurídico da arbitragem em matéria tributária, cessam definitivamente no termo do período de suspensão em curso, salvo nos casos dos magistrados que sejam árbitros em processos pendentes de decisão ou acórdão à data da entrada em vigor da presente lei, e o respetivo trânsito em julgado não ocorra até àquela data.


2 - Nos casos referidos na parte final do número anterior, as suspensões provisórias são prorrogadas até ao trânsito em julgado das decisões ou acórdãos desses processos.”.


A argumentação ali aduzida não foi concretamente apreciada e conhecida no aresto proferido no processo n.º 79/18.9...


Porém, deve salientar-se que a interpretação do disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 9/2011 de 12 de Abril se mostra sedimentada em função do caso julgado ali formado, a qual se impõe, pelos motivos já expostos, a este tribunal.


Não obstante, dir-se-á que a redacção actual do n.º 5 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, versa sobre o exercício de funções como árbitros em matéria tributária, o que, em face da facticidade privada, não encontra qualquer paralelismo com a situação em que o Autor se encontrava à data da publicação da Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril.


Por outro lado, além de se notar que os diplomas em cotejo entraram em vigor em contextos temporal e socialmente distintos, deve sublinhar-se uma essencial diferença entre os regimes em cotejo. Aos potenciais destinatários daqueloutra norma foi imposto um ónus de opção pela jubilação, ao passo que aos destinatários da norma contida no n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 24/2019, de 13 de Março (que não se identificam com o Autor) foi imposta a irreversível cessação da suspensão do estatuto da jubilação.


Ora, sendo certo que a interpretação de qualquer diploma deve atender à unidade do sistema jurídico (n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil), a consideração da ampla margem de conformação de que goza o legislador impele a que se conclua que o regime emergente deste último diploma se revela desprovido de utilidade servir para interpretar diferenciadamente o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 9/2011, de 12 de Abril.


Assinale-se, por fim, que, em sede de fiscalização concreta, o juízo de inconstitucionalidade que recaia sobre uma norma pressupõe uma relação directa entre esta e a Constituição da República Portuguesa ( assim, JORGE MIRANDA “Constituição da República Portuguesa Anotada”, tomo III, Coimbra, págs. 705 e 716), o que equivale por dizer que essa questão deve ter por objecto normas que tenham sido ou tenham de ser aplicadas na apreciação e decisão da causa (cfr. GOMES CANOTILHO “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, 5.ª Edição, Almedina, pág. 978)


Assim, perante a vaguidade com que se invoca a violação do n.º 1 do artigo 216.º e do n.º 5 do artigo 267.º, ambos da Constituição da República Portuguesa - o Autor não explicita em que medida que foram interpretadas normas jurídicas em sentido adverso à garantia da inamovibilidade e às garantias dos administrados ali respectivamente previstas - nada mais cabe referir.


Conclui-se, pois, pela improcedência da acção.


Decisão


Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a presente acção de condenação à prática de acto devido e, consequentemente, absolver o Réu Conselho Superior da Magistratura do pedido contra ele formulado pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro AA.





Custas pelo Autor ( nºs 1 e 2 do artigo 527.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, Tabela I - A, anexa ao RJC e n.º 1 do artigo 7.º deste diploma).


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  Lisboa, 19 de março de 2024


António Magalhães - Relator


João Cura Mariano


Teresa Féria


Ramalho Pinto


Orlando Gonçalves


António Barateiro Martins


Nuno Pinto Oliveira